Introdução
Atualmente, estudos voltam-se para a importância de projetar estruturas em situação de incêndio. A fim de promover a segurança dos usuários e a proteção do patrimônio, projetistas devem seguir documentos técnicos e normas (ABNT, 2001; ABNT, 2012; INTERNATIONAL..., 1999; POLÍCIA..., 2018), que dimensionam estruturas duráveis, estáveis e seguras (BOLINA, 2016).
No caso de estruturas de concreto armado, seus elementos, quando expostos a altas temperaturas, sofrem alterações físico-químicas. As propriedades mais impactadas são a resistência à compressão do concreto, a resistência à tração e o módulo de elasticidade das barras de aço (BRITEZ, 2011; GERNAY, 2019). Essas modificações interferem no desempenho mecânico do sistema estrutural global, uma vez que os elementos perdem estabilidade e capacidade portante. No tocante ao concreto, diversas pesquisas foram feitas com o objetivo de identificar e obter a resistência à compressão residual pós-incêndio, como mostram Handoo, Agarwal e Agarwal (2002), Fernandes et al. (2018), Lima (2005), Kim, Yun e Park (2013), Ehrenbring et al. (2017) e Hwang e Kwak (2018).
Em estruturas expostas a incêndio, é necessário identificar as temperaturas às quais as armaduras foram expostas (EHRENBRING et al., 2017) e a possível perda de resistência à tração desses elementos, de acordo com Heidarpour et al. (2014). Identificar as propriedades mecânicas residuais das barras longitudinais possibilita analisar criteriosamente o impacto causado no sistema estrutural da edificação (MALUK; WOODROW; TORERO, 2017). A atenção também deve ser dada à resistência residual do concreto. Porém, Bamonte e Lo Monte (2015) ressaltam que o comportamento inerte do concreto em temperaturas elevadas ocorre em razão de suas propriedades térmicas, como a resistência e a condutividade. Com isso, as maiores precauções devem ser tomadas em relação às armaduras. Devido à incombustibilidade e ao isolamento térmico, a matriz cimentícia ajuda na proteção passiva das barras de aço, além de contribuir com a resistência e a durabilidade do sistema estrutural (KLEIN JUNIOR, 2011; QIANG; BILAARD; KOLSTEIN, 2013; WANG et al., 2018). Essa matriz cimentícia, em estruturas, é considerada no cobrimento das armaduras. O cobrimento mostra ser importante pelo fato de o aço sofrer perdas consideráveis nas propriedades mecânicas a partir de temperaturas superiores a 400 ºC (KUMAR et al., 2013; EHRENBRING et al., 2017). Nesse sentido, é possível compreender a necessidade de investigar a contribuição efetiva do cobrimento das armaduras sob exposição a altas temperaturas, avaliando-se qual a espessura ideal para preservar o desempenho do conjunto concreto/aço (HEIDARPOUR et al., 2014).
Como parâmetros de dimensionamento no Brasil, os projetistas de estruturas de concreto armado devem utilizar a NBR 6118 (ABNT, 2014) em temperatura ambiente. Dessa maneira, os cobrimentos requeridos são adotados para proteger as armaduras dos agentes externos, como dióxido de carbono e íons cloreto, o que reflete na vida útil (VU) do sistema estrutural. Todavia, a NBR 6118 (ABNT, 2014) não prevê o comportamento da estrutura sob altas temperaturas - por exemplo, em condições de incêndio -, visto que as espessuras de cobrimento praticadas não atendem à proteção necessária para as armaduras. Cabe então aplicar os requisitos da NBR 15200 (ABNT, 2012), aliados aos da NBR 6118 (ABNT, 2014), para estruturas em concreto armado sob efeito de incêndio.
Há uma relação inversa entre espessura de cobrimento e temperatura média das armaduras (KODUR; YU; DWAIKAT, 2013; PACHECO et al., 2018). Quanto maior a espessura do cobrimento das armaduras, mais protegidos estão os reforços, devido ao isolamento térmico do concreto, segundo Mehta e Monteiro (2014). Ainda, as barras com diâmetros maiores expandem e produzem tensões no interior dos elementos de concreto, o que aumenta a probabilidade de ocorrer o desplacamento deste, conforme Morita (2000), Majorana (2010) e Bolina (2016). O desplacamento manifesta-se por meio da perda de camadas superficiais do cobrimento, que pode ocorrer de maneira explosiva ou progressiva (GIL et al., 2018). Essa perda de seção decorre das tensões que se desenvolvem no interior do elemento, devido às dilatações térmicas diferenciais de seus componentes e ao processo da saída de vapor da água (FELICETTI; LO MONTE, 2013).
A incidência do desplacamento em elementos de concreto armado pode afetar a estabilidade do conjunto, devido à exposição direta da barra longitudinal a altas temperaturas, além de reduzir a seção transversal da peça (GAWIN; PESAVENTO; SCHREFLER, 2006). Ao contrário do concreto, as armaduras em aço possuem alta condutividade térmica, o que permite que toda a seção transversal atinja elevadas temperaturas e perca a capacidade de resistência mais rapidamente (KUMAR et al., 2013). Estudos concluem que a resistência de escoamento (fy) de barras de aço apresenta maior perda quando elas são expostas a temperaturas superiores a 400 ºC, e tais reduções podem atingir valores de até 80% (AZIZ; KODUR, 2013; RAOUFFARD; NISHIYAMA, 2016). Já a resistência de ruptura (fu) pode apresentar perda em torno de 25% do valor inicial. Com isso, este artigo tem como objetivo identificar o impacto da espessura de cobrimento de concreto e o diâmetro das armaduras, quando utilizadas em pilares em escala natural após exposição a altas temperaturas em um forno vertical, no volume de concreto desplacado (perda de seção) e na resistência residual de escoamento (fy) e ruptura (fu) de barras de aço longitudinais extraídas desses elementos pós-incêndio.
Materiais e métodos
Aço
O dimensionamento das armaduras dos pilares foi feito com base no conceito de armadura mínima, conforme requisitos da NBR 6118 (ABNT, 2014). Desse modo, as barras longitudinais e transversais utilizadas foram em aço carbono dos tipos CA-50 e CA-60 respectivamente, com diâmetros de 10 mm e 16 mm na face exposta ao fogo, para identificar sua influência no fenômeno de desplacamento e, consequentemente, nas resistências residuais. A armadura transversal foi constituída por barras de aço de diâmetro de 6,3 mm, espaçadas a cada 15 cm, e barras longitudinais adicionais na face não exposta ao fogo, de 8 mm de diâmetro, conforme a Figura 1.
As barras longitudinais foram caracterizadas quanto à resistência à tração, conforme a E8/E8M (AMERICAN..., 2016). A Tabela 1 apresenta os valores de resistência ao escoamento (fy) e de ruptura (fu) das barras em temperatura ambiente, em megapascal, utilizadas no estudo.
Concreto
Na composição do concreto, empregou-se cimento Portland CP V-ARI (alta resistência inicial), com baixo teor de adições minerais, agregados, água e aditivo superplastificante.
Como agregado miúdo, utilizaram-se dois tipos de areia, natural de origem quartzosa e industrial de origem basáltica. A massa unitária dos agregados foi obtida por meio da NBR NM 45 (ABNT, 2006), tendo as areias natural e industrial os valores de 1,52 g/cm3 e de 1,47 g/cm3 respectivamente. Já a massa específica foi feita conforme a NBR NM 52 (ABNT, 2009a); a areia natural obteve 2,49 g/cm3, e a industrial, 2,61 g/cm3.
Para os agregados graúdos, adotaram-se materiais de origem basáltica para as duas composições granulométricas. A classificação granulométrica de cada agregado foi realizada nos intervalos #4,8<B0<#12,5 e #12,5<B1<#25,0. A massa unitária dos agregados foi obtida por meio dos procedimentos proferidos pela NBR NM 45 (ABNT, 2006), sendo que B0 e B1 atingiram 1,44 g/cm3 e 1,42 g/cm3 respectivamente. A massa específica dos agregados foi de 2,85 g/cm3, conforme procedimentos da NBR NM 53 (ABNT, 2009b).
Tabela 1 Resistência ao escoamento e de ruptura das barras
Ø (mm) | fy (MPa) | fu (MPa) | |
---|---|---|---|
Referência | 10 | 468,2 | 524,8 |
16 | 472,1 | 563,4 |
A composição granulométrica de cada agregado utilizado na composição do concreto é apresentada na Tabela 2. O método de ensaio e a classificação dos agregados para a produção do concreto foram fundamentados pela NBR NM 248 (ABNT, 2003 e pela NBR 7211 (ABNT, 2009c).
O concreto utilizado para a confecção dos pilares foi dosado para atingir resistência à compressão de concreto de alta resistência (CAR), conforme apresenta a NBR 8953 (ABNT, 2015a), ou seja, acima de 55 MPa. A escolha da classe de resistência à compressão do concreto utilizado foi embasada para facilitar a desmoldagem dos pilares em indústria de pré-fabricados. Além da representatividade do uso, adotou-se concreto de alta resistência, para favorecer a ocorrência do desplacamento, simulando condições mais severas, porém realistas.
A dosagem foi realizada com base no método de Tutikian e Helene (2011), conhecido como método Ibracon. Após a elaboração de três traços (pobre, intermediário e rico) e a obtenção da curva de dosagem, definiu-se a proporção dos materiais, apresentada na Tabela 3. O teor de argamassa foi de 52%, com relação água/cimento (a/c) de 0,45. A classe de consistência atingida foi a S100, da NBR 8953 (ABNT, 2015a).
O concreto produzido para a elaboração da pesquisa contou com a adição de aditivo superplastificante, a fim de melhorar as propriedades no estado fresco da mistura e de atender à classe de consistência requerida, S100, conforme a NBR 7212 (ABNT, 2009d). O aditivo aplicado foi classificado como superplastificante à base de policarboxilatos.
Para o controle do concreto utilizado na confecção dos pilares, foram moldados corpos de prova para mensurar a resistência à compressão axial, com os procedimentos da NBR 5738 (ABNT, 2015b) para moldagem e cura, e da NBR 5739 (ABNT, 2018) para o ensaio de resistência à compressão axial. Após 28 dias, foi realizado o ensaio de resistência à compressão axial. Os resultados potenciais obtidos estão apresentados na Tabela 4.
Equipamento e procedimento para ensaio de ação térmica
Neste ensaio, utilizou-se equipamento denominado forno vertical de ensaio, com abertura vertical frontal de 2,5 m x 2,5 m e profundidade de 1,0 m. O equipamento compreende dois sistemas: de isolamento térmico e de aquecimento. O sistema de isolamento é composto de exaustores mecânicos, chaminés e revestimentos em lã de rocha. As chaminés de exaustão são utilizadas para diminuir a pressão interna do forno, visto que esta deve ser constante durante a realização do ensaio (15±5 Pa). Caso a pressão não seja controlada e aumente, geram-se, indevidamente, esforços horizontais na amostra. Como material de isolamento utilizou-se manta de lã cerâmica nas paredes internas do forno, tendo espessura de 30 cm, com temperatura de fusão próxima a 1.450 ºC. O fechamento da abertura vertical do equipamento é feito pela amostra, conforme indica a Figura 2.
Tabela 2 Composição granulométrica dos agregados
# (mm) | Areia natural | Areia industrial | B0 | B1 | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Retida (%) | Acum. (%) | Retida (%) | Acum. (%) | Retida (%) | Acum. (%) | Retida (%) | Acum. (%) | |
19,0 | - | - | - | - | 0,0 | 0,0 | 1,4 | 1,4 |
12,5 | - | - | - | - | 0,0 | 0,0 | 56,2 | 57,6 |
9,5 | - | - | - | - | 0,0 | 0,0 | 18,9 | 76,5 |
6,3 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 17,9 | 17,9 | 22,8 | 99,4 |
4,8 | 0,2 | 0,2 | 0,2 | 0,1 | 29,0 | 46,9 | 0,5 | 99,9 |
2,4 | 4,0 | 4,2 | 2,8 | 2,9 | 37,6 | 84,6 | 0,0 | 99l9 |
1,2 | 10,8 | 15,0 | 29,5 | 32,4 | 9,1 | 93,7 | 0,0 | 99,9 |
0,6 | 17,4 | 32,4 | 23,3 | 55,7 | 2,6 | 96,2 | 0,0 | 99,9 |
0,3 | 32,5 | 64,9 | 15,8 | 71,5 | 1,2 | 97,4 | 0,0 | 99,9 |
0,15 | 32,7 | 97,6 | 10,2 | 81,8 | 1,1 | 98,5 | 0,0 | 99,9 |
<0,15 | 2,4 | 100,0 | 18,2 | 100,0 | 1,5 | 100,0 | 0,1 | 100,0 |
Módulo finura | 2,14 | 2,44 | 5,17 | 6,77 | ||||
Dimensão máxima | 2,4 mm | 2,4 mm | 9,5 mm | 19,0 mm |
Tabela 3 Proporções dos materiais do concreto
Materiais | Quantidade/proporção (kg/m3) |
---|---|
Traço unitário | 1: 2,21: 2,97 |
Cimento | 360 |
Areia industrial | 280 |
Areia natural | 518 |
B0 | 320 |
B1 | 752 |
Água | 162 |
Superplastificante | 1,4 |
Tabela 4 Resistência potencial à compressão axial do concreto utilizado nos pilares
Lote | fc (MPa) | |
---|---|---|
7 dias | 28 dias | |
1 | 57,6 | 75,6 |
2 | 55,4 | 72,7 |
O conjunto de aquecimento do equipamento é composto de termopares e queimadores. Na parte interna do forno vertical são instalados quatro queimadores, sendo dois na fração inferior e dois na fração superior, alimentados por gás GLP e oxigênio. Os dispositivos de aquecimento são direcionados ao interior do equipamento, para evitar o contato direto da chama com a amostra. Ou seja, a transmissão de calor foi realizada por meio do fenômeno de radiação, conforme prescrições da ISO 834-1 (INTERNATIONAL..., 1999). Além desses, são instalados medidores de temperatura, que são os termopares, no interior do equipamento. Os termopares mensuram a temperatura e enviam os dados a um controlador, que ajusta a curva de aquecimento, obedecendo ao programa térmico prescrito pela ISO 834-1 (INTERNATIONAL..., 1999), entre os limites normativos durante 240 min (Figura 3).
Amostras
Para cumprir com o propósito do estudo, foram moldados quatro pilares com seção transversal de 25 cm x 25 cm e altura de 300 cm. A armadura dos pilares era constituída por barras longitudinais de 10 mm e 16 mm de diâmetro, sendo posicionadas nos quadrantes da face exposta às chamas (face interna). Além das modificações nas armaduras, variou-se a espessura do cobrimento dos pilares em 25 mm, 30 mm, 40 mm e 50 mm, considerando as diferentes classes de agressividade ambiental prescritas pela NBR 6118 (ABNT, 2014). A Tabela 5 apresenta a nomenclatura de cada elemento estudado, assim como as variáveis analisadas. O quadrante esquerdo (QE) e o direito (QD) referem-se às arestas dos pilares em que as barras estavam posicionadas.
Apenas uma face dos pilares foi totalmente exposta a altas temperaturas e duas faces laterais expostas parcialmente, conforme apresenta a Figura 4, classificando os pilares como de fachada. A escolha das condições de exposição dos elementos teve o objetivo de representar a realidade, uma vez que é comum observar pilares entre alvenarias, principalmente, no sistema de fachada das edificações. Em situação de incêndio, a fonte de calor ocorre no interior do empreendimento, expondo pelo menos uma face em sua totalidade e parcialmente outras duas. Essa modulação é indicada na NBR 15200 (ABNT, 2012) e foi embasada por pesquisadores como Britez (2011). Corroborando as condições escolhidas para o ensaio, os equipamentos utilizados não possibilitavam a instrumentação dos pilares submetidos às chamas em suas quatro faces.
Instrumentação para determinação da temperatura
Para a mensuração da temperatura das barras longitudinais de aço e o concreto no entorno da armadura, utilizaram-se termopares, com o posicionamento representado na Figura 5. A locação dos termopares nas amostras seguiu as prescrições da JIS A1304 (JAPANESE..., 1994) (Figura 6), uma vez que esta é a única norma que prescreve os procedimentos para instrumentação dos medidores de temperatura em pilares com apenas uma face totalmente exposta às chamas.
A norma estabelece que as temperaturas devem ser continuamente monitoradas na seção do concreto e das armaduras. A JIS A1304 (JAPANESE..., 1994) orienta, no caso das armaduras, a instalação de dois alinhamentos de termopares nos terços médios da altura desses elementos. Para o acompanhamento das temperaturas no interior da seção, a norma propõe um alinhamento de termopares à meia altura do pilar. O número mínimo de medições de temperatura propostas neste estudo foi fundamentado nos requisitos da E119 (AMERICAN..., 2014). É importante ressaltar que as pressões internas nos pilares de concreto não foram monitoradas, por não fazer parte do objetivo deste artigo.
Confecção dos sistemas para ensaio
Após a moldagem, os pilares foram transportados para o laboratório e posicionados sobre manta de lã de rocha em uma estrutura metálica, que foi acoplada ao forno de ensaio. Em cada ensaio foram analisados dois pilares. O vão foi vedado com blocos cerâmicos estruturais com resistência de 18 MPa, os quais foram fixados na estrutura metálica com telas de amarração convencionais e pinos metálicos, como apresentam as Figuras 7 e 8. Ressalta-se que os pilares não foram fixados na estrutura metálica, uma vez que poderia haver influência em seu comportamento devido à movimentação do sistema metálico com o aumento da temperatura e, consequentemente, gerar esforços secundários nos pilares. Desse modo, não foram monitoradas as possíveis ocorrências de restrições axiais e rotacionais, as quais apareceriam em resposta à dilatação térmica, impostas às extremidades dos pilares por meio da moldura metálica e paredes de fechamento.
A escolha desses elementos de vedação foi feita com base em seu comportamento ante o fogo, o qual não comprometeria a representatividade do ensaio. Na face exposta ao fogo da alvenaria aplicou-se uma camada de 5 mm de chapisco para garantir a estanqueidade do conjunto. Além de possibilitar a vedação dos vãos, o uso das alvenarias remete às condições reais encontradas nas edificações. Com referência às idades de ensaio, os pilares apresentavam cura de 35 dias.
Determinação da redução da seção dos pilares
A determinação da perda de seção transversal de cada pilar foi realizada por meio da medição da área desplacada a cada 10 cm de altura, utilizando-se esquadro e paquímetro e verificando a profundidade de desplacamento frontal e lateral em cada aresta. Aproximando essas medidas aos catetos de um triângulo retângulo, calcularam-se a área da seção transversal perdida e, pela área de influência, o volume desplacado. Com o somatório dessas seções, o grau do desplacamento foi determinado. Após, os valores foram verificados em software de desenho (Autocad), para identificação do volume real de material desplacado.
Determinação da resistência à tração das barras após ação térmica
Após a realização dos ensaios de ação térmica, foram extraídas duas amostras de armadura por pilar ensaiado (Figura 9), sendo uma da barra de 10 mm e outra da de 16 mm de diâmetro, totalizando oito segmentos de barra. A coleta dos testemunhos foi realizada nos pontos que apresentavam desplacamento do concreto, por se tratar da pior condição exposta durante o programa térmico. Após a extração, as amostras foram padronizadas com 30 cm de comprimento.
Concluída a etapa de extração dos testemunhos, iniciou-se a avaliação das propriedades mecânicas das barras longitudinais após exposição a altas temperaturas, condicionadas em temperatura ambiente, a 23 ºC.
A verificação da resistência à tração do aço foi realizada por meio dos métodos expressos pela E8/E8M (AMERICAN..., 2016). Como parâmetros mecânicos das armaduras, obtiveram-se sua resistência ao escoamento (fy) e ruptura (fu). As avaliações dessas propriedades mecânicas desenvolveram-se nas barras expostas a altas temperaturas e na condição natural, em máquina universal eletrônica. A Figura 10 apresenta a instrumentação dos ensaios de resistência à tração, conforme a E8/E8M (AMERICAN..., 2016).
Resultados e discussão
Como resultados da pesquisa podem-se identificar alterações físicas e mecânicas nas armaduras longitudinais de pilares com barras de aço de diferentes diâmetros, bem como danos provocados ao cobrimento de concreto em função de sua espessura. Notou-se que o cobrimento contribuiu no isolamento térmico das armaduras, atingindo gradientes de até 250 ºC em comparação aos demais elementos. Por outro lado, os maiores volumes de desplacamento, com redução de seção, foram identificados nos elementos com maior espessura de cobrimento, de 50 mm. As barras de aço de 16 mm de diâmetro apresentaram maiores perdas de resistência à tração, tanto no fy quanto no fu, para uma mesma temperatura de exposição aos elementos com 10 mm de diâmetro. Ainda, foi possível constatar aumento do volume de concreto desplacado nas barras de 16 mm de diâmetro, devido à dilatação térmica da armadura, que causou solicitações internas, somadas às pressões geradas pela pressão do vapor proveniente da umidade interna do concreto.
Temperatura das armaduras e do concreto
Na Figura 11 estão representadas as curvas de “temperatura vs. tempo de exposição à curva padrão” das armaduras de 10 mm e 16 mm de diâmetro e do concreto na faixa do cobrimento.
Observa-se que, quanto menor o cobrimento, maiores as temperaturas atingidas pelas barras e maior a temperatura do concreto. Ainda, as temperaturas médias das armaduras de menor diâmetro foram maiores em relação às de maior diâmetro. A temperatura do concreto no perímetro das armaduras esteve sempre menor, o que comprova a baixa condutividade térmica da matriz cimentícia, quando comparada à do aço. Fissuras geradas pelos mecanismos termomecânicos podem ter proporcionado o ingresso de gases quentes no interior dos pilares, expondo alguns trechos das barras a temperaturas mais elevadas, o que justifica as variações apresentadas pelos cobrimentos de 25 mm e de 30 mm. As maiores diferenças na temperatura das barras e do concreto foram constatadas após a evaporação da água livre dos poros, destacada pelo patamar constante de temperatura na faixa dos 100 ºC, que é o ponto aproximado de ebulição da água.
A diferença de temperatura entre as barras de 10 mm e de 16 mm de diâmetro, para um mesmo cobrimento, variou apenas 15 ºC. Em alguns instantes, essas temperaturas apresentaram maiores variações, justificando a ocorrência do desplacamento nas arestas desses elementos. Os maiores diâmetros promoveram maiores índices de desplacamento dos pilares, por potencial de dilatação devido à massa térmica, que é superior ao das barras de aço de 10 mm de diâmetro. Com a magnitude dessas dilatações, os esforços internos foram intensificados, podendo chegar a até 5 MPa, de acordo com Zhang e Davie (2013). Por outro lado, a temperatura das barras de 16 mm de diâmetro sempre foi menor que a das de 10 mm de diâmetro.
Volume de desplacamento de concreto
A Figura 12 ilustra a condição dos pilares após a realização do ensaio. Nota-se que o pilar P1, com a menor espessura de cobrimento, de 25 mm, obteve apenas danos superficiais. Já o P4, com a maior espessura de cobrimento, de 50 mm, apresentou maior perda de seção ao longo da peça.
Com o desprendimento da camada de cobrimento, alguns pontos das peças ficaram desprotegidos e, consequentemente, expostos às altas temperaturas. Apesar de haver volume maior de desplacamento nos pilares com cobrimento de 50 mm, as barras não foram totalmente expostas, constatando-se uma fina camada residual de concreto sobre elas. A Tabela 6 apresenta os valores de desplacamento dos pilares ensaiados em função da área da seção transversal.
Tabela 6 Redução da seção dos pilares
Índice de desplacamentos | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Pilar | P1 - 25 mm | P2 - 30 mm | P3 - 40 mm | P4 - 50 mm | ||||
Quadrante | QE | QD | QE | QD | QE | QD | QE | QD |
Diâmetro barra (mm) | 10 | 16 | 10 | 16 | 10 | 16 | 10 | 16 |
Perda parcial de seção (%) | 0,13 | 0,00 | 0,86 | 0,81 | 2,33 | 4,03 | 2,94 | 3,91 |
Perda total de seção (%) | 0,13 | 1,67 | 6,36 | 6,85 |
Em todos os pilares ocorreu o desplacamento do concreto, principalmente nas arestas, devido à maior concentração de tensões nessa região. Conforme Kodur, Yu e Dwaikat (2013), elementos em concreto armado com cobrimentos mais espessos elevam o potencial de desplacamento, pelo fato de ser uma camada frágil, na qual se originam intensos esforços de tração devido à saída da umidade interna, por poropressão. No caso de incêndio, o cobrimento pode ser considerado uma leve casca que envolve o elemento, que sofre dilatação térmica diferente da do núcleo do pilar.
Além desses, a expansão térmica das barras longitudinais favorece a nucleação de fissuras na interface armadura-concreto, fragilizando e dessolidarizando a camada de cobrimento dos pilares. O impacto da espessura do cobrimento no índice de desplacamento foi expressivo, tendo os pilares com 25 mm perda de seção equivalente a 0,13%, enquanto os pilares com 50 mm obtiveram perda de 6,85%, ou seja, 52 vezes maior. A Figura 13 apresenta a curva de tendência de desplacamento dos elementos analisados.
Com base na Figura 13 é possível identificar que os desplacamentos no perímetro das barras longitudinais de 10 mm de diâmetro foram os menores. Já nas barras de 16 mm de diâmetro o volume de material desplacado foi superior aos demais. Barras de aço de maior diâmetro possuem maior zona de transição, criando maior barreira à pressão de vapor e, consequentemente, elevando as tensões internas de tração, conforme Chen et al. (2018). A massa térmica dessas barras também aumenta e promove dilatações maiores. Essas duas condições associadas provocam um cenário favorável à formação de grandes áreas desplacadas, como foi visto por Arna'ot et al. (2017).
Resistência à tração das barras longitudinais
Com a realização dos ensaios de tração nas barras de aço, os resultados sobre a redução da resistência ao escoamento (fy) e de ruptura (fu) foram obtidos, comparando-os com as amostras em temperatura ambiente. A Tabela 7 apresenta os resultados.
Com base na Tabela 7, identificou-se que as resistências ao escoamento (fy) e ruptura (fu) das barras de aço com diâmetro de 16 mm foram as mais afetadas e apresentaram as maiores perdas, quando comparadas às de menor dimensão. Houve impacto nas propriedades mecânicas em todas as amostras. O valor identificado no pilar com cobrimento de 50 mm, o P4, foi 24% menor do que no de 25 mm, do P1. Mesmo que as temperaturas tenham sido menores nas armaduras do P4, a perda de resistência foi a maior, devido à ocorrência do desplacamento, o qual desprotegeu a armadura, fenômeno também observado por Britez (2011).
Ainda, verificou-se que as perdas de resistência foram mais significativas para as tensões de escoamento (fy). As tensões de ruptura (fu) apresentaram perdas inferiores a 30%, com exceção da barra de 16 mm de diâmetro do P2. Já na resistência ao escoamento os valores mantiveram-se acima dos 35%, com exceção da barra de 10 mm do P3. A Figura 14 ilustra a perda de resistência ao escoamento (fy) em relação à referência.
Tabela 7 Resistência referencial e residual das armaduras no pós-incêndio
Pilar | Ø (mm) | Temperatura média atingida em 240 min (ºC) | fy (MPa) | fu (MPa) | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Medida | Redução (%) | Medida | Redução (%) | |||
Referência | 10 | 23,4 | 468,2 | 0 | 524,8 | 0 |
16 | 472,1 | 0 | 563,4 | 0 | ||
P1 - 25 mm | 10 | 944,7 | 271,2 | 42,1 | 396,1 | 24,5 |
16 | 943,0 | 259,7 | 45,1 | 400,9 | 28,8 | |
P2 - 30 mm | 10 | 945,9 | 288,2 | 38,4 | 411,0 | 21,7 |
16 | 924,8 | 232,0 | 50,8 | 378,4 | 32,8 | |
P3 - 40 mm | 10 | 839,8 | 332,3 | 29,0 | 468,8 | 10,7 |
16 | 782,5 | 304,8 | 35,4 | 477,4 | 15,3 | |
P4 - 50 mm | 10 | 757,1 | 261,2 | 44,2 | 446,1 | 15,0 |
16 | 689,3 | 206,9 | 56,2 | 485,9 | 13,7 |
Na Figura 14 é possível identificar que a redução da resistência ao escoamento nas barras com diâmetro de 10 mm ocorre até o cobrimento de 40 mm. Já com 50 mm, as armaduras atingiram as maiores perdas, devido ao índice de desplacamento. Todavia, as perdas ainda ficaram abaixo das barras com diâmetro de 16 mm. O comportamento das barras de 16 mm de diâmetro apresentou-se variado, atingindo reduções próximas a 36% e superiores a 55%. Ressalta-se que todas as armaduras analisadas obtiveram perdas superiores a 30% na resistência ao escoamento pós-exposição a altas temperaturas.
A Figura 15 ilustra o comportamento das armaduras, quando analisados ante a resistência de ruptura (fu).
Ao contrário das perdas da resistência ao escoamento, notou-se que a redução da resistência de ruptura não se mostrou tão severa. As maiores reduções ocorreram nos elementos de menor cobrimento, atingindo patamares de 28%. Novamente, as amaduras com 16 mm de diâmetro foram as mais prejudicadas, uma vez que sua capacidade de dilatação é maior, ocasionando maior concentração de microfissuras no interior das barras. Além desses, notou-se que as armaduras contidas nos pilares com cobrimento de 40 mm e 50 mm obtiveram redução na resistência de ruptura (fu) inferior a 15%.
Conclusões
Realizando a instrumentação experimental de quatro pilares expostos à ação térmica pela curva padrão de aquecimento da ISO 834-1 (INTERNATIONAL..., 1999), por 240 min, foi possível identificar a influência do diâmetro de barras no grau de redução da resistência ao escoamento (fy) e de ruptura (fu) nessas condições severas. Assim, foi possível constatar que existe relação entre o diâmetro das barras de aço, a espessura de cobrimento e o volume de desplacamento.
Com base nos volumes de desplacamento de concreto, concluiu-se que as dimensões das armaduras influenciam na ocorrência desse fenômeno, no qual os quadrantes contendo barras de 16 mm de diâmetro atingiram volumes duas vezes maiores que os quadrantes com barras de 10 mm de diâmetro. Essas verificações foram feitas considerando o cobrimento da face da barra até a face do pilar exposta ao fogo. Mesmo que a espessura de concreto fosse idêntica nas duas situações, as armaduras com diâmetros maiores estavam mais susceptíveis à ação das altas temperaturas devido ao deslocamento do centro de massa delas. Dessa forma, verifica-se que a determinação do cobrimento das armaduras deve seguir as exigências da NBR 15200 (ABNT, 2013), que contabiliza a espessura de cobrimento até o centro geométrico da barra, e não na extremidade, como aborda a NBR 6118 (ABNT, 2014).
As barras com 16 mm de diâmetro obtiveram as maiores perdas de resistência à tração, sendo em fy o valor de 56,2% e no fu, 32,8%. Mostra-se que há a necessidade de considerar a relação entre as armaduras do concreto nas análises pós-incêndio. As maiores precauções devem ocorrer diante das tensões fy, uma vez que foram os valores que apresentaram as maiores reduções nas condições deste trabalho. A comparação deve ser feita com as barras de 10 mm de diâmetro, uma vez que as temperaturas de exposição eram semelhantes entre esses elementos e os prejuízos foram menores em 20% no fy e em 26% no fu.