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Impacto da geometria do cânion urbano na intensidade de ilha de calor noturna: análise através de um modelo simplificado adaptado a um SIG

The impact of the urban canyon geometry in the nocturnal heat island intensity: analysis by a simplified model adapted to a GIS

Resumo

A geometria urbana é um dos fatores de maior influência na intensidade da ilha de calor urbana. Seu estudo requer a caracterização de cânions urbanos, geralmente medidos pela relação entre a altura dos edifícios e a largura da rua (H/W), conceito aplicado no modelo numérico de Oke em 1981. O objetivo deste artigo é verificar o impacto da geometria do cânion urbano na intensidade de ilhas de calor noturna. Para isso, foram realizados levantamento de dados climáticos e de geometria urbana em duas cidades brasileiras. Os valores de intensidade de ilha de calor foram confrontados com os simulados pelo modelo original de Oke (1981)OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981., o qual foi calibrado e adaptado à plataforma SIG, de forma a possibilitar a incorporação de outro parâmetro de geometria, além da relação H/W: o comprimento de rugosidade. Esse processo gerou uma nova ferramenta de cálculo, que é denominda THIS (Tool for Heat Island Simulation). Aplicou-se o novo modelo para simular alguns cenários urbanos hipotéticos, que representam vários tipos de cânions urbanos. Os resultados demonstraram que cânions urbanos de maior rugosidade amenizam as intensidades de ilha de calor noturna em relação a um cânion de mesmo valor de relação H/W e menor rugosidade.

Palavras-chaves:
Geometria urbana; Cânion urbano; Ilha de calor noturna; SIG

Abstract

Urban geometry is one of the main factors influencing the development of urban heat islands. The study of urban geometry requires a characterization of urban canyons, which can be usually measured by the H/W ratio (a relationship between the height and the width of a street), a concept applied in a numerical model by Oke in 1981. The aim of this paper is to verify the impact of the canyon geometry on the intensity of the nocturnal urban heat islands. For this purpose, measurements of climate data and urban geometry were conducted in two Brazilian cities. The values of heat island intensity were cross-examined to those generated with the application of the original Oke's model. Therefore, this latter was calibrated and adapted to run in a GIS platform, allowing the incorporation of a geometric parameter other than the H/W ratio - the roughness length. Then, this process produced a new calculation tool, which is called THIS (Tool for Heat Island Simulation). The new model was applied to simulate some hypothetical urban scenarios representing several urban canyons types. The results showed that the urban canyons with the largest roughness reduce the nocturnal heat island intensities in relation to an urban canyon of the same H/W value, but presenting lower roughness rates instead.

Keywords:
Urban geometry; Urban canyon; Nocturnal heat island; GIS

Introdução

Características da urbanização como poluição do ar, calor antropogênico, superfícies impermeáveis, propriedades térmicas dos materiais e geometria das superfícies contribuem para as alterações de trocas de energia e condições térmicas (OKE, 1981OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981.). A ilha de calor urbana (ICU) é um fenômeno que ocorre devido aos efeitos da urbanização, especialmente em cidades de médio e grande porte. Suas consequências vão desde o desconforto térmico até problemas de saúde, maior consumo energético e aumento de poluição.

Em estudos de microescala, a geometria de espaços abertos pode ser o parâmetro mais relevante na variação do microclima (OKE, 1988OKE, T. R. Street Design and Urban Canopy Layer Climate. Energy and Buildings, v. 11, n. 1/3, p. 103-113, 1988.; ALI-TOUDERT; MAYER, 2006ALI-TOUDERT, F.; MAYER, H. Numerical Study on the Effects of Aspect Ratio and Solar Orientation on Outdoor Thermal Comfort in Hot and Dry Climate. Building and Environment, v. 41, n. 10, p. 94-108, 2006.; BOURBIA; BOUCHERIBA, 2010BOURBIA, F.; BOUCHERIBA, F. Impact of Street Design on Urban Microclimate For Semi-Arid Climate (Constantine). Renewable Energy, v. 35, n. 2, p. 343-347, 2010.). A geometria urbana é um dos fatores geralmente relacionados com a formação de ilhas de calor urbanas. Sua variação nos ambientes urbanos pode influenciar no aumento ou na diminuição de valores de temperatura do ar em relação aos dados medidos nos arredores da cidade, na velocidade e direção dos ventos, na forma de recebimento de radiação por ondas curtas e na liberação de calor através de ondas longas.

O impacto da ilha de calor, e suas causas, tem sido amplamente discutido, utilizando-se, geralmente, levantamentos de campo, usos de modelos numéricos e simulações computacionais. As ferramentas computacionais desenvolvidas para tais análises possuem em geral maior habilidade para oferecer resultados para determinada escala de abordagem (por exemplo, para mesoescala ou microescala). De acordo com Toparlar et al. (2014)TOPARLAR, Y. et al. CFD Simulation and Validation of Urban Microclimate: a case study for Bergolder Zuid, Rotterdam. Building and Environment, v. 83, p. 1-12, 2014., os edifícios, comumente, não são modelados de forma detalhada em estudos de mesoescala, o que significa que ocorre a negligência (ou média) de vários fatores, como o fluxo de vento dentro do cânion e a forma do edifício. Essa simplificação tem influência direta sobre a transferência de calor por radiação e por convecção, e, portanto, sobre o ambiente térmico da microescala.

Os modelos de previsão que se baseiam em sensoriamento remoto e fotografias aéreas (estudos de mesoescala) exemplificam essa dificuldade na abordagem, considerando, em regra, a geometria dos edifícios de maneira muito simplificada. Entretanto, alguns modelos específicos de simulação de microclima delimitam uma quantidade máxima de grids para a representação da área estudada, o que acaba limitando o perímetro máximo da área de estudo para apenas uma parte de um bairro e, por conseguinte, dificultando a análise para o bairro todo ou para a cidade.

Além das simplificações por conta da escala de abordagem, os modelos de simulação ignoram, geralmente, alguns parâmetros climáticos ou características urbanas pela complexidade do fenômeno ou pela escolha em se verificar especificamente a influência de apenas um ou alguns dos fatores para tais alterações nas condições térmicas das cidades.

No entanto, apesar das várias abordagens propostas para entender as causas da formação da ICU e para encontrar estratégias de mitigação correspondente, incluindo observações e técnicas de simulações, as causas das ilhas de calor não são as mesmas em diferentes climas ou características da cidade. Assim, uma conclusão geral não pode ser feita com base em dados de monitoramento limitados (MIRZAEI; HAGHIGHAT, 2010MIRZAEI, P. A.; HAGHIGHAT, F. Approaches to Study Urban Heat Island: abilities and limitations. Building and Environment, v. 45, n. 10, p. 2192-2201, 2010.).

Arnfield (2003)ARNFIELD, A. J. Review Two Decades of Urban Climate Research: a review of turbulence, exchanges of energy and water, and the urban heat island. International Journal of Climatology, v. 23, n. 1, p. 1-26, 2003. resumiu as várias observações gerais realizadas em estudos de ilha de calor no âmbito geográfico: a intensidade da ICU decresce com o aumento da velocidade dos ventos e da nebulosidade, e tende a aumentar com o aumento do tamanho da cidade e da população, sendo sua intensidade maior à noite. No entanto, essas conclusões não são unânimes em todos os estudos encontrados na área. Faz-se importante, dessa forma, um maior aprofundamento nos estudos que relacionam a intensidade das ICU com suas causas, de forma a mitigar seus efeitos negativos no ambiente urbano.

Entre as ferramentas que podem colaborar nos estudos de ICU, os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) se destacam por possibilitarem interações espaciais e numéricas de objetos geográficos, busca e representação de dados tabulares, e por permitirem a incorporação de novas técnicas e métodos de planejamento territorial. Considerando-se o auxílio de programas de computador para resultados de cálculos, simulação e representação, alguns estudos (QUAN et al., 2015QUAN, S. J. et al. Urban Data and Building Energy Modeling: a GIS-based urban building energy modeling system using the Urban-EPC Engine. In: Planning Support Systems and Smart Cities. 2015. chap. 24, p. 447-469.; PEETERS; ETZION, 2012PEETERS, A.; ETZION, Y. Automated Recognition of Urban Objects For Morphological Urban Analysis. Computers, Environment and Urban Systems, v. 36, n. 6, p. 573-582, nov. 2012.; JUSUF; HIEN, 2009JUSUF, S. K.; HIEN, W. N. Development of Empirical Models For an estate Level Air Temperature Prediction in Singapore. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON COUNTERMEASURES TO URBAN HEAT ISLANDS, 2., 2009. Proceedings... 2009.) desenvolveram modelos em SIG.

Associando a importância de estudos mais aprofundados quanto às causas e impactos da ilha de calor urbana, a relevância da geometria urbana nesse contexto e o potencial oferecido pelos SIG, este artigo verifica o impacto da variação da geometria do cânion urbano na intensidade de ilhas de calor noturna. Dessa forma, é proposta a calibração de um modelo simplificado, com base nas características morfológicas e climáticas de duas cidades brasileiras, e sua adaptação à plataforma SIG, mediante o uso do software ArcGIS 10 (ESRI).

Ilha de calor e geometria urbana

O contínuo aumento da população em áreas urbanas impulsiona estudos de clima urbano por dois importantes motivos: para garantir um ambiente agradável e saudável para a população urbana e para verificar os efeitos da urbanização no clima.

A capacidade das cidades em alterar o clima local foi inicialmente identificada por Luke Howard em seus estudos para a cidade de Londres (HOWARD, 1833HOWARD, L. The Climate of London. London, 1833.). Ao longo do tempo, vários estudos identificaram essas alterações, que implicavam o fenômeno conhecido como "ilha de calor urbana" (ICU ou UHI, em inglês Urban Heat Island). Esse fenômeno é definido pelo aumento de temperatura nos centros adensados das cidades em relação à área rural adjacente. As temperaturas do ar e as superfícies em áreas urbanas tendem a ser mais elevadas do que em áreas rurais circundantes, devido a suas propriedades, caracterizando a formação de ilha de calor. O fenômeno da ilha de calor tem sido observado em várias cidades do mundo, apresentando-se predominantemente no período noturno, podendo se inverter a diferença entre as temperaturas rural e urbana durante o dia.

Na escala de estudo da camada de cobertura urbana é encontrada uma considerável complexidade devido às diversas formas de arranjo de superfícies. Para caracterizar esses arranjos, pode ser adotada uma unidade de superfícies ativas, o cânion urbano, que é constituído por paredes e chão (normalmente uma rua) entre dois edifícios adjacentes. Esse arranjo reconhece a natureza tridimensional da cobertura urbana e permite a interação entre edifícios, ao invés de tratá-los como objetos isolados, e denomina-se relação H/W.

A relação H/W foi utilizada por Oke (1981)OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981., o qual desenvolveu um modelo numérico de base empírica (Eq. 1) que se tornou uma das referências na literatura de clima urbano, pois conseguiu isolar o papel específico da geometria urbana. Oke (1981)OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981. apresentou uma comparação entre resultados de um experimento com um modelo físico em escala e dados observados em campo para analisar a formação de ilhas de calor urbana.

Onde:

ΔTu-r(max) é a intensidade máxima da ilha de calor (ºC);

H é altura das edificações do cânion urbano; e

W é a largura da rua do cânion urbano.

Os resultados obtidos daquele estudo mostraram que a geometria do cânion na porção central da cidade (medida pelo fator de visão do céu) é uma variável relevante na produção de ilhas de calor urbanas noturnas devido a seu papel na regulação da perda de calor por radiação de onda longa. Como o modelo empregado é extremamente simples, não pode suportar toda a gama de condições encontradas em cidades. O modelo enfatiza e isola especificamente a verificação da influência da geometria urbana na formação das ilhas de calor noturna. Não foi levada em consideração, por exemplo, a influência do vento, da água, da vegetação ou de outros materiais diferentes dos simulados.

A aplicação da relação H/W é encontrada também no estudo de Schrijvers et al. (2015)SCHRIJVERS, P. J. C. et al. Breakdown of the Night Time Urban Heat Island Energy Budget. Building and Environment, v. 83, p. 50-64, 2015., em que se realizou uma análise de identificação dos fatores dominantes envolvidos no balanço de energia da ilha de calor noturna no nível da edificação para uma geometria urbana 2D idealizada. Os autores analisaram, dessa forma, a transferência radiativa, o fluxo de calor condutivo e a ventilação (em CFD model) considerando uma gama de relações H/W (0,0, 0,5, 1,0, 2,0 e 4,0), a fim de estudar a importância da geometria do edifício. Os experimentos desses autores demonstraram que a temperatura do ar para as relações H/W 2,0 e 4,0, devido à estratificação muito estável na parte mais baixa do cânion, foi muito menor que nas relações H/W 0,5 e 1,0.

Entretanto, a relação H/W é um parâmetro que pode simplificar muito a interpretação da geometria urbana nas cidades, por considerar o cânion urbano como um perfil bidimensional (Figura 1a), homogêneo e infinito. Outro parâmetro de geometria urbana, o comprimento de rugosidade (Z0), considera, além da altura, a área de fachada e a área ocupada pelas edificações (Figura 1b). Sua aplicação em estudos de clima urbano objetiva, geralmente, relacionar geometria urbana com mudanças de fluxo de vento (ZAKI et al., 2011ZAKI, S. A. et al. Aerodinamic Parameters of Urban Building Arrays With Random Geometries. Boundary-Layer Meteorology, v. 138, n. 1, p. 99-120, 2011.; MILLWARD-HOPKINS et al., 2011MILLWARD-HOPKINS, J. T. et al. Estimating Aerodynamic Parameters of Urban-Like Surfaces With Heterogeneous Building Heights. Boundary-Layer Meteorology, v. 141, p. 443-465, 2011.; KANDA; MORIIZUMI, 2009KANDA, M.; MORIIZUMI, T. Momentum and Heat Transfer Over Urban-Like Surfaces. Boundary-Layer Meteorology, v. 131, n. 3, p. 385-401, 2009.; SUGAWARA; NARITA, 2009SUGAWARA, H.; NARITA, K. Roughness Length for Heat Over an Urban Canopy. Theoretical and Applied Climatology, v. 95, n. 3/4, p. 291-299, 2009.). A rugosidade também foi um dos doze parâmetros morfológicos utilizados no estudo de Martins, Bonhomme e Adolphe (2013)MARTINS, T. A. de L.; BONHOMME, M.; ADOLPHE, L. Análise do Impacto da Morfologia Urbana na Demanda Estimada de Energia das Edificações: um estudo de caso na cidade de Maceió, AL. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 13, n. 4, p. 213-233, out./dez. 2013. como indicadores do impacto da forma urbana na demanda de energia das edificações.

A complexidade e a importância dos estudos das superfícies urbanas e seu impacto nas ilhas de calor urbanas, além da necessidade de maior aprofundamento na análise da geometria urbana, realizando a calibração de modelos de simulação já conhecidos e propondo-se a inclusão de novos parâmetros de geometria, evidenciam as vantagens do uso de uma plataforma SIG para este estudo.

Figura 1
Perfil vertical do cânion urbano representando a relação H/W (a); e visão tridimensional do cânion com destaque para as áreas consideradas para o cálculo do comprimento de rugosidade (b)

Métodos

Nesta secção são apresentadas as etapas que basearam o método desta pesquisa: levantamento de dados de campo, ajuste do modelo simplificado, desenvolvimento da ferramenta de cálculo na plataforma SIG e simulação de cenários hipotéticos a partir da ferramenta de cálculo desenvolvida.

Levantamento de dados

Para a realização do levantamento de dados foram selecionados 21 pontos de estudo em duas cidades brasileiras. Seis pontos situam-se na cidade de São José do Rio Preto e 15 na cidade de Bauru, ambas localizadas no interior do estado de São Paulo, Brasil. Os dados de São José do Rio Preto foram levantados em outubro de 2012 e junho de 2013 (em colaboração com Masiero (2014)MASIERO, E. Influência de Corpos d'Água em Microclimas Urbanos: estudo de caso em São José do Rio Preto - SP. São Carlos, 2014. Tese (Doctoral thesis in Urban Engineering) - Departamento de Engenharia Civil, Pós-Graduação em Engenharia Urbana, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2014.), e os dados de Bauru foram obtidos de um levantamento realizado em junho e julho de 2005 por Leme (2005)LEME, F. T. Fase B: expansão da coleta de dados de fator de visão do céu e armazenamento. Vinculado ao projeto "Verificação da influência da geometria urbana no consumo de energia elétrica em edificações por modelagem de redes neurais artificiais: Projeto CEU - Consumo de Energia Urbano". Bauru: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2005. Relatório de pesquisa.. Os pontos representam diferentes configurações urbanas com variação de relação H/W. Além disso, a seleção desses pontos levou em consideração o distanciamento de certas variáveis que influenciam na temperatura do ar, como vegetação e corpos d'água, pois se trata de uma análise das magnitudes de ilha de calor estritamente relacionada à influência da geometria urbana.

Os equipamentos utilizados nos pontos de coleta urbana da cidade de São José do Rio Preto foram data-loggers da HOBO Pro v2, modelo U23-001, marca Onset, com sensores de temperatura (precisão de -40 ºC a 70 ºC) e umidade (0-100%), ambos com erro de 1%. Em Bauru foram utilizados data-loggers HOBO H8 Pro Series Temp/External Temp H08-031-08, também da marca Onset, com sensores de temperatura do ar (de -30 ºC a 50 ºC) e externa/superficial (-40 º a 100 ºC), com resolução de 0,02 ºC a 21 ºC em modo de alta resolução. Todos os equipamentos possuem proteção contra radiação solar direta e chuva.

Foram selecionados somente dias estáveis, sem ocorrência de chuvas ou nevoeiros, de céu claro (baixa nebulosidade, menor que 50%) e baixa velocidade de vento média (menor que 2,0 m/s). Os valores de intensidades de ilhas de calor (ΔTu-r(max)) dos dias medidos foram selecionados no período noturno, nas primeiras horas após o pôr do sol (entre 18h e 22h). Todas as medições, em ambas as cidades, foram realizadas a 3 m de altura (em postes de fornecimento de energia), com orientação sul. Em cada uma das cidades e durante o levantamento de dados correspondente, foram também obtidos dados de temperatura do ar pelas estações meteorológicas localizadas em área periférica da cidade para o cálculo de ΔTu-r(max).

Ajuste do modelo simplificado e desenvolvimento da ferramenta de cálculo no SIG

O processo de ajuste do modelo de Oke (1981)OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981. torna-se necessário por representar um modelo de base empírica, que está sendo aplicado neste artigo em condições climáticas diferentes daquelas das cidades em que se baseou seu desenvolvimento. Essa validação do modelo foi feita através de comparação entre os dados resultantes de sua aplicação para as áreas estudadas e os dados levantados das respectivas áreas.

Para o desenvolvimento da sub-rotina, o ambiente de programação do ArcGIS 10 foi usado, sendo o processo baseado em uma sequência lógica de relações espaciais e numéricas necessárias para o cálculo da geometria urbana. Posteriormente, o valor de relação H/W é determinado, e o cálculo de ICUmax é obtido através da incorporação da equação de Oke no algoritmo. O código foi escrito em linguagem Visual Basic e incorporado ao ArcGIS 10 como um novo módulo.

Para o desenvolvimento do algoritmo procurou-se realizar a interpretação do ambiente urbano no SIG, e sua implementação através de associações espaciais que resultassem em valor de geometria urbana. Os dados de entrada para a simulação são duas camadas: uma do tipo "linha" (que representa os eixos das vias) e outro do tipo "polígono" (que representa os edifícios). Além disso, são necessários os valores da altura dos edifícios (números associados com o objeto polígono) e o valor da distância do raio edifício-eixo (único valor). Este último parâmetro é o valor que será usado para selecionar os edifícios para o cálculo de relação H/W de cada eixo da rua.

A partir desse arquivo de entrada, a sub-rotina inicialmente executa o cálculo de relação H/W para a obtenção dos valores de ICUmax pelo modelo adaptado de Oke (Eq. 2).

Onde:

ΔTu-r(max) é a intensidade máxima da ilha de calor (ºC);

H é a média da altura das edificações da quadra urbana (m); e

W é a largura média da via medida de face a face das edificações do cânion urbano (m).

Nesse caso, o algoritmo proposto considera que a medida de largura da via (W) é a média da largura do trecho de rua em análise, da fachada de uma edificação a outra, estando contidos nesse espaço os recuos e as calçadas. O trecho de rua a que se refere esse cálculo é delimitado pelo encontro entre os eixos de via urbana, ao formarem uma quadra.

Como a relação H/W do modelo de Oke é fundamentada em um cânion infinito e a realidade das cidades, na maioria das vezes, não corresponde a essa configuração, adotou-se uma forma de incorporar a heterogeneidade do terreno urbanizado, através da identificação da rugosidade (Z0) proposta por Oke (1988). A adaptação do Z0 para a plataforma de cálculo no SIG é vista na Eq. 3. Dessa forma, as diferentes tendências de crescimento da intensidade de ilha de calor em relação ao valor de H/W e em função da rugosidade puderam ser observadas. Com base nessa diferença, o modelo foi ajustado através de equações de correções, obtendo-se, assim, o modelo adaptado.

Onde:

Z0 é o comprimento da rugosidade (m);

h é a altura média das edificações da quadra urbana (m);

A* é a área média da fachada voltada ao centro/eixo do cânion urbano (m2); e

A' é a área média ocupada por cada edificação da quadra urbana (m2).

Todo o processo para o cálculo de relação H/W, Z0 e intensidades de ilha de calor pelo modelo de Oke e modelo adaptado foi programado por meio de uma sub-rotina incorporada ao SIG ArcGIS 10. O resultado de cálculo dos três primeiros dados de saída possibilitou a verificação das relações entre geometria urbana e ilha de calor noturna, e, consequentemente, a obtenção do modelo adaptado, resultando no desenvolvimento da ferramenta THIS (Tool for Heat Island Simulation). A organização dessas etapas de desenvolvimento da ferramenta THIS é vista na Figura 2.

Figura 2
Sequência que resume os processos envolvidos na sub-rotina da ferramenta THIS

Resumidamente, a ferramenta adotou como princípio a incorporação de uma equação-base, cujos resultados de cálculo foram comparados com resultados obtidos em levantamentos de campo como forma de ajuste da ferramenta. Esse processo de comparação resultou na definição de equações de correções, que levaram à incorporação de novas operações no desenvolvimento da ferramenta e à obtenção do modelo adaptado. As equações de correção foram incorporadas com base em uma classificação de rugosidade das quadras (Z0), um novo parâmetro incluído na sub-rotina. Entretanto, caso seja necessária a validação do modelo para sua aplicação em outras cidades, a inserção de novas equações de correção é possível, desde que com base em um levantamento prévio de dados de ilha de calor urbana, relação H/W e Z0.

Simulação de cenários hipotéticos pela ferramenta THIS

Com a sub-rotina concluída, foi realizada uma simulação de 12 cenários urbanos hipotéticos. Esses correspondem a diferentes configurações de quadras urbanas, tanto no valor de H/W quanto no comprimento de rugosidade (Z0), uma vez que ambos os parâmetros são calculados pela própria sub-rotina.

A fim de abranger uma ampla gama de cenários, para a verificação da influência da geometria urbana na intensidade máxima de ilhas de calor (ICUmax), os seguintes valores de relação H/W foram determinados para a simulação: 0,25, 0,5, 1, 2, 3 e 4. Essa escala de relação H/W foi simulada tanto para valores de Z0 < 2,0 quanto para Z0 ≥ 2,0, extrapolando os dois grupos de valores para os quais foram encontradas diferentes tendências de crescimento da ICUmax.

A Tabela 1 apresenta uma classificação dos cenários simulados (quadras urbanas hipotéticas) com base nos critérios predefinidos para a simulação, e a Figura 3 ilustra, de forma simplificada e tridimensional, as geometrias desses cenários.

Tabela 1
Determinação dos critérios para as simulações de cenários urbanos

Figura 3
Representação da geometria dos 12 cenários hipotéticos simulados

Resultados

Comparação de dados medidos com os simulados pelo modelo de Oke

Antes de dar início às análises, foi realizado um tratamento estatístico nos pontos de estudo que possuíam valores de relação H/W similares e consecutivos, de modo que foram extraídas suas médias para melhor representatividade de cada faixa de valor de relação H/W. Após esse tratamento de dados, os valores das médias da intensidade de ilha de calor nesses pontos foram comparados com os valores resultantes da simulação pelo modelo de Oke.

A comparação entre dados reais e simulados pelo modelo de Oke para os mesmos pontos demonstrou tendência crescente da ΔTu-r(max) em relação ao valor de H/W. No entanto, a correlação entre esses dados demonstrou-se baixa, com o coeficiente de determinação (R2) de 0,63 e desvio padrão de 2,20 (Figura 4).

Figura 4
Correlação entre os dados simulados pelo modelo de Oke e os obtidos em medição

Verificou-se que essa baixa correlação se deve aos comportamentos diferenciados para duas faixas de Z0. Quando a análise foi então realizada por faixas de Z0, obteve-se melhoria na correlação dos dados (R2 de 0,80 e 0,97 para as duas diferentes faixas de Z0). O gráfico da Figura 5 apresenta as curvas de dados reais e dados simulados pelo modelo de Oke, com pontos classificados nessas duas faixas de Z0.

Figura 5
Intensidades das ilhas de calor simuladas pelo modelo de Oke e obtidas em medição

A faixa de 'Z0 = 0,39 a 1,23' apresenta a relação entre valores de ICUmax para uma faixa de relação H/W entre 0,16 e 0,28. Os valores medidos encontram-se acima dos simulados pelo modelo de Oke, com diferenças de 1,25 ºC a 2,25 ºC. O coeficiente de determinação dessa relação é de R2 = 0,80, com desvio padrão de 1,15.

A faixa de 'Z0 = 2,39 a 15,98' apresenta resultados para a faixa de relação H/W de 0,28 a 1,25. Existe maior correlação entre as curvas dos valores simulados pelo modelo de Oke e a dos dados reais, que também apresenta uma relação diretamente proporcional à relação H/W, mas de forma menos acentuada que a do modelo de Oke. A curva dos dados reais, no entanto, ficou abaixo da curva de valores do modelo de Oke, com diferenças que variam de 0,53 ºC a 3,63 ºC. Essa relação apresentou um coeficiente de determinação de R2 = 0,97, com desvio padrão de 2,13.

A diferença de tendência notada entre as duas faixas de Z0 apresentadas serviu como parâmetro adicional para a calibração do modelo de Oke para as cidades analisadas neste estudo. Como os dados reais das cidades estudadas apresentam uma lacuna de valores de Z0 entre 1,23 e 2,39, essa lacuna poderia gerar problema de falta de valores na simulação. Para que isso fosse evitado, foram extrapolados os valores possíveis de Z0 na inserção das equações no código da ferramenta. Essa extrapolação considera valores de Z0 menores que 2,0 para o primeiro grupo, e maiores ou iguais a 2,0 para o segundo grupo.

O modelo adaptado forneceu resultados de maior correlação com dados medidos do que aqueles calculados pelo modelo de Oke. Os dados simulados pelo modelo adaptado resultaram em um R2 de 0,92, com desvio padrão de 1,01 (Figura 6).

Figura 6
Correlação entre os dados simulados pelo modelo adaptado e os obtidos em medição

O ajuste dessa curva de dados simulados pode ser verificado no gráfico da Figura 7, em que a curva de ICUmax pelo modelo adaptado se aproxima significativamente da curva de ICUmax medida.

Figura 7
Intensidade máxima de ICU simulada pelo modelo de Oke e pelo modelo adaptado, obtida em medição

Resultados da simulação com a ferramenta THIS dos cenários hipotéticos

A simulação com a ferramenta THIS dos cenários hipotéticos (Figura 8) possibilitou uma comparação de valores entre as duas faixas de rugosidade que apresentaram tendências diferenciadas para a previsão de ICUmax durante o processo de validação do modelo de Oke.

Figura 8
Resultado da simulação dos cenários hipotéticos com a ferramenta THIS

Em todos os valores de relação H/W simulados, a intensidade máxima de ICU para cenários de menor rugosidade (Z0 < 2,0) foi maior que dos cenários de maior rugosidade (Z0 ≥ 2,0), com diferenças que variaram de 2,04 ºC a 7,31 ºC à medida que o valor de relação H/W aumenta. Considerando a equação de cálculo de comprimento de rugosidade (Eq. 3), para os mesmos valores de relação H/W, cenários urbanos em que predominam edifícios com maior área ocupada em relação à área de fachada tendem a apresentar valores de ICUmax maiores.

Para os cenários urbanos em que as áreas das fachadas dos edifícios são predominantemente maiores que as áreas ocupadas por eles, para os mesmos valores de relação H/W, os valores de ICUmax tendem a ser menores. É verificada tendência de os resultados simulados para cenários com Z0 < 2,0 apresentarem valores de ICUmax duas vezes maiores que os cenários de Z0 ≥ 2,0 para um mesmo valor de relação H/W.

Uma análise mais aprofundada de parte dos resultados (Tabela 2) demonstra que, na simulação realizada neste artigo, uma ICUmax de aproximadamente 4 ºC pode ser causada tanto por um cânion urbano de relação H/W 0,25 e menor rugosidade (A1) quanto de relação H/W 1,00 e maior rugosidade (B3). Da mesma forma, uma ICUmax de aproximadamente 6 ºC pode ser causada tanto por um cânion urbano de relação H/W 0,50 de menor rugosidade (A2) quanto de relação H/W 2,0 de maior rugosidade (B4).

Tabela 2
Comparação entre cenários que resultaram de valores de ICUmax aproximados

Essa análise enfatiza que, mesmo que um cânion urbano seja estreito, com baixo valor de W, um conjunto de edificações mais heterogêneas e altas pode até amenizar as ICUmax em relação a um cânion mais largo, mas com edificações mais densas e baixas.

É importante recordar aqui que a calibração do modelo, entretanto, se baseou em dados provenientes de cânions urbanos de relação H/W de 0,15 a 1,25. Portanto, os valores obtidos da simulação para as relações H/W 2,00, 3,00 e 4,00 são previsões com base na extrapolação da calibração do modelo realizada para os dados de geometria urbana medidos.

Discussão

O modelo de Oke (1981)OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981. apresentou previsões de intensidades máximas de ilha de calor para algumas áreas de estudos localizadas em duas cidades brasileiras bem diferenciadas dos valores obtidos pelo levantamento de campo. A aplicabilidade do modelo de Oke em cidades que não estejam nas que basearam seu desenvolvimento (cidades da Europa, América do Norte e Australásia) já vem sendo também questionada em outras pesquisas, o que se deve, principalmente, às diferenças nas condições climáticas e às próprias características urbanas.

Nota-se no gráfico da Figura 9 que, em um estudo mais recente, Oke et al. (1991)OKE, T. R. et al. Simulation of surface Urban Heat Islands Under 'Ideal' Conditions at Night Part 2: diagnosis of causation. Boundary-Layer Meteorology, v. 56, p. 339-358, 1991. acrescentaram novos dados (PARK, 1987PARK, H. S. Variations in the urban Heat Island Intensity Affected by Geographical Environments. In: Environmental Research Center Papers 11, Ibakari: University of Tsukuba, 1987.) de intensidade máxima de ilha de calor de outros países (Coreia e Japão), os quais apresentaram tendência diferenciada em relação aos dados (OKE, 1981OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981.) que serviram de base para a elaboração de seu modelo (dados da América do Norte, Europa e Australásia).

Figura 9
Relação entre a intensidade máxima da ilha de calor observada em levantamentos de campo e o fator de visão do céu de suas áreas

Para efeito de comparação dos resultados aqui alcançados, foram acrescentados nesse mesmo gráfico os dados obtidos do levantamento para este artigo (das cidades brasileiras São José do Rio Preto e Bauru). Esses dados apresentam tendência mais semelhante àqueles levantados por Park (1987)PARK, H. S. Variations in the urban Heat Island Intensity Affected by Geographical Environments. In: Environmental Research Center Papers 11, Ibakari: University of Tsukuba, 1987.. Para demonstração, os dados de geometria urbana das cidades brasileiras foram convertidos de relação H/W para FVC. Para isso, utilizou-se o mesmo método de Oke (1981)OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981., que considera, por simplificação, o FVC em um ponto central entre duas paredes como ψsky = cos β, onde β é o ângulo de elevação da parede (β = tan-1 (H/0,5.W)).

Nota-se no gráfico da Figura 9 que, em um estudo mais recente, Oke et al. (1991)OKE, T. R. et al. Simulation of surface Urban Heat Islands Under 'Ideal' Conditions at Night Part 2: diagnosis of causation. Boundary-Layer Meteorology, v. 56, p. 339-358, 1991. acrescentaram novos dados (PARK, 1987PARK, H. S. Variations in the urban Heat Island Intensity Affected by Geographical Environments. In: Environmental Research Center Papers 11, Ibakari: University of Tsukuba, 1987.) de intensidade máxima de ilha de calor de outros países (Coreia e Japão), os quais apresentaram tendência diferenciada em relação aos dados (OKE, 1981OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981.) que serviram de base para a elaboração de seu modelo (dados da América do Norte, Europa e Australásia).

Para efeito de comparação dos resultados aqui alcançados, foram acrescentados nesse mesmo gráfico os dados obtidos do levantamento para este artigo (das cidades brasileiras São José do Rio Preto e Bauru). Esses dados apresentam tendência mais semelhante àqueles levantados por Park (1987)PARK, H. S. Variations in the urban Heat Island Intensity Affected by Geographical Environments. In: Environmental Research Center Papers 11, Ibakari: University of Tsukuba, 1987.. Para demonstração, os dados de geometria urbana das cidades brasileiras foram convertidos de relação H/W para FVC. Para isso, utilizou-se o mesmo método de Oke (1981)OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981., que considera, por simplificação, o FVC em um ponto central entre duas paredes como ψsky = cos β, onde β é o ângulo de elevação da parede (β = tan-1 (H/0,5.W)).Neste caso, é notável que em algumas localidades a tendência de aumento da intensidade máxima da ilha de calor não seja tão elevada em relação à diminuição do FVC (ou ao aumento de relação H/W), como o que fora apresentado pelo modelo de Oke (1981)OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981.. Assim, para valores de FVC entre 0,30 e 0,60 (correspondentes a valores de relação H/W entre 0,67 e 1,60), os dados apresentados pelas cidades brasileiras se aproximam mais dos obtidos na Coreia e no Japão por Park (1987)PARK, H. S. Variations in the urban Heat Island Intensity Affected by Geographical Environments. In: Environmental Research Center Papers 11, Ibakari: University of Tsukuba, 1987..

Cabe nesse contexto acrescentar que Souza et al. (2010)SOUZA, L. C. L. et al. Fator de Visão do Céu e Intensidade de Ilhas de Calor na Escala do Pedestre. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 10, n. 4, p. 155-167, out./dez. 2010. sugeriram uma adaptação do modelo de Oke (1981)OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981. para as condições encontradas em um bairro residencial na cidade de Bauru, SP, com base nas informações levantadas da área de estudo. Aqueles autores propuseram que o modelo de Oke tivesse a aplicação direta para os valores de FVC acima de 0,82. Especificamente para a faixa entre 0,68 e 0,82, deveria ser aplicada uma equação de correção.

Souza et al. (2010)SOUZA, L. C. L. et al. Fator de Visão do Céu e Intensidade de Ilhas de Calor na Escala do Pedestre. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 10, n. 4, p. 155-167, out./dez. 2010. verificaram tendência de maiores erros de estimativa de intensidade de ilha de calor pelo modelo de Oke à medida que os FVC são menores. Uma explicação viável encontrada pelos autores para esse resultado foi a não uniformidade das edificações no meio urbano e as diferentes massas térmicas dos cânions. Essa mesma tendência pode ser também verificada no gráfico da Figura 9, observando-se que, apesar de na faixa de FVC mais alta (de 0,80 a 1,00) os dados das cidades brasileiras estarem próximos dos dados obtidos por Oke, na faixa de FVC mais baixa (de 0,30 a 0,60) os pontos dos dados das cidades brasileiras encontram-se bem afastados dos pontos de dados de Oke. Isso sugere que, imaginando-se uma linha de tendência, os dados das cidades brasileiras na faixa intermediária (de 0,60 a 0,80) também apresentariam erros de estimativa pelo modelo de Oke, o que corrobora os resultados obtidos por Souza et al. (2010)SOUZA, L. C. L. et al. Fator de Visão do Céu e Intensidade de Ilhas de Calor na Escala do Pedestre. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 10, n. 4, p. 155-167, out./dez. 2010..

Tendências diferenciadas da curva de intensidade da ICU em relação ao modelo de Oke (1981)OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981. podem ser encontradas também em estudos na Inglaterra, cidade de Grande Manchester (LEVERMORE; CHEUNG, 2012LEVERMORE, G. J.; CHEUNG, H. K. W. A Low-Order Canyon Model to Estimate the Influence of Canyon Shape on the Maximum urban heat island effect. Building Services Engineering Research & Technology, v. 33, n. 4, p. 371-385, 2012.) e nos Países Baixos, cidade de Roterdão (THEEUWES et al., 2014THEEUWES, N. E. et al. Seasonal Dependence of the Urban Heat Island on the Street Canyon Aspect Ratio. Quartely Journal of the Royal Meteorological Society, v. 140, n. 684, p. 2197-2210, 2014.). Levermore e Cheung (2012)LEVERMORE, G. J.; CHEUNG, H. K. W. A Low-Order Canyon Model to Estimate the Influence of Canyon Shape on the Maximum urban heat island effect. Building Services Engineering Research & Technology, v. 33, n. 4, p. 371-385, 2012., através de um simples modelo matemático desenvolvido, verificaram tendência crescente, assim como no modelo de Oke, mas também com menor ângulo de inclinação. Theeuwes et al. (2014)THEEUWES, N. E. et al. Seasonal Dependence of the Urban Heat Island on the Street Canyon Aspect Ratio. Quartely Journal of the Royal Meteorological Society, v. 140, n. 684, p. 2197-2210, 2014. verificaram aumento da ICU com a relação H/W até este assumir o valor de 2,0, tornando-se constante após esse valor.

Partindo dos resultados obtidos pela simulação, algumas recomendações para o planejamento urbano, com base em alguns critérios, podem amenizar a intensidade de ilhas de calor. Quanto menor for a largura da via de uma área urbana (somatória de calçadas e rua), menor deverá ser a taxa de ocupação do terreno e, simultaneamente, maior poderá ser o coeficiente de aproveitamento. Dessa forma, garante-se maior rugosidade, e até maior porosidade, no tecido urbano pela menor área ocupada proporcional ao terreno e maior a variabilidade de alturas das edificações. Além disso, verifica-se neste estudo que, muito além da influência da relação H/W do cânion urbano, as intensidades de ilhas de calor noturnas se apresentam fortemente relacionadas com o comprimento de rugosidade.

Os resultados obtidos neste artigo corroboram, de certa forma, o estudo de Martins, Bonhomme e Adolphe (2013)MARTINS, T. A. de L.; BONHOMME, M.; ADOLPHE, L. Análise do Impacto da Morfologia Urbana na Demanda Estimada de Energia das Edificações: um estudo de caso na cidade de Maceió, AL. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 13, n. 4, p. 213-233, out./dez. 2013., que apresentam um método simplificado de análise e mapeamento morfológico do tecido urbano para auxiliar na integração do contexto climático ao planejamento urbano, bem como nas avaliações da demanda energética das edificações. Aqueles autores realizaram uma classificação do tecido urbano da cidade de Maceió, AL, a partir de indicadores de desempenho ambiental da forma urbana, e constataram que as classes de maior adensamento e mais heterogêneas apresentaram menor demanda energética estimada por metro quadrado. O fator da verticalidade eleva o volume construído e, proporcionalmente, a área de envoltória exterior, elevando também a compacidade dessa forma.

Segundo aqueles autores, apesar da classe de melhor desempenho ser caracterizada como uma das mais porosas, a relação dos afastamentos e a altura média dos edifícios podem gerar prospectos (relação H/W) também elevados, fatores esses que permitem uma redução importante da fração visível do céu e maior sombreamento das fachadas, reduzindo os ganhos de calor por radiação e, consequentemente, a carga estimada para resfriamento.

A configuração urbana que proporciona amenização das intensidades das ilhas de calor colabora, ao mesmo tempo, na redução de demanda por energia. Dessa forma, a configuração que representou o melhor desempenho sob esses aspectos nas cidades brasileiras foi o cânion urbano de maior heterogeneidade (variação entre as alturas), com maiores densidades construídas (soma das áreas úteis construídas dividida pela área total da malha) e menores taxas de ocupação (soma das áreas construídas no solo dividida pela área total da malha).

Conclusões

Os resultados do levantamento de campo apresentados nesta pesquisa corroboram os encontrados por outros autores no que diz respeito à validação do modelo de Oke (1981)OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981. para cidades sob condições diferenciadas. O modelo de Oke (1981)OKE, T. R. Canyon Geometry and the Nocturnal Urban Heat Island: comparison of scale model and field observations. Journal of Climatology, v. 1, n. 1/4, p. 237-254. 1981., apesar de ser um modelo numérico com base em modelo físico, também se baseia em estudo empírico, o que acaba exercendo influência de caráter local/regional sobre os valores simulados.

A importância do modelo de Oke para o desenvolvimento de estudos climáticos é evidente e serve de base para o desenvolvimento de muitos outros estudos. No entanto, em função de suas simplificações e limitações, o modelo de Oke subestimou valores de máxima ICU para cânions urbanos de Z0 < 2,0 e superestimou valores de máxima ICU para cenários de Z0 ≥ 2,0, na comparação entre dados simulados e medidos. A ferramenta foi validada analisando-se a relação entre os dados medidos e os simulados pelo modelo de Oke, e incorporando equações de correção à sub-rotina de cálculo. Dessa forma, obteve-se o modelo adaptado e foi concluída a ferramenta THIS.

Os resultados obtidos pela comparação entre a simulação com o modelo de Oke e os dados obtidos em levantamento nas duas cidades brasileiras demonstraram um coeficiente de determinação R2 de 0,63 e desvio padrão de 2,20. Os dados simulados pelo modelo adaptado de THIS apresentaram boa correlação com os dados de medição, com R2 de 0,92 e desvio padrão de 1,01, evidenciando a importância do processo de validação da ferramenta para simulações de cenários em diferentes cidades. A incorporação do parâmetro adicional comprimento de rugosidade (Z0) foi fundamental para esse aumento de performance de cálculo pela ferramenta.

Além disso, este estudo trouxe como contribuição a verificação de que, para algumas cidades brasileiras, não somente o valor de relação H/W pode influenciar as intensidades de ilha de calor noturna, mas também a variação das áreas de fachada e ocupação das edificações que compõem o cânion urbano. Dessa forma, maior rugosidade representa atenuação de valores de intensidade de ilha de calor para um mesmo valor de relação H/W. Entretanto, sugere-se um estudo mais aprofundado do impacto dessa configuração em outros fatores que influenciam também o microclima urbano, como, por exemplo, mudanças na velocidade e na direção de fluxo de vento.

Adotando-se a geometria urbana como único parâmetro de entrada, foi possível verificar seu papel de forma isolada na intensidade de ilhas de calor urbana, objetivo deste artigo. No entanto, como vários outros parâmetros influenciam no fenômeno da ICU, a validação proposta neste artigo não pode ser aplicada indiscriminadamente em outras cidades. É recomendável que a ferramenta THIS seja antes validada para a região que se pretende simular, considerando a possibilidade de inserção de diferentes equações de correção.

O desenvolvimento da ferramenta THIS pretende auxiliar pesquisadores e planejadores nas tendências de formação de ilhas de calor em diferentes cenários urbanos e sugere uma discussão mais aprofundada sobre a influência de diferentes configurações de geometria urbana na formação de ilhas de calor.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo suporte financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2015
  • Aceito
    30 Mar 2016
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