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O rei está nu?: pensando fenomenologicamente A roupa nova do imperador

Resumos

Foram dois os objetivos da autora neste ensaio: apreender a essência da fenomenologia, ou seja, compreendê-la fenomenologicamente, e reorganizar sua "rede" de pensamento, buscando chegar mais próximo do objeto de estudo de sua tese. O propósito não foi o de entender e apresentar "tudo" sobre fenomenologia, mas aquilo que para a autora ficou de essencial no conceito. A partir dessa experiência é que pôde lançar um olhar fenomenológico sobre seu objeto de estudo. O conto infantil A roupa nova do imperador, de Hans Christian Andersen, foi um gerador de idéias, utilizado para ilustrar questões relevantes.

fenomenologia; experiência; rede de pensamento; conto infantil


In this essay the author had two goals: the first was to learn the phenomenology's essence, which means, to understand it in phenomenological way; second, to rearrange her thinking process, trying, this way, to move closer to the object of study of her thesis. It was not her goal to introduce/disclose "all there is" about phenomenology, but just what was essential for her in this concept. From this experience, she was able to glance the object of her study in a phenomenological way. The children's tale "The emperor's new clothes", by Hans Christian Andersen, was a source of ideas, used to illustrate relevant questions.

Phenomenology; Experience; Thought Net; Children's Tale


ARTIGOS

O rei está nu? Pensando fenomenologicamente A roupa nova do imperador

Elvira Cruvinel Ferreira Ventura

Doutoranda em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV). Mestre em Administração Pública pela EBAPE/FGV. E-mail: elvira@momentus.com.br

RESUMO

Foram dois os objetivos da autora neste ensaio: apreender a essência da fenomenologia, ou seja, compreendê-la fenomenologicamente, e reorganizar sua "rede" de pensamento, buscando chegar mais próximo do objeto de estudo de sua tese. O propósito não foi o de entender e apresentar "tudo" sobre fenomenologia, mas aquilo que para a autora ficou de essencial no conceito. A partir dessa experiência é que pôde lançar um olhar fenomenológico sobre seu objeto de estudo. O conto infantil A roupa nova do imperador, de Hans Christian Andersen, foi um gerador de idéias, utilizado para ilustrar questões relevantes.

Palavras-chave: fenomenologia; experiência; rede de pensamento; conto infantil.

ABSTRACT

In this essay the author had two goals: the first was to learn the phenomenology's essence, which means, to understand it in phenomenological way; second, to rearrange her thinking process, trying, this way, to move closer to the object of study of her thesis. It was not her goal to introduce/disclose "all there is" about phenomenology, but just what was essential for her in this concept. From this experience, she was able to glance the object of her study in a phenomenological way. The children's tale "The emperor's new clothes", by Hans Christian Andersen, was a source of ideas, used to illustrate relevant questions.

Keywords: Phenomenology; Experience; Thought Net; Children's Tale.

Rede de pensamento

Título esquisito? É um primeiro susto no leitor, buscando romper com a forma de pensar e de agir no campo acadêmico; passo necessário para que comecemos a quebrar os pressupostos sobre o que vamos encontrar e construir pela frente. Neste ensaio, falando na primeira pessoa1 1 Embora a norma culta dos trabalhos acadêmicos "ordene" a utilização da terceira pessoa, ou da primeira do plural, decidi empregar a primeira pessoa, uma vez que neste ensaio discuto um tema pela perspectiva do que "me parece". A justificativa é a de que tudo o que se escreve aqui é a minha interpretação da realidade, é a minha experiência com o objeto de estudo, e, portanto, a utilização de outra forma não deixaria isso claro. Registre-se que romper com o costume e as convenções não foi tarefa fácil. , recorro a um conto infantil como ilustração e fomentador de idéias.

Como já apontou Zajdsznajder (1992), existe uma íntima relação entre a "produção de idéias" e o "interesse e a vontade de aprender", embora freqüentemente isso seja perdido de vista. Cada nova formulação ou rearranjo de idéias vai provocar um aprendizado, que contribui para o processo educacional. Tendo isso em mente, busquei amarrar as idéias germinadas no curso de métodos de pensamento, e cultivadas até o presente momento -é hora de colher os frutos, tecendo mais alguns fios da minha "rede de pensamento" (ZAJDSZNAJDER, 1992).

Segundo Zajdsznajder (1992), a rede de pensamento é uma propriedade ou disponibilidade pessoal. Assim, cada um tem uma, diferente dos demais. Como o conceito de ego, em Husserl, ela é única, resultado da experiência, que é sempre individual. Os outros egos interferem, tendo em vista que seu ego se emparelha com os demais. Mas você não tem como captar a experiência do outro, pode apenas interpretá-la. A "rede" pode ser desenvolvida pelas experiências e aguçamento da capacidade de observação e de intuição individuais. A criatividade se dá no interior da rede, que é constituída pelo estudo e pela produção de idéias. As experiências de vida e as características pessoais levam os indivíduos a formar redes amplas e rasas, que é o caso do generalista, ou estreitas e profundas, caso do especialista. Mas, para o autor, o fundamental é a produtividade da rede.

A produção de idéias não se dá descasada da vontade do sujeito que aprende. Há sempre intencionalidade na ação de produzir idéias, e essa visão faz parte de nosso objeto, a fenomenologia.

Assim, ao organizar minha rede de pensamentos, na forma deste ensaio, pretendo que você, leitor, percorra comigo o caminho de meu aprendizado - o que não significa que meus passos façam algum sentido para você. Esse exercício é uma aventura desafiadora, que como tudo, tem riscos. O principal deles é o de ficar dando voltas em cima do meu pensamento, e ao final, não produzir nenhuma nova idéia que agrade ao leitor; porém, terá tido a importância de fazer parte do meu processo de conhecimento, e até de auto-conhecimento. Conforme Feyrabend,

"o que importa na experiência é a luz que ela traz sobre o pensamento, não o fato de achar ou comprovar uma "verdade", principalmente porque o mesmo fato será diferente conforme o observador/analista o veja de uma ou outra forma" (apud THIRY-CHERQUES, s.d., p.7).

Aceitar novos desafios e novos métodos de pensar, estar com a mente aberta para novas experiências... Esse exercício, por si só, justifica este trabalho2 2 A energia necessária para elaborar este trabalho surgiu após assistir a uma defesa de tese em administração, onde pude perceber as confusões ontológicas, epistemológicas e metodológicas da autora, amplamente apontadas pela banca examinadora; o que pode ter comprometido a qualidade da pesquisa. A importância da discussão, então, tornou-se cristalina para mim ("caiu a ficha"). Ao revisar o material já lido, "compreendi" que os conceitos já haviam sido interiorizados, e que agora já era possível escrever sobre ele. . Essa ativação do pensamento corresponde à fase que Zajdsznajder (1992) chamou de "linha de expansão", que entendo ser necessária quando busco consolidar um objeto de estudo para minha tese.

Assim, dois eixos me guiam neste ensaio: o de apreender a essência da fenomenologia, ou seja, compreendê-la fenomenologicamente, e o de reorganizar minha "rede", com base nesse método de pensamento, buscando chegar mais próximo do objeto de estudo de minha tese ou, pelo menos, conhecer um "caminho" para se chegar lá. Não pretendo entender e apresentar "tudo" sobre fenomenologia, mas aquilo que para mim ficou de essencial no conceito, com base nas aulas, na revisão de minhas anotações e na procura de outros autores, que fornecem diferentes pontos de vista sobre o conceito. A partir dessa experiência, é que poderei lançar um olhar fenomenológico sobre um objeto de estudo. Mas neste ensaio, meu objeto é a própria fenomenologia, como caminho para se chegar ao objeto da tese, e como forma de ver o mundo. O conto infantil A roupa nova do imperador, de Hans Christian Andersen, que será apresentado a seguir, foi um gerador de idéias, utilizado para ilustrar questões relevantes.

A Roupa nova do imperador

Hans Christian Andersen

"Muitos anos atrás, havia um imperador que gostava de roupas bonitas, mais do que qualquer outra coisa no mundo. Na verdade, vestir-se ocupava todo o seu tempo... De qualquer forma, a vida era alegre na cidade. Estrangeiros chegavam a toda hora, e um dia, apareceu uma dupla de espertalhões. Bem, isso é o que eles eram, mas se diziam tecelões. Diziam também que o pano que teciam, além de uma beleza estonteante, tinha propriedades mágicas: tanto no tear como transformado em roupas, era invisível para quem não estivesse à altura de seu posto ou para os muito estúpidos. 'Excelente!', pensou o imperador. 'Eis a minha chance de descobrir quais dos meus súditos não servem para os postos que ocupam, e poderei separar os espertos dos tolos. Sim! Esse pa-no tem que ser tecido e transformado em roupas imediatamente.' E deu aos impostores uma grande quantia em dinheiro para que pudessem começar o trabalho.

Na mesma hora os tratantes montaram o tear e agiram como se estivessem trabalhando com afinco. Mas, na realidade, não havia nada no tear...(e, assim, continuaram fingindo que trabalhavam, pedindo mais e mais dinheiro).

Passado um tempo, (o imperador mandou um súdito - o primeiro-ministro -ver como andavam os trabalhos. Não foi ele próprio, por receio de não conseguir ver o tecido). 'Deus nos acuda!', pensou o velho. 'Não consigo enxergar pano algum.'... Mas não disse nada... 'Será que sou incapaz para ser ministro? Nunca me considerei incompetente... Não, não, não posso dizer que não consigo ver o pano.'... Pouco tempo depois, o imperador decidiu enviar um conselheiro honesto para verificar como estava indo o trabalho... Mas aconteceu com ele a mesma coisa que acontecera com o ministro... Então, ele admirou o tecido que não podia ver. - Sim, sim, muito lindo... cores esplêndidas... magnífico desenho - e relatou ao imperador que a estampa do tecido era 'magnífica!'

A notícia do maravilhoso tecido logo correu pela cidade. Finalmente, o imperador resolveu ir vê-lo com seus próprios olhos... 'Isso é terrível!', pensou o imperador. 'Não consigo enxergar nada nos teares! Serei estúpido?... E então, ele falou: 'Que tecido charmoso... lindo! Tem nossa total aprovação'... E o imperador deu a cada um dos trapaceiros uma condecoração honorária e o título de Oficial do Tear da Corte Imperial.

Na véspera da grande procissão, os farsantes ainda trabalhavam em sua tarefa imaginária: a confecção da roupa... Finalmente anunciaram: - A roupa está pronta! - E o imperador dirigiu-se aos aposentos... Os trapaceiros continuaram: -Se sua Alteza Imperial fizer a gentileza de tirar a roupa que está usando agora, teremos a honra de vesti-lo com o novo traje; pode ver o efeito neste grande espelho... O imperador virava-se de um lado e de outro em frente ao espelho. - Como está elegante! Como lhe cai bem! - murmuravam os cortesãos. - Que tecido rico! As cores são esplêndidas! Vocês já viram manto mais magnífico? - ninguém ousava admitir que não via nada...

E assim o imperador saiu andando majestosamente na procissão, debaixo do esplêndido dossel. As pessoas nas ruas ou nas janelas gritavam coisas como 'Essa roupa nova é maravilhosa!', 'Como ele está magnífico!', 'Que elegância!'. Pode imaginar? Ninguém ousava admitir que não conseguia ver roupa alguma. Isso significaria que essa pessoa era idiota, ou que não servia para seu posto. Na verdade, nenhum dos deslumbrantes trajes do mperador jamais havia sido tão elogiado. Então, num momento de silêncio, ouviu-se uma voz de criança, intrigada. - Ele não está vestindo nada! - Sshh! - disse o pai da criança. - Essas crianças falam cada bobagem!

Mas um sussurro espalhou-se pela multidão. 'Uma criança ali disse que o imperador está nu', 'O imperador está nu!' Logo todos murmuravam: - Ele está nu! Finalmente, o próprio imperador achou que eles poderiam estar certos. Mas aí pensou. 'Se eu parar agora, vou estragar a procissão e isso não pode acontecer'. Então ele continuou caminhando, mais altivamente que antes. Quanto aos cortesãos, continuaram carregando a cauda do man-to que não existia."

Fenomenologia em Husserl

Buscando um dicionário da língua portuguesa, encontrei os seguintes significados (Houaiss) (os grifos são meus):

fenomenal - que tem caráter de fenômeno. Que concerne às aparências das coisas;

fenomenismo - doutrina universal que reduz toda realidade cognoscível aos fenômenos da experiência sensível;

fenômeno - fato científico, observável. O que se manifesta por si mesmo em determinado meio ou condição;

fenomenologia - estudo descritivo de um conjunto de fenômenos. Sistema filosófico em que se estudam os fenômenos interiores considerados como ontológicos.

Pelas definições, já é possível ter uma vaga idéia sobre o que é a fenomenologia. Entretanto, vou buscar alguns autores para consolidar uma primeira idéia, a começar pelo pai da fenomenologia, Edmund Husserl (18591938).

Em seu livro Meditações cartesianas, Husserl (2001) busca uma fenomenologia transcendental. Buscando uma filosofia como saber rigoroso, dedicou-se à fenomenologia dos primeiros fatos da consciência, como fez Descartes. Porém, buscou especial rigor na determinação dos resultados. O primeiro parágrafo da primeira meditação, "Rumo ao ego trasncendental", dá o tom dessa busca:

"Como os filósofos que adotam por princípio o que podemos chamar de radicalismo do ponto de partida, vamos começar, cada um por si e em si, colocando de lado nossas convicções admitidas até aqui, e, em particular, não aceitando como certas as verdades da ciência. Como fez Descartes, vamos nos deixar guiar em meditações pela idéia de uma ciência autêntica, possuidora de fundamentos absolutamente certos, pela idéia da ciência universal (...) Não se poderá então duvidar dessa própria idéia, ou seja, da idéia de uma ciência de fundamento absoluto?" (HUSSERL, 2001, p.25).

Um dos conceitos básicos em Husserl é o conceito de ego puro, a mente, aquilo que pensa enquanto pensa. Ele não está preocupado em descobrir em que consiste a consciência, mas em saber o que é a consciência em si mesma. Essa consciência transcendental está além dos objetos, e é ela que vai constituir os significados e, a partir daí, a consciência, que dá significado quando apreende - toma consciência do mundo empírico. Esquematicamente:

Para Husserl, a metafísica cartesiana serve de substrato à possibilidade de qualquer ciência que possa ser entendida como tal. Porém, quando a ciência se mistura com os dados da experiência, perde seu caráter de certeza absoluta. Assim, a metafísica não é suficiente para fundamentar as ciências que se relacionam com a experiência, tornando-as simplesmente prováveis.

Husserl buscou entender as ciências humanas guiado por esse pensamento. Para ele, um filósofo não devia considerar finda sua busca, mas estar sempre pronto a abandonar resultados e começar tudo de novo. Para tanto, desenvolveu um procedimento baseado no exame dos conteúdos da consciência do sujeito -com exclusão de todas as assunções acerca de causas externas e resultados desses conteúdos -, conhecido como a fenomenologia pura (PUGLIESE, apud HUSSERL, 2001).

Segundo esse pensamento, todas as coisas estão aí, independentemente do fato de as percebermos. A consciência é constituída por atos, chamados "noesis", que visam algum componente do mundo, chamados "noemas". Dessa forma, a fundamentação última do conhecer só pode acontecer a partir de uma pesquisa sobre os atos do conhecimento, devendo o cientista deslocar seu olhar das palavras para as próprias coisas, que são dadas pela experiência. Assim, os atos intuitivos são o mundo psíquico manifestado como instância, à qual os objetos são dados de diferentes modos. Assim, a consciência torna-se a instância constitutiva do mundo objetivo. Dizendo de outro modo, "é a consciência que dá realidade ao mundo".

Husserl entende a consciência em referência à intencionalidade e também como uma corrente de vivências (intencionais ou não), um fluxo contínuo, o fenômeno originário. Assim, segundo Pugliesi, a ciência seria a conexão objetiva e ideal de "noesis" e "noemas" puros, e deve pressupor uma noção de unidade, condição a priori da possibilidade de seu objeto e de seus métodos.

Para Husserl, a ciência deve ser vivida como fenômeno noemático, para descobrir seus elementos constitutivos. As evidências - dadas pela consciência - ajustam-se às coisas e aos "fatos" em si. A apoditicidade é a certeza absoluta, o que está demonstrado, não se pode duvidar. A evidência apodítica é a impossibilidade de conceber a não-existência. Apoditicidade, então, é a coisa perfeita, completa, universal e necessária.

Ao tentar compreender o ego transcendental, é possível encontrar um fundamento absoluto para o conhecimento. Quando vive a ciência como fenômeno noemático (noema - objeto percebido), capta como evidente a idéia de uma ciência verdadeira. Nem o eu no mundo, nem a vida psíquica são evidentes em si, pois não são coisas das quais você pode ter certeza. Somente o ego puro -a mente e o que acontece nela -são apodíticos.

O ego, na atualidade, são todos os hábitos, decisões, o passado (como lembrança). Em potência, o ego são determinações (limites). O "habitus" é o que eu sou, uma vinculação; pertence a mim, como atualidade ou potencialidade. O que eu conheço do outro é uma construção que faço, reconhecida no emparelhamento.

A "coisa pensada" é o que recheia o eu que pensa. A reflexão, assim, está vinculada ao objeto pensado, à intencionalidade. A percepção são atos espontâneos da consciência. Para a fenomenologia transcendental, o objeto de estudo é o "eu". Busca ver como pensei o eu que eu estava pensando. E o "eu" é um conjunto de pensamentos vividos, mais a capacidade de pensar. O "eu" não é imóvel - fica enriquecido com o próprio pensamento (reflexibilidade). Assim, todas as aquisições formam o ego. Quando o ego percebe os outros egos, eu os sintetizo no meu ego. Assim, o humano é essa comunidade de egos. Esse ego é função de todos os outros egos.

Na visão de Ray (1994), a fenomenologia é a interpretação que cada um dá, conforme suas próprias lentes. Para ela, a tradição Husserliana ou eidética - que se refere à essência das coisas, sem mediações -é epistemológica e enfatiza um retorno à intuição reflexiva, para descrever e clarificar a experiência como é vivida e constituída na consciência. Dessa forma, é descritiva, transcendental. A fenomenologia, então, tenta revelar o significado essencial dos empreendimentos humanos, remetendo à questão de "como nós sabemos" (how do we know). Nesse sentido, é pesquisa epistemológica dentro de um comprometimento para descrever e clarificar a estrutura essencial do mundo (da vida), da experiência consciente através de meditação reflexiva nas origens da experiência.

Dessa forma, segundo Ray (1994), Husserl se preocupou em evitar todos os "inícios" conceitualmente limitados (amarrados) e construídos sobre teorias. Assim, a consciência é um domínio do "ser absoluto", onde o ponto inicial para a reflexão filosófica na maneira mais imediata não é a teoria ou a história, mas "uma descrição da presença do homem". É o conhecimento do ego refletindo-se nele próprio.

A linguagem fenomenológica é descritiva e sua proposta é fazer a experiência originária evidente, através da reflexão, para clarear a intuição, que significa ver seu significado na consciência. Esse processo é chamado "subjetividade transcendental", e visa alcançar a forma genuína e verdadeira das coisas nelas mesmas. Para Husserl, podemos "encontrar" nossos julgamentos sobre a realidade de nossa experiência, sem uma relação com as tradições históricas ou teorias do mundo.

Para Zajdsznajder (1992), o método fenomenológico busca o que é essencial nas situações, o que lhes é próprio: a coisa "mesmo". Propõe colocar de lado idéias feitas e preconceitos. Para ele, o conceito-chave é "mesmo", no sentido de fazer supor que não é costumeiramente o que ocorre. Leva, então, à idéia de polaridade entre o que se acha oculto e aquilo que é tomado como óbvio. Na verdade, o pressuposto é o de que as pessoas não dão importância ao que está diante de seus olhos, levando à máxima de que "o pior cego é aquele que não quer ver". Dessa forma, para utilizar o método, é preciso um reforço dos processos mentais, intelectuais e emocionais - de prestar atenção ao aqui e agora. Pressupõe, então, contemplação.

Na visão de Gil (1994), o método fenomenológico de Husserl se propõe a estabelecer uma base segura, liberta de pressuposições, para todas as ciências. Assim, a primeira e fundamental regra do método fenomenológico é avançar para as próprias coisas -o dado, o fenômeno, aquilo que é visto diante da consciência. Consiste em mostrar o que é dado e em esclarecer esse dado, sem a preocupação se este é uma realidade ou uma aparência: haja o que houver, a coisa está aí. Tem, então, uma tendência orientada totalmente para o "objeto". Implica uma mudança radical de atitude em relação à investigação científica, e talvez por isso, seja pouco empregado em pesquisa social. Mas sua adoção pode ser enriquecedora: à medida que procura captar o essencial, o pesquisador evitará o parcelamento da pesquisa e a atomização dos dados. Ainda, na visão do autor, auxilia na formulação de problemas, na construção de hipóteses e na definição de conceitos, com vistas à fundamentação teórica da pesquisa.

Para Martins (1994), não existe "o" ou "um" método fenomenológico, mas uma atitude de abertura do homem para compreender o que se mostra, livre de pressupostos e conceitos. O objeto de estudo da fenomenologia é o "fenômeno". A pesquisa fenomenológica, então, parte da compreensão do viver, não de definições e conceitos sobre o que se vai investigar. Busca relação entre o fenômeno e sua essência.

Para Vergara (1990), o método fenomenológico se opõe à corrente positivista, para afirmar que algo só pode ser entendido a partir do ponto de vista das pessoas que o estão vivendo e experimentando. Porém, se é próprio do método o abandono de idéias pré-concebidas, alerta a autora que o homem não é tábula rasa: suas crenças, suposições, valores estão presentes no olhar que lança ao fenômeno estudado.

Não pretendo fazer outra descrição da fenomenologia, tal qual os autores anteriormente citados, mas tentar "aplicar" -no sentido de identificar -alguns dos conceitos apreendidos, utilizando a estória da Roupa nova do imperador como gancho.

Assim é, se lhe parece3 3 Peça do italiano Luigi Pirandello (1867-1936), também autor de contos e romances. O que mais caracteriza sua obra é, acima de tudo, o tom filosófico da personalidade humana, da sua verdadeira identidade, da impossibilidade de se distinguir nela o que é real do que é aparente (Houaiss). : o rei estava nu, "mesmo"?

Pela perspectiva da fenomenologia, o conto infantil A roupa nova do imperador é revelador. O que terá feito com que toda a corte, inclusive e principalmente o rei, acreditassem naqueles dois tecelões e nos poderes mágicos do tecido? Não parece tão simples e real o fato de que não existia roupa alguma? A fenomenologia pode nos mostrar que não é bem assim. Cada um vê a realidade de acordo com sua perspectiva, com seus valores e sua história de vida - sua experiência.

Pensando fenomenologicamente A roupa nova do imperador, chegamos à compreensão de que não existe "uma" realidade. Tudo vai depender da interpretação que cada um dá ao fenômeno, de acordo com sua experiência. Assim, o rei pode ou não estar nu, o que vai depender da minha interpretação; da mesma forma como posso ou não achar que a seleção brasileira joga bem, o que não vai influenciar no fato dela vencer ou não a Copa do Mundo. A minha verdade sobre um fenômeno específico não se confunde com a de outras pessoas, é singular.

Em minha interpretação, metaforicamente, a "roupa nova do rei" pode representar as normas, convenções e valores que são socialmente construídos. Os "súditos" do rei vêem de acordo com o que está socialmente acordado, estabelecido, legitimado. O mecanismo que faz com que quase todos discursem que o rei está maravilhosamente vestido é produto das convenções estabelecidas: ninguém ousa contestar, e passa a ver e admirar a roupa, "mesmo". A beleza e magia da "roupa nova" do rei eram "reais" para aquelas pessoas. Nesse sentido, a realeza e a realidade se confundem.

A criança representa o ego puro, aquele que só se constrói pela própria experiência, sem levar em consideração outros egos. A criança (ego puro) olhando (noesis - ato intencional de olhar um objeto) o rei (noema), vê um rei nu, independente da experiência dos outros egos. Nesse momento, o ego puro está reduzido, livre do mundo lá fora, pois só vê o objeto em estado puro (epoqué), encontrando a verdade absoluta (apodicidade).

O rei representa o sistema que constrói as normas e convenções, pelo poder que exerce sobre os demais. Vejo o rei como a vaidade humana, incapaz de ver algo que não o seu interesse imediato - no caso, de conseguir uma roupa mais bela que todas, mágica.

Interpreto os tecelões como a ambição desmedida, que prega peças a todo momento, e que acaba por interferir nos mecanismos de construção da vida social. Os ministros que foram ver a confecção da roupa são aqueles que têm algo a perder, e preferem aceitar o que, a princípio, lhes parece um absurdo, em vez de correrem riscos - de serem considerados incompetentes e ficarem fora da corte - do sistema de poder. O primeiro-ministro legitima o "tecido invisível", e a partir daí se sucedem as pessoas que conseguem vê-lo. O tecido invisível se torna real na mente e na vida daquelas pessoas, passa a fazer parte da experiência daqueles egos. Assim, a verdade dos tecelões se emparelha com a dos demais, processando a construção da roupa nova do imperador, da nova realidade para aquela comunidade de egos.

A tarefa imaginária de "confecção da roupa" se traduz como a construção da realidade social. O que cada um vai absorver, dependerá do grau de seus óculos, ou seja, do grau de enquadramento ao sistema de normas e valores, de respeito ao rei, à "verdade absoluta".

A "condecoração honorária" dos tecelões é a oficialização - ou institucionalização - da verdade sobre aquela roupa, uma forma de legitimar a estupidez do rei e a conivência de seus súditos, estendendo-se, nesse momento, para toda a sociedade (para quase toda a comunidade de egos). Portanto, fica mais difícil duvidar que o tecido seja realmente maravilhoso e de que a roupa seja magnífica. Quando a notícia sobre a beleza do tecido corre de boca em boca, acaba sendo legitimada, passando a ser vista como "real".

A "procissão" representa a vida social, por onde passa o rei com a roupa nova, e onde os espectadores o admiram. Todo o processo de adjetivação que os personagens fazem -o ministro, o conselheiro, o imperador, os tecelões e, por fim, a população -faz parte da construção do conceito. Ele vai se tornando real, vai ganhando legitimidade. Assim, na procissão, os súditos ficam maravilhados com a roupa nova do rei e, embora pudessem achar aquilo ainda muito esquisito, não questionam a realidade, não questionam sequer a essência do fenômeno, que seria ver uma roupa qualquer. Foi tão forte o processo, que conseguiu fazer com que quase todos enxergassem pelas mesmas lentes.

Quando a criança anuncia que o rei está nu, a "verdade" vem à tona. Ousa anunciar que o rei não estava tão certo assim. O "grito da criança" fez com que todos, inclusive o rei, passassem a repensar a verdade daquela roupa. Mas para não perder a pose, o rei finge que continua acreditando que sua roupa é maravilhosa. A roupa é a verdade socialmente construída e que alicerça a vida em sociedade. A procissão tem que continuar a qualquer custo, para manter o status quo de que o rei é o poder supremo e não poderia ter sido tão estúpido. E os "tecelões" continuaram carregando a cauda da roupa do rei. Sistema inquestionável, mesmo que o absurdo esteja tão aparente...

O "pai da criança", que a repreende e fica com medo, pode significar o sistema que pune, abafa, para não se complicar, quando se aponta uma coisa diferente da verdade instituída. A voz do inovador, que contraria as regras vigentes do jogo, tende logo a ser destruída por aqueles que não querem correr riscos.

A epoqué pressupõe uma redução do objeto, desconsiderando tudo a sua volta e se voltando para o objeto em si. A criança, então, representa o papel que deve desempenhar o pesquisador fenomenológico: se livrar dos pressupostos para chegar à apodicidade (verdade absoluta) sobre o fenômeno. Os demais personagens tinham dúvida quanto à verdade, mas não tiveram uma atitude fenomenológica de questionarem, porem à prova, de estarem abertos a outras possibilidades, procurando, assim, acreditar na verdade que lhes era "imposta", pois estavam impregnados de pressupostos. Foi preciso, entretanto, uma voz infantil para que todos entendessem aquilo que acontecia. Ou seja, para eles, a interpretação do fenômeno era função do sistema em que estavam inseridos, das justificações e provas acordados por aquela sociedade (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999).

Sinteticamente, o conto nos mostra que ninguém "via" que o rei estava nu, uma vez que isso indicaria sua incapacidade e incompetência, de acordo com a regra criada pelos tecelões e legitimada pela corte. Só a criança, que estava livre das amarras - que, nesse caso, significam os valores socialmente aceitos; no caso, obedecer e agradar ao rei -, do medo de ser descredenciado perante o rei, enfim, das imposições sociais, é que pôde expressar a sua realidade.

Também o rei, no momento da procissão, se dá conta de que devia estar nu "mesmo", mas mantém a sua verdade. Muitas vezes, o pior cego é, realmente, aquele que não quer ver. Não lhe interessava, pelo menos naquele momento, mudar de idéia, pois isso significaria uma aceitação de sua falta de perspicácia, uma miopia perante a realidade e perante aqueles marginais que lhe venderam a roupa, o que o descredenciaria perante sua plebe. O jogo do poder cria realidades.

Objeto de estudo sob o ponto de vista fenomenológico

Para Zajdsznajder (1992, p.6), "fazer escolhas é um processo de decisão, para o qual o elemento intuitivo parece ser fundamental". O autor entende que para produzir uma nova idéia é preciso um "jejum de leituras", que é necessário estar aberto, expondo-se àquilo que não é pura repetição. As novas idéias são a reação da mente a novas situações, que podem ocorrer espontaneamente ou serem buscadas. As idéias na mente têm um tempo de germinação e de desenvolvimento, assim como o plantio na terra; devendo haver um tempo de repouso, no qual não se realiza qualquer plantio. As sementes correspondem às situações, idéias, problemas e desafios. Quando a mente é tratada de forma positiva, aceitando-se seus produtos, acolhendo-os, ela melhora as suas respostas.4 4 Segundo Zajdsznajder (1992), na fase de expansão, colocar a mente superocupada é um erro. Deve-se alternar temáticas com momentos de repouso. Muita atividade faz repetir padrões estereotipados, que em nada contribuem. As idéias, assim como os brotos e os bebês, necessitam de um tipo de acolhimento e proteção, em seus primeiros tempos, até se desenvolverem. A idéia deve ser materializada, pois se fica limitada à mente, pode ser perdida temporária ou definitivamente. Uma vez que esteja completa, é preciso submetê-la à crítica, para verificar seu vigor e para melhorá-la.

Esse caminho - trilhado na via da fenomenologia - foi necessário para (es)colher um objeto de estudo. Mais do que compreender a fenomenologia, considero importante pensar dessa forma, por onde se pode chegar ao objeto.

A fenomenologia possibilita pensar sobre o que é determinado fenômeno e, a partir daí, vê-lo para além das aparências, conhecer sua essência, ver suas relações com o mundo. Nesse sentido, para reter um objeto de estudo é preciso primeiro compreendê-lo. Depois é que é possível começar a compor com ele. Só nesse momento é que se é capaz de tecer novas considerações. Então, segundo Zajdsznajder (1992), a metodologia pode ser contra-indicada nos momentos iniciais de ativação mental. Por ignorar a produção de idéias que darão sustância ao processo investigativo, deve-se partir para a "linha de contração" somente quando se tem claro o objeto de estudo.5 5 Mas já tendo um objeto de estudo definido, parte-se para a fase que visa ao enquadramento das idéias, de modo que possam ser bem apresentadas, garantindo a comunicação, por meio do formato de apresentação e enquadramento do trabalho, segundo o contexto e estado da arte. A metodologia aumenta a chance de se chegar aos resultados, uma vez que define os meios e os objetivos do estudo. Assim, a definição do tema -e, depois, do problema -reduz a ambigüidade e o equívoco possíveis. O levantamento sobre o estado da arte vem justificar o trabalho, ao mostrar como preenche uma lacuna do conhecimento. Os objetivos devem também estar claros, para se preparar uma estrutura referencial que vai direcionar o método ou sistemática, a forma de abordar o problema. (ZAJDSZNAJDER,1992).

O propósito de uma pesquisa fenomenológica é ser descritiva. Mostrar a realidade como ela é, para o pesquisador, é claro. Intencionalmente, o pesquisador busca conhecer seu objeto de pesquisa. A primeira pergunta é: será que ele existe? Em que consiste? Tentamos isolá-lo e descrevê-lo. Só depois é que são feitas associações.

O meu objeto de estudo -eleito, buscado, malhado, sonhado, resolvido -a "responsabilidade social", deve ser descrito. Descrevendo primeiro o que é "responsabilidade", depois o que é "social", e em seguida, tentando associar os dois conceitos, que vão gerar um terceiro, que pode ser inteiramente diferente. Devo tirar todos os acidentes, tudo o que não é essencial, para ficar com a essência da responsabilidade social. Para isso, é preciso colocar o objeto "entre parênteses", abstrair de todas as considerações e olhar exclusivamente para a responsabilidade social, para chegar à sua compreensão.

Faz sentido falar em responsabilidade social das organizações, ou isso seria um atributo pertinente aos indivíduos? Ou não é um atributo? Colocar à prova, duvidar de tudo, até e, principalmente, do óbvio, parece ser esse o caminho. Será que é um conceito bom ou mau, ou bom e mau ao mesmo tempo, ou nem um nem outro? Por que não falar em irresponsabilidade social? Por que não pensar no processo de responsabilização social?

Muitas vezes a gente vê, mas não quer acreditar. Você vê, mas não enxerga que o rei está nu, faz de tudo para acreditar no contrário. Não quer se mostrar louco ou estúpido, diferente dos demais, em discrepância com os valores e pensamentos socialmente aceitos. A criança, livre de interesses, de experiências alheias, interpreta a realidade sem pressupostos. No caso da Roupa nova do rei, isso está claro. Mas, e no caso da responsabilidade social? Com o aumento das práticas discursivas em torno da responsabilidade social, alguém questiona o que é isso? Para quê? Por quê? Seria eu estúpida em questionar? Para se conhecer um objeto fenomelogicamente, deve-se procurar "despir-se" das premissas. Quais são essas premissas em que posso estar me baseando?

Não poderiam a condecoração honorária e o título dado pelo rei aos espertalhões serem vistos como o processo de certificações que se criou em nossa sociedade? Pertinente à atuação das empresas, são inúmeras as "condecorações": ISOs, SAs, AAs, balanço social, selos de qualidade e tantos outros. Que significado têm? O que legitimam? Será que encobrem alguma estupidez ou miopia do rei? O que representam?

Assim, a responsabilidade social, como objeto de estudo deve ser, inicialmente, "desnudada" para se chegar na responsabilidade social, "mesmo". Há roupa para ser retirada? Ou se corre o risco dela estar sem roupa e não percebermos; ou seja, será que faz sentido falar de responsabilidade social? Por que tem sido tão propagada, pelo menos em discurso, nos últimos anos, no Brasil e no mundo? Tem especial importância a legitimação por parte de especialistas, experts, governos e, principalmente, dos mais poderosos, por meio de práticas discursivas. Não é a toa que os discursos, práticas, estilos de vida etc. dos mais bem sucedidos são imitados pela população. O Estado tem também uma imensa capacidade de legitimar. A academia também. Ao incorporar discursos, os torna parte da realidade. Tudo isso são questões para se levar em consideração ao pensar a responsabilidade social como fenômeno. Até para se escolhê-la como objeto de estudo, há também uma responsabilidade social envolvida na minha escolha como pesquisadora (e como cidadã, e como unicidade: não podemos separar o sujeito, ele é um só, inteiro!).

Muitas vezes ações são legitimadas, embora não sejam razoáveis. Por que se aceita um discurso de responsabilidade social, prêmios, condecorações, selos, se é possível ver que estes mesmos, muitas vezes produzem desemprego, poluição, mal à saúde etc. Sem dúvida, o pior cego é aquele que não quer ver. Há aqueles que não conseguem enxergar, sua lente está embaçada e condicionada, mas o pesquisador tem o papel de interpretar e mostrar seus resultados.

Caminhos...

As novas experiências fomentam o pensamento, gerando interrogações e colocando em questão nossas maneiras habituais de pensar. Isso aconteceu durante este exercício. Cada conceito contido nas diretivas de um método de pensamento tem de ser objeto do entendimento de quem utiliza. Assim, este exercício me proporcionou o conhecimento mais de perto sobre o que é essencial no método fenomenológico. Cada método indica o que deve ser olhado na experiência, o que deve ser argumentado, justificado ou refutado. Agora, é possível seguir o caminho fenomenológico em meu objeto de estudo.

Vimos que a fenomenologia transcendental é filosofia que busca fundamentos absolutos, uma estrutura universal a priori. É a reconstrução do pensamento a partir do ego puro. A epoqué significa colocar o mundo entre parênteses. No caso da fenomenologia transcendental de Husserl, colocar a própria consciência, com ênfase no eu, abstendo-me de considerar que o mundo existe. A princípio, duvido de tudo.

Aprendemos também que só existe consciência de alguma coisa; ou seja, a consciência é um ato intencional. As vivências intencionais se referem a algo objetivo, e, assim, todo conhecimento se refere à consciência de algo. Portanto, os objetivos intencionais se constituem mediante atos intencionais. Resumindo, o mundo, na atitude fenomenológica, não é uma existência, mas um simples fenômeno.

Talvez, seja impossível ver só o fenômeno, livre de pressupostos. Cada pessoa tem uma história de vida que a leva a um modo próprio de ver a Roupa nova do imperador, mas isso tem que estar claro também. A partir do grito da criança, ou de um cientista interessado em romper com as regras estabelecidas, é que se pode mudar algo. Entretanto, tal qual no conto, muitas vezes isso de nada adianta, o que não desmerece o trabalho do pesquisador, o qual pode, se não ver transformado o mundo, ter produzido idéias de acordo com suas necessidades de aprendizado e de auto-conhecimento. Ninguém é mais o mesmo, depois do processo de conhecimento. Depois desse exercício -um rearranjo de idéias que buscou caminhos para o conhecimento na fenomenologia -, minha rede de pensamentos é outra, com novas possibilidades. É hora de partir para a linha de contração... mas isso, é outra estória!

Artigo recebido em dexembro de 2003 e aceito em fevereiro de 2004.

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  • ZAJDSZNAJDER, L. Métodos do pensamento ou gerência do pensamento. Cadernos Ebap - Fundação Getulio Vargas, n.58, 1992.
  • 1
    Embora a norma culta dos trabalhos acadêmicos "ordene" a utilização da terceira pessoa, ou da primeira do plural, decidi empregar a primeira pessoa, uma vez que neste ensaio discuto um tema pela perspectiva do que "me parece". A justificativa é a de que tudo o que se escreve aqui é a minha interpretação da realidade, é a minha experiência com o objeto de estudo, e, portanto, a utilização de outra forma não deixaria isso claro. Registre-se que romper com o costume e as convenções não foi tarefa fácil.
  • 2
    A energia necessária para elaborar este trabalho surgiu após assistir a uma defesa de tese em administração, onde pude perceber as confusões ontológicas, epistemológicas e metodológicas da autora, amplamente apontadas pela banca examinadora; o que pode ter comprometido a qualidade da pesquisa. A importância da discussão, então, tornou-se cristalina para mim ("caiu a ficha"). Ao revisar o material já lido, "compreendi" que os conceitos já haviam sido interiorizados, e que agora já era possível escrever sobre ele.
  • 3
    Peça do italiano Luigi Pirandello (1867-1936), também autor de contos e romances. O que mais caracteriza sua obra é, acima de tudo, o tom filosófico da personalidade humana, da sua verdadeira identidade, da impossibilidade de se distinguir nela o que é real do que é aparente (Houaiss).
  • 4
    Segundo Zajdsznajder (1992), na fase de expansão, colocar a mente superocupada é um erro. Deve-se alternar temáticas com momentos de repouso. Muita atividade faz repetir padrões estereotipados, que em nada contribuem. As idéias, assim como os brotos e os bebês, necessitam de um tipo de acolhimento e proteção, em seus primeiros tempos, até se desenvolverem. A idéia deve ser materializada, pois se fica limitada à mente, pode ser perdida temporária ou definitivamente. Uma vez que esteja completa, é preciso submetê-la à crítica, para verificar seu vigor e para melhorá-la.
  • 5
    Mas já tendo um objeto de estudo definido, parte-se para a fase que visa ao enquadramento das idéias, de modo que possam ser bem apresentadas, garantindo a comunicação, por meio do formato de apresentação e enquadramento do trabalho, segundo o contexto e estado da arte. A metodologia aumenta a chance de se chegar aos resultados, uma vez que define os meios e os objetivos do estudo. Assim, a definição do tema -e, depois, do problema -reduz a ambigüidade e o equívoco possíveis. O levantamento sobre o estado da arte vem justificar o trabalho, ao mostrar como preenche uma lacuna do conhecimento. Os objetivos devem também estar claros, para se preparar uma estrutura referencial que vai direcionar o método ou sistemática, a forma de abordar o problema. (ZAJDSZNAJDER,1992).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2004

    Histórico

    • Aceito
      Fev 2004
    • Recebido
      2003
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