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EDITORIAL

No momento em que a área de pesquisa sobre atividades tecnológicas inovadoras em empresas de economias em desenvolvimento - ou de industrialização tardia - completa três décadas de existência, esta Edição Especial do Cadernos EBAPE.BR traz um conjunto de artigos que examinam e discutem algumas experiências de gestão da inovação tecnológica no contexto de organizações no Brasil e América Latina. Os primeiros estudos sobre capacidades tecnológicas inovadoras no contexto de países em desenvolvimento emergiram na América Latina, em 1975, a partir dos esforços de um programa de pesquisa liderado por Jorge Katz. Motivados por tal iniciativa, pesquisadores como Sanjaya Lall, Jorge Sábato, Martin Bell, Larry Westphal, Carl Dahlman e vários outros contribuíram para gerar uma riqueza de novas evidências empíricas e explicações sobre o processo de desenvolvimento tecnológico no contexto de empresas na América Latina e Ásia. De um lado, esses estudos contradiziam o pessimismo tecnológico da 'teoria da dependência'; de outro, começaram a desenvolver generalizações sobre as trajetórias de acumulação tecnológica industrial inovadora, e dos mecanismos subjacentes de aprendizagem, no contexto de economias em desenvolvimento. O desenho desses estudos era fortemente baseado em uma perspectiva de longo prazo.

Durante os anos 1980, o foco de análise dos estudos sobre atividades tecnológicas passou a centrar-se na introdução de inovações organizacionais em nível das atividade de produção. Setores industriais em países em desenvolvimento, em particular da América Latina, começaram a enfrentar pressões da concorrência externa. Isso por causa não só da abertura de seus mercados anteriormente protegidos, mas também do final da política de substituição das importações (SI), o que levou a uma profunda reestruturação industrial. As mudanças na organização da produção, baseadas na introdução de novas técnicas gerenciais e organizacionais, passaram então a ser estudadas como parte desse processo de reestruturação. Esses novos estudos baseavam-se nos princípios do just-in-time (JIT), do controle ou gestão da qualidade total (C/GQT) e do melhoramento contínuo, e procuravam mostrar como esses princípios foram introduzidos nas empresas.

Todavia, esses estudos realizados em meados da década de 1980 tinham, entre outras, as seguintes limitações: (i) tratavam as práticas organizacionais como "técnicas" dadas, raramente referindo-se a "conhecimentos" ou "mecanismos de aprendizagem", à diferença dos estudos feitos nos anos 1970; e (ii) também à diferença destes últimos, não desenvolviam uma análise ao longo do tempo. Mesmo assim, inspiraram pesquisas sobre as dimensões organizacionais da competência tecnológica e sobre os fatores que influenciam a implementação dessas técnicas.

A partir de meados da década de 1990, emergiu uma nova geração de estudos na literatura internacional a partir dos trabalhos de pesquisadores, tais como, Linsu Kim, Michael Hobday, Gabriela Dutrénit, Paulo N. Figueiredo e Norlela Ariffin. Essa nova geração de estudos retoma a perspectiva dinâmica dos estudos dos anos 1970 e passa a examinar as bases organizacionais da acumulação de capacidades tecnológicas e dos processos de aprendizagem subjacentes. O aparecimento dessa nova geração de estudos marca o início de uma nova fase da literatura sobre desenvolvimento tecnológico e inovação em empresas de países em desenvolvimento.

Por isso, o propósito desta Edição Especial é reunir artigos que contribuam para expandir o conhecimento sobre as experiências de gestão tecnológica e inovação no Brasil e América Latina, principalmente a partir da década de 1990. Esta Edição Especial está organizada em duas partes. A Parte 1 contém sete artigos de homenagens e reflexões; a Parte 2 contém onze artigos derivados de estudos empíricos.

O primeiro artigo da Parte 1 é um tributo a Sanjaya Lall que faleceu em junho deste ano. Uma autoridade global no campo da pesquisa sobre industrialização e construção de capacidades tecnológica em economias em desenvolvimento, Sanjaya tem sido uma fonte inspiradora para vários pesquisadores ao redor do mundo. Sanjaya tem sido - e sempre será - uma estimulante fonte de inspiração para meus esforços de pesquisa sobre gestão tecnológica e inovação em empresas de economias em industrialização. Sou muitíssimo grato a Rasiah Rajah por ter prontamente aceitado meu convite para escrever este tributo a Sanjaya Lall.

Enrique Saravia presta uma honrosa homenagem a Jorge Sábato, um estudioso pioneiro dos estudos sobre inovação tecnológica na América Latina. Os estudos de Sábato são até hoje reconhecidos em nível internacional pela sua valiosa contribuição. Agradeço muitíssimo a Enrique por ter escrito esta homenagem especialmente para esta edição.

É um privilégio, para todos nós, termos nesta Edição Especial um artigo de Jorge Katz - fundador do primeiro programa sistemático de estudos sobre desenvolvimento tecnológico em empresas de economias de industrialização recente. Agradeço imensamente ao caríssimo Jorge por ter prontamente aceitado o meu convite para escrever este seu artigo especialmente para esta edição.

Francisco Teixeira apresenta uma reflexão crítica sobre a literatura relativa ao desenvolvimento tecnológico no contexto de países em desenvolvimento. Deborah Moraes Zouain e Luciana Torres oferecem uma importante reflexão sobre as supostas inovações nas relações de trabalho em incubadoras de empreendimentos, à luz da aceleração da globalização impulsionada pelo paradigma da microeletrônica. Anne Marie Maculan reflete sobre o estágio de capacitação tecnológica da indústria brasileira com base em informações publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec) 2000. O papel das empresas estatais na execução da política tecnológica é discutido por Enrique Saravia. O seu artigo mostra como tais empresas agiram em cumprimento desses objetivos coadunando-os com o próprio interesse empresarial, no sentido de resolver, da forma mais eficiente, os problemas de produção que as afetam.

O artigo que inicia a Parte 2 desta Edição Especial deriva de um estudo empírico de Valéria Judice, Sandro Silva e Adelaide Baeta. Os autores examinam e integram resultados de duas pesquisas realizadas em 2004: uma sobre a evolução bio-industrial em Minas Gerais (2001-04) e outra sobre políticas bio-industriais internacionais. O intuito é contribuir para a formulação de políticas de desenvolvimento industrial no estado mineiro. A parceria entre governo e incubadora de empresas é examinada por Simone Ribeiro, Raphael de Andrade e André Zimbalde a partir da experiência em Santa Rita do Sapucaí (MG).

Os artigos seguintes examinam gestão tecnológica e inovação em nível de empresas em diferentes setores industriais. Tales Andreassi examina algumas políticas e práticas que as empresas devem implementar para apoiar e aprimorar o desempenho inovador. O tema dos sistemas de sugestões, tão importante para estimular atividades inovadoras incrementais, é retomado por José Carlos Barbieri e Antônio Carlos T. Álvares.

Por outro lado, Dirk Boehe, Cláudio Freitas e Felipe Costa focalizam a competição externa como estímulo à implementação de melhorias incrementais e contínuas em desenvolvimento de produtos. Essa questão é examinada em uma unidade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de uma subsidiária de uma empresa multinacional no Brasil. Também preocupados com a atividade de desenvolvimento de produtos, Anapatrícia M. Vilha e Ruy de Quadros Carvalho examinam as implicações das atividades de P&D em produtos sustentáveis para o processo de gestão da inovação e para o acúmulo de competências relacionadas, a partir do estudo de caso de uma empresa brasileira de cosméticos.

Paulo Coutinho e José Vitor Bomtempo Martins examinam a relação entre competências (ou capacidades para inovar) e indicadores de desempenho e posicionamento tecnológico em uma empresa brasileira de petroquímica.

Os quatro artigos finais focalizam capacidades tecnológicas por meio de uma taxionomia compreensiva que identifica tipos e níveis de capacidades para funções tecnológicas diversas. Gabriela Dutrénit e Alexandre O. Vera-Cruz examinam a acumulação tecnológica em três 'maquilas' no México e geram algumas generalizações sobre o processo de desenvolvimento tecnológico nessa indústria. As implicações dos processos de aprendizagem para a acumulação de capacidades tecnológicas em uma empresa produtora de colheitadeiras são examinadas por Pedro Bütenbender.

Os dois últimos artigos examinam as implicações da acumulação de capacidades tecnológica para a performance técnico-econômica, ao longo do tempo, em nível de empresas. A preocupação desses autores é a maneira pela qual as capacidades tecnológicas podem influenciar diferenças entre empresas, do mesmo setor industrial, em termos de performance competitiva. Fernando Ben examina a relação entre essas duas questões em duas empresas moveleiras no Rio Grande do Sul, enquanto que Rodrigo C. Araújo examina essas duas questões em duas empresas de telefonia celular no Brasil.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer imensamente ao professor Marcelo Milano Falcão Vieira, Editor do Cadernos EBAPE.BR, pelo gentil convite e pela honrosa oportunidade que me foi dada para conceber e organizar esta Edição Especial. Agradeço aos vários autores que submeteram os seus artigos em resposta à chamada de trabalhos. Sou muitíssimo grato ao grupo de avaliadores pela sua enorme colaboração à concretização desta publicação. Esta Edição Especial não teria sido publicada, dentro do prazo previsto, sem a preciosa ajuda de Elaine Tavares, Roberta Michel e Vânia Mattos durante todas as etapas da organização e produção desta edição. Sou-lhes imensamente grato.

Paulo N Figueiredo

Editor Convidado

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    2005
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