Introdução
Edificação histórica é definida como uma construção que apresenta características de grande valor arquitetônico, cultural e histórico (SOUSA, 2014). Esse conceito está ligado ao patrimônio histórico edificado, que se elege por ser um bem cultural que é produzido por um determinado povo, nação ou civilização, representando de melhor maneira seu passado (ROSA, 2016).
Compreender os edifícios históricos significa também entender e conhecer os materiais existentes desde décadas e séculos passados. As argamassas antigas que compõem esses monumentos guardam evidências acerca da história construtiva da edificação, os métodos e os materiais. Portanto, devem ser preservadas a fim de servir como parâmetro para definição de argamassas de reconstituição para manter e conservar periodicamente o edifício histórico (KANAN, 2008).
Na conservação e reabilitação de edifícios, as argamassas de revestimento desempenham um papel essencial e, devido à sua exposição e atribuição de proteger o substrato, são os primeiros elementos do edifício no qual é perceptível a degradação (DAMAS; VEIGA; FARIA, 2016).
Eram predominantes na composição dos materiais das argamassas de revestimento antigo dois componentes, o aglomerante (cal) e o agregado (areia), podendo ainda conter adições pozolânicas ou material orgânico, de acordo com a caracterização do prédio Grupo Escolar Augusto Severo em Natal, RN, de 1908 (SOUSA, 2014). No entanto, os métodos construtivos de paredes eram diferentes de uma região para outra, e, além disso, a constituição desses materiais passou por modificação ao longo dos anos (VEIGA, 2012).
Atualmente, a preocupação sucessiva em reabilitar os edifícios tem levado a tomada de decisões indevidas, geralmente resultando na remoção de argamassas antigas, com perda do seu valor, tanto técnico como estético, entre outros, e na sua substituição por argamassas novas (FARIA; HENRIQUES; RATO, 2008).
Maravelaki-Kalaitzaki et al. (2005) relatam ainda que comumente essa intervenção não obedece aos requisitos fundamentais de compatibilidade física e química com o substrato, propiciando muitas vezes um dano maior. À vista disso, pesquisas recentes enfocam o uso de materiais compatíveis com substratos originais (TAGLIERI et al., 2017).
No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é o órgão federal de preservação que se encarrega do exercício preservacionista no país. Ele foi criado em 1937, e o primeiro tombamento do Rio Grande do Norte foi realizado no ano de 1949 (INSTITUTO..., 2017). Além deste, existe no Estado a Fundação José Augusto (FJA), que também tem a finalidade de promover a restauração, conservação e manutenção de monumentos históricos e artísticos do Estado.
A lista de bens tombados por ambos, IPHAN e FJA, no Estado ainda não abrange todas as edificações históricas existentes. Pouca atenção foi dada ao vale do Ceará-Mirim, que carrega um passado de tradições de uma economia rural e patriarcal, no qual os engenhos, distribuídos no decurso do vale, desenham a paisagem açucareira da região.
A transição desse período de progresso da atividade açucareira é notável por meio da presença de patrimônio material na região. Constatam-se inúmeras construções arquitetônicas associadas a esse momento histórico no decorrer do vale, muitas delas já em ruínas (BERTRAND, 2010).
Dentre os engenhos instalados ao longo do vale do rio Ceará-Mirim, o engenho Ilha Bela se destacou por apresentar uma implantação singular. Suas atividades tiveram início entre os anos 1888 e 1889, e posteriormente foi transformado em usina para produção de açúcar cristal.
Diante desse contexto, esta pesquisa tem como principal objetivo caracterizar as argamassas de revestimento da Usina Ilha Bela, RN, contribuindo para preservação e consolidação desses monumentos históricos, através das análises de aspecto visual, FRX, DRX, TG, teor de aglomerante, granulometria, absorção de água por imersão e resistência à compressão.
Materiais e métodos
O procedimento experimental da pesquisa compreendeu duas etapas. Primeiro foi realizada uma análise do estado de conservação da edificação, seguido da caracterização das argamassas antigas de cada prédio pertencente à Usina Ilha Bela.
Análise do estado de conservação da Usina Ilha Bela
As práticas preservacionistas das alvenarias históricas exigem o entendimento dos materiais remanescentes dos que vão ser usados na reconstituição. Para isso, foram realizadas visitas in loco na Usina (Figuras 1 e 2) para verificar a situação atual da edificação, assim como identificar os diferentes ambientes e a possível existência de intervenções que esta possa ter recebido no decorrer dos anos.
Essa inspeção visual foi realizada atentando para as recomendações de Kanan (2008).
Foram extraídas amostras da argamassa de revestimento externo e interno de cada prédio, com o auxílio de uma talhadeira e martelo, distribuídos entre 3 prédios existentes da Usina: prédio administrativo, balança e fábrica. As amostras foram retiradas a uma altura aproximada de 1,50 m do nível do piso, tendo o devido cuidado de agredir o mínimo do monumento histórico.
O critério para a escolha dos pontos foi a retirada em pelo menos 3 pontos, para que se pudesse ter uma representação melhor da argamassa em cada face da edificação.
No prédio administrativo foram extraídas amostras em 3 pontos da parede frontal interna e em 3 pontos dessa mesma parede frontal na face externa, de forma a se obter uma amostra menos deteriorada. Assim como foi a extração das amostras na fábrica, em 3 pontos da parede frontal externa como também em 3 pontos dessa parede na face interna, e essas paredes escolhidas por apresentarem uma melhor conservação, comparada às demais paredes de cada prédio analisado. E no prédio onde funcionava a Balança (1º andar) foram extraídas amostras em 3 pontos distribuídos nas parede laterais internas que estavam menos degradadas e em 3 pontos da parede lateral esquerda externa, considerando 1,50 m do piso do 1º andar, sendo essa a única parede praticável de extração de amostra, uma vez que as demais paredes não tinham acesso para alcançar essa altura de extração estabelecida.
Em seguida, os materiais coletados foram armazenados em recipientes plásticos, limpos e secos e identificados individualmente. Como parte da observação visual, as amostras foram fotografadas, mostrando seções importantes para análise quanto a cor, textura, espessura e resistência (compacta ou quebradiça). O Quadro 1 ilustra a identificação, o substrato e o local de retirada de cada amostra.
Quadro 1 Nomenclatura, substrato e local de extração das amostras da Usina
Nomenclatura das amostras | Substrato | Local de extração | |
---|---|---|---|
A01 | Revestimento externo | Parede - tijolo de adobe | Prédio administrativo |
A02 | Revestimento interno | Parede - tijolo de adobe | |
A03 | Revestimento externo | Parede - tijolo de adobe | Balança |
A04 | Revestimento interno | Parede - tijolo de adobe | |
A05 | Revestimento externo | Parede - tijolo de adobe | Fábrica |
A06 | Revestimento interno | Parede - tijolo de adobe |
Caracterização das argamassas antigas da Usina Ilha Bela
Após a coleta das amostras, para conhecer as características físicas e químicas da argamassa antiga foram realizadas técnicas de caracterização dos materiais. As técnicas de caracterização adotadas foram baseadas em trabalhos anteriores, dentre eles (DAMAS et al., 2018; ORTEGA et al., 2018; DAMAS; VEIGA; FARIA, 2016; HORMES et al., 2016; LEZZERINI et al., 2018, 2014; SOUSA, 2014; BARTZ et al., 2012; GLEIZE et al., 2009; LANAS et al., 2004).
Dessa maneira, para análise mais complexa das argamassas de revestimento da Usina, foram realizadas as seguintes técnicas:
fluorescência de raios X (FRX);
difração de raios X (DRX);
análise termogravimétrica (TG);
teor de aglomerante e agregado;
distribuição granulométrica após o ataque ácido;
absorção de água por imersão; e
resistência à compressão.
Para isso, parte da amostra foi desagregada cautelosamente com um almofariz de porcelana e um martelo de borracha. Posteriormente, uma porção do material foi destorroada até atingir uma fração mais fina, e então passar na peneira ∅=0,075 mm (#200). O material passante foi acondicionado em eppendorfs para serem encaminhados para análises de caracterização. A outra parte restante da amostra foi separada para determinação do teor de aglomerante.
Técnicas de caracterização
Análises químicas e microestruturais
As análises químicas e microestruturais desenvolvidas nas amostras de argamassas antigas da Usina estão apresentadas no Quadro 2.
Quadro 2 Análises químicas e microestruturais realizadas nas amostras de argamassa
Analises químicas e microestruturais | Finalidade | Condições de ensaio |
---|---|---|
Fluorescência de raios X (FRX) | Essa análise identifica qualitativamente e quantitativamente os elementos químicos em forma de óxidos | Essa análise é desenvolvida por fluorescência de raios X utilizando o espectrômetro por fluorescência de raios X do tipo EDX - 720, Shimadzu, em uma atmosfera a vácuo e desenvolvido o método semi-quantitativo para a determinação dos elementos presentes nas matérias-primas |
Difração de raios X (DRX) | Essa técnica determina a composição mineralógica da argamassa, ou seja, natureza do agregado e aglomerante que foi utilizado na argamassa antiga | O aparelho utilizado foi o equipamento Shimadzu DRX - 7000 com fonte de radiação Cu - Kα, tensão de 40 kV, corrente de filamento 30 mA e filtro monocromador de níquel, com velocidade de varreduras com 5º/min e leitura nos intervalos de varrimento 10º < 2θ < 80º |
Análise termogravimétrica (TGA) | Obtém-se a curva TGA, e a partir dela a DTG, que permite detectar as temperaturas em que acontecem as reações que causam as mudanças de massa, ou seja, picos de desidratação e decomposição dos compostos | Utilizou-se o equipamento STA449 F3, de marca Netzsch, onde a amostra foi condicionada em um cadinho de alumínio e adotada as seguintes condições: atmosfera de nitrogênio com fluxo de 87 mL/min e taxa de aquecimento de 10 ºC/min com intervalo de aquecimento de 30 a 900 ºC |
Outra análise realizada, além dessas supracitadas, foi a determinação do teor de aglomerante. Como não exista um método-padrão para medir o teor de aglomerante, e posteriormente encontrar a relação aglomerante:agregado das argamassas históricas, foi feita uma adaptação de uma técnica combinada de tratamento térmico com dissolução em ácido clorídrico, que promove a separação do ligante dos agregados siliciosos. Técnica esta utilizada por Damas et al. (2018), Kanan (2008) e Motta (2004), em suas pesquisas.
Para seu desenvolvimento, a amostra utilizada foi destorroada sem passar pelo processo de peneiramento, seguindo as etapas:
secagem de 50 gramas da amostra de argamassa antiga, em estufa a (105 ± 5) ºC, durante 24 horas;
registrou-se o peso da amostra (m1) depois de retirada da estufa e depositou o material em um béquer;
em seguida, adicionou-se 150 ml de ácido clorídrico, procedendo com agitação, e logo após a amostra ficou em repouso durante 24 horas para ocorrer a diluição total da amostra;
na sequência drenou-se a solução ácida em um funil com papel-filtro para aferição dos finos inertes, e posteriormente foi lavada com água deionizada, sendo a massa do papel filtro seco aferida previamente (m2);
posteriormente secou-se o filtro de papel drenante com o resultante da ação térmica combinada com dissolução de ácido clorídrico, em estufa a uma temperatura de (105 ± 5) ºC, por 24 horas; e
ao final aferiu-se a massa dos filtros drenantes para encontrar a quantidade de agregados (m3), e assim descobrir o teor de aglomerante (Magl).
A Figura 3 apresenta a amostra de argamassa antiga com o ácido clorídrico após o repouso por 24 horas, conforme procedimento descrito anteriormente.
Dessa forma, o teor de aglomerante foi calculado utilizando-se a Equação 1:
Onde:
Magl: teor de aglomerante (%);
M1: massa inicial da amostra (g);
M2: massa do filtro drenante (g);
M3: massa de agregados após ação térmica e ataque químico (g);
Esse procedimento foi replicado para 3 amostras de cada exemplar de argamassa da Usina para se obter uma média. Após finalizar o ensaio, o material restante da dissolução em ataque ácido foi retirado do filtro cautelosamente e reservado em recipiente para ser utilizado posteriormente na análise granulométrica.
Ensaios físicos
Para determinação das caracteristicas fisicas foram realizados os seguintes ensaios:
Análise granulométrica após o ataque ácido
A análise foi realizada na amostra de argamassa após a separação do aglomerante pela técnica de determinação do aglomerante por ataque ácido. O procedimento do ensaio foi uma adaptação do que é descrito pela ABNT NBR 248 (2003), uma vez que a quantidade de amostra utilizada para o ensaio foi bem menor que a exigida, por se tratar de uma argamassa antiga pertencente a um edifício histórico e evitar a sua degradação. Para isso, o agregado resultante do ataque ácido e após lavagem foi seco em estufa, destorroado e depositado em um conjunto de peneiras dispostas na seguinte ordem (Tabela 1).
Tabela 1 Conjuntos de peneiras utilizado no ensaio de granulometria
Conjunto de peneiras | Abertura da malha |
---|---|
Nº 4 | 4,75 mm |
Nº 8 | 2,36 mm |
Nº 16 | 1,18 mm |
Nº 30 | 0,600 mm |
Nº 50 | 0,300 mm |
Nº 1000 | 0,150 mm |
Nº 2000 | 0,075 mm |
Através do peneiramento foi determinada a composição granulométrica do agregado utilizado nas argamassas antiga da Usina e representado em forma de curva. Essa curva granulométrica possibilita a determinação das características físicas do agregado, como o módulo de finura e diâmetro máximo, permitindo assim uma compatibilidade percentual dos diâmetros dos grãos da argamassa antiga com uma argamassa de restauro. O módulo de finura (Mf) do agregado indica a espessura deste, ou seja, quanto menor o valor do Mf, mais fino será o agregado. A partir do Mf é possível identificar em qual zona se encontra esse agregado e assim classificá-lo, conforme a NBR 7211 (ABNT, 2009).
Análises absorção de água por imersão
Para a realização desse ensaio foi necessário realizar uma adaptação da norma NBR 9778 (ABNT, 2005), já que as amostras coletadas não apresentavam o volume mínimo indicado por norma. Então, o ensaio foi realizado utilizando-se as amostras disponíveis, ilustradas na Figura 4a, e seguiu-se a metodologia de execução do ensaio apresentada na norma.

Figura 4 (a) Amostras para ensaio de absorção de água; e (b) Amostras em imersão de água por 72 horas
Para cada exemplar foram separadas três amostras e colocadas em estufa à temperatura de 105 ± 5 ºC por um período de 72 h, para que após o resfriamento fosse possível determinar a massa das amostras seca (A). Em seguida, procedeu-se à imersão das amostras em água à temperatura de 23 ± 2 ºC, durante 72 h, como ilustra a Figura 4b.
Por fim, enxugou-se a superfície das amostras e determinou-se a massa B (massa da amostra saturada em água). A partir da obtenção desses valores, calculou-se o valor de absorção de água. E foi feita a média desses valores para cada exemplar de argamassa.
Resistência à compressão
A resistência à compressão das argamassas foi determinada em corpos de prova adaptados, conforme procedimento descrito na norma NBR 5739 (ABNT, 2007).
Procedeu-se primeiramente ao preparo dos corpos de prova através de uma adequação nas amostras coletadas, por meio de uma serra-copo diamantada com 460 mm de diâmetro para obtenção de corpos de prova padronizados, como ilustra a Figura 5.

Figura 5 (a) Equipamento para obtenção de corpos de prova da argamassa; e (b) Corpos de prova das argamassas
Após obtenção dos corpos de prova em formato-padrão, estes foram retificados e capeados com enxofre para fazer um ajuste de nivelação em suas extremidades, como mostra a Figura 6(a). Feito isso, os corpos de prova foram posicionados sobre os dispositivos de apoio do equipamento, como mostra a Figura 6(b), e uma carga com velocidade de 0,25 MPa/s foi aplicada até a ruptura do corpo de prova. Esse procedimento foi triplicado para cada exemplar de argamassa em estudo da Usina para se obter uma média do valor de resistência à compressão de cada exemplar de argamassa antiga.
Como a relação h/d (altura/diâmetro) desses corpos de prova é menor que 1,94, a NBR 5739 (ABNT, 2007) recomenda que se multiplique o valor de fc obtido por um fator de correção estabelecido por norma. Esse fator de correção varia conforme a relação h/d dos corpos de prova ensaiados. Como a relação h/d dos corpos de prova em análise estão fora dos valores estipulados na norma, foi necessário encontrar o fator de correção através da extrapolação polinomial, como mostra a Figura 7.
A Tabela 2 apresenta os fatores de correção para cada relação h/d e amostra de argamassa.
Tabela 2 Dados para o cálculo de resistência à compressão das argamassas da Usina
Amostras de argamassas da Usina | Relação h/d | Fator de correção |
---|---|---|
A01 | 0,638 | 0,778 |
A02 | 0,630 | 0,775 |
A03 | 0,663 | 0,785 |
A04 | 0,826 | 0,831 |
A05 | 0,899 | 0,849 |
A06 | 0,652 | 0,782 |
A partir desses valores, foi permissível a obtenção dos valores de resistência à compressão.
Resultados e discussões
Caracterização das argamassas antigas da Usina Ilha Bela
Fluorescência de raios-X
Os resultados da fluorescência de raios-X (FRX) das amostras são apresentados na Tabela 3.
Tabela 3 FRX das argamassas da Usina
Elementos | A01 (%) | A02 (%) | A03 (%) | A04 (%) | A05 (%) | A06 (%) |
---|---|---|---|---|---|---|
CaO | 66,671 | 66,220 | 65,656 | 73,617 | 63,449 | 59,427 |
SiO2 | 14,379 | 12,295 | 13,621 | 10,928 | 15,459 | 14,575 |
Fe2O3 | 7,018 | 13,921 | 6,165 | 5,335 | 7,531 | 6,446 |
MgO | 3,419 | - | 3,528 | 2,858 | 1,575 | 5,416 |
Al2O3 | 2,650 | - | 4,690 | 2,214 | 3,679 | 3,911 |
K2O | 1,691 | 3,531 | 1,500 | 1,968 | 3,001 | 2,635 |
ZrO2 | 1,344 | 1,594 | 2,567 | 1,402 | 4,206 | 4,806 |
TiO2 | 0,977 | 1,671 | 1,403 | 0,916 | - | 1,412 |
SO2 | 0,829 | - | - | - | - | - |
SrO | 0,41 | 0,408 | 0,621 | 0,695 | 0,914 | 0,885 |
Y2O3 | - | - | 0,166 | - | - | 0,193 |
CuO | - | - | - | - | - | 0,087 |
MnO | 0,081 | 0,287 | 0,084 | 0,065 | 0,135 | 0,131 |
ZnO | 0,441 | 0,074 | - | - | 0,051 | 0,079 |
As argamassas em sua totalidade apresentaram na análise de FRX o cálcio como elemento em maior quantidade, seguido da sílica e do ferro. O alto teor de cálcio aponta, de acordo com Yaseen et al. (2013), que as argamassas coletadas na Usina Ilha Bela são ricas em cal. E o teor elevado de sílica indica a presença de areia como agregado silicioso, que foi constatada diante a desagregação do material.
As argamassas A01, A03, A04, A05 e A06 apresentaram em seus resultados de FRX maior porcentagem de cálcio, seguido de sílica e ferro. Essas amostras apresentaram ainda magnésio, alumínio, potássio, zircônio, estrôncio, manganês, titânio (exceto para a amostra A05) e zinco (exceto para as amostras A03 e A04), o que sinaliza provavelmente a presença de argila nessas argamassas.
A amostra A02 foi a argamassa que teve maior divergência das demais, pois não apresentou magnésio e alumínio em seu resultado de FRX, e depois da cal o próximo elemento em maior quantidade é o ferro. Essa expressiva porcentagem de ferro indica a presença do composto hematita, como será apresentado nos resultados de DRX, e explica a particularidade da cor mais escura dessa amostra quando comparada às demais, visto que, conforme Tavares (2009) e Veiga e Velosa (2008), a hematita confere as argamassas a cor vermelha.
Portanto, a análise da composição química das argamassas utilizando o FRX revela que a cal e a sílica são os principais constituintes dessas argamassas, e que estas têm como estrutura a cal e um agregado silicioso, de acordo com Damas et al. (2018) e Bartz et al. (2012). Esses elementos constituintes também foram encontrados por Sousa (2014) em argamassas antigas de um prédio existente em região circunvizinha e do mesmo período de construção da Usina Ilha Bela.
Difração de raios-X
A análise dos difratogramas (DRX) das argamassas estão representados nas Figuras 8 a 10. Foi permissível identificar em todas as argamassas o carbonato de cálcio de natureza calcita (C) e sílica na forma de quartzo (Q).

Figura 8 (a) Difratograma das amostras de argamassa de revestimento externo – A01 (a) e interno – A02 (b) do prédio administrativo

Figura 9 (a) Difratograma das amostras de argamassa de revestimento externo – A03 (a) e interno – A04 (b) da balança

Figura 10 (a) Difratograma das amostras de argamassa de revestimento externo – A05 (a) e interno – A06 (b) da fábrica
Como se pode observar, as composições mineralógicas identificadas em todas as argamassas são coerentes e adicionais aos resultados da análise de FRX de cada amostra, apresentados na Tabela 3.
O difratograma das argamassas (A01, A03, A04, A05 e A06) apresentaram resultados semelhantes, corroborando com o FRX destas. Os picos predominantes detectados correspondem ao quartzo (Q), à calcita (C) e, em menor intensidade, anortita (A) e caulinita (K), com exceção da A06. A caulinita, de acordo com Damas et al. (2018), pode ser confirmada pelo uso de areia não lavada na composição da argamassa, e, consoante Sousa (2014), indica a presença de argila na argamassa, o que certifica a conformidade dos elementos encontrados nos resultados de FRX dessas amostras. E a existência de anortita pode ser explicada devido à presença de cálcio e magnésio (ARAÚJO, 2017). Segundo Lavat, Trezza e Poggi (2009), a anortita é um produto resultante da calcinação de argilas bentoníticas, usadas como matérias-primas na presença de calcita.
Já no resultado do difratograma da argamassa A02 é identificado o surgimento de hematita (H), além dos picos predominantes correspondentes ao quartzo (Q), à calcita (C). O aparecimento desse composto hematita ratifica a existência da intensa quantidade de ferro nessa amostra e sua peculiar coloração, como já citado em seu resultado de FRX, tornando-a diferente das demais amostras de argamassa da Usina.
Portanto, os resultados de DRX indicaram que a calcita é o principal componente de todas as amostras de argamassas constantes na Usina, sendo ligante, e que o quartzo está presente nos agregados, composição mineralógica essa já encontrada em outros exemplares de argamassas antigas, entre eles por Lezzerini et al. (2018, 2014); Damas et al. (2018); Hormes et al. (2016); Sousa (2014); Bartz et al. (2012); Gleize et al. (2009). Há presença, ainda, em algumas amostras de argilominerais como a caulinita (DAMAS et al. 2018), de caulinita e anortita (GLEIZE et al., 2009).
Análise visual das amostras
A seguir são apresentados os registros fotográficos nas Figuras 11 a 13 e o resultado da observação visual das argamassas coletadas na Usina Ilha Bela.

Figura 11 Aspecto visual das amostras de argamassa de revestimento externo – A01 (a) e interno – A02 (b) do prédio administrativo

Figura 12 Aspecto visual das amostras de argamassa de revestimento externo – A03 (a) e interno – A04 (b) da balança

Figura 13 Aspecto visual das amostras de argamassa de revestimento externo – A05 (a) e interno – A06 (b) da fábrica
A Tabela 4 sintetiza os principais aspectos constatados nas amostras de argamassas da Usina.
Tabela 4 Descrição dos principais aspectos constatados na análise visual de cada amostra de argamassa da Usina
Amostras | Cor | Espessura média (cm) | Outros aspectos |
---|---|---|---|
A01 | Clara | 2,6 | Resistente, compacta e prováveis nódulos de carbonato de cálcio |
A02 | Castanho claro | 2,5 | Pouco resistente, quebradiça e provável carbonato de cálcio |
A03 | Clara | 2,7 | Pouco resistente e prováveis pequenos nódulos de carbonato de cálcio |
A04 | Clara | 3,2 | Resistente, compacta e prováveis pequenos nódulos de carbonato de cálcio |
A05 | Clara | 3,7 | Pouco resistente e prováveis pequenos nódulos de carbonato de cálcio |
A06 | Clara | 3,5 | Pouco resistente e prováveis pequenos nódulos de carbonato de cálcio |
Foi observado que as amostras A01 e A04 são semelhantes na cor e nas características visíveis, apresentam pontos pretos e prováveis nódulos de carbonato de cálcio e são compactas e resistente, no entanto são diferentes na espessura. Observa-se uma semelhança também nas amostras A02 e A03 quanto à espessura, aspecto pouco resistente e a provável presença de pequenos nódulos de carbonato de cálcio, porém na cor elas se divergem. A amostra A02 é a única que apresenta uma coloração diferente das demais, de castanho claro, justificando a presença de argila (barro) nessa argamassa, como será apresentado em seu resultado de FRX e DRX. E as amostras A05 e A06 são semelhantes na cor, espessura e aspectos característicos visíveis.
Esses possíveis nódulos de carbonato de cálcio visíveis nas amostras indicam, de acordo com Yaseen et al. (2013), que a cal não sofreu hidratação completa, isto é, sua hidratação foi com uma quantidade mínima de água, ou pode estar relacionado ainda a má mistura da massa de cal ou a uma reprecipitação do carbonato de cálcio, de acordo com Veiga (2017). E os pontos pretos visíveis são justificados como resíduos de carvão oriundo do processo de fabricação da cal que podem ter sido incorporados na argamassa, conforme Sousa (2014).
Análise termogravimétrica
A análise termogravimétrica (TG/DTG) permitiu identificar as perdas de massa e os picos endotérmicos das amostras de argamassas analisadas.
A partir dos dados obtidos de cada TG, foi feita uma análise aplicando o padrão convencional de faixas de temperatura relatado na literatura por Bakolas et al. (1995a, 1995b, 1998), Moropoulou, Bakolas e Bisbikou (1995) e Moropoulou, Bakolas e Bisbikou (2000), Maravelaki-Kalaitzaki, Bakolas e Moropoulou (2003), Ingo et al. (2004) e Genestar, Pons e Más (2006).
As Figuras 14 a 16 ilustram as curvas TG e dTG de cada amostra de argamassa.

Figura 14 (a) TG/dTG das amostras de argamassa de revestimento externo – A01 (a) e interno – A02 (b) do prédio administrativo

Figura 15 (a) TG/dTG das amostras de argamassa de revestimento externo – A03 (a) e interno – A04 (b) da balança

Figura 16 (a) TG/dTG das amostras de argamassa de revestimento externo – A05 (a) e interno – A06 (b) da fábrica
Diante o resultado de análise termogravimétrica de todas as argamassas, foi possível detectar três picos com suas perdas de massa para todas as amostras. O primeiro pico no intervalo de 50 ºC a 120 ºC indica perda de massa pertinente à água fisicamente adsorvida ao material. No intervalo de 350 ºC a 550 ºC aparece outro pico, que está relacionado à desidratação de argila ou de alguns argilominerais, como a caulinita, oriundos de impurezas presente na areia ou na cal utilizada na argamassa. E a partir de 600 ºC são os picos relacionados à presença de carbonatos, ou seja, quando acontece a decomposição de carbonato de cálcio (CaCO3), como a calcita.
O termograma das argamassas (A01, A03, A04, A05 e A06) apresentou resultados semelhantes, corroborando com o FRX e DRX destas. Foi possível observar um pico de pequena intensidade que indica uma perda em pequena quantidade de massa, entre 350 ºC e 550 ºC, representando a desidratação de argilominerais, do tipo caulinita, e um pico de alta intensidade, no intervalo de 730 ºC a 750 ºC, que indica a perda de dióxido de carbono em decorrência da decomposição de CaCO3, do tipo calcita, como observado nos resultados de DRX dessas amostras, eventos térmicos também identificados por Damas et al. (2018) e Sousa (2014) em suas pesquisas. Damas et al. (2018) explicam ainda que a presença de minerais argilosos pode ser justificada pelo uso de areias não lavadas.
O termograma da argamassa A02 se diferenciou dos demais, apresentando resultado condizente com o que já foi observado em seu resultado de DRX e FRX. Foi possível identificar em sua análise termogravimétrica um pico de alta intensidade, quando comparado com as demais argamassas, no intervalo de 350 ºC a 550 ºC, que representa a desidratação em grande quantidade de argila, do tipo ferro, ratificando, portanto, a presença desse material na amostra. Esse é um dos argilominerais presente na composição da argila, e que aparece em forma de hematita somente nessa amostra. Observou-se ainda, um pico de intensidade semelhante, em 750 ºC, que indica a perda de dióxido de carbono devido a decomposição de CaCO3, do tipo calcita, como observado nos resultados de DRX dessa amostra.
Perante os resultados vistos de TG/dTG, as argamassas A01, A03, A04, A05 e A06 podem se classificar em argamassas de cal e areia, e a A02 em argamassas de cal, areia e argila, conforme Damas et al. (2018), Botas, Veiga e Velosa (2017), Sousa (2014) e Veiga (2006) citam em suas pesquisas.
A partir das porcentagens de perda de carbonato de cálcio observadas em cada amostra pelo termograma, calculou-se a porcentagem de agregado e, desse modo, foi possível estimar o teor aglomerante/agregado em massa, como mostra a Tabela 5.
Tabela 5 Estimativa de porcentagem do teor de aglomerante e agregado e traço das argamassas pelo resultado da TG/dTG
Amostra | %CaCO3 | %Agregado | Aglomerante:agregado (g) |
---|---|---|---|
A01 | 18% | 82% | 1:5 |
A02 | 10% | 90% | 1:9 |
A03 | 15% | 85% | 1:6 |
A04 | 18% | 82% | 1:5 |
A05 | 14% | 86% | 1:6 |
A06 | 14% | 86% | 1:6 |
Observa-se que o traço das amostras (A01, A03, A04, A05 e A06) apresentou valores mais próximos, assim como nos demais resultados anteriores, confirmando a semelhança entre essas amostras, sendo as amostras A01 e A04 com o traço de 1:4 e as amostras A03, A05 a A06 com traço de 1:6, enquanto a amostra A02 apresentou o valor de traço mais distante, de 1:9, confirmando mais uma vez a diferença dessa amostra quando comparada às demais.
Teor de aglomerante e agregado
Por meio da adaptação de tratamento térmico com dissolução em ácido clorídrico, foi permissível a obtenção da porcentagem de aglomerante de cada amostra e, por conseguinte, conceber outra estimativa de teor aglomerante/agregado (traço).
A Tabela 6 apresenta a relação aglomerante/agregado em massa, encontrados pela técnica do ataque ácido, a partir do teor de aglomerante e de agregado.
Tabela 6 Estimativa da massa (g) do agregado e aglomerante e do traço das argamassas
Amostra | Aglomerante (g) | Agregado (g) | Aglomerante:agregado | Aglomerante:Agregado equivalentes |
---|---|---|---|---|
A01 | 12,433 | 37,000 | 1:3,3 | 1:3 |
A02 | 5,367 | 44,433 | 1:8,2 | 1:8 |
A03 | 5,467 | 44,367 | 1:8,1 | 1:8 |
A04 | 10,000 | 39,333 | 1:3,9 | 1:4 |
A05 | 6,933 | 42,633 | 1:6,1 | 1:6 |
A06 | 6,033 | 43,833 | 1:7,2 | 1:7 |
Esses dados reafirmam a similaridade entre as argamassas analisadas, como já relatado anteriormente, excetuando-se a amostra A03, que apresentou maior divergência, correlacionando este com os seus resultados anteriores.
As amostras A01 e A04 apresentaram um teor de aglomerante:agregado de 1:3 e 1:4, respectivamente, cujos traços são mais resistentes, atestando o aspecto resistente e compacto, quando da observação visual dessas argamassas. A amostra A03 apresentou um traço em peso de 1:8, valor mais alto comparado ao traço obtido pela TG, mas que certifica a análise visual dessa amostra, que indica um aspecto pouco resistente. A amostra A02 apresentou semelhança com a A03, com traço também de 1:8, confirmando a observação visual dessa argamassa, que exibe um aspecto pouco resistente e quebradiço. E as amostras A05 e A06 apresentaram teor de aglomerante:agregado de aproximadamente 1:6 e 1:7, conferindo um traço menos resistente que as amostras A01 e A04 e, consequentemente, um aspecto menos resistente dessas argamassas, como observado na análise visual.
A Tabela 7 mostra a relação aglomerante/agregado encontrado para as argamassas da Usina pelos dois métodos.
Tabela 7 Relação aglomerante:agregado das argamassas pelos métodos TG e ataque ácido
Amostra | Aglomerante:agregado | |
---|---|---|
TG | Ataque ácido | |
A01 | 1:5 | 1:3 |
A02 | 1:9 | 1:8 |
A03 | 1:6 | 1:8 |
A04 | 1:5 | 1:4 |
A05 | 1:6 | 1:6 |
A06 | 1:6 | 1:7 |
Portanto, da análise desses valores em termos de traço obtidos pela TG para o prédio administrativo tem-se para o revestimento externo o traço 1:5 e para o revestimento interno o traço 1:9. Para a balança, o traço 1:6 para o revestimento externo e 1:5 para o revestimento interno. E para a fábrica, o traço 1:6 tanto para o revestimento externo como para o revestimento interno.
E da análise dos traços obtidos pelo método do ataque ácido, tem-se para o prédio administrativo o traço 1:3 para o revestimento externo e 1:8 para o revestimento interno. Para o prédio da balança, o traço 1:8 para o revestimento externo e 1:4 para o revestimento interno. E para a fábrica, o traço 1:6 para o revestimento externo e 1:7 para o revestimento interno.
Considera-se, assim, três tipos de argamassa na Usina, em que a composição de aglomerante e agregado é semelhante, que são o traço (1:4) para as amostras A01 e A04, outro (1:9) para a amostra A02 e um terceiro traço (1:6) para as amostras A03, A05 e A06.
Análise granulométrica
O ensaio de granulometria do agregado presente nas amostras da camada de revestimento da argamassa antiga da Usina foi realizado a partir da amostra obtida após o ensaio de determinação do teor de aglomerante por ataque ácido.
Observou-se que o agregado silicioso, a areia, possui maior quantidade de grãos de 0,15 mm a 0,075 mm de diâmetro, chegando a mais de 80%, indicando, dessa forma, que o agregado mais presente na composição da areia da argamassa da Usina é um agregado fino. A Figura 17 ilustra as curvas granulométricas de cada amostra de argamassa da Usina e também as curvas que indicam as zonas utilizável e ótima dos limites inferior e superior do agregado.

Figura 17 Curvas granulométricas da areia de todas as amostras da Usina e as curvas de zona utilizável e ótima de limite inferior e superior do agregado
Nota-se que as curvas granulométricas são praticamente paralelas, ou seja, apresentam aproximadamente a mesma distribuição de grãos e exibem característica de distribuição de grão predominante contínua.
Para classificação dos agregados siliciosos, de acordo com a NBR 7211 (ABNT, 2009), foram calculadas as propriedades físicas a partir da análise das curvas granulométricas (Figura 17), que estão indicadas na Tabela 8.
Tabela 8 Propriedades físicas do agregado
Propriedades físicas | Agregado miúdo | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
A01 | A02 | A03 | A04 | A05 | A06 | |
Diâmetro máximo (mm) | 1,18 mm | 2,36 mm | 2,36 mm | 2,36 mm | 2,36 mm | 2,36 mm |
Módulo de finura | 1,36 | 1,78 | 1,62 | 1,51 | 1,43 | 1,67 |
Como pode ser aferido na Tabela 8, o diâmetro máximo (mm) para todas as amostras de argamassa é o mesmo, 2,36 mm, exceto para a amostra A01, que apresentou um diâmetro máximo menor, de 1,18 mm. Esse diâmetro máximo significa a dimensão máxima que essa amostra de agregado possui, ou seja, a A01 possui grãos com diâmetros menores comparado às demais amostras.
De acordo com os dados apresentados na Tabela 10 e Figura 17, o valor do Mf apresentou uma variação entre as amostras das argamassas, verificando-se que as amostras A02, A03 e A06 encontram-se na zona aceitável de utilização e são classificadas como areia fina, e as outras amostras, A01, A04 e A05, encontram-se fora da zona utilizável inferior, classificando-se como areia muito fina, pois apresentaram Mf mais baixos, o que representa um solo mais fino.
Portanto, da análise desses valores em relação ao agregado, pode-se concluir que em todas as amostras coletadas há presença de uma quantidade predominante de agregado miúdo classificado como areia de quartzo fina ou muito fina, de acordo com o módulo de finura obtido e os resultados de FRX e DRX.
Absorção de água por imersão
A absorção de água por imersão é uma propriedade que indica o volume de poros permeáveis de um corpo sólido poroso. A Figura 18 ilustra a absorção de todas as amostras.
Pode-se considerar, diante da análise dos dados, que as amostras A01 e A04 são as argamassas que apresentaram menor valor de absorção de água por imersão, o que indica que essas argamassas possuem menor volume de poros permeáveis, condizente com seus resultados anteriores de relação aglomerante:agregado, que mostraram que essas argamassas possuem traço mais rico em ligante, e, de acordo com Ortega et al. (2018), o aumento do teor de cal no traço de uma argamassa proporciona uma redução de poros nesta. Silva, Pinto e Gomes (2014) ratificam ainda que o aumento de teor de ligante na quantidade de mistura de cal hidráulica natural implicará diminuição da porosidade e absorção de água da argamassa.
A amostra A01 pertencente ao revestimento externo do prédio administrativo da Usina foi a que apresentou a menor absorção de água, o que pode ser explicado pelo traço dessa amostra, que é o mais abundante em cal, e, ainda, pelo módulo de finura, pois é a argamassa que tem um agregado com menor módulo, o que demostra o emprego de areia mais fina nessa argamassa, e, de acordo com Cavaco (2005), isso colabora para que haja redução da porosidade e da absorção de água da argamassa.
Resistência à compressão
A Figura 19 apresenta os valores de resistência à compressão para todas as argamassas da Usina.
De acordo com a Figura 19, é possível identificar que as amostras que apresentaram maiores resistências (A01 e A04) são justamente as argamassas que apresentaram aspecto resistente quando na observação visual e são as argamassas com traço mais rico em ligante, ratificando resultados anteriores. E dentre as seis amostras, a que se destaca é a argamassa A01, por alcançar melhor resistência mecânica, que pode ser justificada pelo traço mais forte em ligante, e o menor valor em módulo de finura e diâmetro máximo do agregado, pois, de acordo com Lanas et al., (2004), agregados com tamanho de grão pequeno demostram boa coesão na interface, o que melhora a resistência, e o aumento de ligante em um traço de argamassa confere a essa argamassa maior resistência mecânica, o que também é reportado por Damas et al. (2018), Sala et al. (2016) e Penas (2008).
A relação entre a resistência à compressão e a absorção de água por imersão das amostras é representada na Figura 20.
Comparando a resistência mecânica e absorção de água por imersão, é possível verificar que as argamassas que apresentaram menores valores de absorção de água foram exatamente as que alcançaram maior valor de resistência, e isso é mencionado na literatura. Segundo Silva, Pinto e Gomes (2014), a porosidade e a absorção de água da argamassa são diminuídas, enquanto exibem maior resistência mecânica precoce.
Conclusão/considerações finais
A partir da análise dos resultados experimentais realizados no estudo de caracterização das argamassas de revestimento da Usina Ilha Bela, RN, podem ser obtidas as seguintes conclusões:
verificou-se que as argamassas coletadas são ricas em cal, com aglomerante de origem calcítica e areia de origem silicosa, como agregado;
além dos principais constituintes, a cal e a areia, as amostras A01, A03, A04, A05 e A06 apresentaram anortita e caulinita, com exceção da A06. A caulinita indica a presença de argila na argamassa. E a anortita pode ser explicada devido à presença de cálcio e magnésio nas amostras. Enquanto a amostra A02 não apresentou caulinita e anortita, e, sim, hematita, o que explica a alta quantidade de ferro nessa amostra, corroborando com a sua coloração escura;
todas as amostras extraídas da Usina apresentam possíveis nódulos de carbonato de cálcio e a maior parte apresenta uma cor clara, com exceção da A02, que tem uma tonalidade castanho claro devido à diferença em sua composição química, comparada às demais. Apresentam semelhança as amostras A01 e A04 na cor e são compactas e resistentes, divergindo na espessura; as amostras A02 e A03 na espessura e no aspecto pouco resistente; e as amostras A05 e A06 na cor, na espessura e no aspecto pouco resistente;
as argamassas A01, A03, A04, A05 e A06 são constituídas de cal e areia, enquanto a argamassa A02 é constituída de cal, areia e argila;
pode-se considerar que existem três tipos de argamassa na Usina, cujas relações aglomerante:agregado são: 1:4 para as amostras A01 e A04, 1:9 para a amostra A02 e 1:6 para as amostras A03, A05 e A06;
o agregado miúdo, areia de quartzo, para as amostras A02, A03 e A06 encontra-se na zona aceitável de utilização e, por isso, é classificado como areia fina, e nas amostras A01, A04 e A05 encontra-se fora da zona utilizável inferior, classificando-se como areia muito fina; e
as amostras A01 e A04 apresentaram menor valor de absorção de água por imersão, combinando com os resultados anteriores, pois estas possuem traço mais rico em ligante, e, segundo a literatura, quanto maior a quantidade de teor de cal no traço de uma argamassa, menor a absorção de água desta, combinando também com o resultado de resistência à compressão.
Portanto, no que se refere à conservação e futura consolidação desse patrimônio histórico, pode-se concluir como uma argamassa compatível à argamassa antiga da Usina Ilha Bela uma argamassa constituída de cal e areia, na proporção em massa aglomerante:agregado 1:4, com adequada resistência à compressão (de preferência com resistência menor que a verificada, evitando gerar tensões) e pouca absorção de água para as argamassas de revestimento externo do prédio administrativo e revestimento interno da balança; uma argamassa de reparo constituída de cal e areia com traço 1:9, com uma maior absorção de água e apresentando uma menor resistência à compressão, para as argamassas de revestimento interno do prédio administrativo, sendo esta constituída da argila como agregado, além da areia; e uma argamassa de restauro constituída de cal e areia, na proporção de 1:6, apresentando uma resistência à compressão um pouco menor, para as argamassas de revestimento externo da balança e da fábrica.
Logo, conhecidas as características das argamassas existentes da Usina Ilha Bela, fica como sugestão para trabalhos futuros o desenvolvimento de uma argamassa compatível para execução de uma intervenção de conservação e manutenção adequada desse patrimônio histórico.