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Gestão e licenciamento ambiental no Brasil: modelo de gestão focado na qualidade do meio ambiente

Resumos

Com base na legislação ambiental, especialmente na Constituição Federal e nas Leis nº 6.938/81 e nº 9.433/97, este artigo aborda o gerenciamento ambiental no Brasil, particularmente quanto ao licenciamento ambiental e ao controle de atividades potencialmente poluidoras, propondo, a partir daí, um modelo de gestão ambiental centrado na qualidade ambiental. Por mais de 20 anos, o licenciamento ambiental vem sendo constantemente aperfeiçoado sem que tenham sido alteradas suas bases: o atendimento aos padrões de lançamento de efluentes e a manutenção de um mínimo de qualidade das águas do corpo receptor. Além de manter o foco na qualidade ambiental, o modelo de gestão aqui sugerido busca integrar os procedimentos para a obtenção do licenciamento ambiental com os da outorga de direito do uso das águas, ampliando as possibilidades de se aplicarem instrumentos econômicos na gestão ambiental. Este artigo relata ainda a aplicação desse modelo, em caráter experimental, na implantação de uma indústria. Para isso, toma como exemplo um estudo de caso na bacia hidrográfica da baía da Ilha Grande, no estado do Rio de Janeiro. A principal dificuldade para sua aplicação foi a falta de dados mais precisos quanto às condições ambientais da região.

licenciamento ambiental; gestão ambiental; qualidade ambiental


Based on the environmental legislation, specially on Federal Constitution and also on Acts 6.938/81 and 9.433/97 this paper discusses about environmental management in Brazil, particularly environmental licensing, and potentially polluter activities control. An environmental management model focused on environmental quality is proposed. For more than 20 years environmental licensing has been constantly improved without any change in its basis: the consideration of effluents quality standards and maintenance of a quality minimum standard for receiving waters. The model proposed not only keeps focus on environmental quality but also aims to integrate procedures to obtain environmental licensing and water use rights, increasing the possibilities of applying economic instruments to environmental management. This article also describes the experimental use of this proposed model during the installation of a factory. It's taken as an example a case in Ilha Grande bay hydrographic region, in state of Rio de Janeiro. The lack of accurate environmental conditions data in that area was the main difficulty for applying the proposed model.

environmental licensing; environmental management; environmental quality


ARTIGOS

Gestão e licenciamento ambiental no Brasil: modelo de gestão focado na qualidade do meio ambiente

Roberto Carrilho PadulaI; Luciene Pimentel da SilvaII

IConsultor. Mestre em Engenharia Ambiental - PEAMB/UERJ. E-mail: rspadula@yahoo.com. Endereço: Rua Cel. Eurico de Souza Gomes Filho, 315/102, Cep 22620-320, Rio de Janeiro - RJ

IIProfessora-Adjunto do PEAMB/UERJ. Ph.D.Engenharia de Recursos Hídricos pela University of Newcastle Upon Tyne, UK. E-mail: lpds@uerj.br. Endereço: UERJ - Rua São Francisco Xavier, nº 524 - Bloco E - sala 8 - Predio João Lyra Filho - Maracanã - Rio de Janeiro/RJ - 20550-011

RESUMO

Com base na legislação ambiental, especialmente na Constituição Federal e nas Leis nº 6.938/81 e nº 9.433/97, este artigo aborda o gerenciamento ambiental no Brasil, particularmente quanto ao licenciamento ambiental e ao controle de atividades potencialmente poluidoras, propondo, a partir daí, um modelo de gestão ambiental centrado na qualidade ambiental. Por mais de 20 anos, o licenciamento ambiental vem sendo constantemente aperfeiçoado sem que tenham sido alteradas suas bases: o atendimento aos padrões de lançamento de efluentes e a manutenção de um mínimo de qualidade das águas do corpo receptor. Além de manter o foco na qualidade ambiental, o modelo de gestão aqui sugerido busca integrar os procedimentos para a obtenção do licenciamento ambiental com os da outorga de direito do uso das águas, ampliando as possibilidades de se aplicarem instrumentos econômicos na gestão ambiental. Este artigo relata ainda a aplicação desse modelo, em caráter experimental, na implantação de uma indústria. Para isso, toma como exemplo um estudo de caso na bacia hidrográfica da baía da Ilha Grande, no estado do Rio de Janeiro. A principal dificuldade para sua aplicação foi a falta de dados mais precisos quanto às condições ambientais da região.

Palavras-chave: licenciamento ambiental; gestão ambiental; qualidade ambiental.

ABSTRACT

Based on the environmental legislation, specially on Federal Constitution and also on Acts 6.938/81 and 9.433/97 this paper discusses about environmental management in Brazil, particularly environmental licensing, and potentially polluter activities control. An environmental management model focused on environmental quality is proposed. For more than 20 years environmental licensing has been constantly improved without any change in its basis: the consideration of effluents quality standards and maintenance of a quality minimum standard for receiving waters. The model proposed not only keeps focus on environmental quality but also aims to integrate procedures to obtain environmental licensing and water use rights, increasing the possibilities of applying economic instruments to environmental management. This article also describes the experimental use of this proposed model during the installation of a factory. It's taken as an example a case in Ilha Grande bay hydrographic region, in state of Rio de Janeiro. The lack of accurate environmental conditions data in that area was the main difficulty for applying the proposed model.

Key words: environmental licensing; environmental management; environmental quality.

Introdução

Este estudo propõe um modelo de gestão ambiental focado na qualidade ambiental e que enfatiza a revisão do licenciamento ambiental. Nele, a responsabilidade de demonstrar a contínua adequação do empreendimento ao meio ambiente é do próprio empreendedor, sendo admitido e incentivado o uso de instrumentos econômicos na gestão ambiental.

No Brasil, tradicionalmente, a política ambiental recorre a instrumentos de "comando e controle" que são a base das estratégias de gestão ambiental no país. O estabelecimento de padrões ambientais, de normas quantitativas para emissões e de multas são exemplos desses instrumentos. O uso de instrumentos de comando e controle tem algumas desvantagens (RIBEIRO E LANA, 2001), e os principais problemas são:

• a ineficiência econômica por desconsiderar as diferenças nas estruturas de custo no tocante à redução da poluição dos diferentes agentes de produção;

• os elevados custos administrativos dos órgãos de controle ambiental, por exigir-lhes a definição de normas e padrões tecnológicos a serem obedecidos, e a conseqüente fiscalização;

• a imposição de barreiras aos novos entrantes, pois a concessão de licenças não comercializáveis tende a perpetuar a estrutura de mercado vigente;

• a falta de incentivos para que os usuários, ao atingirem os padrões determinados pelos órgãos ambientais, continuem a buscar melhorias.

Em contrapartida, a estratégia da gestão ambiental baseada em instrumentos econômicos busca atingir suas metas por meio dos mercados de bens e serviços ambientais. Os impostos de emissão, as taxas ambientais e o mercado de cargas de poluentes são exemplos desses instrumentos. Conseqüentemente, em diversas regiões do mundo, as estratégias de gestão ambiental baseadas no comando e no controle vêm cedendo espaço para as que recorrem aos instrumentos econômicos.

A Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938/81 e recepcionada pela Constituição Federal de 1988, tem, entre seus instrumentos, o licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades modificadores do meio ambiente.

A Lei nº 9.433/97 instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, preconizando a compatibilização dessa gestão com a ambiental. Com esses instrumentos legais, esse segmento passou a contar com regulamentos que, em princípio, possibilitam sua gestão quanto à qualidade e à quantidade.

Quanto ao segmento "ar", a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 5/89 fixa uma política que tem como base o estabelecimento de padrões de emissão por poluente e por tipologia industrial, caracterizando, dessa forma, uma estratégia de controle da poluição pelo uso de instrumentos de "comando e controle".

Gestão ambiental na Constituição Federal de 1988 e as Leis nº 6.938/81 e nº 9.433/97

O artigo 225 da Constituição Federal estabelece que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Nesse texto, aparecem claramente o conceito de desenvolvimento sustentável, e a idéia de união entre o poder público e a coletividade pela defesa e preservação do meio ambiente.

A proteção ao meio ambiente é, portanto, princípio constitucional no Brasil. O parágrafo 1º, com seus sete incisos, estabelece incumbências ao Poder Público quanto à gestão ambiental, em relação à qualidade do ar e da água, e, mais especificamente, no que diz respeito ao licenciamento ambiental. Os incisos I e IV tratam da preservação e da restauração de processos ecológicos, e da realização prévia de estudos ambientais quando da instalação de atividades que, por seu porte e/ou impacto ambiental em potencial, assim o justifiquem. O parágrafo 2º estabelece que todos que explorem recursos naturais devem recuperar o meio ambiente degradado por suas atividades. As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente são abordadas no parágrafo 3º, em termos de sanções penais e administrativas. No parágrafo 4º, os biomas passam a serem considerados como patrimônio nacional.

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, nº 6.938 de 31-8-1981, tem como objetivos a recuperação, a preservação e a melhoria da qualidade ambiental, visando assegurar condições para o desenvolvimento socioeconômico, e garantir os interesses da segurança nacional e a proteção da dignidade humana. Para tanto, são citados princípios a serem atendidos, que abordam:

• a ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser preservado e protegido, tendo em vista seu uso coletivo;

• a racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;

• o planejamento e a fiscalização da exploração dos recursos naturais;

• a proteção dos ecossistemas;

• o controle e o zoneamento de atividades potencial ou efetivamente poluidoras;

• o incentivo a estudos e pesquisas para o aproveitamento racional e a proteção dos recursos ambientais;

• o acompanhamento da qualidade ambiental;

• a recuperação de áreas degradadas;

• a proteção de áreas ameaçadas de degradação;

• a educação ambiental em todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para a participação ativa na defesa do meio ambiente.

A Política Nacional do Meio Ambiente também visa:

• compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;

• definir áreas prioritárias de ação governamental em relação à qualidade ambiental e ao equilíbrio ecológico;

• estabelecer critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas referentes ao uso e ao manejo de recursos ambientais;

• desenvolver pesquisas e tecnologias nacionais orientadas para o aproveitamento racional de recursos ambientais;

• difundir tecnologias de "manejo" do meio ambiente, divulgar dados e informações ambientais;

• fomentar uma consciência pública sobre a necessidade de preservar a qualidade ambiental e o equilíbrio ecológico;

• preservar e restaurar os recursos ambientais visando seu aproveitamento racional e disponibilidade permanente, contribuindo, dessa maneira, para a manutenção do equilíbrio ecológico;

• impor ao poluidor e ao predador a obrigação de recuperar e/ou indenizar pelos danos causados, e ao usuário dos recursos naturais, para fins econômicos, uma contribuição por esse uso.

Dessas ações surge, com bastante clareza, a necessidade de valorização do meio ambiente e de seus bens, passo fundamental para a implantação de alguns instrumentos econômicos de gestão ambiental.

No artigo 8º, são estabelecidas as competências do Conama, dentre as quais, destaca-se o estabelecimento - mediante proposta do Instituto Brasileiro do Meio ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) - de normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos estados. Qualquer mudança na estratégia de implementação da gestão ambiental no Brasil necessitará da anuência do Conama.

A Política Nacional do Meio Ambiente estabelece ainda os seguintes instrumentos para a gestão ambiental:

• padrões de qualidade ambiental;

• zoneamento ambiental;

• avaliação de impactos ambientais;

• licenciamento e revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;

• incentivos à produção, à instalação de equipamentos e à criação ou absorção de tecnologia, voltadas para a melhoria da qualidade ambiental;

• criação, pelos poderes públicos federal, estadual e municipal, de reservas e estações ecológicas, de áreas de proteção ambiental e de relevante interesse ecológico;

• o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente e o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental;

• as penalidades disciplinares ou compensatórias pelo não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção de degradação ambiental.

Alguns desses instrumentos representam um forte incentivo às atividades ligadas ao conhecimento do meio ambiente e às de divulgação dos dados oriundos de tais atividades.

São ainda definidas as competências do Ibama quanto ao estabelecimento de normas e padrões para as diversas atividades de licenciamento ambiental, admitindo a atuação supletiva desse órgão quanto à atuação de estados que se mostrem problemáticos.

O artigo 13 estabelece que o Poder Executivo incentivará as diversas atividades voltadas para a preservação do meio ambiente; como no caso das que exploram, de modo racional, os recursos ambientais.

Por outro lado, a Constituição Federal determina, em seu artigo 21, inciso XIX, que compete à União instituir um sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direito de uso das águas. Dessa maneira, em 08 de janeiro de 1997, foi publicada a Lei nº 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Essa política entre seus fundamentos o entendimento:

• da água como um bem público e um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;

• da bacia hidrográfica como a unidade de planejamento para implementação da política nacional de gestão de recursos hídricos, gestão que deve ser descentralizada, contar com a participação do poder público e das comunidades, e sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;

• de que em situações de escassez o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais.

Alguns dos objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos são:

• a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, inclusive do transporte aqüaviário, visando ao desenvolvimento sustentável;

• a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais;

• a disponibilidade de água à atual e às futuras gerações, dentro de padrões de qualidade adequados às várias formas de aproveitamento desse recurso.

As diretrizes gerais de ação incluem:

• a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociar quantidade de qualidade;

• a adequação às diversidades física, biótica, demográfica, econômica, social e cultural do país;

• a integração da gestão dos recursos hídricos com a gestão ambiental;

• a articulação do planejamento dos recursos hídricos com os setores usuários, e do planejamento nos níveis regional, estadual e nacional;

• a articulação da gestão dos recursos hídricos com a gestão do uso do solo;

• a integração da gestão das bacias hidrográficas com os sistemas estuarinos e costeiro.

Os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos incluem:

• o Plano de Recursos Hídricos;

• o enquadramento dos corpos d'água em classes, segundo as formas predominantes de aproveitamento desse recurso;1 1 Os corpos hídricos devem ser enquadrados conforme sua forma de aproveitamento predominante, para garantir não apenas que a qualidade das águas seja compatível com os maiores níveis de exigência quanto a sua utilização como também que haja redução de custos no combate à poluição. O enquadramento deve ser feito segundo as classes e estabelecidas na resolução Conama nº 20/86, recentemente substituída pela resolução Conama nº 357, de 7/03/2005.

• a outorga do direito de uso de recursos hídricos e a cobrança por esse uso;

• o sistema de informações sobre recursos hídricos.

Cabe ressaltar o aspecto integrador das ações sobre o recurso "água", com destaque para o licenciamento ambiental e a outorga do direito de uso das águas. Destaca-se ainda o artigo 29, que determina que é atribuição do Poder Executivo Federal, ao implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos:

• tomar as providências necessárias à implementação e ao funcionamento do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;

• outorgar os direitos de uso dos recursos hídricos;

• regulamentar e fiscalizar a exploração desses recursos em sua esfera de competência;

• implantar e gerir o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos em âmbito nacional e promover a integração da gestão desses recursos com a gestão ambiental.

Historicamente, a gestão dos recursos hídricos e a ambiental caminham paralelamente com os conflitos declarados ou latentes, e a troca de informações ocorre muito mais pelas características pessoais dos interlocutores do momento do que em decorrência das necessidades percebidas nessas duas formas de gestão.

Ao criar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, a Lei nº 9.433/97 prevê a participação dos comitês de Bacias Hidrográficas, das agências de Águas e de Bacias, e das organizações Civis de Recursos Hídricos, entre outros órgãos.

Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, o estado do Rio de Janeiro foi compelido a adequar sua própria Constituição, conforme seus artigos 261 a 282. Para assegurar o equilíbrio ambiental, são incumbências do poder público:

• garantir o uso sustentável dos recursos naturais;

• gerenciar os recursos hídricos de forma integrada e com a adoção de bacias como unidades de planejamento e gerenciamento;

• possibilitar a participação do usuário no gerenciamento desses recursos;

• estabelecer, controlar e fiscalizar os padrões de qualidade ambiental;

• adotar o princípio poluidor/pagador;

• obrigar a captação de água a jusante do ponto de lançamento dos despejos.

Essas incumbências são as que diretamente causam impacto na adoção de um modelo de gestão ambiental cujo foco seja a qualidade.

No Estado do Rio de Janeiro, a Deliberação da Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) nº 3.520, de 25/07/1996, de caráter experimental, instituiu a estratégia de gestão baseada na qualidade ambiental. A determinação estabelecia que a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), o Instituto Estadual de Florestas (IEF), a Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) e o Departamento de Recursos Minerais (DRM) - que, na época, pertencia à estrutura da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) - formassem, em 60 dias, comissão mista (que acabou não sendo criada) e que submetessem à Ceca o plano das unidades ambientais do estado - com a definição das respectivas regiões, bacias e sub-bacias de gerenciamento -, considerando, quando conveniente, as características hidrográficas, aéreas e as hidrogeológicas. Deveriam ainda apresentar estudo preliminar que definisse a classificação dos corpos de água e os padrões de qualidade do ar de cada unidade ambiental.

A deliberação previa ainda que a estratégia de gestão seria implantada com apoio da associação de usuários de recursos ambientais criada em cada uma das regiões, conforme o preconizado no plano a ser proposto para cada unidade ambiental. Também definia o que seria usuário, bem como a aplicação da estratégia de gestão. O artigo 4º previa o contínuo monitoramento da qualidade do ar e das águas nas respectivas bacias pela associação de usuários, e que esses dados seriam utilizados nas ações de gestão ambiental nas bacias, nos licenciamentos ambientais e nas demais medidas de controle, estabelecendo o limite de 80% do padrão de qualidade determinado na legislação ambiental vigente como aquele a partir do qual a associação de usuários teria de reestudar os níveis de lançamentos individuais para definir e adotar as medidas de redução necessárias. Essa deliberação também abria a possibilidade de o usuário dos recursos ambientais não aderir às associações, mantendo-o obrigado a acatar os padrões vigentes.

Em caso dos padrões de qualidade ambiental prevalecerem sobre os padrões de emissão, a decisão de conceder a licença caberia à Ceca, prevendo-se a reserva de áreas e facilidades para tratamentos complementares aos já existentes, sempre que a qualidade do recurso natural o exigisse e a associação de usuários não apresentasse soluções para a melhoria da qualidade do recurso ambiental em vias de saturação. Por fim, era previsto que as determinações da deliberação fossem válidas por dois anos, e que, após esse período, seriam avaliados os resultados de sua aplicação e sua validade para outras regiões do estado. Essa deliberação chegou a orientar e balizar o licenciamento de uma fábrica de vidros planos que se instalou no Vale do Paraíba.

Licenciamento ambiental

O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, a instalação, a ampliação e a operação de empreendimentos cujas atividades explorem recursos ambientais e sejam efetiva ou potencialmente poluidoras ou que, de algum modo, possam causar degradação ambiental, conforme o disposto na Resolução Conama nº 237/97.2 2 Disponível em: < www.semads.rj.gov.br>. Acesso: em 27 março de 2003.

As etapas de um processo típico de licenciamento ambiental são três. Na primeira delas, é solicitada a licença prévia. Essa licença deve ser requerida na fase preliminar do planejamento do empreendimento, visto que aprova sua localização, sua concepção e atesta sua viabilidade ambiental. Conforme as características do empreendimento, pode ser exigida, para sua concessão, a realização de estudos ambientais complementares aos porventura já apresentados. Concluída com sucesso essa fase, a licença prévia é expedida. Nessa licença, constam as condicionantes a serem atendidas pelo empreendimento, dentre as quais, a qualidade dos efluentes gasosos e líquidos. Terminada essa etapa, o empreendedor solicita a licença de instalação, apresentando o projeto construtivo para análise. O órgão responsável analisa e, sanadas todas as eventuais pendências, emite a licença. Construídas as instalações aprovadas, é solicitada a licença de operação, que é emitida após os ajustes eventualmente necessários na pré-operação das instalações.

De forma resumida, podemos dizer que o processo de licenciamento corrente é a comparação dos processos de tratamento adotados para os efluentes com a qualidade esperada desses efluentes após o tratamento, de acordo com a legislação afim. A Figura 1 esquematiza esse licenciamento no que se refere à qualidade dos efluentes.


Diversas iniciativas têm sido tomadas para aperfeiçoar o sistema de licenciamento ambiental sem que se recorra a instrumentos econômicos. Praticamente, no licenciamento ambiental, prevalecem a tecnologia usada no tratamento dos efluentes e a qualidade destes. Esse procedimento sugere (THE WORLD BANK, 1998) que "o licenciamento, tal como está implementado, cria ônus burocrático sem avanços ambientais mensuráveis".

Gênese do modelo de gestão focado na qualidade ambiental

No princípio de 1996, a Feema foi consultada sobre a instalação de uma fábrica na parte fluminense do Vale do Paraíba. Atendendo à Resolução Conama nº 5, de 15/06/1989, fora estabelecido que todas as indústrias do gênero, já instaladas ou que ainda viessem a se instalar, deveriam dispor de um certo tipo de equipamento para controle de material particulado na chaminé de seus fornos. Todas as fábricas daquele tipo localizadas em zonas urbanas, com a presença de outras fontes significativas de material particulado, já atendiam à Resolução nº 5. A região cogitada para a instalação da indústria inicialmente referida era rural e o combustível a ser empregado era o gás natural, o que, por si só, já reduzia significativamente as emissões do poluente em questão.

Em 1995, a direção da Feema visitara instituições congêneres na Alemanha, ocasião em que participou de seminários sobre temas como gerenciamento de bacias hidrográficas, estrutura organizacional de agências ambientais, enforcement à proteção ambiental em diversos níveis de governo e também sobre cooperação entre autoridades ambientais, e entre estas e as indústrias. As observações feitas durante essas visitas ajudaram a estabelecer uma linha de conduta diante da nova situação.

Levando em conta que o conhecimento da qualidade ambiental é a meta principal de um programa de controle, foi determinado ao empreendedor que instalasse uma rede de monitoramento da qualidade do ar na região, atendendo às orientações técnicas da Feema. Com os dados obtidos, foi desenvolvido um modelo de qualidade do ar na região, utilizado para prever o impacto causado pelo início das operações da fábrica. Se a qualidade do ar apontada pelo modelo para a região atingisse, no máximo, 80% do valor limite preconizado pela legislação ambiental, seria permitida a instalação da indústria sem tratamento dos gases de chaminé.

Entretanto, em face da Resolução Conama nº 5/89 (que estabelece como prioritário o atendimento aos padrões de emissão por fonte e tipologia industrial), o assunto foi levado à área jurídica competente, que determinou como parâmetro para o licenciamento uma Resolução Ceca, de caráter experimental, com um prazo de validade que propiciasse sua implantação e avaliação. Sendo assim, a Ceca aprovou a Deliberação nº 3.520/96, que foi aplicada no licenciamento ambiental da fábrica em questão e se tornou um marco importante na concepção do modelo proposto.

Durante esse processo, diversos empresários da região de Resende (RJ) iniciaram negociações para aplicar o disposto nessa deliberação. Dos entendimentos, resultaram duas associações: uma de usuários das águas do Rio Paraíba do Sul e outra dos usuários do ar, ambas abrangendo a região de Resende. Na ocasião, foi bastante enfatizado que as associações não assumiriam a gestão ambiental, não dependeriam de órgãos governamentais para conseguir recursos financeiros (ainda não havia a legislação sobre recursos hídricos) e não teriam poder para emitir licenças ambientais.

Modelo de gestão ambiental focado na qualidade ambiental

A Política Nacional do Meio Ambiente estabelece objetivos que tornam necessário o acompanhamento da qualidade ambiental (monitoramento ambiental). Contudo, no Brasil, esse monitoramento ainda é deficiente, o que leva a uma carência de dados sobre a qualidade do meio ambiente em todos os seus aspectos.

O modelo de gestão ambiental aqui proposto busca um maior conhecimento do ambiente, estabelece uma nova matriz de responsabilidade pela qualidade ambiental e tem seu ponto forte no uso de instrumentos econômicos. Nesse modelo, a responsabilidade pela averiguação da qualidade ambiental passa do Estado para todos aqueles, pessoas jurídicas ou não, que, de alguma forma, utilizem os recursos naturais. Esse modelo busca ainda liberar as estruturas governamentais existentes - com crescente carência de recursos financeiros - que necessitam concentrar seus esforços naquelas atividades que são funções de Estado.

Como conseqüência da conscientização da sociedade sobre a questão ambiental, hoje, as estruturas de produção de bens e serviços estão direcionadas para o desempenho de suas atividades dentro de parâmetros e conceitos ambientais inimagináveis há alguns anos. Pela estratégia atualmente adotada para o gerenciamento ambiental, é difícil estabelecer claramente o momento em que se torna necessário mudar os padrões de lançamentos de efluentes.

Diversas mudanças nos procedimentos para o licenciamento ambiental têm sido experimentadas, mas, em nenhum momento, o uso de instrumentos econômicos foi aceito.

A associação de usuários do recurso natural e o monitoramento

No modelo de gestão centrado na qualidade ambiental, todos os que exploram o recurso natural (ar ou água) de uma região serão instados a se organizarem em uma associação de usuários. Pela Lei nº 9.433/97, trata-se de uma associação regional, local ou setorial de usuários de recursos hídricos, conforme seu artigo 47, não cabendo a esse tipo de associação nenhum cunho deliberativo sobre o recurso hídrico que as nomeia. Ao participarem dessas associações, os empreendimentos farão os investimentos necessários à manutenção da qualidade ambiental, podendo utilizar com mais eficiência os instrumentos econômicos que lhes serão disponibilizados.

O monitoramento ambiental é fundamental no modelo proposto. Sua implementação será de responsabilidade da associação dos usuários do recurso ambiental, orientada pelo órgão competente, ao qual os resultados obtidos serão reportados com a freqüência que o órgão estabelecer. Essa participação na gestão do corpo hídrico ocorrerá com base no artigo 62 da Lei nº 9.433/97.

Quando se tratar do uso do recurso natural "ar", as associações de usuários terão as mesmas características das de recursos hídricos, diferindo destas por não serem amparadas por legislação específica.3 3 Para um melhor desempenho dessa estratégia de gestão, é conveniente que seja proposta legislação específica para o recurso natural "ar".

A adoção do modelo de gestão focado na qualidade ambiental exigirá que as instituições de cunho ambiental de um mesmo nível de governo interajam, pois deverão:

• analisar a consistência técnica das associações que venham a se instalar;

• acompanhar e orientar os esforços para a criação das associações de usuários;

• buscar formas de orientar tecnicamente os trabalhos das associações e, quando for o caso, aprovar o modelo que venha a ser desenvolvido para o recurso natural;

• envolver os órgãos que tenham atuação em setores que contribuam para incremento de impactos no segmento ambiental em consideração;

• instar a associação de usuários a iniciar o processo de modelagem ambiental;

• analisar o modelo estabelecido, aprová-lo ou fazer as exigências técnicas cabíveis para sua aprovação.

Licenciamento ambiental no novo modelo

Quando um empreendimento for licenciado, o empreendedor será orientado a procurar a associação de usuários da área. De posse dos dados ambientais já disponíveis e do modelo da bacia aérea ou do corpo d'água a ser utilizado, serão então estabelecidas condições de lançamento dos efluentes com uma qualidade tal que as demais formas de exploração do recurso sejam preservadas, deixando-se uma margem de segurança na qualidade do receptor dos despejos para que absorva eventos extraordinários. Exemplificando: se a demanda bioquímica de oxigênio (DBO) máxima prevista para um corpo d'água é de 5,0mg/L, o limite de utilização desse parâmetro é 4,0mg/L, restando 1,0mg/L para absorver eventuais picos de carga. O mesmo raciocínio vale para o recurso ar.

Caso a margem de uso disponível não seja suficiente para a instalação da nova atividade, a associação de usuários, em conjunto com o novo empreendimento, estudará medidas que viabilizem a nova atividade. A base dos estudos será o modelo de ambiente desenvolvido pela associação de usuários, por meio do qual diversas situações de efluentes serão simuladas, e negociações serão estabelecidas entre a associação e o novo empreendedor, buscando-se um arranjo tal de cargas e tratamentos que possibilite o novo empreendimento. A partir daí, o órgão ambiental será consultado e irá deliberar. Os custos envolvidos nessas negociações, bem como o da utilização do modelo desenvolvido pela associação, serão incluídos na negociação propriamente dita e no documento síntese do processo de negociação.

Nesse momento, o empreendedor apresentará ao órgão licenciador o compromisso firmado com a associação de usuários, sua adesão à associação, e o documento síntese das negociações para apreciação e aprovação. A concessão da licença prévia depende da aprovação desses documentos, no que se refere à qualidade de efluentes líquidos e/ou gasosos, com as restrições constando do compromisso formal assumido entre a associação e o empreendedor.

Caso a associação de usuários não manifeste interesse em receber um novo associado, mas haja interesse governamental na instalação do empreendimento naquele local, o órgão ambiental, usando o poder que lhe concede a legislação, intervirá no processo e dará o encaminhamento devido para que a nova atividade seja viabilizada. Na hipótese de saturação do ambiente quanto a um ou mais parâmetros de qualidade ambiental, o espectro das negociações será ampliado. Isso inclui uma maior exigência quanto à qualidade dos despejos já existentes, não estando descartada a possibilidade de se destinar outra localização para a atividade ou de se considerá-la inviável naquele local. Em resumo, os fatores econômicos serão exaustivamente explorados para que se viabilize o empreendimento. Daí em diante, o licenciamento ocorrerá como de costume. A licença de instalação será expedida, cabendo ao órgão ambiental verificar o cumprimento dos compromissos assumidos nas negociações.

A Figura 2 esquematiza o desenvolvimento do processo de licenciamento no novo modelo de gestão.


Concluída a fase de instalação, o empreendedor irá requerer a licença de operação. Para obtê-la, o empreendimento será submetido a uma vistoria técnica pelo órgão licenciador. A licença de operação só será expedida se as instalações estiverem de acordo com o estabelecido na licença de instalação.

A licença de operação terá validade indefinida que poderá ser perdida em caso de modificação do processo de produção com alterações nos efluentes sem que ela seja revista, quando o empreendimento se desligar de pelo menos uma das associações de usuários da região ou quando deixar de cumprir determinações devidamente negociadas no âmbito de qualquer uma das associações de usuários de sua região. É importante frisar que qualquer modificação no empreendimento obriga a novas negociações com os demais membros da associação de usuários, com a correspondente comunicação dos entendimentos estabelecidos ao órgão ambiental competente para sua análise e, se for o caso, aprovação.

Novos instrumentos e embasamento legal

Ao analisarmos os diversos instrumentos legislativos pertinentes, verificamos que alguns apresentam empecilhos bastante fortes à adoção de uma estratégia de gestão ambiental focada na qualidade ambiental. Essa análise, no entanto, não pretende esgotar o assunto e, para seu aprofundamento, é necessário o concurso de especialistas nas diversas áreas do direito e, em especial, na ambiental.

A Constituição Federal não apresenta pontos de conflito com a estratégia de gestão proposta. Quanto à Resolução Conama nº 1, de 23/01/1986, no artigo 6º, é destacada a adoção de equipamentos de controle e de tratamento para os efluentes; embora, logo a seguir, seja exigida a elaboração de programas de acompanhamento e monitoramento de impacto, positivo ou negativo. Com relação à Resolução Conama nº 5/89, ao estabelecer, em seu artigo 2º, como estratégia básica do Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar (Pronar), a limitação (em nível nacional) das emissões por tipologia de fontes e de poluentes prioritários, acaba criando uma barreira intransponível para adoção de estratégias de gestão ambiental que recorram a instrumentos econômicos. Dessa forma, para a adoção do modelo proposto, a Resolução nº 5 deve ser revista nos aspectos em que prioriza a qualidade dos efluentes em detrimento da qualidade ambiental.

A Lei nº 9.433/97, por seu conteúdo bastante avançado quanto ao gerenciamento de bens públicos, abre caminho para a adoção desse modelo de gestão. Seria necessário que o prazo de validade para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos fosse compatibilizado com o prazo de validade da Licença Ambiental de Operação. Da mesma forma, torna-se premente uma convivência não conflituosa entre os dois sistemas de gestão (ambiental e de recursos hídricos), sendo ideal que seja seguida a tendência mundial de uma gestão integrada.

A Resolução Conama nº 237, de 19/12/1997, deverá ser totalmente ajustada ao modelo de gestão proposto. A Resolução Conama nº 357, de 17/06/2005, ao revogar a de nº 20/86, além de apresentar atualizações no campo técnico específico, é mais flexível no que se refere aos padrões de lançamento de efluentes (artigo 25). Contudo, não permite efetivamente o uso de instrumentos econômicos para gerir os recursos hídricos, o que é o maior obstáculo à adoção do modelo proposto no que se refere ao recurso "água".

No que concerne à Constituição Estadual, existem alguns pontos de atrito com o modelo proposto, como, por exemplo, a obrigatoriedade de adoção da melhor tecnologia disponível para controle ambiental e a obrigatoriedade de que a captação de águas para um empreendimento seja a jusante do lançamento de seus efluentes.

Há um conjunto de deliberações Ceca que estabelece padrões de qualidade mínimos para o lançamento de efluentes (líquidos ou gasosos) que precisam ser revogadas. Concomitantemente, as diversas JN (justificativas técnicas), que dão suporte técnico às NTs (notas técnicas), perderão validade. Das NTs nessa situação, a mais emblemática é a NT 202 e sua JN 203.

A implantação do modelo de gestão focado na qualidade ambiental levará não só a imediatas modificações em diversos instrumentos legais como também à revogação de outros. A simples modificação ou revogação de instrumentos legais existentes e em uso deixaria um vazio legal. Dessa forma, paralelamente às modificações e supressões que venham a ocorrer durante a implantação do modelo proposto, novos instrumentos legais deverão ser criados, possibilitando a continuidade dos processos de gestão ambiental em curso, levando-se em conta que alguns desses instrumentos deverão terão caráter temporário. Quanto à área geográfica para implementação inicial, é recomendável que seja escolhida uma área-piloto com características de concentração de problemas ambientais no que se refere à qualidade do ar e/ou das águas, e que os envolvidos sejam estimulados a aderir em massa às associações de usuários. Tal como previsto na Deliberação Ceca 3.520/96, a adesão deve ser voluntária. A ação do órgão ambiental na área ou bacia deverá se limitar a apoiar e assessorar na criação da associação, mantendo, entretanto, a fiscalização de efluentes nos mesmos moldes de "comando e controle" para aqueles que não tiverem se associado.

Em uma primeira análise, o modelo proposto não causará impacto nos planos de controle de emergências ambientais. Na elaboração da estrutura legal que dará sustentação ao novo modelo, deve-se atentar para situações em que será necessário estabelecer limites quanto à qualidade do efluente e, em alguns casos, proibir determinadas tecnologias de produção.

Estudo de caso da bacia hidrográfica da baía da Ilha Grande

A baía da Ilha Grande é um corpo d'água salgada, semiconfinado, com cerca de 800km2 de área. O perímetro dos municípios fluminenses banhados por suas águas é de aproximadamente 353km. A baía apresenta batimetria pouco acidentada, com profundidades de 30 a 40m nas suas saídas para o mar e padrão de circulação de suas águas determinado, dentre outros fatores, por sua barra principal, situada a oeste da Ilha Grande, entre as Pontas da Joatinga e a dos Meros, com cerca de 17,5km de extensão. Não região, não há lama (silte, argila e matéria orgânica) no fundo do mar, o que demonstra a contínua ação das correntes (COSTA, 1998).

Para a criação das associações de usuários da baía da Ilha Grande, as principais atividades desenvolvidas na área serão agrupadas conforme sua localização. As atividades industriais mais importantes - o terminal petrolífero da Transpetro e o estaleiro da BrasFels - ficam na mesma região e assim pertenceriam a uma mesma associação, a Associação Norte, que abrangeria do limite norte da baía da Ilha Grande, na região de Macieis, até a região de Vila Velha, na entrada da baía da Ribeira. Além do terminal da Transpetro e do Estaleiro BrasFels, pertenceriam à Associação Norte o porto de Angra dos Reis, as marinas e os demais empreendimentos ligados ao turismo e lazer, a prefeitura de Angra dos Reis - representando seus munícipes e pequenos empreendedores, e como responsável pelo fornecimento de parte da água potável e pela destinação do esgoto -, o órgão responsável pela coleta e destinação do lixo no município de Angra dos Reis, a Cedae e as atividades de maior porte que se utilizem, de alguma forma, da água de rios que deságuam nessa região da baía.

A baía da Ribeira, com uma concentração expressiva de marinas, formaria a Associação de Usuários da Baía da Ribeira, cobrindo a área que vai de Vila Velha até a Ponta Grossa. Pertenceriam a essa associação as marinas ali instaladas, a Prefeitura de Angra dos Reis representando seus munícipes e pequenos empresários, a entidade responsável pela coleta e pelo destino de lixo na área de abrangência da associação, as atividades de maior porte que se utilizem, de qualquer forma, de rios que desemboquem na baía da Ribeira, e a entidade responsável pelo sistema de abastecimento e esgotamento sanitário da região.

A usina nuclear está isolada e faria parte da Associação Sul, que reuniria as atividades desenvolvidas desde a Ponta Grossa até o extremo sul da baía da Ilha Grande, na Ponta da Joatinga. Igualmente pertenceriam à Associação Sul a Prefeitura de Angra dos Reis - representando os habitantes da faixa de terra do município e de suas ilhas, além de pequenos empresários -, a Prefeitura de Paraty, a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), as atividades de maior porte que se utilizem, de alguma forma, de rios que deságüem nessa região da baía e a Cedae.

Como exemplo do funcionamento do modelo em questão, será simulada a instalação de uma cervejaria no lado direito da BR-101, sentido sul, a 3 km do terminal da Transpetro, no município de Angra dos Reis, com uma produção de 24.000l (16h) de cerveja e chope. Os despejos líquidos da cervejaria originam-se, basicamente, da lavagem de garrafas e da limpeza dos equipamentos de produção.

Serão gerados 17l de despejos líquidos para cada litro de cerveja produzida, com 1300mg/L de demanda bioquímica de oxigênio (DBO), 450mg/L de sólidos em suspensão (SS), 2.800mg/L de demanda química de oxigênio(DQO) e pH de 7,5-8,5. O volume de despejos será de 408.000L/dia, com as seguintes cargas poluidoras: DBO - 530,4kg/dia, DQO - 1142,4kg/dia e SS - 183,6kg/dia, equivalendo a uma população de 8.000 pessoas. Também serão gerados efluentes nas atividades de manutenção, além dos esgotos sanitários e das águas servidas no refeitório. Essas correntes, de pequeno volume diante do efluente industrial propriamente dito, serão descartadas juntamente com os resíduos líquidos da produção. Os resíduos sólidos serão destinados à alimentação animal (BRAILE e CAVALCANTI, 1979).

O industrial deverá dirigir-se à Feema para fornecer os dados necessários à abertura do processo de licenciamento ambiental do empreendimento. Duas situações podem ser consideradas: a primeira, em que ainda não foram constituídas as associações de usuários de recursos naturais da região, e a segunda, em que essas associações (uma para os recursos hídricos e outra para o ar) já foram criadas. No primeiro caso, a partir dos dados fornecidos pelo empreendedor, o órgão ambiental estabelecerá as características do monitoramento ambiental a ser desenvolvido na provável área de influência do empreendimento. Com essas orientações, o interessado irá elaborar os planos de monitoramento ambiental - um para o ar e outro para a água - e encaminhá-los ao órgão ambiental para análise, comentários e eventuais modificações. Caso sejam aprovados, serão implementados.

Simultaneamente, o órgão ambiental catalisará o processo de criação das associações de usuários dos recursos naturais. Levando em conta as condições da região onde a cervejaria será instalada, serão criadas duas associações: uma dos usuários do recurso "água" e outra dos usuários do recurso "ar". Tão logo o conjunto de dados obtido no monitoramento ambiental possibilite, o empreendedor estabelecerá os modelos de comportamento dinâmico dos recursos ambientais da região. Assim que sejam constituídas, as associações de usuários assumirão a responsabilidade pela continuidade dos trabalhos de monitoramento ambiental.

No caso de as associações de usuários já existirem, o industrial será encaminhado pelo órgão ambiental às duas associações. Para os efluentes líquidos, o empreendedor vai contactar a Associação Norte anteriormente mencionada, e em relação aos efluentes gasosos, a associação do recurso "ar". Nesses contatos, ele vai negociar com as associações a obtenção dos dados ambientais disponíveis, assim como os modelos dinâmicos obtidos e já aprovados pelo órgão ambiental. Nessa negociação, o órgão ambiental será espectador, e a ele será comunicado o resultado final dos entendimentos. A partir de então, nas duas situações, o procedimento é o mesmo.

Obtido e calibrado o modelo, será simulado o lançamento dos efluentes da cervejaria no ambiente e determinada a nova qualidade ambiental esperada. Nessas simulações, vários níveis de qualidade dos efluentes serão considerados, do efluente bruto ao efluente tratado, conforme os melhores padrões tecnológicos. O processo de tratamento adotado será o que resulte no padrão de qualidade ambiental previsto em lei, pelo menor custo.

Será reservada uma área para que seja feito (ou ampliado) o tratamento de efluentes, tão logo haja necessidade. Com a aprovação do órgão ambiental, será expedida a licença prévia, trazendo, entre suas condicionantes, a permanência da cervejaria como membro das associações de usuários dos recursos naturais da região. Caso as providências descritas se mostrem incapazes de garantir a qualidade ambiental prevista em lei, o pedido de licença prévia será indeferido, informando-se o motivo. De posse dessa licença, o empreendedor iniciará oficialmente as atividades de detalhamento do projeto de produção de cerveja.

O efluente líquido resultante do processo de produção da cerveja, acrescido das demais correntes já citadas, terá matéria orgânica como principal contaminante, com equivalente populacional da ordem de 8.000 pessoas, carga bastante reduzida em face da população total da área (em torno de 130.000 pessoas). Dessa forma, a corrente líquida será lançada na baía pelo emissário submarino, em local a ser determinado por estudos de dispersão dos poluentes naquelas águas. No caso, há a possibilidade de o esgoto sanitário da população vizinha ser misturado ao da cervejaria e então ser corretamente disposto.

Pela ausência de dados, foi admitido que, com um correto lançamento do esgoto hoje produzido, os pontos existentes de contaminação por esgoto sanitário seriam eliminados, e a carga poluidora seria perfeitamente absorvida pelas águas da região. O custo adicional de disposição desse efluente adicional pode ser abatido de taxas e/ou impostos a serem pagos pela cervejaria.

Nas instalações industriais da cervejaria, será reservada área de dimensões suficientes para que seja feito tratamento complementar dos efluentes, quando necessário. Uma vez concluído, o projeto será apresentado pelo empreendedor ao órgão ambiental, quando então será solicitada a licença de instalação.

Terminada a análise da documentação pelo órgão ambiental e atendidas as exigências legais quanto à qualidade ambiental, a licença de instalação será expedida. Com a conclusão das obras, o empreendedor solicitará ao órgão ambiental a licença de operação. Para expedi-la, o órgão ambiental irá checar a adequação das obras realizadas com o projeto aprovado. Em caso positivo, a licença será expedida com validade compatível com o prazo de validade das outorgas concedidas.

Considerações finais

O modelo aqui proposto busca agilizar a ação do Estado no controle ambiental, atribuindo ao usuário a responsabilidade pelo monitoramento ambiental, preservando a função do poder público de conceber e fazer com que seja executada uma efetiva estratégia de gestão ambiental.

Dos pontos positivos do modelo, destaca-se o uso dos instrumentos econômicos no controle ambiental - reduzindo os custos de consecução de metas por meio de mecanismos de compra e venda de cargas poluidoras -, e a liberação da estrutura estatal de controle ambiental para o desenvolvimento e o gerenciamento de programas de governo, visando à excelência ambiental. Contudo, esse modelo apresenta pontos críticos, pois:

• exige uma atuação enérgica dos órgãos ambientais, visto que a inércia destes poderá fazer com que as associações se transformem em agências auto-reguladoras, criando situações desvinculadas da realidade;

• implica que os órgãos ambientais sejam reorganizados técnica e administrativamente, e que adotem uma política de qualidade e de auditoria de processos e de certificação;

• corre o risco de ser usado pelo poder econômico, anulando-se a concorrência;

• pode ser usado em disputas de poder nos diversos níveis de governo e acabar servindo a interesses de terceiros em detrimento dos interesses das comunidades;

• convive com o risco de as associações de usuários extrapolarem suas finalidades, assumindo papéis que não lhes competem, como o de serem os maiores formadores de opinião, aí incluído a educação ambiental em todos os níveis de ensino.

Todos esses aspectos negativos podem, de alguma forma, ser neutralizados pelo órgão ambiental ao se mostrar diligente, fazendo valer sua condição de órgão gestor de um bem público.

No estudo de caso, a principal dificuldade foi a falta de dados sobre a qualidade do ar e das águas na região da baía da Ilha Grande, o que muito prejudicou a demonstração do modelo proposto. O que se sugere aqui é que a implantação desse modelo seja tratada como um programa de governo.

Artigo recebido em maio de 2005 e aceito para publicação em julho de 2005.

  • BRAILE, P. M.; CAVALCANTI, J. E. W. A. Manual de tratamento de águas residuárias industriais. São Paulo: Cetesb, 1979.
  • COSTA, H. Uma avaliação da qualidade das águas costeiras do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Femar, 1998.
  • PADULA, R. C. Modelo atual de gestão ambiental: uma proposta focada na qualidade ambiental. Dissertação (Mestrado) - PEAMB/UERJ, 2004.
  • RIBEIRO, M. M. R.; LANNA, A. E. L. Instrumentos Regulatórios e Econômicos - Aplicabilidade à Gestão das Águas e a Bacia do Rio Pirapama, PE. RBRH v. 6, n. 4, p.41-70 out/dez, 2001.
  • THE WORLD BANK. Brazil managing pollution problems: the brown environmental agenda, v.I. Policy Report e V.II Annexes - report n.16635-BR., feb. 27, 1998.
  • 1
    Os corpos hídricos devem ser enquadrados conforme sua forma de aproveitamento predominante, para garantir não apenas que a qualidade das águas seja compatível com os maiores níveis de exigência quanto a sua utilização como também que haja redução de custos no combate à poluição. O enquadramento deve ser feito segundo as classes e estabelecidas na resolução Conama nº 20/86, recentemente substituída pela resolução Conama nº 357, de 7/03/2005.
  • 2
    Disponível em: <
    www.semads.rj.gov.br>. Acesso: em 27 março de 2003.
  • 3
    Para um melhor desempenho dessa estratégia de gestão, é conveniente que seja proposta legislação específica para o recurso natural "ar".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      2005

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2005
    • Recebido
      Maio 2005
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