Percepção de empreendedores acerca das políticas públicas no enfrentamento da Covid-19

Resumo

Objetivo:

A pesquisa analisou a percepção dos empreendedores das cidades de São Paulo e São Luís em relação às políticas públicas implementadas durante a pandemia para o enfrentamento da crise da Covid-19 e como elas contribuíram para a sobrevivência das micro, pequenas e médias empresas (MPME) em situações adversas.

Originalidade/valor:

Ante o avanço da curva de contágio da Covid-19, os governos de todo o mundo adotaram medidas de contenção da doença. Tais medidas trouxeram impactos negativos para as organizações, em especial para as MPME, que são mais suscetíveis aos efeitos da crise. Nessas situações, o papel do Estado na promoção de políticas públicas de enfrentamento da crise é fundamental e pode representar a diferença entre a sobrevivência e recuperação e o encerramento das atividades do negócio.

Design/metodologia/abordagem:

Uma pesquisa qualitativa com abordagem exploratória de caráter descritivo foi desenvolvida por meio de um estudo empírico realizado em duas etapas, combinando as respostas de um questionário no Google Forms e entrevistas com 48 empreendedores de MPME nas cidades de São Paulo e São Luís. A análise de conteúdo foi apoiada pelo software Atlas.ti.

Resultados:

Cinco categorias de políticas públicas foram criadas: 1. financeiras, 2. tributárias, 3. operacionais, 4. políticas e 5. de saúde. Em situações adversas, o apoio governamental é fundamental para a sobrevivência e recuperação das MPME. Concluiu-se que, embora as políticas de apoio tenham sido consideradas insuficientes pelos empreendedores pesquisados, aqueles que conseguiram ter acesso relataram que elas foram fundamentais para a manutenção do negócio.

Palavras-chave
situações adversas; Covid-19; políticas públicas; MPME; apoio governamental

Abstract

Purpose:

The research analyzed the perception of entrepreneurs in the cities of São Paulo and São Luis regarding if the public policies implemented during the pandemic were sufficient to face the Covid-19 crisis and how they contributed to the survival of micro, small and medium-sized enterprises (MSMEs), in adverse situations.

Originality/value:

Faced with the advance of the Covid-19 contagion curve, governments worldwide have adopted measures to contain the disease. Such efforts negatively impacted organizations, especially MSMEs, which are more susceptible to the effects of the crisis. In these situations, the role of the State in promoting public policies to face the crisis is fundamental. It can represent the difference between survival and recovery versus the closure of business activities.

Design/methodology/approach:

A qualitative research with an exploratory, descriptive approach was developed through an empirical study carried out in two stages, combining the answers of a questionnaire in Google Forms and interviews with 48 entrepreneurs from MSMEs in the cities of São Paulo and São Luís. Content analysis was supported by Atlas.ti software.

Findings:

Five categories of public policies were created: 1. financial, 2. tributaries, 3. operational, 4. politicians, and 5. health. In adverse situations, government support is essential for the survival and recovery of MSMEs. It was concluded that although the support policies have been considered insufficient by surveyed entrepreneurs, those who managed to gain access reported that they were essential for maintaining the business.

Keywords
adverse situations; Covid-19; public policies; MSMEs; government support

INTRODUÇÃO

O empreendedorismo desempenha papel fundamental na economia e recebe destaque por sua capacidade de impulsionar o desenvolvimento do país (Ratten, 2021; Schumpeter, 1934). Contudo, durante a pandemia da Covid-19, essa capacidade foi significativamente reduzida (Cowling et al., 2020).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou estado de pandemia em 11 março de 2020 (World Health Organization, 2020), o que resultou em medidas drásticas dos governantes para conter a disseminação do vírus (Contractor, 2020; Senhoras, 2020), como o isolamento social, a proibição do funcionamento de empresas e atividades comerciais não essenciais, o fechamento das fronteiras entre países e, em situações mais graves, o lockdown, com bloqueio total de uma região (Baldwin & Weder di Mauro, 2020; Orga-nisation for Economic Co-operation and Development [OECD], 2020).

Com a adoção de tais medidas para contenção do vírus, muitos foram os desdobramentos econômicos, financeiros e sociais ocorridos com a Covid-19 (Krishnan et al., 2022; Ratten, 2021). Diante da adversidade de uma pandemia, empresas de todo o mundo sofreram impactos negativos, contudo as micro, pequenas e médias empresas (MPME) foram as mais atingidas pelos efeitos da crise (Cowling et al., 2020; OECD, 2020).

Embora sejam consideradas motores do crescimento econômico (Audretsch, 2009; Franco & Haase, 2020), as MPME são mais vulneráveis por causa dos recursos financeiros limitados, da menor produtividade e de menos ativos (OECD, 2020). Por isso, frequentemente, não possuem robustez suficiente para resistir às adversidades (Cowling et al., 2020; Fabeil et al., 2020). Nessas situações, o papel do Estado na implementação de políticas públicas de enfrentamento da crise é fundamental (Baldwin & Weder di Mauro, 2020; Cowling et al., 2020; Krishnan et al., 2022; Weible et al., 2020) e pode representar a diferença entre a sobrevivência e recuperação e o encerramento das atividades do negócio (International Monetary Fund [IMF], 2020; OECD, 2020; Ratten, 2021).

Diante desse cenário, este estudo analisa a percepção dos empreende-dores das cidades de São Paulo e São Luís em relação às políticas públicas implementadas durante a pandemia para o enfrentamento da crise da Covid-19 e como elas contribuíram para a sobrevivência das MPME em situações adversas. Para isso, foi conduzida uma pesquisa qualitativa com abordagem exploratória de caráter descritivo com empreendedores de MPME das cidades de São Paulo e São Luís, duas importantes capitais em diferentes regiões do país, com aspectos culturais e econômicos distintos. Realizou-se um estudo empírico em dois estágios: 1. questionário no Google Forms e 2. entrevistas com roteiro semiestruturado (Creswell, 2014). A análise de conteúdo foi apoiada pelo software Atlas.ti (Bardin, 2011).

Situações adversas como as de uma pandemia nas proporções da Covid-19 são, em geral, entendidas como eventos críticos, amplamente compartilhados e devastadores para os empreendedores. Nessas situações, os empreendedores seguem procedimentos incomuns, e a ocorrência inesperada dessas adversidades exige velocidade nas respostas dos atores organizacionais (Amankwah-Amoah et al., 2021). Em situações assim, o apoio governamental, por meio de políticas públicas, é fundamental para a sobrevivência e recuperação das MPME (IMF, 2020; OECD, 2020; Ratten, 2021).

As políticas públicas são diretrizes conceituais desenvolvidas para lidar com problemas públicos. Essa abordagem visa a encontrar meios adequados para resolver questões de interesse coletivo. Tanto a identificação dos problemas públicos quanto a formulação das políticas requerem a consideração dos instrumentos mais apropriados e o envolvimento dos atores relevantes nesse processo (Lasswell, 1956; Lima & Papi, 2020; Secchi et al., 2019).

Assim, este estudo contribui para o avanço da pesquisa em empreendedorismo em situações adversas. Os resultados também poderão ser úteis para a formulação de planos de intervenção e políticas públicas que auxiliem na recuperação de MPME afetadas pela pandemia. Espera-se colaborar com a comunidade empresarial ao discutir conceitos teóricos e analisar dados acerca do empreendedorismo e em como políticas públicas eficientes influenciam a capacidade de recuperação de MPME em situações adversas.

REFERENCIAL TEÓRICO

Empreendedorismo no contexto das MPME

O empreendedorismo tem sido amplamente reconhecido como uma força propulsora do desenvolvimento econômico e social (Audretsch, 2009; Syriopoulos, 2020). Schumpeter (1934) destaca que o empreendedor assume papel de agente de inovação e mudança, capaz de criar oportunidades de negócios e impulsionar o crescimento econômico. Shane e Venkataraman (2000) evidenciam a importância do empreendedorismo como um processo de descoberta e exploração de oportunidades.

No contexto das MPME, o empreendedorismo desempenha um papel fundamental nas economias locais e nacionais, contribuindo para a geração de empregos, inovação e crescimento econômico (Syriopoulos, 2020). Sarasvathy (2001) enfatiza a importância da abordagem effectuation, em que os empreendedores utilizam recursos disponíveis de maneira flexível e criativa para alcançar seus objetivos, especialmente em contextos de incerteza.

Os empreendedores enfrentam diversos desafios em suas jornadas, como a falta de recursos financeiros, o acesso limitado a mercados e a necessidade de enfrentar a concorrência (Audretsch, 2009). Especialmente nas MPME, essa realidade é premente (Cicea et al., 2019; Fabeil et al., 2020). Para promover o crescimento e a sustentabilidade das MPME, políticas públicas e programas de apoio têm sido implementados em diferentes países. Audretsch (2009) destaca a importância do ambiente institucional favorável e como ele pode facilitar a atividade empreendedora e promover a competitividade das MPME. Especialmente em situações adversas, as políticas públicas exercem papel fundamental para o empreendedorismo na recuperação das MPME (Arzeni et al., 2012; OECD, 2020; Weible et al., 2020).

Situações adversas

As circunstâncias vivenciadas pelos indivíduos em contextos adversos, como desastres naturais, ataques terroristas, guerras, falha de equipamento, erro humano, recessões, crises financeiras e econômicas ou mesmo uma pandemia, geralmente são excepcionais e específicas e possuem altos índices de incertezas e mudanças, representando, eventualmente, uma ameaça imprevisível e crítica à continuidade das atividades de um empreendimento (Bhamra et al., 2011). Neste estudo, eventos extremos como os especificados são denominados situações adversas (Monllor & Murphy, 2017).

Os riscos de situações adversas são crescentes, especialmente com proporções mundiais, seja por causa das mudanças climáticas antropogênicas, do crescimento populacional ou do desenvolvimento urbano. Portanto, compreender o contexto em que essas situações ocorrem e como os empreendedores reagem a elas pode ser fundamental (Field et al., 2012; Monllor et al., 2020). Em situações adversas, a flexibilidade propicia o emprego da improvisação e possibilita o surgimento de respostas criativas e inovadoras diante das circunstâncias, quando ações planejadas e programadas são mais difíceis de ser realizadas, permitindo que os empreendedores reconheçam e moldem oportunidades à medida que surgem informações sobre as mudanças (Monllor et al., 2020; Wiltbank & Sarasvathy, 2010).

Situações adversas, como crises, podem ser retratadas como um fenômeno pouco frequente, com elevado índice de incertezas e relevante impacto para a sociedade. Normalmente, desenvolvem nos envolvidos senso de urgência em como responder à situação. As adversidades de uma crise podem diferir em tipo, magnitude e duração, dependendo do impacto causado na sociedade (Ratten, 2020; Welter & Smallbone, 2011).

Adversidades como desastres naturais (tsunâmis, furações, terremotos e incêndios florestais) tendem a ser eventos únicos que ocorrem em circunstâncias ambientais específicas e, embora aconteçam com relativa frequência, podem ser controlados com o uso de intervenções (Monllor & Murphy, 2017). Outras, como bugs de computadores e desastres tecnológicos, embora tenham efeitos significativos nas organizações, como sua origem é geralmente conhecida, do ponto de vista de gestão, tendem a ser mais fáceis de lidar (Ratten, 2020).

Adversidades como crises governamentais, causadas especialmente por mudanças de liderança ou impasses políticos, podem ter efeitos na estabilidade de um país, enquanto adversidades de uma crise de saúde geralmente são mais difíceis de compreender, sendo raras, imprevisíveis e com conse-quências graves. Por isso, podem ser classificadas como eventos do cisne negro, caracterizados como eventos raros e inesperados, sem indicações no passado de sua possibilidade, e que carregam consigo impactos extremos (Amankwah-Amoah et al., 2021; Kuckertz et al., 2020).

Embora as recentes crises de saúde causadas por pandemias, como a de Sars (2002), gripe aviária (2009), síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers) (2012) e ebola (2013 e 2014), tenham afetado regiões específicas com resultados negativos, especialmente nos níveis de renda, fabricação e processamento de alimentos, causando repercussões negativas na produção e abastecimento de suprimentos, a Covid-19 mostrou-se um evento mais agressivo. Ela afetou a maioria das regiões do mundo, e suas consequências causaram mudanças expressivas nas práticas sociais e nos locais de trabalho. Seus efeitos econômicos em longo prazo ainda são indeterminados.

Poucas organizações estavam preparadas para as adversidades experimentadas com a crise da Covid-19, e mesmo aquelas que possuíam estratégias de gerenciamento de risco em vigor não previram um evento nessa proporção (Mora Cortez & Johnston, 2020). A crise advinda da pandemia causou efeitos profundos nas empresas, sobretudo nas MPME que geralmente computam projeções semanais para sua manutenção no mercado (Cowling et al., 2020; Omar et al., 2019). Nesse contexto, o apoio governamental, por meio de políticas públicas, é primordial para a manutenção dos empreendimentos (IMF, 2020; OECD, 2020; Ratten, 2021).

Políticas públicas de apoio e enfrentamento da Covid-19

As políticas públicas são fundamentais para promover a equidade social, reduzir desigualdades e garantir os direitos básicos da população (Weible et al., 2020). Elas são moldadas pelas necessidades e aspirações da sociedade e devem ser baseadas em evidências, estudos e análises para serem efetivas. O processo de formulação de políticas públicas envolve a identificação de problemas enfrentados pela sociedade, a análise das possíveis soluções e a definição de estratégias para implementá-las (Lasswell, 1956; Lima & Papi, 2020; Secchi et al., 2019).

Trata-se de um processo complexo que requer a participação de diversos atores, como gestores públicos, especialistas, setor privado e cidadãos (Weible et al., 2020). O ciclo de políticas públicas proposto por Lasswell (1956) como abordagem para analisar a elaboração e implementação de políticas governamentais é referência para aprimorar políticas e buscar soluções efetivas para os desafios sociais (Lima & Papi, 2020). O ciclo descreve etapas sequenciais envolvidas na formulação e implementação de políticas, cruciais para garantir a eficácia e o sucesso das ações governamentais (Figura 1).

Figura 1
Ciclo de políticas públicas

O ciclo de políticas públicas é um processo contínuo e interativo, com cada fase influenciando a próxima. Além disso, o envolvimento de diversos atores pode afetar as decisões e os resultados ao longo do ciclo. Compreendê-lo é essencial para a tomada de decisões eficazes no âmbito governamental, permitindo uma análise holística dos problemas sociais e facilitando a implementação de políticas efetivas (Lasswell, 1956; Lima & Papi, 2020; Secchi et al., 2019). Em situações adversas como a Covid-19, o ciclo de políticas públicas pode ser uma importante ferramenta para auxiliar a mitigação dos problemas públicos enfrentados (Weible et al., 2020).

Com a propagação da pandemia da Covid-19, a maioria dos países adotou medidas de contenção do vírus, gerando impactos recessivos nas economias nacionais, especialmente por conta das restrições de movimento (Baldwin & Weder di Mauro, 2020; Krishnan et al., 2022; The Economist, 2020). O apoio externo, principalmente por meio de políticas públicas, foi fundamental para as empresas, sobretudo para as MPME (Bartik et al., 2020; Fabeil et al., 2020; Ratten, 2021; Razumovskaia et al., 2020; Weible et al., 2020). Tais políticas públicas podem influenciar nas decisões estratégicas dos empreendedores (Bartik et al., 2020; Haeffele et al., 2020) e, geralmente, incluem isenções fiscais, financiamento e subsídios públicos, moratória sobre pedidos de recuperação e falências, antecipação de férias, redução de jornada de trabalho, moratória em auditorias nas empresas, entre outros. Esse sistema de suporte auxilia na sobrevivência e na recuperação das MPME (IMF, 2020; OECD, 2020; Ratten, 2021; Razumovskaia et al., 2020).

O perfil das políticas econômicas de enfrentamento da Covid-19 revela assimetrias entre países desenvolvidos, emergentes e subdesenvolvidos (IMF, 2020; Krishnan et al., 2022). Países desenvolvidos ofereceram pacotes mais robustos, como os Estados Unidos com US$ 2 trilhões (representando 6,3% PIB), Alemanha com € 750 bilhões (12% do PIB) e a Inglaterra £ 390 bilhões (17% do PIB) (Cochrane & Fandos, 2020). Por sua vez, países como Espanha e França ofereceram quantias menores, respectivamente até € 100 bilhões (8% do PIB) e € 300 bilhões (12,5% do PIB) para empresas, porém com um elevado volume de garantias para empréstimos (Bénassy-Quéré et al., 2020). Já em países emergentes, como o Brasil, os pacotes foram mais tímidos, R$ 815,5 bilhões (11,4% do PIB) em 2020 (IMF, 2020; The Economist, 2020). O detalhamento dos recursos federais destinados ao combate da pandemia até 2021 pode ser visto no Portal da Transparência do governo brasileiro (Figura 2).

Figura 2
Despesas realizadas por ação até 2021 no enfrentamento da Covid-19

Essa distribuição foi destinada a três grupos principais: 1. auxílio financeiro para a população mais vulnerável - por meio do auxílio emergencial que representou 55% dos recursos destinados; 2. área da saúde - por meio de ações de enfrentamento (18%) e para procedimentos de média e alta complexidades para o tratamento da doença, custeados pelo Sistema Único de Saúde - SUS (5%); e 3. auxílio para empresas - por meio de programas de manutenção de empregos (6%) e financiamento para as empresas por meio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Pronampe (4%) (World Bank, 2021).

Evidentemente que os dois primeiros grupos receberam a maior parte dos recursos (população vulnerável e saúde). Cerca de 10% da receita foi destinada aos auxílios diretamente ligados ao setor produtivo (Tabela 1).

Tabela 1
Principais programas governamentais de apoio às empresas

Nome do programa	Descrição
Auxílio emergencial	Benefício financeiro destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados;
Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda	Oferece medidas trabalhistas, quando houver acordos entre trabalhadores e empregadores de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário; e suspensão temporária do contrato de trabalho;
Programa Vamos Vencer	Com medidas de apoio ao setor produtivo como adiamento no pagamento de impostos e flexibilização trabalhista;
Integralização de cotas no Fundo Garantidor de Operações (FGO)	Para o Programa Nacional de Apoio as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) para empréstimos com condições especiais de aprovação e taxas reduzidas.

Portal da Transparência (2022)

O governo brasileiro implementou diversos programas de apoio às empresas com o intuito de mitigar os impactos da Covid-19 por meio de medidas provisórias (MP) (Tabela 2).

Tabela 2
Principais MP instituídas pelo governo no enfrentamento da pandemia da Covid-19

Políticas públicas	Objetivo
MP 927 22/03/2020	Concessão de férias, postergação e parcelamento do pagamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) (Brasil, 2020a).
MP 936 01/04/2020	Redução de jornada de trabalho e de salário e/ou suspensão temporária do contrato de trabalho. Parte do salário foi custeada com recursos da União (Brasil, 2020b).
MP 944 03/04/2020	Destinou R$ 34 bilhões para a concessão de financiamentos para pagamento da folha salarial, em contrapartida, a não demissão de funcionários (Brasil, 2020c).
MP 949 08/04/2020	Crédito extraordinário para desenvolvimento energético. As empresas de energia não poderiam cortar o fornecimento para as empresas inadimplentes (Brasil, 2020d).
MP 958 24/04/2020	Dispensou, até 30/09/2020, as instituições financeiras da exigência de certidões de quitação, certidão negativa de inscrição de dívida ativa da União, Certificado de Regularidade do FGTS e Certidão Negativa de Débito nas contratações e renegociações de operações de crédito (Brasil, 2020e).
Resolução CGSN 154 03/04/2020	Os Tributos Federais apurados no Simples Nacional foram prorrogados por 6 meses; ICMS e ISS, também apurados no Simples Nacional, foram prorrogados por 3 meses (Brasil, 2020f).
MP 963 07/05/2020	Abre crédito extraordinário, em favor de Operações Oficiais de Crédito, no valor de R$ 5 bilhões para atendimento às empresas de turismo (Brasil, 2020g).
MP 975 20/05/2020	Autorizou a União a aumentar em até R$ 20 bilhões, sua participação no Fundo Garantidor para Investimentos (FGI), para cobertura das operações do Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Brasil, 2020h).

Destacam-se, entre as principais MP instituídas pelo governo, a MP nº 975, de 1º de junho de 2020, com o Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac), alterando a Lei nº 13.999, de 18 de maio de 2020, que lançou o Pronampe. Posteriormente, a MP nº 975 foi convertida na Lei nº 14.042, de 19 de agosto de 2020, estabelecendo o Peac, sob supervisão do Ministério da Economia (2022).

A MP nº 975/2020 autorizou o governo a injetar até R$ 20 bilhões no Fundo Garantidor para Investimentos (FGI), administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com o objetivo de facilitar o acesso a crédito e preservar agentes econômicos diante dos impactos econômicos da pandemia, buscando proteger empregos e renda (Ministério da Economia, 2022). Os programas instituídos pela MP nº 975 possuem regras próprias destacadas a seguir.

Os programas de créditos destinados a microempreendedores individuais (MEI), microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), bem como os recursos do Pronampe, conforme Lei nº 13.999/2020 alterada pela MP nº 975/2020, poderiam ser utilizados para quaisquer atividades empresariais, como capital de giro e investimentos (Ministério da Economia, 2022).

A MP nº 975/2020 permitiu que o Fundo de Garantia de Operações (FGO) avalizasse até 100% do valor de cada operação de crédito garantida e proibiu que instituições bancárias públicas que operassem o Pronampe cobrassem comissão pecuniária. Já os bancos privados emprestariam os recursos, enquanto o governo garantiria a operação (Ministério da Economia, 2022).

As MPME poderiam buscar no banco de sua preferência o apoio do FGI, administrado pelo BNDES, que avalizaria operações solicitadas por empresas com receita bruta entre R$ 360 mil e R$ 300 milhões. Em contrapartida, as empresas não poderiam demitir funcionários, e os recursos emprestados não poderiam ser utilizados para distribuição de lucros e dividendos entre os sócios. Além disso, empresas condenadas por trabalho infantil ou análogo à escravidão não tiveram acesso ao crédito pela MP nº 975/2020 (Ministério da Economia, 2022).

Além das medidas econômicas, a maioria dos governos adotou restrições de movimento para conter a disseminação da Covid-19 (Cowling et al., 2020; Fabeil et al., 2020). No Brasil, houve divergências entre o discurso do presidente da República, que defendia o isolamento social vertical (isolamento somente de pessoas infectadas ou suspeitas de contaminação pelo vírus) por meio da promulgação da Lei nº 13.979/2020, e o determinado por governadores de alguns estados da Federação, que estabeleciam o isolamento horizontal (para toda a população, com exceção das atividades consideradas essenciais). Assim, coube ao Supremo Tribunal Federal (STF) a resolução do mérito, que determinou que o tipo de isolamento estipulado à população caberia aos estados (Morais et al., 2020).

Diversos estados criaram decretos de enfrentamento da pandemia. No Maranhão e em São Paulo, especialmente nas cidades de São Luís e São Paulo, optou-se pelo isolamento horizontal. Contudo, São Luís foi a primeira ca-pital do Brasil a decretar lockdown (bloqueio total), por meio do Decreto nº 35.785/2020. O Ministério Público (MP) interveio por meio da Ação Civil Pública nº 0813507-41.2020.8.10.0001, em razão do alto número de casos e da falta de leitos hospitalares para atender a população doente (Morais et al., 2020). Posteriormente, São Paulo também precisou decretar lockdown em alguns períodos, mas sem intervenção do MP, por decisão do próprio governador (Decreto nº 64.879, 2020).

Em decorrência das medidas de contenção da Covid-19, os bloqueios econômicos representaram riscos significativos para muitas organizações, principalmente as MPME. Muitas empresas tiveram que adaptar seus modelos de negócios, especialmente aquelas baseadas na interação tradicional (face to face), para um formato on-line. Empresas mais ágeis conseguiram implementar mudanças mais rapidamente, enquanto outras enfrentaram maiores dificuldades (Cowling et al., 2020; McKibbin & Fernando, 2020).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Uma pesquisa qualitativa com abordagem exploratória de caráter descritivo foi conduzida em duas etapas. O estudo empírico combinou respostas de um questionário no Google Forms às entrevistas com roteiro semiestruturado, ambos validados por três especialistas em empreendedorismo (Ollaik & Ziller, 2012). Um pré-teste com dois empreendedores foi realizado após a validação dos instrumentos de coleta de dados (Manzato & Santos, 2012).

Na primeira etapa exploratória, elaborou-se um formulário do Google Forms para coletar informações sociodemográficas e econômicas, visando a obter o perfil dos empreendedores e das empresas. Publicou-se um flyer digital nas redes sociais dos autores que convidava os empreendedores com negócios ativos há pelo menos seis meses antes da pandemia da Covid-19 a participar da pesquisa. Nessa etapa, foram respondidos 68 formulários no período de janeiro a abril de 2022.

O questionário era finalizado convidando o empreendedor a participar da próxima fase da pesquisa, concedendo uma entrevista por teleconferência. A entrevista permitiu coletar informações históricas e direcionar o questionamento (Creswell, 2014). As análises posteriores concentraram-se nas respostas dos 48 empreendedores que concederam a entrevista e possuíam empreendimentos formais nas cidades de São Paulo e São Luís.

As entrevistas foram realizadas entre fevereiro e abril de 2022, usando plataformas digitais como Google Meet e Zoom (Deakin & Wakefield, 2014). As entrevistas foram gravadas com o programa oCam, com autorização dos respondentes por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e posteriormente transcritas com o programa Transkriptor.

Os empreendedores foram questionados sobre sua percepção em relação às políticas públicas governamentais de apoio implementadas durante a pandemia. Para tanto, elaborou-se um roteiro de entrevista semiestruturado com questões sobre: 1. classificação das políticas de apoio governamentais; 2. acesso às políticas de apoio; 3. contribuição das políticas para a manutenção dos negócios durante a pandemia; e 4. tipos de medidas que melhorariam o desempenho dos negócios.

A pesquisa envolveu empreendedores de MPME de diferentes contextos/setores nas cidades de São Paulo e São Luís. Os entrevistados foram identificados pela letra “E” seguida do número de ordem classificatória (de 1 a 48) e da sigla da respectiva cidade a que pertenciam (SP e SLZ).

A opção por essas cidades foi baseada no acesso dos autores aos empreendedores e nas diferenças expressivas entre elas. São Paulo é a maior capital do Brasil na Região Sudeste e ocupa a segunda posição no ranking de índice de desenvolvimento humano (IDH) brasileiro. Já São Luís, capital do Maranhão na Região Nordeste, ocupa a 25ª posição no mesmo ranking de IDH, conforme o IBGE de 1991, 2000 e 2010. Ambas as cidades se auto-intitularam capitais nacionais da vacinação contra a Covid-19.

Com o objetivo de garantir a confiabilidade e validade, as análises de conteúdo manual (Bardin, 2011; Flores, 1994) foram realizadas com o apoio do software Atlas.ti para análise de dados e conteúdo (Souza et al., 2019; Woods et al., 2016). Essa etapa visou classificar e categorizar as informações das entrevistas, reduzindo-as a elementos-chave, para possibilitar comparações.

Cinco categorias foram criadas a posteriori de acordo com as respostas dos entrevistados: 1. financeiras, 2. tributárias, 3. operacionais, 4. políticas e 5. de saúde. Segundo Bardin (2011, p. 280), “essa etapa deve ser conduzida considerando as seguintes fases: a) organização da análise; b) codificação; c) categorização; d) tratamento dos resultados, inferência e a interpretação dos resultados”.

A interpretação dos dados adotou uma abordagem interpretativista das narrativas dos entrevistados para compreender suas percepções subjetivas em relação às políticas públicas de apoio e enfrentamento da pandemia da Covid-19 (Hudson & Ozanne, 1988). Os achados foram comparados e classificados conforme as categorias criadas a partir da teoria e imputadas no software (Woods et al., 2016). A análise envolveu comparativos entre os perfis dos empreendedores, as características das empresas, o acesso às políticas públicas de apoio durante a pandemia e outros aspectos relevantes.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Perfil da amostra

A primeira etapa da pesquisa teve como objetivo levantar o perfil sociodemográfico e econômico dos 48 empreendedores respondentes e de suas empresas (Tabela 3).

Tabela 3
Perfil sociodemográfico dos respondentes

Perfil da amostra
Gênero	Feminino	45,83%	Cidade	São Paulo - SP	47,9%
	Masculino	54,17%		São Luís - MA	52,1%
Estado civil	Solteiro	25%	Idade com que começou a empreender	Dos 14 aos 20 anos	27,1%
	Casado	41,7%		Dos 21 aos 30 anos	41,7%
	União estável	14,55%		Dos 31 aos 40 anos	20,8%
	Divorciado	18,75%		Dos 41 aos 50 anos	4,2%
	Viúvo	0%		Acima dos 50 anos	6,2%
Faixa etária	18 a 29 anos	12,5%	Escolaridade	Ensino fundamental	2,08%
	30 a 39 anos	29,17%		Ensino médio	14,6%
	40 a 49 anos	37,5%		Técnico/profissionalizante	4,17%
	50 a 59 anos	14,58%		Ensino superior	31,25%
	60 a 69 anos	4,17%		Pós-graduação (lato sensu)	41,7%
	Acima 70 anos	2,08%		Pós-graduação (stricto sensu)	6,2%

As formações profissionais dos respondentes foram variadas, e entre elas destacam-se: administradores de empresas (n = 11), operadores do direito (n = 7), empresários (n = 6), contabilistas (n = 5), profissionais de publicidade e marketing (n = 5) e profissionais da educação (n = 4).

As empresas dos respondentes pertenciam aos seguintes setores de atividades: setor de serviços (60%), comércio (37%) e setor de indústrias (3%). Quanto aos segmentos, as empresas variavam em diferentes áreas, como alimentício (25%), educação (16,67%), contábeis (12,5%), esporte e lazer (12,5%), área da saúde (8,33%), vestuário e calçados (8,33%), comércio de peças (8,33%), jurídicos (6,25%), tecnologia (6,25%), turismo e hotelaria (4,16%) e móveis e decorações (4,16%), entre outras.

Os respondentes também foram questionados acerca do porte das empresas considerando o número de funcionários e o faturamento, conforme classificação da Lei Geral para Micro e Pequenas Empresas (Lei Complementar nº 147/2014). A maioria das empresas era composta por ME (39,7%) e EPP (39,7%), seguidas por MEI (16,2%) e empresas de médio porte - EMP) (4,4%).

Percepções do apoio governamental durante a pandemia

A maioria dos empreendedores participantes desta pesquisa (91,6%) enfrentou diversos desafios. Eles necessitaram de apoio de políticas públicas no enfrentamento da crise, o que corrobora os estudos anteriores de Bartik et al. (2020), Cowling et al. (2020), Haeffele et al. (2020), Krishnan et al. (2022) e Sobaih et al. (2021).

Para atenuar os custos sociais, psicológicos e econômicos causados pelo vírus, os governos de todo o mundo criaram programas econômicos de enfrentamento da Covid-19 (Bartik et al., 2020; Haeffele et al., 2020). No Brasil, algumas políticas governamentais (federais, estaduais e municipais) de apoio às empresas foram criadas. No âmbito federal, os principais programas voltados às empresas concentravam-se em garantia de renda mínima aos MEI (auxílio emergencial); empréstimos com taxas reduzidas (Pronampe); subsídios para folha de pagamento (Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda) em contrapartida à manutenção dos empregos; e adiamento no pagamento de impostos e flexibilização trabalhista (Programa Vamos Vencer) (Ministério da Economia, 2022).

Contudo, 78% dos respondentes relataram dificuldades no acesso a tais políticas de apoio, em especial aos empréstimos com taxas reduzidas do Pronampe (75%). As dificuldades mencionadas incluíam excesso de burocracia, critérios de elegibilidade restritivos e falta de garantias para aqueles que atendiam aos critérios, resultando em empreendedores elegíveis incapazes de obter o empréstimo nas instituições financeiras. Alguns relatos podem ser evidenciados a seguir:

Agora, empréstimos, Pronampe, a gente tentou e não conseguiu ... na semana que era disponibilizado o dinheiro pra empréstimo, a gente ia atrás do banco e já não tinha mais o dinheiro... E a gente tentou em três bancos diferentes. E mesmo assim, a gente não conseguiu em nenhuma das vezes que a contabilidade falou pra gente: “Olha, vamos tentar”. E a gente não conseguiu (E10.SP).

Eu acho que essa ajuda de custo seria muito importante, só que não houve. Tinha que ter uma distribuição melhor, né? Menos burocrática, né? E eu recebi carta da receita federal que eu tinha direito [Pronampe]. O faturamento estava tudo OK. Mas cheguei no banco e não tinha nada, você imagina que vai ter uma verba garantida, né? (E17.SP).

Esses resultados são congruentes com os encontrados por Bartik et al. (2020) em sua pesquisa com 5.800 empreendedores, que destacaram preocupações com o acesso ao programa de Ajuda, Alívio e Segurança Econômica contra o Coronavírus (Cares) durante a pandemia, principalmente por aborrecimentos burocráticos e dificuldades na definição dos critérios de elegibilidade.

Os empreendedores que aderiram ao Pronampe (23%) mencionaram que o programa contribuiu para a manutenção dos colaboradores e foi fundamental para o enfrentamento da crise e a manutenção do negócio. Esses resultados corroboram as pesquisas desenvolvidas por Bartik et al. (2020), Cowling et al. (2020) e Ratten (2020), além das indicações do FMI e da OECD, que destacam a importância do apoio externo, especialmente o governamental, em situações adversas como a Covid-19. Alguns relatos podem ser evidenciados a seguir:

[...] esse programa do governo de bancar os salários por garantia dos empregos foi fundamental na permanência da nossa operação. E também o programa de ajuda que se chama Pronampe, também? Ele fez com que a gente não afundasse... fez com que a gente estabilizasse nossa operação (E6.SLZ).

Sem faturamento e ainda segurando funcionário sem trabalhar... eu não poderia deixar de pegar o Pronampe porque como eu estava perdendo o cliente, porque estavam fechando empresa, eu não posso correr esse risco. Virei a madrugada no Itaú (E42.SP).

[...] a gente conseguiu ter esse subsídio do governo, foi essencial pra que a gente pudesse trabalhar... essa linha do Pronampe ajudou bastante também, ela deu uma força, deu um fôlego. A gente precisou pegar um capitalzinho de giro lá que ajudou bastante a gente. Dentro desses aspectos, a gente teve uma ajuda importante (E28.SLZ).

Muitos entrevistados relataram dificuldades no acesso às políticas públicas, especialmente empréstimos, considerando-as insuficientes (80%). De forma positiva, 56% tiveram acesso ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, subsidiando parte da folha de pagamento em contrapartida à manutenção dos empregos, e 33% acessaram o Programa Vamos Vencer, que permitia o adiamento no pagamento de impostos e a flexibilização trabalhista (Ministério da Economia, 2022). Alguns mencionaram a importância desses programas no enfrentamento da crise e na manutenção de seus negócios e colaboradores, conforme mostram os relatos apresentados a seguir:

[...] para os funcionários [subsídios, foram adequadas. Agora, para a empresa, infelizmente nós não tivemos nada... E te falo com sinceridade que, se não fosse essa forma que o governo encontrou pra subsidiar o salário dos colaboradores, até hoje eu acredito que eu estaria pagando o salário pra eles, né? (E9.SLZ).

Eu acredito que foi fundamental [subsídio]... pra que a loja hoje estivesse aberta... Naquele momento, foi de fundamental importância (E25.SLZ).

Nós usamos aquela MP que permitiu a redução [jornada], o afastamento... onde o governo ajudou com o percentual [salários] e isso foi muito importante... A gente precisou também entrar com empréstimo do Pronampe ... e foi algo que ajudou bastante (E26.SP).

Os entrevistados destacaram que os benefícios deveriam ter sido estendidos por um período maior, tendo em vista a continuidade da pandemia e das medidas de mitigação ao longo de várias fases:

Poderia ter aumentado o período dos subsídios que foram dados, visto que foram várias ondas e decretos em períodos diferentes... isso não aconteceu... quando o subsídio terminou, veio outra leva... e não teve outro subsídio. Então a gente ficou mais de seis meses patinando com a boca na lama. Só com o nariz de fora. Se tivesse estendido um pouco mais, essa questão desses subsídios amenizaria o nosso prejuízo, não sanaria... Eu não estou pedindo pra que sanassem meu prejuízo. Só que me ajudassem (E14.SP).

Resultados semelhantes em outros países, como a Rússia (Razumovskaia et al., 2020), indicam que maior financiamento governamental por meio de apoio fiscal, administrativo, bancário e financeiro teria sido mais eficaz para restaurar as atividades comerciais das MPME se o volume e período da oferta dessas políticas públicas de apoio tivessem sido maiores, de modo que nivelassem o impacto negativo da Covid-19 a essas empresas.

Quando questionados sobre que medidas ou políticas públicas poderiam ter sido tomadas pelo governo para melhorar o desempenho de seus negócios durante a pandemia, as respostas foram diversas, concentrando-se em cinco aspectos principais (Tabela 4).

Tabela 4
Categorias de políticas públicas de apoio no enfrentamento sugeridas pelos empreendedores

Categoria	Descrição
Financeiros	Maior disponibilidade de empréstimos, garantia de acesso aos elegíveis, maior prazo de subsídio de salários para funcionários afastados.
Tributários	Isenção ou redução da carga de tributos durante a crise, refinanciamento de dívidas.
Operacionais	Desburocratização do acesso aos empréstimos, critérios objetivos de elegibilidade aos empréstimos financeiros, políticas de repressão da informalidade, melhores critérios na definição de serviços essenciais, maior flexibilização do isolamento social.
Políticos	Redução dos conflitos políticos entre governo federal e estados, mitigação da polarização e judicialização das medidas de enfrentamento.
Saúde	Antecipação das vacinas e melhores condições de saúde para a população.

As cinco categorias de políticas públicas (financeiras, tributárias, operacionais, políticas e de saúde) destacadas pelos entrevistados para enfrentar a crise da Covid-19 estão alinhadas com os estudos anteriores (Ratten, 2021; Razumovskaia et al., 2020). Esses estudos mostram que, em muitos países, o apoio às PME envolve isenções fiscais, financiamento e subsídios públicos, moratória sobre pedidos de recuperação e falência, antecipação de férias, redução de jornada de trabalho, moratória na condução de auditorias nas empresas, entre outras medidas.

Os entrevistados destacaram conflitos políticos entre o governo federal, estados e municípios durante a pandemia. Estudos mostraram polarização na resposta à Covid-19, com promoção da hidroxicloroquina como “droga milagrosa” por líderes de extrema direita (Casarões & Magalhães, 2021) e desacreditação da ciência por grupos bolsonaristas (Massuchin et al., 2021). Esses conflitos dificultaram medidas unificadas de controle da doença (Ramos et al., 2020), impactando as políticas públicas e, possivelmente, o acesso a apoio para empreendedores elegíveis. A base científica e a abrangência das políticas de saúde são fundamentais para enfrentar adversidades de forma eficiente (Lima & Papi, 2020).

É importante destacar que a Covid-19 foi uma situação adversa singular, caracterizada por uma crise econômica dinâmica e em constante evolução. Não se tratou apenas de um cenário de riscos elevados, mas sim de absoluta incerteza. Nesse contexto, pesquisas como a de Nogueira et al. (2020) enfatizam que não há outra alternativa senão o Estado assumir a responsabilidade pelas ações necessárias para sustentar a sociedade como um todo, fornecendo auxílio aos segmentos mais gravemente ameaçados, incluindo as MPME, a fim de preservar uma parte significativa da estrutura produtiva do país, o que é essencial para o processo de retomada da economia.

Os resultados desta pesquisa mostraram que o acesso a políticas públicas de apoio em situações de crise impacta as decisões estratégicas dos empreen-dedores e influencia no enfrentamento das adversidades e na recuperação dos empreendimentos. Esses resultados são convergentes com pesquisas como as de Bartik et al. (2020), Haeffele et al. (2020) e Sobaih et al. (2021) que identificaram que, por causa da fragilidade financeira das MPME, a maioria necessita de apoio financeiro governamental e que tal acesso influenciaria outras decisões de negócios - incluindo manutenção de empregos e permanência no negócio.

Nesta pesquisa, não foram observadas diferenças significativas entre os empreendedores das cidades de São Paulo e São Luís. Ambas apresentaram casos de empreendedores que conseguiram acesso às políticas públicas de apoio durante a crise, bem como casos de empreendedores que não obtiveram êxito nesse acesso. As respostas dos entrevistados variaram apenas entre aqueles que tiveram e os que não tiveram acesso às políticas públicas.

A maioria dos empreendedores entrevistados mencionou a importância das políticas públicas no enfrentamento da crise. Aqueles que conseguiram acessá-las, afirmaram que elas foram fundamentais para a manutenção e sobrevivência do negócio durante a crise. Por sua vez, as empresas que não obtiveram acesso às políticas públicas relataram impactos negativos, como demissões, inadimplência e encerramento das atividades.

Dessa forma, reforça-se a necessidade de que toda política pública deve passar por avaliação para identificar se atingiu os objetivos preestabelecidos de forma eficiente. Nesse sentido, a fase de avaliação que corresponde à quinta etapa do modelo de Lasswell (1956) no ciclo de políticas públicas é crucial na busca pela eficiência na alocação de recursos e na eficácia dos objetivos propostos. A fase de avaliação é uma ferramenta poderosa para o aprimoramento contínuo das políticas, tornando-as mais efetivas e alinhadas às demandas e necessidades da sociedade (Lasswell, 1956; Lima & Papi, 2020). Em situações adversas como a pandemia, é fundamental que as políticas públicas adotadas sejam avaliadas para que, em situações futuras, os tomadores de decisão possam estabelecer políticas mais eficazes e eficientes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo da pesquisa foi analisar a percepção dos empreendedores das cidades de São Paulo e São Luís em relação as políticas públicas implementadas durante a pandemia para o enfrentamento da crise da Covid-19 e como elas contribuíram para a sobrevivência das MPME em situações adversas.

A Covid-19 foi uma adversidade classificada como cisne negro por causa de seu impacto devastador e imprevisibilidade. O rápido avanço da contaminação obrigou os governantes de todo o mundo a adotar medidas de contenção do vírus. Tais medidas geraram muitos desdobramentos econômicos, financeiros e sociais. As empresas sofreram impactos negativos, contudo as MPME foram as mais atingidas pela crise (Cowling et al., 2020; OECD, 2020).

As MPME são, em geral, empresas mais frágeis financeiramente e, portanto, mais suscetíveis aos efeitos da pandemia. Ficou evidente que essas empresas necessitam ter recursos estratégicos e flexíveis suficientes para que possam se mobilizar durante situações de crise, já que adversidades são comuns no empreendedorismo e as MPME enfrentarão cada vez mais crises globais. Este estudo destaca a importância de uma gestão financeira prudente e a constituição de reservas de emergência para garantir a resiliência dessas empresas em momentos de crise.

As políticas públicas implementadas durante a pandemia foram fundamentais para a sobrevivência das MPME. O governo brasileiro desenvolveu programas de apoio financeiro que forneceram recursos necessários para as empresas arcarem com suas despesas e folha de pagamento, evitando demissões em massa. Além disso, medidas de isenção tributária aliviaram o peso dos encargos fiscais sobre as MPME, proporcionando um fôlego financeiro durante a crise.

Outro ponto relevante foi a disponibilização de linhas de crédito com condições facilitadas, permitindo que as empresas acessassem recursos adicionais para manter suas operações em funcionamento. Esses financiamentos foram cruciais para que as MPME pudessem investir em adaptações necessárias, como a implementação de medidas de higiene e segurança, e a transição para o comércio on-line.

No entanto, muitos empreendedores pesquisados mencionaram a insuficiência das políticas públicas por conta da falta de previsibilidade e garantia dos recursos para os elegíveis. Além disso, os entrevistados destacaram conflitos políticos entre o governo federal, estados e municípios durante a pandemia, com o presidente promovendo o descrédito da ciência e atacando instituições e a democracia.

Considerando que o apoio governamental e os fatores financeiros e econômicos influenciam as mudanças experimentadas pelas empresas e as estratégias adotadas no enfrentamento da crise, são necessárias alterações nas políticas públicas de enfrentamento e recuperação de crises futuras. O governo deve implementar mais rapidamente mecanismos de distribuição de pacotes de estímulos aos negócios, garantindo maior acesso aos recursos financeiros pelas empresas. Além disso, é fundamental que as políticas públicas estabeleçam critérios objetivos de acesso e assegurem o crédito àqueles que atendem aos critérios de elegibilidade, divulgando claramente as medidas de apoio disponíveis nos meios de comunicação.

Ademais, a literatura ressalta a relevância da participação de diversos atores no processo de formulação de políticas públicas. Com base nos resultados desta pesquisa e nas considerações presentes na literatura, sugere-se que seja essencial contemplar a possibilidade de envolver os usuários da política (os empreendedores) em sua etapa de formulação.

É importante destacar que esta pesquisa possui limitações, incluindo o fato de ter sido realizada apenas com empreendedores de São Paulo e São Luís. Embora não tenham sido identificadas percepções divergentes entre os entrevistados dessas cidades, é possível que pesquisas em outras regiões ou em todo o país apresentem resultados diferentes em razão da diversidade cultural e dos diferentes apoios governamentais em estados e munícipios. Além disso, pesquisas futuras podem utilizar abordagens quantitativas com escalas desenvolvidas para avaliar os impactos das políticas públicas no desempenho e na recuperação das empresas, possibilitando maior generalização dos resultados.

Este estudo contribui para o avanço do campo de pesquisa em empreendedorismo e políticas públicas de apoio e enfrentamento, principalmente em situações adversas. Os resultados têm potencial para embasar a formulação de planos de intervenção e políticas públicas e programas que auxiliem na recuperação dos empreendedores afetados pelos impactos da pandemia e por outras adversidades futuras. Ao trazer sugestões baseadas na percepção dos próprios empreendedores, este estudo colabora diretamente com os responsáveis pelo desenvolvimento dessas políticas. Além disso, contribui para enriquecer a discussão teórica e a análise dos dados relacionados ao empreen-dedorismo em situações adversas, destacando a influência positiva de polí-ticas públicas eficientes na capacidade de recuperação de MPME em situações adversas.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  03 Nov 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  31 Mar 2023
• Aceito
  09 Ago 2023