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Influência do ligante na retração por secagem em fibrocimento

Influence of binder in the drying shrinkage of fiber cement

Resumo

Existe um grande interesse das indústrias de fibrocimento em buscar ligantes de composição ótima do ponto de vista econômico, técnico e ambiental. Nesse sentido, cimentos em que parte do clínquer é substituída existe um grande interesse das indústrias de fibrocimento em buscar ligantes de composição ótima do ponto de vista econômico, técnico e ambiental. Neste sentido, cimentos onde parte do clínquer é substituída por adições ativas são bastante atrativos e cimentos com baixos teores de adição já são utilizados pelo setor. Entretanto, chapas de fibrocimento reforçadas com fibras orgânicas têm apresentado frequentemente fissuras nas bordas de telhas e painéis, que provém da secagem dos componentes nas pilhas de estocagem. Neste trabalho foi avaliado o impacto da introdução de escória e silicato de sódio na composição do ligante nas propriedades mecânicas, porosidade, compostos hidratados formados e principalmente na retração por secagem de fibrocimentos reforçados com fibras orgânicas. Foram produzidas placas de fibrocimento com cimento CPII F-32 e com uma mistura do CPII F-32 e escória granulada de alto forno ativada por silicato de sódio alcalino. Os resultados mostraram que há maior quantidade de poros menores que 0,003µm na amostra com escória e silicato de sódio, devido à maior quantidade de C-S-H formado na hidratação. Consequentemente, a incorporação de escória ativada com silicato de sódio como ligante do fibrocimento aumenta a retração por secagem deste compósito, aumentando consequentemente, a tendência da fissuração dos artefatos.

Palavras-chave:
Filler calcário; Escória de alto-forno; Retração por secagem; Composição química

Abstract

There has much interest in the fiber cement industry in improving binder composition in order to achieve better economic, technical and environmental results. In this context, cements with lower clinker content are an attractive alternative and have already been used by the industry. However, fibercement sheets reinforced with organic fibers frequently present edge cracks resulting from drying the components in stockpiles. This study evaluates the impact of partially replacing clinker by blast furnace slag activated with sodium silicate on the mechanical properties, porosity, hydrated phases, and drying shrinkage of fiber cement reinforced with organic fibers. Samples were produced with commercial Brazilian CPII F-32 cement and also with a mixture of CPII F-32 with granulated blast furnace slag activated by sodium silicate. The results show that replacing clinker by slag activated by sodium silicates increases the amount of pores smaller than 0.003 μm, due to an increase in the amount of CSH formed in hydration. Consequently, samples produced with CPII F-32 mixed with slag and sodium silicate present much higher drying shrinkage.

Keywords:
Limestone filler; Blast furnace slag; Drying shrinkage; Chemical composition

Introdução

Componentes de fibrocimento produzidos pelo processo Hatschek, que são uma parte expressiva dos telhados brasileiros, possuem teor de cimento (ligante) muito acima do empregado em concretos e argamassas. A quantidade de ligante nas formulações de fibrocimento pode chegar a valores superiores a 80% da massa de materiais secos (DIAS et al., 2009DIAS, C. M. R. et al. Mixture Screening Design to Choose Formulations for Functionally Graded Materials. Materials Science Forum, v. 631/632, p. 65-70, 2009.), enquanto as formulações de concreto de alta resistência podem utilizar 25% desse valor (HOPPE FILHO, 2008HOPPE FILHO, J. Sistemas Cimento, Cinza Volante e Cal Hidratada: mecanismo de hidratação, microestrutura e carbonatação de concreto. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.).

Nesse cenário, existe um grande interesse das indústrias de fibrocimento em buscar ligantes de composição ótima do ponto de vista econômico, técnico e ambiental. Cimentos Portland como CPII E, CPII F e CPII Z, cuja parte do clínquer é substituída por adições ativas são bastante atrativos e já têm sido utilizados pelo setor. Existe também a possibilidade de utilização de ligantes com maior teor de adição, como CPIII e CPIV, que trazem enorme potencial para diminuir as emissões de CO2 na produção do cimento (CARVALHO, 2002CARVALHO, J. Análise de Ciclo de Vida Ambiental Aplicada à Construção Civil: estudo de caso: comparação entre cimentos Portland com adição de resíduos. Mestrado (Dissertação em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.), contribuindo para a mitigação do efeito estufa. Ocorre que cimentos com altos teores de adição possuem lenta evolução da resistência, o que dificulta a produção industrial. No entanto, a ativação de escórias e pozolanas por silicatos de sódio alcalino geram ligantes com rápido ganho de desempenho mecânico (JOHN, 1995JOHN, V.M. Cimento de Escória Ativada com Silicatos de Sódio. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.; JIMENEZ et al., 2005JIMÉNEZ, A. F. et al. Microstructure Development of Alkali-Activated Fly Ash Cement: a descriptive model. Cement Concrete Research, v. 35, p. 1204-1209, 2005.; SHI; KRIVENKI; ROY, 2006SHI, C.; KRIVENKO, P. V.; ROY, D. Alkali-Activated Cements and Concretes. Londres: Taylor & Francis, 2006.).

Variações na composição do cimento, mesmo as já comuns substituições do clínquer por adições ativas, provocam não apenas alterações na velocidade de ganho de resistência, mas também a cinética de hidratação do cimento afetando o calor de hidratação e modificam as fases mineralógicas e a microestrutura do compósito endurecido (SCRIVENER; WIEKER, 1992SCRIVENER, K. L.; WIEKER, W. Advances in Hydration at Low: ambient and elevated temperatures. In: INTERNATIONAL CONGRESS ON THE CHEMISTRY OF CEMENT, 9., Nova Delhi, Índia, 1992. Anais... Nova Delhi: ICCC, 1992. v. 1, p.449-482., JOHN, 1995JOHN, V.M. Cimento de Escória Ativada com Silicatos de Sódio. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.). Os efeitos práticos dessas alterações muitas vezes não são perceptíveis no dia-a-dia da aplicação dos diferentes tipos cimentos Portland em concretos, mas os fibrocimentos são potencialmente mais sensíveis a estas alterações, devido ao seu alto teor de ligante.

Os produtos hidratados dos ligantes com adições de escória e pozolanas ou de cimento de escória ativada com silicato de sódio contêm uma quantidade de silicato de cálcio hidratado (C-S-H) mais elevada do que o cimento Portland comum. A maior quantidade de C-S-H está associada na literatura, entre outras coisas, a um aumento da retração por secagem. Melo Neto (2002)MELO NETO, A. A. Estudo da Retração em Argamassa com Cimento de Escória Ativada. Mestrado (Dissertação em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. mostrou que a retração por secagem de cimentos de escória ativada com silicato de sódio gera retração entre 2 e 8 vezes maior que o cimento Portland comum. Entretanto, existem poucos estudos da retração desses ligantes em formulações de compósitos típicas dos fibrocimentos.

Compósitos de fibrocimento com fibras orgânicas vêm sendo fabricados de forma crescente no Brasil. Esses compósitos têm apresentado frequentemente fissuras nas bordas de telhas e painéis, que ocorre durante a secagem dos componentes nas pilhas de estocagem. Por esse motivo a avaliação da retração por secagem nesses compósitos cimentícios é essencial. Estudos realizados por Akers e Garrett (1983AKERS, S. A. S.; GARRETT, G. G. Observations and Predictions of Fracture in Asbestos Cement Composites. Journal of Materials Science, v. 18, n. 7, p. 2209-2214, 1983.) e Akers e Partl (1990)AKERS, S. A. S.; PARTL, M. Hygral and Thermal Expansion/Shrinkage Properties of Asbestos: free fibre cement. Cement and Concrete Composites, v. 12, n. 1, p. 19-27, 1990. mostraram que as tensões desenvolvidas por gradientes de umidade dentro de componentes de fibrocimento são a maior causa da fissuração.

Este trabalho tem como objetivo avaliar o impacto na mudança da composição de ligantes pela introdução de escória granulada e silicato de sódio, nas propriedades mecânicas e retração por secagem de compósitos cimentícios reforçados com fibras orgânicas.

Materiais e métodos

Para uma avaliação mais criteriosa da mudança da composição dos ligantes foram adotadas as metodologias descritas a seguir com a técnica de retração por secagem, grau de hidratação, desempenho mecânico e porosidade. Os corpos de prova de fibrocimento foram produzidos com cimento CPII F-32 e comparados com os confeccionados com uma mistura do CPII F e escória granulada de alto-forno (composição que se enquadra como um cimento do tipo CPIII segundo a NBR 5735 (ABNT, 1991ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5735: cimento Portland de alto-forno. Rio de Janeiro, 1991.)) ativada por silicato de sódio alcalino, identificado pela sigla CPII F+E.

Para a produção dos corpos-de-prova foi utilizado um cimento Portland CPII F-32 produzido comercialmente no mercado nacional. Para a produção do cimento CPII F+E, utilizou-se escória granulada de alto-forno básica, com relação CaO/SiO2 igual a 1,31. O silicato de sódio alcalino utilizado possui módulo de sílica (SiO2/Na2O) igual a 1,7, com 16,7% de Na2O e 54,9% de água em massa. A caracterização detalhada da escória e do silicato de sódio está apresentada em Melo Neto (2007)MELO NETO, A. A. Influência de Aditivos Redutores e Compensadores de Retração em Argamassas e Pastas com Cimento de Escória Ativada. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.. O filler empregado é um calcário magnesiano proveniente da região Sul do Brasil. Foi usada sílica ativa não densificada. As fibras orgânicas empregadas foram celulose de eucalipto branqueada originária do mercado nacional e fibra de PVA com 6 mm de comprimento e diâmetro aproximado de 13µm, oriunda da China.

A Figura 1 apresenta a distribuição granulométrica, discreta e acumulada, obtida por difração a laser (equipamento MASTERSIZER S) dos materiais particulados. Observa-se que conforme a literatura o diâmetro das partículas de sílica ativa é da ordem de 0,1 μm. No entanto, a distribuição granulométrica da Figura 1 mostra que as partículas de sílica apresentam diâmetros entre 0,1 μm e 300 μm, com média igual a 11,86 μm, demonstrando que o material encontra-se aglomerado, ocorrência discutida na literatura (ROMANO et al, 2008)ROMANO, R. C. O. et al. Influência da Técnica de Dispersão nas Propriedades de Sílica Ativa. Cerâmica, São Paulo, v. 54, n. 332, p. 456-461, 2008.

Produção dos corpos de prova de fibrocimento

As mantas de fibrocimento, 200 mm x 200 mm, foram fabricadas seguindo as formulações (Tabela 1) tipicamente utilizadas pelas indústrias nacionais, através do método de drenagem a vácuo utilizado por Savastano Júnior (2001-2004)SAVASTANO JÚNIOR, H. Desenvolvimento de Tecnologia para Fabricação de Telhas de Fibrocimento sem Amianto. Projeto FAPESP PITE 01/03833-6. São Paulo. 2001-2004.. Os materiais foram misturados em agitador mecânico IKA (Labortechnik RW20) a 2000 rpm e adicionados na sequência: água → polpa de celulose (2,5 min) → fibra sintética (2,5 min) → minerais - cimento, escória, filler calcário e sílica ativa (3 min), formando uma suspensão aquosa com 20% de sólidos. Após a mistura, a suspensão foi despejada num recipiente especial onde recebeu uma pressão de vácuo (200 mmHg) para a retirada da água em excesso, conformando uma manta de espessura de 2,5 mm.

As placas de fibrocimento foram produzidas mediante a superposição de três mantas, em processo similar ao que acontece em máquinas Hatschek. Entre duas mantas de CPII F+E foi aplicada com um pincel a solução de silicato de sódio, com consumo aproximado de 0,25 g/cm². O silicato tem por objetivo ativar a escória de alto-forno presente na formulação. Por fim, as placas constituídas de três camadas foram prensadas a uma tensão máxima de 3,2 MPa pelo período de 5 min. A espessura final dos corpos de prova é de 7,0 mm.

Figura 1
Distribuição granulométrica das matérias-primas

Tabela 1
Fração em volume (%) para os fibrocimentos

Cura e retração por secagem

A cura térmica dos fibrocimentos foi realizada em câmara climática à temperatura de 60±5 °C e umidade relativa de 90 % por 72 h. Após a cura inicial as placas foram cortadas com disco diamantado, na geometria de 160 mm x 40 mm, sendo produzidos 6 corpos de prova por série. As bordas dos corpos de prova foram impermeabilizadas com verniz poliuretano para garantir a perda de água somente pela superfície. Nas extremidades foram coladas com massa plástica as bases metálicas para leitura do comprimento. Em seguida, realizou-se a primeira leitura de comprimento (Figura 2) e obteve-se a massa (precisão de 0,01 g).

A seguir os corpos de prova foram mantidos em câmara climática à temperatura de 23±5 °C e umidade relativa de 50 % até 28 dias para avaliação da retração por secagem. Ao final do ensaio foi determinada, através da metodologia utilizada para concretos e argamassas (ABNT, 2005ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9778: argamassa e concreto endurecidos: determinação da absorção de água, índice de vazios e massa específica. Rio de Janeiro, 2005.), a massa seca, saturada e imersa para a obtenção de umidade residual, absorção de água e porosidade total.

Propriedades mecânicas

As propriedades mecânicas foram determinadas por meio dos corpos de prova utilizados no ensaio de retração por secagem até os 28 dias. Antes do ensaio, os corpos de prova foram imersos por 24 h em água saturada com hidróxido de cálcio para garantir homogeneidade de umidade através da saturação completa dos poros, sem lixiviação do hidróxido de cálcio da pasta de cimento. A resistência mecânica dos fibrocimentos foi determinada através do ensaio à flexão com 4 pontos, utilizando uma prensa universal INSTRON (modelo 5569) com célula de carga de 1 kN e sensor de deslocamento Solartron com curso de 5,0 mm, posicionado na região central do vão, para medir a deformação. A velocidade de deslocamento foi controlada (5,0 mm/min). A partir desse ensaio, foram determinados o módulo de ruptura (MOR), o módulo de elasticidade (MOE), o limite de proporcionalidade (LOP) e a tenacidade dos compósitos. Utilizaram-se 6 corpos de prova por série.

Distribuição dos poros

Através de um porosímetro de intrusão de mercúrio, MICROMERITICS (modelo Auto Pore III), foi caracterizada a distribuição de poros. Os ensaios foram realizados em amostras de aproximadamente 1,0±0,2 g, retiradas dos corpos de prova após o ensaio de flexão com disco diamantado de precisão. As amostras foram extraídas de uma região próxima aos apoios e central dos corpos de prova para evitar trechos fissurados. Antes do ensaio, as amostras foram secas em estufa por 48 h à temperatura de 60±5 °C. Foram ensaiadas duas amostras por série.

Utilizou-se a Equação de Washburn para a determinação da distribuição dos tamanhos dos poros. Foram utilizados para os cálculos ângulo de contato igual a 130° e tensão superficial do mercúrio igual a 485x10-3 N/m (SATO, 1998SATO, N. M. N. Análise da Porosidade e de Propriedades de Transporte de Massa em Concreto. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.). Embora alguns autores como Diamond (2000DIAMOND, S. Mercury Porosimetry: an inappropriate method for the measurement of pore size distributions in cement-based materials. Cement and Concrete Research, v. 30, n. 10, p. 1517-1525, out. 2000.) considerem a porosimetria de mercúrio inapropriada para medir a distribuição dos tamanhos dos poros de materiais cimentícios, outros autores empregaram essa técnica de forma eficiente na comparação da estrutura de poros (JOHN, 1995JOHN, V.M. Cimento de Escória Ativada com Silicatos de Sódio. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.; DIAS, 2005DIAS, C. M. R. Efeitos do Envelhecimento na Microestrutura e no Comportamento Mecânico dos Fibrocimentos. Mestrado (Dissertação em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.; MELO NETO; CINCOTTO, 2008MELO NETO, A. A., CINCOTTO, M. A., REPETTE, W. Drying and Autogenous Shrinkage of Pastes and Mortars with Activated Slag Cement. Cement Concrete Research , v. 38, n. 4, p. 565-574, abr. 2008.; HOPPE FILHO, 2008HOPPE FILHO, J. Sistemas Cimento, Cinza Volante e Cal Hidratada: mecanismo de hidratação, microestrutura e carbonatação de concreto. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.).

Figura 2
Equipamento de avaliação da redução do comprimento dos corpos de prova

Análise termogravimétrica

A termogravimetria foi realizada em uma termobalança NETZSCH modelo STA 409 PG. As amostras, de aproximadamente 1,0 g, foram congeladas em freezer a -20 ºC a seguir liofilizadas e posteriormente moídas em almofariz. Padronizou o ensaio, mantendo a massa das amostras em 1,0±0,001 g, com o intuito de minimizar distorções dos resultados provenientes da quantidade de massa heterogênea (TAYLOR, 1997TAYLOR, H. F. W. Cement Chemistry. 2. ed. Londre: Thomas Telford, 1997.; HOPPE FILHO, 2008HOPPE FILHO, J. Sistemas Cimento, Cinza Volante e Cal Hidratada: mecanismo de hidratação, microestrutura e carbonatação de concreto. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.). O ensaio foi realizado em atmosfera de gás nitrogênio, com taxa de 60 ml/minuto, para melhor quantificação dos compostos inerentes ao fibrocimento. Foi adotada uma taxa de aquecimento de 10 °C/min varrendo de 30 °C a 1.000 °C, em cadinho de alumina com volume de 3,4 ml.

A partir dos resultados da análise termogravimétrica, é possível quantificar a decomposição dos voláteis, entre outros, a quantidade de água combinada em diferentes fases do cimento hidratado.

Resultados e discussões

Porosidade

A Tabela 2 resume os principais resultados de porosidade dos compósitos. Os valores médios de absorção em água e porosidade total medida em água se mostraram equivalentes para compósitos produzidos com os dois cimentos. No entanto, os dados de porosimetria de mercúrio revelam que a distribuição de poros é muito diferente (Figura 3). O volume total de mesoporos (0,003μm < d < 50nm) foi levemente superior para o compósito CPII F+E, mas esse compósito apresentou volume de poros abaixo de 30 nm, típico do espaço interlamelar do C-S-H (MEHTA; MONTEIRO, 2008MEHTA, P. K.; MONTEIRO, P. J. M. Concreto: microestrutura, propriedades e materiais. São Paulo: IBRACON, 2008.), muito superior ao CPII F. Isso se deve, predominantemente, à hidratação do sistema escória de alto-forno e silicato de sódio (MELO NETO, 2008MELO NETO, A. A., CINCOTTO, M. A., REPETTE, W. Drying and Autogenous Shrinkage of Pastes and Mortars with Activated Slag Cement. Cement Concrete Research , v. 38, n. 4, p. 565-574, abr. 2008.).

Os poros do intervalo II (entre 0,2 μm e 10 μm) são associados por Dias (2005DIAS, C. M. R. Efeitos do Envelhecimento na Microestrutura e no Comportamento Mecânico dos Fibrocimentos. Mestrado (Dissertação em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.) ao lúmen da celulose, que provavelmente foi degradada pela ação alcalina do silicato de sódio da formulação CPII F+E. No entanto, essa conclusão precisa ser confirmada por estudos complementares. Os poros acima de 10 μm (Faixa III) revelam nesse tipo de produto a ocorrência de defeitos de moldagem, como a aglomeração de fibras.

Propriedades mecânicas

O limite de proporcionalidade (LOP) da matriz e o módulo de ruptura (MOR) não sofreram alteração para ambos os ligantes (Tabela 3). O módulo de elasticidade (Tabela 3) na flexão foi maior nas amostras com cimento CPII F. Esse baixo módulo de elasticidade pode ser ao menos parcialmente atribuído a defeitos de aderência entre camadas gerados pela retração diferencial dos ligantes, introduzida pela presença de silicato de sódio e escória, sistema que tem retração muito mais elevada que o do cimento original. Melo Neto (2002) mostra que argamassas de cimento de escória ativada com silicato de sódio curadas a seco apresentam aos 28 dias 54% das confeccionadas com cimento Portland (CPV-ARI). A tenacidade pode ser considerada igual para os dois compósitos (Figura 4), apesar da provável destruição das fibras de celulose na formulação CPII F + E.

Tabela 2
Valores de absorção e porosidade em água bem como resultados de porosimetria por intrusão de mercúrio

Figura 3
Caracterização dos poros

Tabela 3
Valores médios e desvio padrão das propriedade mecânicas

Figura 4
Curvas tensão x deslocamento

Análise termogravimétrica

A Figura 5 apresenta as análises termogravimétricas das formulações analisadas. A linha tracejada representa a perda de massa (TG) e a linha contínua indica a perda de massa diferencial (DTG). A faixa de temperatura, 30 a 225 °C, referente à decomposição da água quimicamente combinada (TAYLOR, 1997TAYLOR, H. F. W. Cement Chemistry. 2. ed. Londre: Thomas Telford, 1997.; RAMACHANDRAN, 1969RAMACHANDRAN, V. S. Applications of Differential Thermal Analysis in Cement Chemical. Nova York: Chemical Publishing Company, 1969.), apresentou-se 83% maior para o CPII F+E. Isso se deve ao fato de o cimento de escória ativada formar maior quantidade de C-S-H quando comparado aos cimentos Portland. Não foi possível calcular o valor da quantidade de C-S-H presente nas amostras, pois nessa faixa de temperatura também ocorre a decomposição dos voláteis do monossulfoaluminato, aluminatos hidratados e etringita, quando houver (HOPPE FILHO, 2008HOPPE FILHO, J. Sistemas Cimento, Cinza Volante e Cal Hidratada: mecanismo de hidratação, microestrutura e carbonatação de concreto. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.; SOUZA, 2006SOUZA, R. B. Suscetibilidade de Pastas de Cimento ao Ataque por Sulfatos: método de ensaio acelerado. Mestrado (Dissertação em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.).

A perda de massa entre 225 e 295 °C, faixa de temperatura referente à decomposição da fibra de PVA, não apresentou diferença significativa entre os ligantes, visto que os teores de fibras empregados são iguais (Figura 5). Não foi observada presença de fibra de celulose na amostra CP II F+E aos 28 dias. A porosimetria de mercúrio também não mostra poros na faixa associada ao lúmen da celulose. Isso indica que o sistema escória/silicato de sódio provavelmente degrada a celulose muito rapidamente.

A Tabela 4 resume os principais resultados da termogravimetria. O volume de água combinada com C-S-H e aluminatos é superior no cimento CPII F+E, o que é coerente com os dados de porosimetria. No compósito CPII F foi quantificada a perda de massa de 2,20% referente à decomposição da portlandita. Na formulação CPII F+E, a portlandita formada na hidratação do cimento Portland foi totalmente consumida durante a hidratação da escória e silicato de sódio, não tendo sido identificada pela termogravimetria. Por fim, não foi detectada qualquer diferença significativa na faixa de temperatura referente à decomposição dos carbonatos.

Figura 5
Curvas de perda de massa (TG) em linhas tracejadas e derivadas da curva de perda de massa (DTG) em linhas cheias para ambos os compósitos

Tabela 4
Perdas de massa (%) corrigidas na base não-voláteis

Retração por secagem

As Figuras 6 e 7 apresentam os resultados de retração por secagem e umidade residual extraídas dos fibrocimentos ao longo de 28 dias. O compósito CPII F+E apresentou retração aos 28 dias aproximadamente 2,7 vezes superior ao cimento CPII F aos 28 dias. Esses dados são confirmados por John (1995JOHN, V.M. Cimento de Escória Ativada com Silicatos de Sódio. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.) e Melo Neto (2002), que mostra que argamassas de cimento de escória ativada com silicato de sódio apresentam retração de 2 a 8 vezes maior que as formuladas com cimento CPV. A retração elevada para sistemas ativados por silicato de sódio é explicada pelo maior volume de C-S-H que aumenta os poros na faixa menor que 0,003 µm (Tabela 2).

A retração por secagem do compósito CPII F+E é mais elevada, apesar de esta formulação ter perdido menos água e ter apresento uma umidade final bastante superior que o CPII F. Isso se deve ao fato de a água presente na mistura desse tipo de cimento gerar maior pressão capilar pelo maior teor de microporos (CHEN; BROUWERS, 2007CHEN, W., BROUWERS, H. J. H. The Hydration of Slag: part 1: reaction models for alkali-activated slag. Journal Materials Science, v. 42, n. 2, p. 428-443, 2007.).

Conclusões

Neste estudo foram comparados fibrocimentos produzidos usando como ligante o cimento CPII F com CPII F combinado com escória e silicato de sódio, um conhecido ativador da escória, entre camadas do corpo de prova. A mudança da composição do ligante alterou significativamente propriedades como distribuição de poros, quantidade de fases hidratadas medidas pela termogravimetria, módulo de elasticidade e retração. Não foram afetados o módulo de ruptura nem o limite de proporcionalidade na flexão.

Figura 6
Retração por secagem ao longo do tempo

Figura 7
Curva de secagem: retração por secagem versus umidade residual

A formulação CPII F+E apresentou maior massa de C-S-H, confirmado pelo maior volume de poros abaixo de 0,003 μm e pelos resultados da termogravimetria. Essa formulação também apresentou módulo de elasticidade na flexão significativamente inferior à CPII F, possivelmente associado a defeitos produzidos pela secagem.

Diferenças significativas foram observadas na retração por secagem das amostras estudadas, tendo as formulações contendo escória e silicato de sódio apresentado retração 2,7 vezes maior que as de cimento CPII F. Esses dados indicam que a utilização de silicato de sódio para acelerar as reações de hidratação de altos teores de escória gera compósitos com retração muito superior às observadas com cimentos CPII F, que já apresentam risco de fissuração.

É possível afirmar que, para os impactos das modificações de ligantes para processo de produção de fibrocimento, devem ser avaliados cuidadosamente, além de aspectos mecânicos, aspectos como seu impacto na retração por secagem, na distribuição dos poros, e a composição química.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP), à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), à Infibra Ltda. (Leme, SP) e à Imbralit Ltda (Criciúma, SC).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2009

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2009
  • Aceito
    16 Nov 2009
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