Acessibilidade / Reportar erro

Caracterização de pastas de cimento Portland com adição de sílica visando a imobilização de Cr(VI)

Characterization of Portland cement pastes with silica addition aiming at Cr(VI) immobilization

Resumo

No âmbito da sustentabilidade, a geração de diferentes resíduos através das atividades humanas demanda a exploração de técnicas para disposição final. Dentre esses resíduos, estão os agrícolas e os metais pesados, ambos potencialmente poluidores. Este trabalho relata a análise da imobilização de cromo (VI) em pastas de cimento Portland (CP) com adição de sílica (SiO2) obtida de cinzas de casca de arroz (CCA). As pastas de CP foram avaliadas sob a perspectiva das propriedades mecânicas por ensaio de compressão. Relativo ao desenvolvimento da hidratação, as pastas foram avaliadas por MEV, DRX e FTIR. Visando o estudo da imobilização do Cr(VI), obteve-se extratos solubilizados para análise por espectrofotometria UV-VIS. Os resultados sugerem que a SiO2 de CCA apresentou-sepredominantemente amorfa. Com relação às pastas, a comparação da resistência dos diferentes traços nas mesmas idades revelou que não são significativamente diferentes. Acerca da DRX, os resultados sugerem que nos traços com K2Cr2O7 existem alterações no processo de hidratação. A eficiência de imobilização resultou maior que 99%, mas não se constatou efeito favorável da adição de sílica ao CP na imobilização do cromo (VI).

Palavras-chave:
Cromo (VI). Processo E/S; Sílica; Cinzas de casca de arroz; Cimento Portland

Abstract

In the scope of sustainability, the generation of different residues through human activities requires the exploration of techniques for final disposal. Among these residues, there are agricultural residues, as well as the residues of heavy metals, both potentially polluting.This work reports the analysis on the immobilization of chromium (VI) in Portland cement pastes (PC) with the addition of silica (SiO 2 ) obtained from rice husk ash (RHA). The cement pastes were evaluated from the perspective of mechanical properties through the compression test. Regarding the hydration development, the pastes were evaluated by SEM, XRD and FTIS. Aiming at the study of Cr(VI) immobilization, solubilized extracts were obtained for analysis through UV-VIS spectrophotometry. The results suggest that the SiO 2 from the RHA showed a predominantly amorphous. Regarding the pastes, the comparison of the strength of the different traits at the same ages revealed that they are not significantly different. As to the XRD, the results suggest that, in the traits with K 2 Cr 2 O 7 , there are alterations in the hydration process. The immobilization efficiency resulted greater than 99%, but there was no favorable effect of the addition of silica to PC in the immobilization of chromium (VI).

Keywords:
Chromium (VI); S/S process; Silica; Rice husk ash; Portland cement

Introdução

Em discussões no âmbito técnico e acadêmico, observa-se que as questões ambientais, especialmente com relação aos resíduos sólidos, estão entre as grandes matérias de debate, figurando simultaneamente em posições de destaque e de preocupação frente ao desafio da disposição final, norteando pesquisas, ações, políticas públicas e gestões governamentais.

Nesse contexto, a Lei n. 12.305, de 2 de agosto de 2010, que dentre outras matérias institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), apresenta definições acerca dos resíduos perigosos inserindo nessa classificação aqueles que, por suas características, denotam risco à saúde pública ou à qualidade ambiental, dentre elas a toxicidade e carcinogenicidade (BRASIL, 2010BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Diário Oficial da União, 03 de agosto de 2010.).

A NBR 10004 (ABNT, 2004aASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10004: resíduos sólidos: classificação. Rio de Janeiro, 2004a.) também trata de uma classificação, identificando os resíduos em classe I (perigosos) e classe II (não perigosos), apontando o Cr(VI) como um constituinte perigoso em diversos resíduos com origem na indústria do petróleo, coureira e calçadista, por exemplo (ABNT, 2004aASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10004: resíduos sólidos: classificação. Rio de Janeiro, 2004a.). Além desses, Wilbur et al. (2012)WILBUR, S. et al. Toxicological profile for chromium. Atlanta: U.S. Department of Health and Human Services, Public Health Service, 2012. destacam setores industriais de galvanoplastia, queima de combustíveis fósseis, dentre outras fontes geradoras de cromo (VI).

O cromo figura entre as substâncias inorgânicas identificadas como metais pesados potencialmente poluidores (SANTOS; SILVA, 2017SANTOS, M. A.; SILVA, M. F. Poluição das águas. In: SANTOS, M. A. (org.). MONTEIRO, A. R. D. et al. (col.). Poluição do meio ambiente. Rio de Janeiro: LTC , 2017.), e é caracterizado como um elemento natural com três formas principais: Cr(0), Cr(III) e Cr(VI) (WILBUR et al., 2012WILBUR, S. et al. Toxicological profile for chromium. Atlanta: U.S. Department of Health and Human Services, Public Health Service, 2012.), sendo mais comum o Cr(III) ou Cr+3 (cromo trivalente) (FISHBEIN, 1981FISHBEIN, L. Sources, transport and alterationsofmetal compounds: an overview. I. Arsenic, Beryllium, Cadmium, Chromium, and Nickel. Environmental Health Perspectives, v. 40, p. 43-64, ago. 1981.).

Compostos de Cr(VI) possuem relevância industrial, e o estado hexavalente, Cr6+ ou Cr(VI), é formado principalmente através da ação antrópicasendo mais tóxico e nocivo que os compostos trivalentes, Cr3+ ou Cr(III), havendo importantes impactos ambientais e riscos à saúde associados a ambos estados (SILVA et al., 2008SILVA, E. et al. Propostas à prevenção de riscos ambientais relacionados ao tratamento de superfície com cromatos. Cadernos UniFOA, Volta Redonda, v. 3, edição especial, p. 48-58, maio 2008.). Tal perspectiva é relevante pois destaca a influência antrópica negativa sobre o ambiente ao dispor inadequadamente um agente capaz de contaminar solo, ar e água, e, ao mesmo tempo, expor as próprias populações humanas a compostos tóxicos.

Acerca da toxicidade do Cr(VI), destaca-se que ele possui propriedades carcinogênicas (WANG et al., 2017WANG, Y. et al. Carcinogenicity of chromium and chemoprevention: a brief update. OncoTargets and Therapy, v. 10, p. 4065-4079, 2017.; BAKSHI; PANIGRAHI, 2018BAKSHI, A.; PANIGRAHI, A. K. A comprehensive review on chromiuminducedalterations in freshwaterfishes. Toxicology Reports, v. 5, p. 440-447, 2018.), efeitos mutagênicos (BAKSHI; PANIGRAHI, 2018BAKSHI, A.; PANIGRAHI, A. K. A comprehensive review on chromiuminducedalterations in freshwaterfishes. Toxicology Reports, v. 5, p. 440-447, 2018.; VINCENT, 2019VINCENT, J. B. Effects of chromiumsupplementation on bodycomposition, human and animalhealth, and insulin and glucosemetabolism. Current Opinion in Clinical Nutrition and Metabolic Care, v. 22, n. 6, p. 483-489, 2019.), e conduz a outros efeitos adversos como problemas no trato respiratório, na pele, problemas gastrointestinais (WILBUR et al., 2012WILBUR, S. et al. Toxicological profile for chromium. Atlanta: U.S. Department of Health and Human Services, Public Health Service, 2012.), e fortes evidências relacionadas ao câncer de pulmão (BRAVER-SEWRADJ et al., 2021BRAVER-SEWRADJ, S. P. D. et al. Occupational exposure to hexavalent chromium: part II: hazard assessment of carcinogenic effects. Regulatory Toxicology and Pharmacology, v. 126, p. 105045, 2021.), dentre outros.

Diversos trabalhos também relatam os efeitos adversos do cromo sob diferentes aspectos socioambientais. Em Bakshi e Panigrahi (2018)BAKSHI, A.; PANIGRAHI, A. K. A comprehensive review on chromiuminducedalterations in freshwaterfishes. Toxicology Reports, v. 5, p. 440-447, 2018., por exemplo, fez-se uma extensa revisão sobre os efeitos adversos da poluição do ambiente aquático por cromo, mostrando que leva a amplas alterações adversas sobre as populações de peixes. Também se destacam os riscos de cânceres relacionados com a exposição ocupacional do ser humano ao Cr(VI), como discutido por Mahiout et al. (2022)MAHIOUT, S. et al. Occupational exposure to Cr(VI) in Finland in 1980-2016 and related lung cancer risk assessment. Regulatory Toxicology and Pharmacology , v. 136, 105276, 2022. e Braver-Sewradj et al. (2021)BRAVER-SEWRADJ, S. P. D. et al. Occupational exposure to hexavalent chromium: part II: hazard assessment of carcinogenic effects. Regulatory Toxicology and Pharmacology, v. 126, p. 105045, 2021..

Dessa forma, ao considerar os riscos associados ao Cr(VI), compreende-se a necessidade do aprofundamento em estratégias de disposição final dos resíduos ricos em potenciais contaminantes.

Ao aplicar o processo de solidificação e estabilização (processo E/S), Fitch e Cheeseman (2003)FITCH, J. R.; CHEESEMAN, C. R. Characterisation of environmentally exposed cement-based stabilised/solidified industrial waste. Journal of Hazardous Materials, v. 101, n. 3, p. 239-255, 2003. revelaram os objetivos do processo associado ao tratamento de resíduos, compreendendo o encapsulamento na matriz cimentícia. Tal processo visa a estabilidade física e redução do espalhamento de resíduos perigosos por lixiviação, que podem causar danos ambientais, havendo importantes condicionantes ambientais, químicos e físicos (FITCH; CHEESEMAN, 2003FITCH, J. R.; CHEESEMAN, C. R. Characterisation of environmentally exposed cement-based stabilised/solidified industrial waste. Journal of Hazardous Materials, v. 101, n. 3, p. 239-255, 2003.).

Brehm et al. (2013)BREHM, F. A. et al. Análise da estabilização por solidificação de lodo de fosfatização em matrizes de cimento Portland e de cerâmica vermelha para a utilização na construção civil. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 15-27, abr./jun. 2013. apresentam típicos agentes solidificantes no processo E/S, ressaltando o CP como o mais utilizado. Os autores ainda discutem características relevantes do material para sua aplicação no processo E/S, revelando fatores que influenciam a capacidade de fixação e a durabilidade (BREHM et al., 2013BREHM, F. A. et al. Análise da estabilização por solidificação de lodo de fosfatização em matrizes de cimento Portland e de cerâmica vermelha para a utilização na construção civil. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 15-27, abr./jun. 2013.).

Nesse contexto, Pera, Thevenin e Chabannet (1997)PERA, J.; THEVENIN, G.; CHABANNET, M. Design of a novel system allowing the selection of an adequate binder for solidification/stabilization of wastes. Cement and Concrete Research, v. 27, n. 10, p. 1533-1542, 1997., tratando de aglomerantes hidráulicos, destacaram prováveis mecanismos de imobilização do Cr(VI) quais sejam, adição (formando Cr-C-S-H), substituição (formando Cr-etringita e monocromoaluminato) e precipitação de novos compostos (formando cromato de cálcio e Na-Cr-AFt). O mecanismo de imobilização do cromo em cristais de etringita bem como a precipitação de cromato de cálcio e dicromato de cálcio também foi discutido em Pang et al. (2022)PANG, F. et al. The migration and immobilization for heavy metal chromium ions in the hydration products of calcium sulfoaluminate cement and theis leaching behavior. Journal of Cleaner Production, v. 365, 132778, 2022..

Diversos autores estudaram materiais contendo cromo, utilizando cimento Portland como aglomerante, por exemplo: Husnain et al. (2016)HUSNAIN, A. et al. Immobilization in cement mortar of chromium removed from water using titania nanoparticles. Journal of Environmental Management, v. 172, p. 10-17, 2016. com uso de argamassas e nanopartícula de TiO2, Tantawy, El-Roudi e Salem (2012)TANTAWY, M.A.; EL-ROUDI, A.M.; SALEM, A.A. ImmobilizationofCr(VI) in bagasse ash blended cement pastes. Construction and Building Materials, v. 30, p. 218-223, 2012. relatando processo E/S para imobilização de Cr(VI) com argamassas e substituição parcial com cinzas de bagaço de cana, e Simões, Braga e Brito (2019)SIMÕES, V. N.; BRAGA, A. N. S.; BRITO, A. L. F. Avaliação da integridade e durabilidade de matriz de cimento contendo lodo de curtume. Revista Eletrônica de Materiais e Processos, v. 14, n. 1, p. 19-23, 2019. na imobilização de Cr(VI) de resíduo de lodo de curtume.

Ferreira et al. (2021)FERREIRA, R. T. L. et al. Assessment ofthe Integrity and Retention of Chromium (VI) in Portland CementPastes. Advances in Chemical Engineering and Science, v. 11, n. 1, p. 1-17, 2021. estudaram propriedades de pastas de CP produzidas com diferentes percentuais (0,5% a 2,5%) de K2Cr2O7, uma fonte de Cr (VI), e observaram que a introdução do K2Cr2O7 foi prejudicial para a resistência à compressão, influenciando as reações de hidratação.

No contexto dos materiais à base de cimento Portland, há diversos relatos de aprimoramento pelo uso de adições minerais, dentre elas a sílica (SiO2) e suas diversas formas, como a sílica ativa e da nanossílica (HAMEED; GHAZY; ELATY, 2016HAMEED, M. F. A. E.; GHAZY, M. F.; ELATY, M. A. A. A. Cemen mortar with Nanosilica: experiments with mixture design method. American Concrete Institute Materials Journal, v. 113, n. 1, p. 43-53, 2016.; XIAO et al, 2019XIAO, H. et al. Effects of pozzolanic and non-pozzolanic nanomaterials on cement-based materials. Construction and Building Materials, v. 213, p. 1-9, 2019.), e até combinada com outros nanomateriais, como o nanotubo de carbono (LEE et al., 2018LEE, H. S. et al. Durability performance of CNT and nanosilica admixed cement mortar. Construction and Building Materials, v. 159, p. 463-472, 2018.).

O uso de SiO2 como uma adição mineral se deve, dentre outras razões, às reações pozolânicas. Os minerais pozolânicos na forma de adição podem trazer diferentes benefícios, mas no caso das referidas reações, a parte não-cristalina da pozolana reage com o hidróxido de cálcio formando quantidades adicionais de C-S-H (silicato de cálcio hidratado) (DODSON, 1990DODSON, V. H. Concrete admixtures: structural engineering series. New York: Springer Science + Business Media, 1990.).

Uma importante fonte de SiO2 são as cinzas de casca de arroz (CCA), exploradas em diversos relatos que evidenciam elevados percentuais de SiO2 na sua composição: 83,53% (TASHIMA et al., 2012TASHIMA, M. M. et al. Cinzas de casca de arroz (CCA) altamente reativa: método de produção e atividade pozolânica. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 151-163, abr./jun. 2012.), 88,2 % (ZAHEDI; RAMEZANIANPOUR; RAMEZANIANPOUR, 2015ZAHEDI, M.; RAMEZANIANPOUR, A. A.; RAMEZANIANPOUR, A. M. Evaluation of the mechanical properties and durability of cement mortars contain in nanosilica in rice husk ash underchlorideion penetration. Construction and Building Materials, v. 78, p. 354-361, 2015.), 76,7% (ELICHE-QUESADA et al., 2017ELICHE-QUESADA, D. et al. Characterization and evaluationofricehusk ash and wood ash in sustainableclaymatrixbricks. Ceramics International, v. 43, n. 1, Part A, p. 463-475, 2017.), 81,8% (ETTAH et al., 2018ETTAH, E. B. et al. Investigation ofricehusk ash (RHA) as a supplement in cementforbuildingapplications. Civil Engineering Research Journal, v. 6, n. 2, p. 29-34, 2018.), 91,15% (KOUSHKBAGHI et al., 2019KOUSHKBAGHI, M. et al. Acid resistance and durabilitypropertiesofsteel fiber-reinforcedconcreteincorporatingricehusk ash and recycledaggregate. Construction and Building Materials , v. 202, p. 266-275, 2019.) e 79,63% (STEVEN et al., 2021STEVEN, S. et al. An appropriate acid leaching sequence in rice husk ash extraction to enhance the produced green silica quality for sustainable industrial silica gel purpose. Journal ofthe Taiwan Institute of Chemical Engineers, v. 122, p. 51-57, 2021.).

Sendo o Brasil um importante produtor de arroz e a casca de arroz um dos resíduos do processo, representando, em média, 22% do volume dos subprodutos do beneficiamento (EIFERT, 2009EIFERT, E. C. Secagem, armazenamento e beneficiamento. In: BARRIGOSSI, J.A.F. (ed.). Recomendações técnicas para a cultura de arroz irrigado no Mato Grosso do Sul. 6. ed. Santo Antônio de Goiás: Embrapa Arroz e Feijão, 2009.), observa-se uma excelente oportunidade de investigar o aprimoramento de matrizes de cimento Portland através da sílica obtida das CCA para imobilização de Cr(VI).

O uso da SiO2 também foi explorado por Estokova, Palascakova e Kanuchova (2018)ESTOKOVA, A.; PALASCAKOVA, L.; KANUCHOVA, M. Study on Cr(VI) leaching from cement and cement composites. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 15, n. 4, p. 824, 2018., ao comparar a lixiviação de Cr(VI) em concretos produzidos com CP comum e adição sílica ativa e zeolita.

Nesse contexto, este estudo pretende analisar o processo de estabilização por solidificação (processo E/S) de Cr(VI) proveniente do dicromato de potássio (K2Cr2O7), em pastas de cimento Portland tipo CP II-Z 32 com adição de SiO2 extraída de cinzas de casca de arroz (CCA). Tal processo busca compreender a capacidade de retenção e o desenvolvimento da hidratação da matriz cimentícia com a presença do composto rico em cromo e a adiçãoobtida de um resíduo agrícola.

Materiais e métodos

Inicialmente foram obtidos os materiais de partida: cimento Portland tipo CP II-Z 32 (comercial local), dicromato de potássio (K2Cr2O7) (estoque laboratorial), água destilada (comercial local) e sílica (SiO2), esta obtida a partir de cinzas de casca de arroz (CCA) proveniente de uma fábrica de Sinop, Mato Grosso, Brasil. Após o processo de extração da SiO2, o material obtido foi caracterizado por meio de MEV (microscopia eletrônica de varredura) e DRX (difração de raios-X).

Em seguida, desenvolveu-se a produção dos corpos de prova para ensaios de resistência à compressão e ensaio dinâmico de solubilização, sucedida pela coleta de amostras para análises de MEV, DRX, FTIR (espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier) e Espectrofotometria UV-VIS (ultravioleta e visível).

Obtenção da Sílica (SiO2) extraída de cinzas de casca de arroz (CCA)

O procedimento para extração de sílica das cinzas de casca de arroz baseou-se em uma adaptação da metodologia empregada por Foletto et al. (2006FOLETTO, E. L. et al. Conversionofricehull ash into soluble sodiumsilicate. Materials Research, v. 9, n. 3, p. 335-338, 2006.) e está resumido na Figura 1, enquanto a Figura 2 ilustra algumas etapas práticas.

Na Etapa 1, as 15,00 g de CCA passaram por moagem e peneiramento em abertura de 250 μm. Na Etapa 2, as CCA passaram por tratamento em ácido clorídrico (HCl) (KHAN et al., 2020KHAN, K. et al. Effective use of micro-silica extracted from rice husk ash for the production of high-performance and sustaineble cement mortar. Construction and Building Materials , v. 258,p. 119589, 2020.), com 1 hora de fervura em 100 mL de solução de HCl, na concentração de 1 mol/L, com condensador de refluxo e agitador magnético, visando eliminar impurezas orgânicas (Figura 2a). Em seguida (Etapa 3), a mistura foi filtrada a vácuo e lavada com água destilada (Figuras 2b e 2c).

Figura 1
Etapas para obtenção da sílica (SiO2) extraída de cinzas de casca de arroz (CCA)

Figura 2
Ilustração de etapas laboratoriais

Na etapa seguinte, as CCA passaram por fervura em solução de hidróxido de sódio (NaOH) (FOLETTO et al., 2006FOLETTO, E. L. et al. Conversionofricehull ash into soluble sodiumsilicate. Materials Research, v. 9, n. 3, p. 335-338, 2006.). A fervura ocorreu por 1 hora, em 150 ml de solução de NaOH na concentração de 3 mol/L com condensador de refluxo e agitador magnético (Figura 2d), sendo esta a Etapa 4. Ao misturar as CCA em uma solução NaOH, busca-se a obtenção da SiO2 através da formação de silicato de sódio (Na2SiO3) (FOLETTO et al., 2006FOLETTO, E. L. et al. Conversionofricehull ash into soluble sodiumsilicate. Materials Research, v. 9, n. 3, p. 335-338, 2006.) pela lixívia alcalina, conforme a reação descrita na Equação 1 (KHAN et al., 2020KHAN, K. et al. Effective use of micro-silica extracted from rice husk ash for the production of high-performance and sustaineble cement mortar. Construction and Building Materials , v. 258,p. 119589, 2020.).

SiO 2 s + 2 NaOH aq Na 2 SiO 3 aq + H 2 O ( l ) Eq. 1

Durante a Etapa 5, a solução de Na2SiO3 obtida com impurezas sólidas foi filtrada a vácuo (FOLETTO et al., 2006FOLETTO, E. L. et al. Conversionofricehull ash into soluble sodiumsilicate. Materials Research, v. 9, n. 3, p. 335-338, 2006.) (Figura 2e) e as impurezas sólidas foram descartadas. Na Etapa 6, o filtrado foi neutralizado com ácido sulfúrico (H2SO4), resultando em SiO2 precipitada e sulfato de sódio (Na2SO4) (Figuras 2f e 2g), conforme Foletto et al. (2006)FOLETTO, E. L. et al. Conversionofricehull ash into soluble sodiumsilicate. Materials Research, v. 9, n. 3, p. 335-338, 2006. e representado na Equação 2.

Na 2 O aq + H 2 SO 4 aq Na 2 SO 4 aq + H 2 O ( l ) Eq. 2

A remoção do Na2SO4 ocorreu através de lavagem com água destilada a 50 °C e filtração a vácuo (FOLETTO et al., 2006FOLETTO, E. L. et al. Conversionofricehull ash into soluble sodiumsilicate. Materials Research, v. 9, n. 3, p. 335-338, 2006.) (Etapa 7) (Figura 2h). Além disso, fez-se uma lavagem adicional em agitador mecânico com água destilada, seguida de fervura com agitador magnético e filtragem a vácuo. Na Etapa 8, o material foi seco em estufa a 85 °C por 48 horas, moído e peneirado em abertura de 250 μm (Figura 2i). Ao final do procedimento, a partir de 15,00 g de CCA foram obtidos 10,25 g de sílica, totalizando um rendimento de 68,33%. A Figura 3 demonstra os resultados da aplicação de DRX a uma amostra de SiO2 extraída de CCA.

O difratograma revela que não foram detectados picos que evidenciariam fases cristalinas, sugerindo um material com caráter majoritariamente amorfo. Tal constatação coaduna com resultados de Petterle et al. (2018)PETTERLE, A. R. et al. Placas cerâmicas contendo lodo de ETA e cinza de casca de arroz: correlação de suas propriedades físico-químicas com sua microestrutura. Química Nova, v. 41, n. 10, p. 1117-1126, 2018. e Steven et al. (2021)STEVEN, S. et al. An appropriate acid leaching sequence in rice husk ash extraction to enhance the produced green silica quality for sustainable industrial silica gel purpose. Journal ofthe Taiwan Institute of Chemical Engineers, v. 122, p. 51-57, 2021..

O destaque de 15° ≤ 2θ ≤ 35° evidencia um halo de amorfismo, caracterizado pelo arqueamento da linha de base, oriundo do material amorfo, sendo recorrente, dentre outros, naqueles materiais que são pozolânicos ou que possuem fases vítreas (GOBBO, 2009GOBBO, L. A. Aplicação da difração de raios-X e método de Rietveld no estudo de cimento Portland. São Paulo, 2009. Tese (Programa de Pós-Graduação em Recursos Minerais e Hidrogeologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.).

A relevância desse dado reside na correlação entre o caráter amorfo e a reatividade da sílica, em contraponto à forma cristalina que possui reduzida reatividade (NEVILLE, 2016NEVILLE, A. M. Propriedades do concreto.5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2016.), sugerindo a obtenção de um material de alto caráter pozolânico (TASHIMA et al., 2012TASHIMA, M. M. et al. Cinzas de casca de arroz (CCA) altamente reativa: método de produção e atividade pozolânica. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 151-163, abr./jun. 2012.). A Figura 4 apresenta micrografias obtidas por MEV da sílica (SiO2) extraída de CCA.

De forma similar a Fraga et al. (2020FRAGA, Y. S. B. et al. Efeito da ultrasonicação da sílica ativa e da nanossílica coloidal em pastas de cimento. Revista Matéria, v. 25, n. 4, 2020.), observando as Figuras 4a a 4d, é possível sugerir que há aglutinação de grãos. Além disso, o estudo das micrografias evidenciou a predominância de grãos na faixa de, aproximadamente, 1 a 90 μm, com grande amplitude de dimensões.

Produção dos corpos de prova e amostras

A Tabela 1 apresenta os traços para a produção das pastas.

De forma análoga a Ferreira et al. (2021)FERREIRA, R. T. L. et al. Assessment ofthe Integrity and Retention of Chromium (VI) in Portland CementPastes. Advances in Chemical Engineering and Science, v. 11, n. 1, p. 1-17, 2021., utilizou-se o CP II-Z 32 normatizado pela NBR 16697 (ABNT, 2018aASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16697: cimento Portland: requisitos. Rio de Janeiro, 2018a.) e o sal K2Cr2O7 (dicromato de potássio) como fonte de Cr(VI), utilizado também por Pang et al. (2022)PANG, F. et al. The migration and immobilization for heavy metal chromium ions in the hydration products of calcium sulfoaluminate cement and theis leaching behavior. Journal of Cleaner Production, v. 365, 132778, 2022.. Definiu-se a proporção fixa de 2,5% de K2Cr2O7 com relação à massa de CP, escolhido por ser o maior percentual de adição de K2Cr2O7 aplicado por Ferreira et al. (2021)FERREIRA, R. T. L. et al. Assessment ofthe Integrity and Retention of Chromium (VI) in Portland CementPastes. Advances in Chemical Engineering and Science, v. 11, n. 1, p. 1-17, 2021., e visando compreender a influência do sal sobre as reações de hidratação.

Buscando o aprimoramento nas propriedades da matriz cimentícia, optou-se pelo teor de 0,6% de SiO2 com relação à massa de CP, conforme a Tabela 1, já que em Shih, Chang e Hsiao (2006)SHIH, J. Y.; CHANG, T. P.; HSIAO, T. C. Effect of nanosilica on characterization of Portland cement composite. Materials Science and Engineering: A, v. 424, n. 1-2, p. 266-274, may 2006. observou-se ganho de resistência à compressão na proporção ótima de 0,6% de NS.

Figura 3
Difratograma da sílica (SiO2) extraída de cinzas de casca de arroz (CCA)

Figura 4
MEV de grãos de SiO2extraída de CCA

Tabela 1
Traços para produção das pastas (em massa, para cada 100 g de CP)

Para a produção das pastas, os materiais secos foram misturados. Em seguida, a sílica foi dispersa na água destilada de amassamento em banho ultrassônico por 30 minutos, e incorporada aos materiais secos para compor as pastas.

Os corpos de prova foram moldados com diâmetro de 27 mm e altura de 54 mm. Os moldes foram recobertos por óleo mineral. Após o período de cura inicial (24 horas), seguiu-se o processo de desmoldagem e cura sob umidificação, até as idades dos respectivos ensaios.

Ensaios e caracterizações

Os corpos de prova foram ensaiados à compressão aos 7, 28 e 91 dias. A Figura 5 ilustra as etapas do ensaio, conforme se observa: em 5a, alguns corpos de prova; em 5b, o equipamento utilizado; em 5c, execução do ensaio; em 5d, 5e, 5f, resíduos dos ensaios reservados para as caracterizações.

Em seguida foram calculadas as resistências à compressão, conforme a Equação 3, em que “fc” é a resistência à compressão (MPa), “F” é a força máxima alcançada (N) e “D” é o diâmetro do corpo de prova (mm) (ABNT, 2018bASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5739: concreto: ensaio de compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2018b.).

f c = 4 F π × D ² Eq. 3

Parte dos resíduos foram imersos em acetona (C3H6O) por 1 hora, posteriormente secos em estufa (50 °C por 24 horas), de forma análoga a Nascimento et al. (2019)NASCIMENTO, J. E. F. et al. Cinza de biomassa rica em calcário como material carbonático em sistemas cimentícios de base Portland. Cerâmica, v. 65, p. 85-91, 2019.. Após esse período, parte do material foi fragmentado ou pulverizado com moinho analítico, almofariz e pistilo.

Para as análises de DRX, utilizou-se equipamento Bruker D8 Advance, a 40 kV e 40 mA, equipado com tubo de cobre, fenda Soller e detector linear ultrarrápido LynxEye, sendo os perfis dos difratogramas obtidos entre 5 e 60 graus, em passos de 0,02 graus e tempo de aquisição de 3 segundos/passo.

Para as análises de MEV das superfícies rompidas por meio de elétrons secundários, preparou-se amostras com metalização por película de ouro em máquina de vácuo Smart Coater DII-29010SCTR (JEOL). Para a execução das análises, foram utilizados stubs metálicos, fitas de carbono e o microscópio eletrônico de varredura VEGA 3 (Tescan).

Para as análises de FTIR, foi utilizado o espectrofotômetro Spectometer 100 (Perkin-Elmer), com medidas realizadas na região de 4.000 a 600 cm-1, com especial interesse nas bandas dos trechos de 3.700-3.600 cm-1, 1.500-1.350 cm-1 e 1.050-750 cm-1.

Para os ensaios de solubilização, buscando determinar a concentração de íons cromato (CrO4 2-) em extratos solubilizados, adaptando o procedimento de Ferreira et al. (2021)FERREIRA, R. T. L. et al. Assessment ofthe Integrity and Retention of Chromium (VI) in Portland CementPastes. Advances in Chemical Engineering and Science, v. 11, n. 1, p. 1-17, 2021., ao atingir a idade de ensaio (7 e 28 dias), os corpos de prova de pasta com K2Cr2O7 foram inseridos em béqueres individuais com 300 ml de água destilada, com eventual ajuste de volume quando necessário à determinação da absorbância, com renovação do solvente em ciclos de imersão de 24 horas, durante 168 horas de ensaio, a 25 °C.

Os extratos obtidos por imersão tiveram as absorbâncias determinadas no espectrofotômetro modelo SP-220 (Bioespectro), no modo absorbância com o branco obtido com água destilada.O equipamento foi programado em λmáx = 372 nm, considerando os resultados de Ferreira et al. (2021)FERREIRA, R. T. L. et al. Assessment ofthe Integrity and Retention of Chromium (VI) in Portland CementPastes. Advances in Chemical Engineering and Science, v. 11, n. 1, p. 1-17, 2021.. Para as medidas, utilizou-se cubeta de quartzo com duas faces polidas e caminho óptico de 10,00 mm.

Com a finalidade de determinar as concentrações de CrO4 2-, e consequentemente a identificação do Cr(VI), restou a obtenção de uma curva de calibração para obter o coeficiente de absorção molar.A determinação do referido coeficiente visou a aplicação da Lei de Beer-Lambert, conforme a Equação 4, em que “[J]” trata da concentração molar, “ε” trata do coeficiente de absorção molar, “A” refere-se à intensidade da absorbância e “L” representa o comprimento da amostra (ATKINS; PAULA, 2018ATKINS, P.; PAULA, J. Físico-química.10. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2018. v. 2.).

A = ε “[ J ]” L Eq. 4

Para a curva de calibração, optou-se por uma adaptação do procedimento descrito por Silva Junior et al. (2021)SILVA JUNIOR, A. L. A. et al. Análise instrumental: uma abordagem prática. Rio de Janeiro: LTC , 2021., para 0,001 mol/L de dicromato de potássio (K2Cr2O7) em uma solução de 0,1 mol/L de hidróxido de sódio (NaOH).

Figura 5
Ilustração de etapaslaboratoriais do ensaio de resistência à compressão

De acordo com os objetivos, calculou-se as médias aritméticas das amostras. O índice de desempenho (I.D.) foi calculado baseando-se em Andrade et al. (2020)ANDRADE, D. S. et al. Properties ofTernaryCementPasteswithNanosilica and Rice Husk Ash. ACI Materials Journal, v. 117, n. 1, p. 233-242, 2020., conforme a Equação 5. Para o presente trabalho, fcB representou a resistência média dos traços com percentuais de SiO2 e/ou K2Cr2O7, e fcA representou a resistência média do traço de referência, para os ensaios de resistência à compressão.

I . D . ( % ) = 100 × ( f cB f cA ) Eq. 5

Além disso, de acordo com o ensaio, realizou-se a análise de variância (Anova), Teste F e Teste de Comparações Múltiplas (Tukey-Kramer)(LEVINE; STEPHAN; SZABAT, 2017LEVINE, D. M.; STEPHAN, D. F.; SZABAT, K. A. Estatística: teoria e aplicações usando o Microsoft® Excel em português. 7. ed. Rio de Janeiro: LTC , 2017.), bem como Teste T (MONTGOMERY; RUNGER; HUBELE, 2013MONTGOMERY, D. C.; RUGNER, G. C.; HUBELE, N. F. Estatística aplicada à engenharia.2. ed. Rio de Janeiro: LTC , 2013.).

Finalmente, para os ensaios de solubilização, calculou-se a eficiência de imobilização de Cr(VI) por meio da Equação 6, em que “E” representa o percentual de eficiência de imobilização, “Cextrato” representa concentração acumulada de Cr(VI) no extrato em análise e “Cpasta” representa a concentração de Cr(VI) na pasta (FERREIRA et al., 2021FERREIRA, R. T. L. et al. Assessment ofthe Integrity and Retention of Chromium (VI) in Portland CementPastes. Advances in Chemical Engineering and Science, v. 11, n. 1, p. 1-17, 2021.), considerando os traços da Tabela 1.

E = ( 1 - C extrato C pasta ) × 100 Eq. 6

Resultados e discussões

Resistência à compressão das pastas

A Tabela 2 e a Figura 6 demonstram a média das resistências à compressão (R.C.) e os índices de desempenho (I.D.) médios nos três traços analisados, nas idades de 7, 28 e 91 dias de hidratação.

Através da análise de variância (Anova) (LEVINE; STEPHAN; SZABAT, 2017LEVINE, D. M.; STEPHAN, D. F.; SZABAT, K. A. Estatística: teoria e aplicações usando o Microsoft® Excel em português. 7. ed. Rio de Janeiro: LTC , 2017.),comparando as resistências à compressão dos diferentes traços na mesma idade, concluiu-se que aos 7, 28 e 91 dias de hidratação, não é possível rejeitar a hipótese de que não há diferenças absolutas entre as médias de resistência à compressão. As comparações múltiplas (LEVINE; STEPHAN; SZABAT, 2017LEVINE, D. M.; STEPHAN, D. F.; SZABAT, K. A. Estatística: teoria e aplicações usando o Microsoft® Excel em português. 7. ed. Rio de Janeiro: LTC , 2017.) mostraram que aos 7, 28 e 91 dias de hidratação não resultaram em diferenças significativas, comparando os diferentes traços na mesma idade, em nível de significância de α = 0,05.

Dessa forma, estatisticamente, é possível sugerir que não houve efeito desfavorável do K2Cr2O7 ou efeito favorável da SiO2 utilizada na pasta para imobilização de Cr(VI).

Complementarmente, a estatística comparativa dos resultados de resistência à compressão no mesmo traço (0NS-2,5R ou 0,6NS-2,5R) em diferentes idades (7, 28 e 91 dias) mostrou que há diferenças absolutas e que os resultados obtidos aos 7 e aos 28 dias são significativamente diferentes, com elevação da resistência média.

Todavia, ao observar o desenvolvimento da resistência até o período de cura mais longo (91 dias), os valores médios de R.C. sugerem um possível desenvolvimento inadequado da resistência, que pode ser atribuído às condições de cura: considerando a necessidade da retenção do contaminante, a cura foi executada em ambiente somente sujeito à umidificação, o que pode ter afetado o desenvolvimento das reações.

De forma especial, ao observar que na mesma idade, aos 7, 28 e 91 dias de hidratação, não há diferenças significativas entre os diferentes traços, os resultados dos traços com 2,5% de K2Cr2O7 reforçam as perspectivas favoráveis para aplicações do processo E/S do Cr(VI) utilizando CPII-Z 32.

Tabela 2
Resistências à compressão (R.C.) e índices de desempenho (I.D.)

Figura 6
Resistências à compressão (R.C.) e índices de desempenho (I.D.)

Difração de raios-X das pastas

A Figura 7 apresenta os difratogramas das pastas de CP nos diferentes traços (0NS-0R, 0NS-2,5R e 0,6NS-2,5R) e idades (7, 28 e 91 dias de hidratação).Foram destacados os intervalos que compreendem os picos principais, secundários e terciários da portlandita ou Ca(OH)2 (hidróxido de cálcio) considerando os resultados de Gobbo (2009GOBBO, L. A. Aplicação da difração de raios-X e método de Rietveld no estudo de cimento Portland. São Paulo, 2009. Tese (Programa de Pós-Graduação em Recursos Minerais e Hidrogeologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.).

Observa-se que as amostras 0NS-2,5R e 0,6NS-2,5R em todas as idades, diferentemente das amostras 0NS-0R, não apresentam os picos relativos à portlandita. A observação acerca da alteração dos picos, no presente trabalho, coaduna com observações de Wang e Vipulanandan (2000)WANG, S.; VIPULANANDAN, C. Solidification/stabilizationofCr(VI) withcementLeachability and XRD analyses. Cement and Concrete Research , v. 30, n. 3, p. 385-389, 2000., que constataram a redução dos picos de Ca(OH)2 com o aumento do Cr(VI).

Dessa forma, pode-se sugerir que o mecanismo de formação de cromato de cálcio (CaCrO4) seja um possível responsável pela redução dos picos de portlandita(WANG; VIPULANANDAN, 2000WANG, S.; VIPULANANDAN, C. Solidification/stabilizationofCr(VI) withcementLeachability and XRD analyses. Cement and Concrete Research , v. 30, n. 3, p. 385-389, 2000.) apresentado nos difratogramas da Figura 7, além de alguma parcela relativa ao efeito pozolânico da sílica na amostra 0,6NS-2,5R.

A formação do cromato de cálcio (CaCrO4) como um dos mecanismos de imobilização do Cr(VI) em aglomerantes hidráulicos também é discutido em Pera, Thevenin e Chabannet (1997)PERA, J.; THEVENIN, G.; CHABANNET, M. Design of a novel system allowing the selection of an adequate binder for solidification/stabilization of wastes. Cement and Concrete Research, v. 27, n. 10, p. 1533-1542, 1997., Ferreira et al. (2021)FERREIRA, R. T. L. et al. Assessment ofthe Integrity and Retention of Chromium (VI) in Portland CementPastes. Advances in Chemical Engineering and Science, v. 11, n. 1, p. 1-17, 2021. e Pang et al. (2022)PANG, F. et al. The migration and immobilization for heavy metal chromium ions in the hydration products of calcium sulfoaluminate cement and theis leaching behavior. Journal of Cleaner Production, v. 365, 132778, 2022..

Espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier das pastas

As Figuras 8, 9 e 10 demonstram os resultados obtidos por meio da aplicação de FTIR, nos três traços analisados (0NS-0R, 0NS-2,5R e 0,6NS-2,5R), nas idades de 7, 28 e 91 dias de hidratação.

Os picos que variam de 3.644 cm-1a 3.641 cm-1estão destacados na Figura 8.Considerando as posições no infravermelho para vibrações da ligação O-H de 3000 cm-1 - 3700 cm-1 (EWING, 1972EWING, G. W. Métodos instrumentais de análise química. São Paulo: Blucher, 1972. v. 1.), possivelmente tratam-se das ligações O-H presentes no Ca(OH)2 (hidróxido de cálcio) ou portlandita (TREZZA; FERRAIUELO, 2003TREZZA, M. A.; FERRAIUELO, M. F. Hydration study of limestone blended cement in the presence of hazardous wastes containing Cr(VI). Cement and Concrete Research , v. 33, n. 7, p. 1039-1045, 2003.), sendo uma das quatro principais fases da pasta hidratada (PAULON, 2019PAULON, V. A. Microscopia do Concreto. In: BAUER, L. A. F.; DIAS, J. F. (coord.). Materiais de construção. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC , 2019.), representando 20% a 25% do volume de sólidos (MEHTA; MONTEIRO, 1994MEHTA, P.K.; MONTEIRO, P.J.M. Concreto: estrutura, propriedades e materiais. São Paulo: PINI, 1994.). Essa banda destacada aproxima-se da posição relatada em Kuzielová et al. (2021)KUZIELOVÁ, E. et al. Phase compositionofsilicafume: Portland cementsystemsformedunder hydrothermal curingevaluatedby FTIR, XRD, and TGA. Materials, v. 14, n. 11, 2786, 2021..

Com relação aos picos destacados em 1.425 cm-1 a 1.413 cm-1, conforme se observa na Figura 9, considerando uma das posições no infravermelho para carbonatos de 1400 cm-1 - 1450 cm-1 (EWING, 1972EWING, G. W. Métodos instrumentais de análise química. São Paulo: Blucher, 1972. v. 1.), sugere-se que revelam bandas largas provavelmente associadas às ligações no grupo funcional CO3 -2 (carbonato) (TREZZA; FERRAIUELO, 2003TREZZA, M. A.; FERRAIUELO, M. F. Hydration study of limestone blended cement in the presence of hazardous wastes containing Cr(VI). Cement and Concrete Research , v. 33, n. 7, p. 1039-1045, 2003.; JOSE et al., 2020JOSE, A. et al. Characterization of cement stabilized pond ash using FTIR spectroscopy. Construction and Building Materials, v. 263, 120136, 2020.)que pode estar relacionado a fase calcita, aproximando-se das bandas destacadas em outros relatos (ANDRADE et al., 2020ANDRADE, D. S. et al. Properties ofTernaryCementPasteswithNanosilica and Rice Husk Ash. ACI Materials Journal, v. 117, n. 1, p. 233-242, 2020.; KHAN et al., 2020KHAN, K. et al. Effective use of micro-silica extracted from rice husk ash for the production of high-performance and sustaineble cement mortar. Construction and Building Materials , v. 258,p. 119589, 2020.; KUZIELOVÁ et al., 2021KUZIELOVÁ, E. et al. Phase compositionofsilicafume: Portland cementsystemsformedunder hydrothermal curingevaluatedby FTIR, XRD, and TGA. Materials, v. 14, n. 11, 2786, 2021.). A fase calcita, possivelmente, é relativa ao fíler calcário, normalmente adicionado durante a fabricação do cimento ou ao processo de carbonatação (HOPPE FILHO et al., 2017HOPPE FILHO, J. et al. Atividade pozolânica de adições minerais para cimento Portland (parte II): índice de atividade pozolânica com cimento Portland (IAP), difração de raios-X (DRX) e termogravimetria (TG/DTG). Revista Matéria , v. 22, n. 3, 2017.).

Com relação à Figura 10, considerandouma das posições no infravermelho levantadas por Ewing (1972)EWING, G. W. Métodos instrumentais de análise química. São Paulo: Blucher, 1972. v. 1. para carbonatos de 860 cm-1 - 880 cm-1, sugere-se que as bandas em 874 cm-1 observadas em todos os espectros estão associadas às fases carbonáticas(JOSE et al., 2020JOSE, A. et al. Characterization of cement stabilized pond ash using FTIR spectroscopy. Construction and Building Materials, v. 263, 120136, 2020.). Tal constatação aproxima-se de outros relatos como Khan et al. (2020)KHAN, K. et al. Effective use of micro-silica extracted from rice husk ash for the production of high-performance and sustaineble cement mortar. Construction and Building Materials , v. 258,p. 119589, 2020..

Finalmente, com relação aos picos de 975 cm-1 a 962 cm-1, considerando a região para os silicatos de 900 cm-1 - 1.100 cm-1 (EWING, 1972EWING, G. W. Métodos instrumentais de análise química. São Paulo: Blucher, 1972. v. 1.), sugere-se que tais bandas referem-se às ligações Si-O no C-S-H (TANTAWY; EL-ROUDI; SALEM, 2012TANTAWY, M.A.; EL-ROUDI, A.M.; SALEM, A.A. ImmobilizationofCr(VI) in bagasse ash blended cement pastes. Construction and Building Materials, v. 30, p. 218-223, 2012.; BUSTOS et al., 20141 1 BUSTOS, A. M. G. et al.Multi-scale analysis of cement pastes with nanosilica addition. Advances in Cement Research, v. 26, n. 5, p. 271-280, 2014. apudANDRADE et al., 2020ANDRADE, D. S. et al. Properties ofTernaryCementPasteswithNanosilica and Rice Husk Ash. ACI Materials Journal, v. 117, n. 1, p. 233-242, 2020.), aproximando-se das bandas observadas em Kupwade-Patil et al. (2018)KUPWADE-PATIL, K. et al. Use ofsilicafume and naturalvolcanic ash as a replacementto Portland cement: micro and porestructuralinvestigationusing NMR, XRD, FTIR and X-raymicrotomography. Construction and Building Materials , v. 158, p. 574-590, jan. 2018., Andrade et al. (2020)ANDRADE, D. S. et al. Properties ofTernaryCementPasteswithNanosilica and Rice Husk Ash. ACI Materials Journal, v. 117, n. 1, p. 233-242, 2020. e Khan et al. (2020)KHAN, K. et al. Effective use of micro-silica extracted from rice husk ash for the production of high-performance and sustaineble cement mortar. Construction and Building Materials , v. 258,p. 119589, 2020..

Em razão da estrutura disponível, foi possível sugerir, qualitativamente, a ocorrência de bandas típicas das ligações do grupo CO3 -2, O-H no Ca(OH)2 e Si-O no C-S-H, baseando-se em comparações com pastas de cimento Portland sob diferentes perspectivas de aplicação. Todavia, não foi possível comparar a intensidade dos picos, que poderiam fornecer interessantes evidências com relação às reações de hidratação, como foi realizado em Andrade et al. (2020)ANDRADE, D. S. et al. Properties ofTernaryCementPasteswithNanosilica and Rice Husk Ash. ACI Materials Journal, v. 117, n. 1, p. 233-242, 2020..

Figura 7
Difratograma de raios-X das pastas aos 7, 28 e 91 dias de hidratação

Figura 8
Espectros de infravermelho das pastas aos 7, 28 e 91 dias - Região de 3.700 cm-1 a 3.600 cm-1

Figura 9
Espectros de infravermelho das pastas aos 7, 28 e 91 dias - Região de 1.500 cm-1 a 1.350 cm-1

Figura 10
Espectros de infravermelho das pastas aos 7, 28 e 91 dias - Região de 1.050 cm-1 a 750 cm-1

Ensaio de solubilização e análise da imobilização do Cr(VI)

A Figura 11 apresenta a curva de calibração obtida de uma solução-estoque de 0,001 mol/L de K2Cr2O7 em 0,1 mol/L NaOH e algumas diluições.

A partir desses dados, determinou-se o coeficiente ε = 10,348x10³ mol-1.L.cm-1, o qual foi aplicado à Equação 4 para o cálculo das concentrações de íons cromato (CrO4 2-) nos extratos, e a determinação da concentração de Cr(VI). A Figura 12 apresenta a concentração acumulada, conforme a metodologia proposta.

A título de breve comparação, visto que o método empregado difere em razão dos objetivos do trabalho, a NBR 10004 (ABNT, 2004aASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10004: resíduos sólidos: classificação. Rio de Janeiro, 2004a.) estabelece limite máximo de cromo total no extrato obtido para ensaio de solubilização em 0,05 mg.L-1 (5,00 x10-5 g.L-1), com método de obtenção de extrato solubilizado conforme a NBR 10006 (ABNT,2004bASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10006: Procedimento para obtenção de extrato solubilizado de resíduos sólidos. Rio de Janeiro, 2004b.).

O limite de 0,05 mg.L-1 também aparece como valor máximo permitido na Portaria n. 2.914, de 12 de dezembro de 2011, do Ministério da Saúde, relativo ao padrão de potabilidade para substâncias químicas que representam risco à saúde (BRASIL, 2011BRASIL. Portaria Nº 2.914, de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da União , 14 de dezembro de 2011.). Em todos os casos, a concentração acumulada total (Figura 12) supera esse limite.

Figura 11
Curvaanalítica da solução de 0,001 mol/L de K2Cr2O7em 0,1 mol/L de NaOH e diluições

Figura 12
Concentraçãoacumulada dos extratos após sete ciclos

Estatisticamente, com significância de 5%, na comparação entre as duas idades (7 dias e 28 dias) dentro do mesmo traço (0NS-2,5R ou 0,6NS-2,5R), é possível sugerir que há, predominantemente, diferenças significativas com relação às concentrações nos ciclos.

Ou seja, sugere-se que a idade teve papel importante no comportamento de solubilização dos íons cromato presentes nas pastas e, nas condições estabelecidas, a idade não trouxe aprimoramento para essa característica. Uma possível explicação pode estar relacionada com o pH, conforme descrito a seguir.

O Ca(OH)2, caracterizado como uma base parcialmente solúvel (JOSEMERE, 2018JOSEMERE, B. Química geral e inorgânica. Porto Alegre: SAGAH, 2018.), é o principal composto que influencia no pH da pasta de cimento (PAULON, 2019PAULON, V. A. Microscopia do Concreto. In: BAUER, L. A. F.; DIAS, J. F. (coord.). Materiais de construção. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC , 2019.), que possui elevada alcalinidade.

No presente trabalho, o pH médio dos extratos solubilizados apresentou-se entre 10 e 12. Provavelmente, esta constatação relaciona-se com a liberação do íon OH- por dissociação iônica que ocorre com as bases (SILVA, 2014SILVA, E. L. Química aplicada: estrutura dos átomos e funções inorgânicas e orgânicas. 2. ed. São Paulo: Érica, 2014.), conforme a Equação 7. Também pode estar relacionado ao fenômeno de dissolução ou hidrólise do hidróxido de cálcio devido às águas puras (ALMEIDA; SALES, 2020ALMEIDA, F. C. R.; SALES, A. Ação do meio ambiente sobre as estruturas de concreto: efeitos e considerações para projeto. In: RIBEIRO, D. V. (coord.); SALES, A. et al. Corrosão e degradação em estruturas de concreto: teoria, controle e técnicas de análise e intervenção. 2. ed. Rio de Janeiro : GEN - Grupo Editorial Nacional, 2020.).

Ca OH 2 s Ca 2 + aq + 2 OH - ( aq ) Eq. 7

O pH alcalino das soluções também pode estar associado aos íons OH- provenientes dos compostos hidróxido de sódio (NaOH) e hidróxido de potássio (KOH), atribuídos como principais responsáveis pelo aumento da alcalinidade nos concretos (RIBEIRO, 2020RIBEIRO, D. V. Estrutura dos poros e mecanismos de transporte no concreto. In: RIBEIRO, D. V. (coord.). Corrosão e degradação em estruturas de concreto: teoria, controle e técnicas de análise e intervenção . 2. ed. Rio de Janeiro: GEN - Grupo Editorial Nacional, 2020.).

Tendo em vista que os resultados de Costa et al. (2010)COSTA, L. S. et al. Avaliação espectrofotométrica das formas Cr+3, CrO4 -2 e Cr2O7 -2. Eclética Química, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 157-167, 2010., ao estudar a especiação de alguns íons de cromo, observaram que a mudança do pH do meio leva à conversão entre cromato e dicromato, para o presente trabalho, é possível sugerir que no meio alcalino da pasta de CP possam ocorrer as reações conforme segue na Equação 8 e Equação 9.

K 2 Cr 2 O 7 s 2 K + aq + Cr 2 O 7 2 - ( aq ) Eq. 8

Cr 2 O 7 2 - aq + 2 OH - ( aq ) 2 CrO 4 2 - aq + H 2 O Eq. 9

Isso posto, sugere-se que o aumento da concentração do Cr(VI) nas amostras aos 28 dias seja proveniente da exposição mais longa do K2Cr2O7 ao ambiente alcalino nas pastas de cimento Portland, sendo liberados durante os ciclos de solubilização. Ademais, destaca-se que a solubilização do íon cromato encontra-se abaixo do limite de saturação do cromato de cálcio (2,23 g/100 ml), e dos outros sais de cromato para os íons presentes no cimento (WILBUR et al., 2012WILBUR, S. et al. Toxicological profile for chromium. Atlanta: U.S. Department of Health and Human Services, Public Health Service, 2012.).

Ao analisar os diferentes traços (0NS-2,5R e 0,6NS-2,5R) na mesma idade (7 dias ou 28 dias), com significância de 5%, considerando os diferentes ciclos de imersão, constatou-se que, majoritariamente, as concentrações não são significativamente diferentes. Ou seja, sugere-se que a adição de sílica não alterou o comportamento de solubilização dos íons cromato presentes nas pastas.

A Figura 13 apresenta os resultados obtidos para a eficiência da imobilização, conforme a metodologia proposta, destacando-se que essa característica sofreu interferências conforme avançaram os ciclos de imersão, havendo redução da eficiência de forma progressiva em razão da solubilização de íons a cada ciclo, pois o cálculo contemplou a concentração acumulada.

Entretanto, é possível observar que a concentração absoluta e não acumulada dos extratos reduz com o avanço dos ciclos de imersão, evidenciada pela liberação de íons nas primeiras 24 horas, que não se repete nos ciclos seguintes. Sugere-se que essa observação esteja relacionada às fases de cromo adsorvidas na superfície do corpo de prova.

Tal perspectiva permite sugerir que uma etapa intermediária à disposição final das matrizes de retenção que inclua ciclos de lavagem dos corpos de prova pode melhorar substancialmente a eficiência do processo, viabilizando a retenção do Cr(VI) e maiores ganhos ambientais.

Destaca-se que a eficiência da imobilização, considerando as concentrações médias finais, permaneceram maiores do que 99%, assim como em Ferreira et al. (2021)FERREIRA, R. T. L. et al. Assessment ofthe Integrity and Retention of Chromium (VI) in Portland CementPastes. Advances in Chemical Engineering and Science, v. 11, n. 1, p. 1-17, 2021..

Microscopia eletrônica de varredura das pastas

A Figura 14 apresenta algumas imagens das pastas hidratadas obtidas através da técnica de microscopia eletrônica de varredura (MEV), conforme a metodologia proposta. Tendo em vista a grande área possível para análise, há grande variabilidade de fases observáveis, sendo apresentadas algumas consideradas de maior representatividade.

Através das Figuras 14 é possível constatar típicas fases aciculares (agulhas), fases placoides (placas) e aglomerados de produtos, que foram observados no interior dos poros. Sugere-se que tal constatação esteja associada ao desenvolvimento das fases com ausência de restrições por outros produtos, desenvolvendo-se em uma região ocupada por ar incorporado.

Figura 13
Eficiência da imobilização após sete ciclos

Figura 14
MEV das amostras das pastas aos 7 e 28 dias

Considerações finais

Considerando os procedimentos propostos e os resultados obtidos para o estudo da imobilização de Cr(VI) em pastas CP com adição de SiO2 extraída de CCA, destacam-se as principais considerações e contribuições da presente pesquisa:

  1. considerando os ensaios de solubilização e espectrofotometria UV-VIS, constata-se que as eficiências de imobilização permaneceram maiores do que 99%. A estatística do ensaio revelou que a idade tem papel importante no comportamento de solubilização dos íons cromato;

  2. a comparação dos traços 0NS-2,5R e 0,6NS-2,5R na mesma idade permitiu concluir que, majoritariamente, as concentrações dos extratos não são significativamente diferentes, sugerindo que a adição de sílica não trouxe aprimoramento da imobilização do Cr(VI);

  3. a resistência à compressão permitiu sugerir que os diferentes traços comparados nas mesmas idades de hidratação não são significativamente diferentes, evidenciando que, nas proporções utilizadas, não houve efeito desfavorável do K2Cr2O7 ou efeito favorável da sílica utilizada na pasta de CP com vistas à imobilização de Cr(VI);

  4. as análises de DRX mostram que os traços 0NS-2,5R e 0,6NS-2,5R apresentam diferenças com relação ao processo de hidratação da pasta de referência, observadas através de alterações nos picos da fase portlandita, provavelmente em razão da adição de K2Cr2O7, o que coaduna com outros relatos acerca dos efeitos do Cr(VI) nas pastas de CP;

  5. as análises de FTIR em comparação com a literatura permitiram sugerir, qualitativamente, a ocorrência das bandas típicas relativas a ligações do grupo CO3 -2, O-H no Ca(OH)2 e Si-O no C-S-H, mesmo com as adições de K2Cr2O7 e SiO2;

  6. as análises de MEV permitiram observar poros esféricos e fases de morfologia típicas como os cristais aciculares e os cristais placoides.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos técnicos Fabricio Tarso de Moraes e Julio Campos da Cruz, ao Programa de Pós-Graduação em Ciência de Materiais (PPGMAT/CUA/UFMT), ao Prof. Raul Tadeu Lobato Ferreira (ICET/CUA/UFMT), coordenadores e responsáveis pelo Centro de Pesquisa Multiusuário do Araguaia (CPMUA/CUA/UFMT), Laboratório de Estudos de Materiais (Casa V e VI/CUA/UFMT), Laboratório de Estruturas (Eng. Civil/CUA/UFMT) e Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES/CUA/UFMT).

Os autores agradecem especialmente ao Prof. Rogério Prado, à equipe do LAMUTA, à Faculdade de Geociências, ao Instituto de Física e ao projeto FINEP # 01.04.0121.00 pelo auxílio com a realização das medidas de XRD.

Referências

  • ALMEIDA, F. C. R.; SALES, A. Ação do meio ambiente sobre as estruturas de concreto: efeitos e considerações para projeto. In: RIBEIRO, D. V. (coord.); SALES, A. et al Corrosão e degradação em estruturas de concreto: teoria, controle e técnicas de análise e intervenção. 2. ed. Rio de Janeiro : GEN - Grupo Editorial Nacional, 2020.
  • ANDRADE, D. S. et al Properties ofTernaryCementPasteswithNanosilica and Rice Husk Ash. ACI Materials Journal, v. 117, n. 1, p. 233-242, 2020.
  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10004: resíduos sólidos: classificação. Rio de Janeiro, 2004a.
  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10006: Procedimento para obtenção de extrato solubilizado de resíduos sólidos. Rio de Janeiro, 2004b.
  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16697: cimento Portland: requisitos. Rio de Janeiro, 2018a.
  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5739: concreto: ensaio de compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2018b.
  • ATKINS, P.; PAULA, J. Físico-química.10. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2018. v. 2.
  • BAKSHI, A.; PANIGRAHI, A. K. A comprehensive review on chromiuminducedalterations in freshwaterfishes. Toxicology Reports, v. 5, p. 440-447, 2018.
  • BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Diário Oficial da União, 03 de agosto de 2010.
  • BRASIL. Portaria Nº 2.914, de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da União , 14 de dezembro de 2011.
  • BRAVER-SEWRADJ, S. P. D. et al Occupational exposure to hexavalent chromium: part II: hazard assessment of carcinogenic effects. Regulatory Toxicology and Pharmacology, v. 126, p. 105045, 2021.
  • BREHM, F. A. et al Análise da estabilização por solidificação de lodo de fosfatização em matrizes de cimento Portland e de cerâmica vermelha para a utilização na construção civil. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 15-27, abr./jun. 2013.
  • COSTA, L. S. et al Avaliação espectrofotométrica das formas Cr+3, CrO4 -2 e Cr2O7 -2 Eclética Química, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 157-167, 2010.
  • DODSON, V. H. Concrete admixtures: structural engineering series. New York: Springer Science + Business Media, 1990.
  • EIFERT, E. C. Secagem, armazenamento e beneficiamento. In: BARRIGOSSI, J.A.F. (ed.). Recomendações técnicas para a cultura de arroz irrigado no Mato Grosso do Sul. 6. ed. Santo Antônio de Goiás: Embrapa Arroz e Feijão, 2009.
  • ELICHE-QUESADA, D. et al Characterization and evaluationofricehusk ash and wood ash in sustainableclaymatrixbricks. Ceramics International, v. 43, n. 1, Part A, p. 463-475, 2017.
  • ESTOKOVA, A.; PALASCAKOVA, L.; KANUCHOVA, M. Study on Cr(VI) leaching from cement and cement composites. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 15, n. 4, p. 824, 2018.
  • ETTAH, E. B. et al Investigation ofricehusk ash (RHA) as a supplement in cementforbuildingapplications. Civil Engineering Research Journal, v. 6, n. 2, p. 29-34, 2018.
  • EWING, G. W. Métodos instrumentais de análise química. São Paulo: Blucher, 1972. v. 1.
  • FERREIRA, R. T. L. et al Assessment ofthe Integrity and Retention of Chromium (VI) in Portland CementPastes. Advances in Chemical Engineering and Science, v. 11, n. 1, p. 1-17, 2021.
  • FISHBEIN, L. Sources, transport and alterationsofmetal compounds: an overview. I. Arsenic, Beryllium, Cadmium, Chromium, and Nickel. Environmental Health Perspectives, v. 40, p. 43-64, ago. 1981.
  • FITCH, J. R.; CHEESEMAN, C. R. Characterisation of environmentally exposed cement-based stabilised/solidified industrial waste. Journal of Hazardous Materials, v. 101, n. 3, p. 239-255, 2003.
  • FOLETTO, E. L. et al Conversionofricehull ash into soluble sodiumsilicate. Materials Research, v. 9, n. 3, p. 335-338, 2006.
  • FRAGA, Y. S. B. et al Efeito da ultrasonicação da sílica ativa e da nanossílica coloidal em pastas de cimento. Revista Matéria, v. 25, n. 4, 2020.
  • GOBBO, L. A. Aplicação da difração de raios-X e método de Rietveld no estudo de cimento Portland. São Paulo, 2009. Tese (Programa de Pós-Graduação em Recursos Minerais e Hidrogeologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
  • HAMEED, M. F. A. E.; GHAZY, M. F.; ELATY, M. A. A. A. Cemen mortar with Nanosilica: experiments with mixture design method. American Concrete Institute Materials Journal, v. 113, n. 1, p. 43-53, 2016.
  • HOPPE FILHO, J. et al Atividade pozolânica de adições minerais para cimento Portland (parte II): índice de atividade pozolânica com cimento Portland (IAP), difração de raios-X (DRX) e termogravimetria (TG/DTG). Revista Matéria , v. 22, n. 3, 2017.
  • HUSNAIN, A. et al Immobilization in cement mortar of chromium removed from water using titania nanoparticles. Journal of Environmental Management, v. 172, p. 10-17, 2016.
  • JOSE, A. et al Characterization of cement stabilized pond ash using FTIR spectroscopy. Construction and Building Materials, v. 263, 120136, 2020.
  • JOSEMERE, B. Química geral e inorgânica. Porto Alegre: SAGAH, 2018.
  • KHAN, K. et al Effective use of micro-silica extracted from rice husk ash for the production of high-performance and sustaineble cement mortar. Construction and Building Materials , v. 258,p. 119589, 2020.
  • KOUSHKBAGHI, M. et al Acid resistance and durabilitypropertiesofsteel fiber-reinforcedconcreteincorporatingricehusk ash and recycledaggregate. Construction and Building Materials , v. 202, p. 266-275, 2019.
  • KUPWADE-PATIL, K. et al Use ofsilicafume and naturalvolcanic ash as a replacementto Portland cement: micro and porestructuralinvestigationusing NMR, XRD, FTIR and X-raymicrotomography. Construction and Building Materials , v. 158, p. 574-590, jan. 2018.
  • KUZIELOVÁ, E. et al Phase compositionofsilicafume: Portland cementsystemsformedunder hydrothermal curingevaluatedby FTIR, XRD, and TGA. Materials, v. 14, n. 11, 2786, 2021.
  • LEE, H. S. et al Durability performance of CNT and nanosilica admixed cement mortar. Construction and Building Materials, v. 159, p. 463-472, 2018.
  • LEVINE, D. M.; STEPHAN, D. F.; SZABAT, K. A. Estatística: teoria e aplicações usando o Microsoft® Excel em português. 7. ed. Rio de Janeiro: LTC , 2017.
  • MAHIOUT, S. et al Occupational exposure to Cr(VI) in Finland in 1980-2016 and related lung cancer risk assessment. Regulatory Toxicology and Pharmacology , v. 136, 105276, 2022.
  • MEHTA, P.K.; MONTEIRO, P.J.M. Concreto: estrutura, propriedades e materiais. São Paulo: PINI, 1994.
  • MONTGOMERY, D. C.; RUGNER, G. C.; HUBELE, N. F. Estatística aplicada à engenharia.2. ed. Rio de Janeiro: LTC , 2013.
  • NASCIMENTO, J. E. F. et al Cinza de biomassa rica em calcário como material carbonático em sistemas cimentícios de base Portland. Cerâmica, v. 65, p. 85-91, 2019.
  • NEVILLE, A. M. Propriedades do concreto.5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2016.
  • PANG, F. et al The migration and immobilization for heavy metal chromium ions in the hydration products of calcium sulfoaluminate cement and theis leaching behavior. Journal of Cleaner Production, v. 365, 132778, 2022.
  • PAULON, V. A. Microscopia do Concreto. In: BAUER, L. A. F.; DIAS, J. F. (coord.). Materiais de construção. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC , 2019.
  • PERA, J.; THEVENIN, G.; CHABANNET, M. Design of a novel system allowing the selection of an adequate binder for solidification/stabilization of wastes. Cement and Concrete Research, v. 27, n. 10, p. 1533-1542, 1997.
  • PETTERLE, A. R. et al Placas cerâmicas contendo lodo de ETA e cinza de casca de arroz: correlação de suas propriedades físico-químicas com sua microestrutura. Química Nova, v. 41, n. 10, p. 1117-1126, 2018.
  • RIBEIRO, D. V. Estrutura dos poros e mecanismos de transporte no concreto. In: RIBEIRO, D. V. (coord.). Corrosão e degradação em estruturas de concreto: teoria, controle e técnicas de análise e intervenção . 2. ed. Rio de Janeiro: GEN - Grupo Editorial Nacional, 2020.
  • SANTOS, M. A.; SILVA, M. F. Poluição das águas. In: SANTOS, M. A. (org.). MONTEIRO, A. R. D. et al (col.). Poluição do meio ambiente. Rio de Janeiro: LTC , 2017.
  • SHIH, J. Y.; CHANG, T. P.; HSIAO, T. C. Effect of nanosilica on characterization of Portland cement composite. Materials Science and Engineering: A, v. 424, n. 1-2, p. 266-274, may 2006.
  • SILVA JUNIOR, A. L. A. et al Análise instrumental: uma abordagem prática. Rio de Janeiro: LTC , 2021.
  • SILVA, E. et al Propostas à prevenção de riscos ambientais relacionados ao tratamento de superfície com cromatos. Cadernos UniFOA, Volta Redonda, v. 3, edição especial, p. 48-58, maio 2008.
  • SILVA, E. L. Química aplicada: estrutura dos átomos e funções inorgânicas e orgânicas. 2. ed. São Paulo: Érica, 2014.
  • SIMÕES, V. N.; BRAGA, A. N. S.; BRITO, A. L. F. Avaliação da integridade e durabilidade de matriz de cimento contendo lodo de curtume. Revista Eletrônica de Materiais e Processos, v. 14, n. 1, p. 19-23, 2019.
  • STEVEN, S. et al An appropriate acid leaching sequence in rice husk ash extraction to enhance the produced green silica quality for sustainable industrial silica gel purpose. Journal ofthe Taiwan Institute of Chemical Engineers, v. 122, p. 51-57, 2021.
  • TANTAWY, M.A.; EL-ROUDI, A.M.; SALEM, A.A. ImmobilizationofCr(VI) in bagasse ash blended cement pastes. Construction and Building Materials, v. 30, p. 218-223, 2012.
  • TASHIMA, M. M. et al Cinzas de casca de arroz (CCA) altamente reativa: método de produção e atividade pozolânica. Ambiente Construído , Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 151-163, abr./jun. 2012.
  • TREZZA, M. A.; FERRAIUELO, M. F. Hydration study of limestone blended cement in the presence of hazardous wastes containing Cr(VI). Cement and Concrete Research , v. 33, n. 7, p. 1039-1045, 2003.
  • VINCENT, J. B. Effects of chromiumsupplementation on bodycomposition, human and animalhealth, and insulin and glucosemetabolism. Current Opinion in Clinical Nutrition and Metabolic Care, v. 22, n. 6, p. 483-489, 2019.
  • WANG, S.; VIPULANANDAN, C. Solidification/stabilizationofCr(VI) withcementLeachability and XRD analyses. Cement and Concrete Research , v. 30, n. 3, p. 385-389, 2000.
  • WANG, Y. et al Carcinogenicity of chromium and chemoprevention: a brief update. OncoTargets and Therapy, v. 10, p. 4065-4079, 2017.
  • WILBUR, S. et al Toxicological profile for chromium. Atlanta: U.S. Department of Health and Human Services, Public Health Service, 2012.
  • XIAO, H. et al Effects of pozzolanic and non-pozzolanic nanomaterials on cement-based materials. Construction and Building Materials, v. 213, p. 1-9, 2019.
  • ZAHEDI, M.; RAMEZANIANPOUR, A. A.; RAMEZANIANPOUR, A. M. Evaluation of the mechanical properties and durability of cement mortars contain in nanosilica in rice husk ash underchlorideion penetration. Construction and Building Materials, v. 78, p. 354-361, 2015.
  • 1
    BUSTOS, A. M. G. et al.Multi-scale analysis of cement pastes with nanosilica addition. Advances in Cement Research, v. 26, n. 5, p. 271-280, 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2022
  • Aceito
    15 Fev 2023
Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - ANTAC Av. Osvaldo Aranha, 93, 3º andar, 90035-190 Porto Alegre/RS Brasil, Tel.: (55 51) 3308-4084, Fax: (55 51) 3308-4054 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: ambienteconstruido@ufrgs.br