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Editorial

Editorial

Internacionalizar nossa produção é importante? A resposta parece óbvia. Mas com que fundamentos? Na reprodução, na cópia, no mimetismo? Isto, penso, nos conduz apenas ao que as pesquisadoras Cristina Carvalho, Sueli Goulart e Jackeline Andrade chamaram de "Internacionalização Subordinada" no XXIX Encontro Nacional da Associação de Programas de Pós-Graduação em Administração. Neste editorial relato e comento algumas das idéias apresentadas pelas pesquisadoras, com as quais concordo plenamente.

Por que os estudiosos da CEPAL ganharam relevância internacional? Por que os autores da tradição crítica brasileira são sempre reverenciados? Certamente não por reproduzirem conhecimento, nem tampouco estruturas acadêmicas copiadas dos países dominantes. Ora, elas servem a eles, não a nós. Eles ganharam importância ao pensar a América Latina e o Brasil com a cabeça e o corpo nesses lugares. O que se observa hoje é que o corpo de grande parte de nossos pesquisadores na área de Administração parece estar no lugar, mas a cabeça nos EUA ou na Europa.

Em geral a internacionalização é tratada por meio de indicadores tais como a análise de publicações de artigos em periódicos internacionais, a transferência de pesquisadores brasileiros para instituições estrangeiras e o estabelecimento de convênios para formação ou desenvolvimento de ensino e de pesquisas conjuntas com instituições estrangeiras. O principal resultado dessas análises tem sido a constatação do baixo grau de internacionalização da produção científica brasileira em Administração.

Por seu turno, a questão da pertinência sócio-cultural de nossas pesquisas tem sido avaliada por meio da análise da origem de citações em trabalhos acadêmicos, de bibliografias adotadas e, mais raramente, de interações entre a academia e organizações locais. Nestes quesitos, os resultados indicam larga predominância de referências bibliográficas estrangeiras e baixa conexão entre a teoria e a aplicação dos trabalhos aqui produzidos.

Ambas as conclusões são apresentadas como indicadores da baixa qualidade de nossa produção científica. Contudo, as reflexões acerca da primeira questão têm merecido maior atenção, pelo que se percebe nas ações que implementam a academia, as agências de fomento e as associações acadêmicas, ou seja, a internacionalização da produção acadêmica brasileira está na ordem do dia.

A viabilização da internacionalização como vem sendo então concebida na esfera oficial de nossa academia se expressa em ações essencialmente voltadas para a disponibilização de bases de dados de periódicos internacionais, programas especiais de cooperação internacional e publicação de periódicos nacionais em língua inglesa, bem como criação de novos cursos. Acredita-se que tais ações e uma pretensa internacionalização dela decorrente representará naturalmente um significativo aumento de qualidade de nossa produção científica.

É de se perguntar para onde nos levará tal tipo de internacionalização. A identificar mais um parâmetro para avaliação da qualidade dos trabalhos e dos programas de pós-graduação ou a estabelecer mais um espaço para desaguar a produção nacional sob a égide do produtivismo, também explícito nos processos de avaliação? A um aprofundamento do caráter dependente de nossa produção científica ou à aceleração da perda de nossa identidade cultural? Por outro lado é possível pensar a internacionalização como desafio a inspirar a definição de conhecimento científico como um bem público, voltado para a solução de problemas humanos universais ou ainda como espaço de autodeterminação e afirmação identitária de povos de diferentes nações?

Em qualquer uma das situações, consideramos imprescindível refletir sobre o caráter geopolítico de que se reveste o processo de internacionalização, sob pena de reduzirmos nossos debates à discussão de formas de adaptação a padrões e a cânones teóricos e metodológicos que, longe de aguçar nossa capacidade criativa, nos levam a aprimorar nossos já tão reconhecidos talentos para imitar, adotar modismos, reproduzir, enfim, subordinar-se ao que é externamente ditado.

Defrontamo-nos com um problema sério: o próprio sentido de internacional está dado. Deixou de ser o "que se realiza entre nações", para ser o "que se espalha por diversas nações". Mas, a que preço? Em primeiro lugar ao preço de aceitar que internacional é somente o que se publica em inglês (a propósito, as pesquisadoras a que me referi no início do editorial chamaram atenção que até 2005 todas as revistas de circulação internacional classificadas como "A" pelo sistema Qualis da Capes são de língua inglesa, à exceção de Estudos de Religião, que é claramente um erro de inclusão). Em segundo lugar, ao preço de voltarmo-nos para temáticas que interessam ao centro e nos distanciarmos da nossa realidade perdendo a pertinência sócio-cultural.

Neste número dos Cadernos EBAPE tenho o prazer de oportunizar um espaço onde a pertinência sócio-cultural e a qualidade dos trabalhos caminham juntas na direção de uma produção científica de qualidade. Trata-se de uma sessão especial que apresenta textos cuidadosamente selecionados no IV Encontro de Estudos Organizacionais. A introdução dos artigos é feita por Maria Ceci Misoczky, organizadora do IV ENEO em Porto Alegre. Em seu texto ela explica a natureza do encontro e a pertinência dos textos selecionados. Cabe salientar que o IV ENEO representou um significativo avanço nos encontros da área ao introduzir um tema orientador. Os trabalhos selecionados para publicação nos Cadernos EBAPE exemplificam de forma a não deixar dúvidas acerca do que o comitê científico do evento pretendia quando decidiu como tema central "Apropriando Teoria e Prática, Deslocando o Centro". O primeiro trabalho intitula-se A Antropologia do Guerreiro: a história do homem parentético, de autoria de Ariston Azevedo e Renata Albernaz. O segundo, de autoria de Sueli Goulart, intitula-se Uma Abordagem ao Desenvolvimento Local Inspirada em Celso Furtado e Milton Santos e o terceiro trabalho, O Poder do Bacharel no Espaço Organizacional Brasileiro: relendo Raízes do Brasil e Sobrados e Mucambos, é de autoria de Breno Cruz e Paulo Emílio Martins.

Temos o prazer de contar também, neste número da revista, com o artigo convidado O Espírito Interdisciplinar, de Hilton Jupiassu.

Entre os artigos publicados neste número oriundos do processo normal de submissão ao periódico estão os trabalhos de Alexandre Faria, cujo título é Critica e Cultura em Marketing: repensando a disciplina. A seguir, Octávio Penna Pierante discorre sobre O Estado e as Comunicações no Brasil. O terceiro texto é de Deborah Zouain e Aristeu Silveira intituado Aspectos Metodológicos do Modelo de Gestão em Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica. O artigo seguinte, Políticas e Práticas de Gestão Ambiental: uma análise da gestão dos resíduos da construção civil na cidade de Belo Horizonte (MG) é assinado por Paulo José Silva, Mozar José de Brito, Maria Cecília Pereira e Robson Amâncio. Eleonora Vieira, Hans van Bellen e Francisco Fialho assinam trabalho subseqüente, intitulado Universidade em Tempo de Mudança.

Segue-se um caso para estudo intitulado Hierarquia e Empowerment, de autoria de Renato Gomide. Finalizamos este número dos Cadernos EBAPE com uma resenha bibliográfica do livro organizado pelos professores Delane Botelho e Deborah Moraes Zouain, ambos da EBAPE/FGV, intitulado Pesquisa Quantitativa em Administração, recém lançado pela FGV Editora.

Este número da nossa revista parece particularmente instigante. Portanto, desejo a todos uma boa leitura.

Marcelo Milano Falcão Vieira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Out 2006
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