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A governança regional em turismo: realidade? Estudo de caso sobre o destino Estrada Real

The regional governance in tourism: reality? A case study of the Estrada Real Program's destination

Resumos

Nas últimas duas décadas, no Brasil e no mundo, difundiu-se o conceito de "governança regional" como um modelo democrático e inovador de gestão. Contudo, sua aplicabilidade no turismo ainda se revela repleta de mitos e incongruências. Este artigo visa analisar a efetividade dos modelos de governança adotados em programas de desenvolvimento turístico no país, tendo como base o estudo de caso do Programa Estrada Real. Para isso, foi feita uma pesquisa com profissionais diretamente ligados ao setor turístico da macrorregião Sudeste, onde esse programa encontra-se em execução. O estudo realizado permitiu avançar na identificação de problemas sobre o planejamento, a implementação e o acompanhamento do programa, evidenciando o baixo grau de entendimento sobre o que é governança regional, seus óbices operacionais e expectativas de fortalecimento.

turismo; governança regional; Programa Estrada Real; estudo de caso


During the last two decades the concept of regional governance has been spread all around the world as a democratic and innovative model of managing. Meanwhile, in the field of tourism the use of this concept is still embedded in myths and incongruence. This study aims at analyzing the effectiveness of the governance models applied in the development of the tourism in Brazil based on a case study of the Estrada Real Program. A survey with the professionals enrolled with the tourist sector of the southeast macro-region of the country, where this Program is implemented, supported the research. The conclusion point to problems related to the planning, implementation and follow-up of the Program, showing a low degree of understanding among the professionals of the concept of regional governance and their operational obstacles and possibilities of strengthening.

tourism; regional governance; Estrada Real Program; case study


ARTIGOS

A governança regional em turismo: realidade? Estudo de caso sobre o destino Estrada Real

The regional governance in tourism: reality? A case study of the Estrada Real Program's destination

Saulo BarbaráI; Márcia Cristina da Silva LeitãoII; Joaquim Rubens Fontes FilhoIII

IDoutor em engenharia de produção pela UFF/Coppe e mestre em administração pela UFF. Membro do Observatório de Inovação em Turismo da FGV/Ebape, do Laboratório de Gestão Avançada da Produção (Sage) (UFRJ/Coppe) e do Conselho de Computação Corporativa do IDC/Latin America. Professor convidado da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape)-FGV/RJ - Núcleo de Estudos Avançados em Turismo (Neath). Endereço: Rua São Francisco Xavier, nº 524/2º andar, bloco 2F. Brasil - CEP. 20.550-013. E-mail: sboliver@terra.com.br

IIBacharel em comunicação social pela Faculdade da Cidade - habilitação: jornalismo (1985). Trabalha na assessoria de relações institucionais do Departamento Nacional do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Pós-graduanda do Programa Observatório da Inovação de Turismo da Escola Brasileira de Administração Publica e de Empresas (Ebape)-FGV/RJ - Núcleo de Estudos Avançados em Turismo. Pesquisadora do Programa Observatório da Inovação de Turismo da Escola Brasileira de Administração Publica e de Empresas (Ebape)-FGV/RJ - Núcleo de Estudos Avançados em Turismo (Neath). Endereço: Rua Ivolândia, nº 2/aptº 201 - Del Castilho, Rio de Janeiro/RJ - CEP. 21.051-160. E-mail: marcialeita@senac.br

IIIDoutor em administração (FGV/Ebape) e mestre em administração pública (FGV/Ebape) e em engenharia de produção (Coppe/UFRJ). Engenheiro de Produção (UFRJ). Professor adjunto da FGV/Ebape e coordenador acadêmico do Núcleo de Estudos Avançados em Turismo (Neath) da FGV. Endereço: Praia de Botafogo, 190 sl. 502 - Botafogo - Rio de Janeiro/RJ - Brasil - CEP. 22.253-900. E-mail: joaquim.rubens@fgv.br

RESUMO

Nas últimas duas décadas, no Brasil e no mundo, difundiu-se o conceito de "governança regional" como um modelo democrático e inovador de gestão. Contudo, sua aplicabilidade no turismo ainda se revela repleta de mitos e incongruências.

Este artigo visa analisar a efetividade dos modelos de governança adotados em programas de desenvolvimento turístico no país, tendo como base o estudo de caso do Programa Estrada Real. Para isso, foi feita uma pesquisa com profissionais diretamente ligados ao setor turístico da macrorregião Sudeste, onde esse programa encontra-se em execução. O estudo realizado permitiu avançar na identificação de problemas sobre o planejamento, a implementação e o acompanhamento do programa, evidenciando o baixo grau de entendimento sobre o que é governança regional, seus óbices operacionais e expectativas de fortalecimento.

Palavras-chave: turismo; governança regional; Programa Estrada Real; estudo de caso.

ABSTRACT

During the last two decades the concept of regional governance has been spread all around the world as a democratic and innovative model of managing. Meanwhile, in the field of tourism the use of this concept is still embedded in myths and incongruence. This study aims at analyzing the effectiveness of the governance models applied in the development of the tourism in Brazil based on a case study of the Estrada Real Program. A survey with the professionals enrolled with the tourist sector of the southeast macro-region of the country, where this Program is implemented, supported the research. The conclusion point to problems related to the planning, implementation and follow-up of the Program, showing a low degree of understanding among the professionals of the concept of regional governance and their operational obstacles and possibilities of strengthening.

Keywords: tourism; regional governance; Estrada Real Program; case study.

Introdução

Na busca por um novo modelo de desenvolvimento turístico fundamentado no princípio da territorialidade, o governo de Minas Gerais aprovou em janeiro de 1999 a Lei nº13.173, instituindo o Programa de Incentivo ao Desenvolvimento do Potencial Turístico da Estrada Real. Vale ressaltar que, na territorialidade, o espaço local é visto como sede da ação, onde se processa o desenvolvimento econômico, social e cultural, sendo produto da herança histórica (SANTOS, 1996 apud VIEIRA; VIEIRA, 2000).

O percurso denominado "Estrada Real" foi originalmente utilizado por bandeirantes, escravos, tropeiros e aventureiros interessados na exploração das riquezas das Minas Gerais do século XVII a XIX. Hoje, a estrada passa por 177 cidades e distritos nos seus 1.400km de extensão. Em 2003, o governo mineiro adotou um modelo descentralizado de planos de desenvolvimento, baseado em "circuitos turísticos", ou seja, em um

conjunto de municípios de uma mesma região, com afinidades culturais, sociais e econômicas, que se unem para organizar e desenvolver a atividade turística regional de forma sustentável, através da integração contínua dos municípios, consolidando uma atividade regional. (DECRETO Nº 43.321, de 08 de maio de 2003)

Por determinação desse decreto e da Resolução nº007/2003, os chamados "circuitos" reúnem "poder público, iniciativa privada, sociedade civil organizada, podendo abranger organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips), autarquias e fundações estabelecidas nos municípios que compõem o circuito".

A essa estrutura de gestão do espaço turístico somou-se um organismo empresarial calcado na articulação intersetorial e interinstitucional: o Instituto da Estrada Real, sociedade civil sem fins lucrativos, constituída em 1999 e financiada pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Como decorrência da política nacional de regionalização do turismo, instituída pelo governo federal (leia-se Ministério do Turismo), foi ainda instalada a Agência de Desenvolvimento do Turismo da Macrorregião Sudeste (Adetur/SE) que

tem como finalidade promover o desenvolvimento do Turismo Integrado na Macrorregião Sudeste do Brasil, exercendo gestão estratégica e compartilhada através de programas, projetos e ações de interesse comum aos estados. (Id., 2005)

Entre os projetos prioritários dessa agência, está o Programa Estrada Real.

Todas essas instâncias (circuitos, institutos e agências) atuam na área de abrangência da Estrada Real, promovendo, de forma participativa e descentralizada, a gestão de projetos e ações focados no desenvolvimento turístico da região, os quais, muitas vezes, acabam associados à idéia de governança regional. Nesse contexto, este artigo tem como objetivo avaliar o processo de institucionalização da governança regional (GR), com base no estudo de caso da Estrada Real.

A metodologia contemplou duas fases. Inicialmente, informações documentais e bibliográficas foram sistematizadas e analisadas, no que diz respeito ao modelo jurídico adotado, à relação entre governo e governança, bem como no que se refere a aspectos da articulação interinstitucional e ao acúmulo de capital social pelos atores participantes da GR aplicado ao desenvolvimento turístico na área de abrangência da Estrada Real. Essa análise serviu de base para a construção do roteiro de entrevistas com atores significativos na implementação da governança do destino Estrada Real, realizadas com o intuito de se compreender a percepção desses atores sobre o conceito de governança e aspectos que envolvem o tema. Para esta pesquisa, concluída em dezembro de 2006, foram entrevistados 12 representantes de órgãos governamentais de turismo, lideranças empresariais e gestores de entidades representavas da sociedade civil organizada com interesses afins à atividade turística.

Na seqüência, apresentamos conceitos sobre turismo, globalização, desenvolvimento regional e as atuais políticas públicas focadas na descentralização e regionalização do turismo no âmbito da Estrada Real, os quais nos ajudaram a compreender o estágio atual da adoção da governança regional no país.

Turismo e governança: construção do conceito

Os conceitos envolvendo as palavras "turismo" e "turista" começaram a ser utilizados no início do século XIX, tendo desde então passado por considerável evolução. De acordo com Dias (2005), uma das definições mais concisas quanto ao que seja turismo foi formulada por Marcel Gautier, para quem turismo é "o conjunto de fenômenos econômicos e sociais originados pelas viagens." (GAUTIER, apud DIAS, 2005, p.16). Posteriormente, Walter Hunziker e Kurt Krapf elaboraram uma definição que foi aceita e adotada pela Association Internacionale des Esperts Scientifiques du Tourisme (Aiest), segundo a qual o

Turismo é o conjunto de relações e fenômenos produzidos pelo deslocamento e permanência de pessoas fora de seu lugar de domicílio, desde que esses deslocamentos e permanência não estejam motivados por uma atividade lucrativa. (HUNZIKER; KRAPF, apud DIAS, 2005, p.16)

O turismo compreende não só o deslocamento, a hospedagem e a visitação de atrativos turísticos, mas também a oferta de todos os produtos e serviços necessários a um espaço turístico. O turismo, como o primeiro setor econômico da era da globalização, traz alterações de toda ordem, não apenas no âmbito individual ou organizacional, mas também nos níveis local e regional. Ao trabalhar com o movimento de pessoas residentes e não-residentes, torna-se responsável por promover o contato entre diferentes culturas e por induzir mudanças socioculturais nas comunidades locais. Isso origina "alterações mais ou menos profundas no comportamento individual e familiar, no estilo de vida, nas relações de amizade, nos níveis de segurança, na conduta moral [...], nas expressões criativas, nas cerimônias tradicionais, nos usos e nos costumes." (SARMENTO, 2004).

Panosso Neto (2005, p.29) afirma que o turista é um "ser histórico. Não um ser acabado, mas um ser em contínua construção, em contínua formação". Na sua visão, o turismo é experiência e a experiência turística não pode ser analisada desconectada do momento histórico, do "vir-a-ser" do turista. Os bens e os serviços oferecidos aos turistas, bem como a infra-estrutura (hotéis, agências de viagens e aeroportos), são experienciados historicamente tanto pelo "ser" turista quanto pelo "ser" recepcionista de hotel, seja pelo "ser" agente de viagens como pelo "ser" piloto de avião; seres diferenciados entre si. Desse intrincado intercâmbio de "seres", bens e serviços nasce uma relação complexa e, por vezes, conflituosa que se reflete no homem, no espaço e no tempo.

Turismo, globalização e desenvolvimento regional

A postura "globalizada" do turismo é um ingrediente a mais na ambigüidade vivida pela atividade no Brasil e no mundo. Se de um lado a atividade turística demanda a internacionalização da sua operacionalidade, da sua infra-estrutura de transporte, de hospedagem e dos canais de comercialização, de outro, incorpora um forte comprometimento com o espaço e a cultura local (SARMENTO, 2004).

Vieira e Vieira (2000) ressaltam que a geoestratégia dos espaços econômicos é, por definição, um conjunto de circunstâncias que formam um cenário próprio onde se articulam a importância do lugar, o local da ação e a manifestação de poder. Assim, o espaço, criado ou em redefinição, portador de atributos logísticos, identifica um lugar econômico onde se produzem as conexões entre a ação e o poder. Portanto,

a natureza do lugar, sua representatividade econômica, sua inserção em estratégias globais de produção e consumo, e a conexão em redes mundiais configuram um complexo de circunstâncias que definem uma categoria geoestratégica para os espaços econômicos. (VIEIRA; VIEIRA, 2000, p.111)

No caso específico do turismo, por sua multissetorialidade, sua cadeia produtiva funciona como uma "atividade territorializada", um aglomerado local marcado pelo espaço geográfico, pela dependência em relação à territorialidade de seus recursos (LEMOS, 1996. Entretanto, essa característica da chamada "territorialização", por vezes, acaba esquecida em favor dos aspectos econômicos da atividade. Como destaca Beni (2001):

Saulo Barbará Márcia Cristina da Silva Leitão A governança regional em turismo: realidade? Estudo de caso sobre o Joaquim Rubens Fontes Filho destino Estrada Real

No Turismo, pode-se imaginar, a priori, que tanto a área estatal como a empresarial têm como objetivo real o lucro. O Estado espera da atividade turística o superávit no balanço de pagamentos na conta específica, em razão do ingresso de divisas, e as empresas que atuam no setor igualmente dimensionam a prestação de seus serviços em razão da lucratividade dos investimentos necessários. (BENI, 2001, p.25)

Tudo isso pode ocorrer em detrimento do investimento social e do fortalecimento da identidade local. A ganância e a especulação imobiliária, a saturação da infra-estrutura básica de saneamento, transporte e circulação, a prostituição e os assaltos, a degradação ambiental, o aviltamento social e a exploração da mão-deobra são possíveis seqüelas do mesmo turismo que faz circular riquezas.

A chave para o turismo se "internacionalizar", sem implodir o espaço da comunidade local, está na concepção e implementação de políticas de desenvolvimento turístico que vão além do reducionismo econômico, dando nova dimensão à palavra "desenvolvimento". Cresce, assim, a adesão à prática do chamado "desenvolvimento regional", não apenas na atividade turística, mas em diferentes instâncias produtivas e políticas do país. Pelo novo modelo desenvolvimentista, as relações fundamentais entre os diversos atores sociais pertencentes a um espaço territorial estão calcadas no tripé pessoas/recursos/tecnologias.

A esse respeito, vale destacar Munôz (apud CANDIDO; GOEDERT; ABREU, 1997), que condiciona o desenvolvimento de um território ao seu potencial endógeno, ou seja, à possibilidade de converter determinado território num ambiente propício ao desenvolvimento, com base em três fatores fundamentais: no capital físico, no capital humano e no conhecimento. Entretanto, não faz sentido mencionar a acumulação de capital, seja ele físico ou humano, de conhecimento ou de tecnologia, deixando de lado as relações interorganizacionais e intersetoriais voltadas à coesão econômica e social, à complementaridade e à cooperação. Tampouco quando se trata de turismo, pode-se imaginar o Estado assumindo isoladamente o papel de âncora desse processo de desenvolvimento regional, uma vez que a parceria entre o público e o privado mostra-se essencial.

É nesse contexto que a governança se apresenta e ganha ares de essencialidade para as políticas de desenvolvimento regional do turismo.

Um novo Estado e a governança

Lado a lado com o conceito de "desenvolvimento regional" cresce em todo o mundo a tendência da administração pública à descentralização ou downsizing. A idéia central inicial era buscar maior flexibilidade de gestão a partir da menor concentração das responsabilidades estratégicas e/ou orçamentárias. Isso implicava a criação e ampliação interinstitucional da esfera pública para outras instituições/organizações, bem como a adoção de novos modelos contratuais e de investimentos. Porém, o sucesso dessa nova tendência depende dos ideais de participação política. Políticas públicas são descentralizadas e uma maior participação popular precisa ser intensificada, não apenas no processo de homologação e planejamento de decisões, mas também na gestão e fiscalização de recursos e no fortalecimento de governos locais.

Na literatura recente de administração pública, essa tendência a um novo Estado traduz-se no termo "governança", uma vez que:

diz respeito à capacidade governativa no sentido amplo, envolvendo a capacidade de ação estatal na implementação das políticas e na consecução das metas coletivas. Refere-se ao conjunto dos mecanismos e dos procedimentos para lidar com a dimensão participativa e plural da sociedade, o que implica expandir e aperfeiçoar os meios de interlocução e administração do jogo de interesses. (DINIS, 1996 apud MOTA; MOURA DUARTE; BARTHOLO JR., 2002, p.65-66)

Ao analisar a "modernização do setor público" e o modelo de governança pública adotado na Alemanha na última década, Kissler (2006) afirma que a governança tornou-se um conceito-chave que todos utilizam sem saber exatamente o que é. Seu significado original, segundo o pesquisador alemão, estava associado ao debate político-desenvolvimentista, no qual o termo referia-se a políticas de desenvolvimento orientadas por determinados pressupostos sobre elementos estruturais - como gestão, responsabilidades, transparência e legalidade do setor público - considerados necessários ao desenvolvimento de todas as sociedades.

O autor cita também a definição de Löffer (2001, p.212 apud KISSLER, 2006), que apresenta governança como "uma nova geração de reformas administrativas e de Estado, que têm como objeto a ação conjunta, levada a efeito de forma eficaz, transparente e compartilhada". Em outras palavras, trata-se de um modelo de gestão onde atores locais e regionais promovem juntos determinada ação. Por sua vez, uma ação conjunta é uma ação de cooperação entre os agentes, cooperação que pressupõe "entendimento", fraternidade e convergência de expectativas e propostas

Kissler (2006) prossegue a discussão do tema ao questionar: "Que significado tem o Estado nas estruturas de governança? O que distinguiria então Governança de Governo?". Para o autor, a resposta a essa pergunta permite identificar três fases no debate sobre a transição do Estado convencional para um novo modelo de Estado. Assim, conceitualmente, o Estado tradicional vem se transformando:

a) de um Estado de serviço, produtor do bem público, em um Estado que serve de garantia à produção do bem público;

b) de um Estado ativo, provedor solitário do bem público, em um Estado ativador que aciona e coordena outros atores a produzir com ele;

c) de um Estado dirigente ou gestor, em um Estado cooperativo, que produz o bem público em conjunto com outros atores.

No Brasil, a evolução da relação Estado/sociedade é marcada pela promulgação da atual Constituição Federal, em 1988, que trouxe três importantes conceitos no tocante às políticas públicas do país:

a) a garantia dos direitos sociais do cidadão;

b) princípios de universalização dos serviços públicos; e

c) a descentralização no tratamento/tomada de decisões de políticas públicas.

Amparada nesses preceitos constitucionais, foi estimulada a institucionalização, em todo o país, de uma série de conselhos representativos da sociedade civil para atuar no assessoramento ou diretamente no processo de tomada de decisões de políticas públicas e projetos. Hoje, cerca de 30 conselhos nacionais, deliberativos ou não, estão distribuídos por 10 áreas de atuação: trabalho, educação, assistência social, previdência social, defesa de direitos, cultura, saúde, ciência e tecnologia, meio ambiente e turismo. Em sua maioria, esses conselhos adotam um modelo multipartite, constituídos com membros do governo, representantes de empresários, representantes dos trabalhadores e das associações da sociedade civil organizada. Entre estes, os conselhos Nacional, estaduais e municipais de Saúde, responsáveis pela governança no âmbito do Sistema Único de Saúde, são muitas vezes tidos como referência em "processo participativo de gestão" (PINHEIRO, 1996, p.64-98).

Porém, em estudos de caso sobre o funcionamento dos conselhos municipais de saúde nos municípios fluminenses de Angra dos Reis, Resende e Bom Jesus do Itabapoana, Pinheiro (ibid.) registra uma difícil articulação entre as formas participativas e representativas, por sua vez, marcada pela:

a) complexidade do diálogo (dificuldade dos representantes comunitários compreenderem as questões técnicas ali debatidas);

b) a falta de informações (desconhecimento da dinâmica processual administrativa); e

c) a dificuldade no processo de representação (a influência político-partidária na definição/seleção dos membros do conselho e a falta de legitimidade de algumas supostas lideranças participantes do conselho).

Além disso,

as relações entre os conselheiros e suas bases são débeis, evidenciando um tipo de "conselhismo" entre seus participantes, no qual o conselheiro não retorna à sua entidade para discutir propostas, o que tende a comprometer a legitimidade de suas representações. (PINHEIRO, ibid., p.84)

Sem conhecimento técnico e administrativo para compreender as questões em pauta e com representações que desconhecem os reais anseios dos grupos que representam, o processo decisório desses conselhos tem evidenciado tomadas de decisão eminentemente homologadoras de um jogo de poder que envolve autoridades governamentais e grupos de interesse econômico. Em sua maioria, esses conselhos ratificam as ações e decisões do governo, legitimando propostas partidárias ou de grandes grupos econômicos, as quais, infelizmente, nem sempre refletem a melhor solução para o bem comum. Instâncias de governança semelhantes, com vícios semelhantes de hierarquização e tráfego de influências, se reproduzem em estados e municípios (PINHEIRO, 1996).

A política nacional de regionalização e a descentralização orçamentária proposta pelo governo Lula, no caso do turismo, levaram à criação de fóruns estaduais e de conselhos municipais que, hoje, apresentam estágios diferenciados de desenvolvimento e de qualidade técnica.

As questões da governança regional (GR) em turismo no Brasil e o PRT

O PRT e a visão federalpara a governança regional

O Programa de Regionalização do Turismo - Roteiros do Brasil (PRT/RB), lançado de 2003 pelo Ministério do Turismo (MTur), visou

estimular em todo o país a adoção de um novo modelo de gestão descentralizada, coordenada e integrada, com base nos princípios da flexibilidade, articulação, mobilização, cooperação intersetorial e interinstitucional, e na sinergia de decisões

.

O documento orientador do programa, lançado em 2004, previa que os agentes públicos e privados

deveriam estar unidos em torno de objetivos comuns como: a estruturação dos destinos turísticos; a qualificação do produto turístico; a diversificação da oferta turística; a ampliação e qualificação do mercado de trabalho; a ampliação de seu consumo no mercado internacional; e o aumento da taxa de permanência e do gasto médio do turista em seu destino.

Recorrendo à prática de oficinas de planejamento, foram identificadas 219 regiões turísticas em todo o país, bem como as potencialidades e necessidades de cada uma dessas regiões, levando em consideração o respeito às peculiaridades locais e tendo em vista o desenvolvimento turístico regional. Para a sua implementação, o programa definiu como base estruturante, nove módulos, cuja etapa 3 referia-se à institucionalização da instância de governança regional. Ainda segundo o documento orientador do Ministério do Turismo, tal instância de GR a ser estabelecida teria como estratégias primordiais:

1) organizar e coordenar os diversos atores;

2) avaliar e endossar projetos elaborados por esses atores;

3) mobilizar parceiros regionais;

4) trabalhar o planejamento e a gestão dos produtos turísticos;

5) integrar as ações intra-regionais e interinstitucionais;

6) realizar o planejamento, acompanhamento, monitoria e avaliação; e

7) captar recursos.

É importante notar que no mesmo documento, no subtítulo "4.3.2 Formato e Instrumentos", o Ministério do Turismo (MTur) frisa que "a estrutura, o formato e o caráter jurídico da instância de governança ficarão a cargo dos envolvidos, podendo ser um fórum, um conselho ou outro tipo de colegiado." (BRASIL, 2004, p.28)

Outro documento, específico sobre a institucionalização da instância de governança em âmbito regional do MTur, define governança como "[...] a capacidade gerencial ou, em um universo mais restrito, como a capacidade dos governos de gerarem respostas às demandas sociais". Destaca o documento que

essa competência técnica de governar, na proposta de governança social ou governança democrática, incorpora os mecanismos de gestão participativa e envolve as populações locais na elaboração, monitoramento e, em alguns casos, na execução de políticas públicas. (BRASIL, 2005, p.11)

Tal documento sugere que sejam sensibilizados, mobilizados e capacitados os seguintes atores sociais: gestores públicos do turismo municipal; representantes de segmentos relacionados direta ou indiretamente à atividade turística, estadual e municipal; representantes das organizações não-governamentais; representantes das instituições voltadas ao desenvolvimento regional e à sociedade civil; representantes dos órgãos ambientais, de transporte, de infra-estrutura, de saúde e de segurança; representantes do Sistema "S" (Senac, Senai, Sesi, Sebrae e Sesc); representantes da cadeia produtiva do turismo, ou seja, representantes de diferentes grupos sociais com características econômicas, sociais e culturais bastante heterogêneas; além de outras lideranças locais. Nesse documento, são ainda apresentados cinco modelos de GR aplicáveis aos propósitos do programa governamental: 1. associação; 2. conselho; 3. fórum; 4. comitê e 5. consórcio intermunicipal.

O caso estudado

Para compreender e analisar a efetividade dos modelos de governança adotados em programas de desenvolvimento turístico no país, foi escolhido o caso do destino turístico Estrada Real. Atualmente, considerando seus dois caminhos e suas variantes, a Estrada Real passa por 162 cidades e distritos no estado de Minas Gerais, por oito no Rio de Janeiro e por sete em São Paulo, num percurso que cobre 177 cidades e distritos, totalizando 1.400km de extensão. Considerando seu porte, sua importância econômica e turística para a região, bem como o processo de desenvolvimento de sua governança, o caso apresenta elementos de interesse se levarmos em conta os objetivos deste artigo. De forma a tornar operacional o conceito de efetividade, tomamos como exemplos referenciais de governança na região: as associações de circuitos turísticos mineiros, os conselhos regionais de turismo fluminenses e as agências de desenvolvimento regional recentemente criadas.

Metodologia

A pesquisa foi dirigida a três grupos de pessoas ligadas diretamente à atividade turística da região estudada, a saber:

a) representantes dos governos estaduais e municipais (Secretários de Turismo ou seus assesores);

b) representante da iniciativa privada;

c) representantes da sociedade civil organizada (Comitê Pro-Unesco de Parati e Associação do Circuito do Ouro).

A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas pessoais ou por telefone, utilizando-se um roteiro estruturado. Ao todo, participaram da pesquisa, realizada no período de 13 de novembro a 30 de dezembro de 2006, 12 pessoas. A estrutura da entrevista, utilizada também como base para a apresentação dos resultados, foi feita em torno de quatro eixos temáticos:

a) percepção do conceito de governança regional (GR) - resultante do agrupamento das respostas às seguintes questões: O que você entende por GR? Como você avalia o processo de institucionalização da instância de governança na região abrangida pelo programa Estrada Real e qual sua opinião sobre o modelo de GR adotado?

b) relação entre governança regional e governo - resultante do agrupamento das respostas às seguintes perguntas: Como o modelo adotado se integrará aos mecanismos de governança já existentes (fóruns estaduais, conselhos municipais, associações de circuitos e secretarias de turismos)? As instâncias de GR trazem alguma implicação para fortalecer ou enfraquecer as governanças locais/municipais? Quais as responsabilidades/competências cabíveis aos atores participantes da GR?

c) articulação interinstitucional no âmbito da Estrada Real - resultante do agrupamento das respostas às seguintes perguntas: Como você avalia a relação entre os atores do ponto de vista da: comunicação entre os membros? Do entendimento quanto aos processos administrativos e técnicos envolvidos nas questões em debate? Da integração entre os atores? Da legitimidade das representações participantes e da mobilização dos atores?

d) expectativa quanto ao acúmulo do capital social - resultante do agrupamento das respostas à seguinte pergunta: Qual sua expectativa com relação ao acúmulo de capital social entre os atores, a partir da GR? Para tanto, foi conceituado, para os entrevistados, "capital social" como "a capacidade de associação, de construção de redes de solidariedade, de cooperação e criação de confiança mútua entre os setores sociais." (BOMBAL; KROTSCH, 1998 apud MOTA; MOURA DUARTE; BARTHOLO JR., 2002). O objetivo era identificar se os participantes de instância de governança reconheciam em sua participação na GR uma oportunidade para o compartilhamento de recursos - informações, idéias, valores e apoios - capazes de contribuir para o fortalecimento das entidades participantes e, assim, promover uma maior coesão social.

O destino ESTRADA REAL e as veredas do desenvolvimento regional no Brasil

As "Estradas Reais" eram vias oficiais que, cortando o território do Brasil colônia, ligavam o litoral ao interior. Além disso, também tinham a função, atribuída pela corte portuguesa, de funcionar como ponto de controle do trânsito de pessoas e riquezas, haja vista que por essas vias passavam coletores de impostos, bandeirantes, escravos, tropeiros e aventureiros, todos interessados nas riquezas da colônia. Nas Minas Gerais dos séculos XVII a XIX, a cobiça pelo ouro e pelas pedras preciosas criou os chamados "Caminho Velho", ligando a cidade fluminense de Parati ao município mineiro de Ouro Preto, e "Caminho Novo", entre o Rio de Janeiro, até Ouro Preto e de Ouro Preto à Diamantina, contemporaneamente chamado de "Caminho dos Diamantes". Outra variante da Estrada Real, o "Caminho da Bahia", ligava então Vila Real de Sabará (MG) a Salvador, passando por localidades do norte de Minas e do sul daquele estado junto ao vale do rio São Francisco.

Os esforços para burlar o fisco resultaram na abertura de rotas de contrabando que acabaram formando uma incrível malha de trilhas e caminhos não-oficiais, ampliando assim a área de abrangência das chamadas "Estradas Reais". Conforme argumenta Anghinetti, secretário de Turismo de Minas Gerais do governo Aécio Neves, "a história diz que caminhos reais, estradas reais e trilhas reais são todos os caminhos utilizados em qualquer colônia para o transporte, para o escoamento de produtos e mercadorias produzidas naquela colônia, em qualquer nação deste mundo". Segundo ele, não é privilégio de Minas, nem do Brasil, o uso da alcunha "Estrada Real" (ANGHINETTI, 2006, p.31-41). Entretanto, mesmo não sendo única, a Estrada Real brasileira guarda o mérito de ter sido "institucionalizada" como um programa estruturado de desenvolvimento do turismo. Ao longo dos caminhos (Velho e Novo) da Estrada Real: um mundo de patrimônios históricoculturais - alguns hoje reconhecidos como patrimônios da humanidade pela Unesco, como o santuário Bom Jesus do Matosinho, em Congonhas, e o conjunto arquitetônico de Ouro Preto -, além de sítios arqueológicos e belíssimas paisagens naturais.

A idéia original do destino Estrada Real era reproduzir no Brasil a bem-sucedida experiência internacional do Caminho de Santiago de Compostella. Segundo afirmou Antônio Henrique Borges Paula, secretário adjunto e depois titular da Secretaria de Turismo de Minas Gerais no governo Itamar Franco, durante entrevista em 24 de novembro de 2006, o Programa Estrada Real nasceu como um programa estruturante, apoiado no modelo internacional de sucesso do caminho místico que liga a França ao norte da Espanha. O Caminho de Santiago é uma rota de peregrinação que, acredita-se, foi percorrida pelo apóstolo São Tiago. A estimativa é de que, em média, anualmente, 20 mil pessoas façam essa rota turística a pé, de bicicleta ou a cavalo. O trajeto até o sepulcro do apóstolo na atual cidade espanhola de Santiago de Compostella tem cerca de 887 km e é repleto de construções civis, militares e religiosas de diferentes séculos, sendo possível observar estilos arquitetônicos vários, como o romântico, o gótico, o barroco e o neoclássico.

Em 1999, o governo de Minas Gerais elaborou o Programa de Incentivo ao Desenvolvimento do Potencial Turístico da Estrada Real. Um decreto estadual (nº 41.205, de 8 de agosto de 2000) regulamentou o programa, que passou a ser conhecido como "Programa Estrada Real", sendo o primeiro plano do desenvolvimento turístico no país centrado em uma rota e focado simultaneamente em vários municípios e em diferentes segmentos da atividade turística (turismo ecológico, turismo de aventura, turismo histórico-cultural, rural etc.). O programa mineiro foi o pioneiro também, no Brasil, em propor a formação de um conselho consultivo de turismo com participação tripartite (Estado/empresariado/comunidades), gerenciado pela TurisMinas (Empresa Mineira de Turismo). Esse conselho consultivo era composto por 12 membros: cinco originários da esfera pública (representantes da TurisMinas, das secretarias estaduais de Turismo, de Cultura e do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e da Assembléia Legislativa de Minas Gerais) e sete outros de instituições de pesquisa, de educação e de organizações ligadas ao empresariado do setor turístico e do terceiro setor.

A descentralização como estratégia de gestão pública

Em 2003, o governo do estado de Minas Gerais mudou sua estratégia de desenvolvimento regional, descentralizando o processo de levantamento e gestão da oferta turística, por meio da criação de "circuitos turísticos". Dessa forma, o plano de desenvolvimento turístico da Estrada Real passou a abranger, inicialmente, sete circuitos: Circuito dos Diamantes, Circuito da Serra do Cipó, Circuito do Ouro, Circuito da Trilha dos Inconfidentes, Circuito do Caminho Novo, Circuito das Águas e Circuito das Terras Altas da Mantiqueira. Outros seis circuitos turísticos foram constituídos ao longo da Estrada Real, nos últimos anos: Circuito Villas e Fazendas de Minas, Circuito Vale Verde e Quedas D'água, Circuito Montanhas Mágicas da Mantiqueira, Circuito Serras do Ibitipoca, Circuito Caminhos do Sul de Minas e Circuito Nascente do Rio Doce.

A própria Resolução nº 007 limitou a abrangência da descentralização e da desregulamentação, ao estabelecer, por exemplo, entre os documentos institucionais e exigências estatutárias para o reconhecimento dos circuitos turísticos que

[...] em sua composição o Circuito Turístico terá que contemplar a participação do Poder Público, Iniciativa Privada, Sociedade Civil Organizada, podendo abranger ONGs, autarquias e fundações estabelecidas nos municípios que compõem o Circuito.

Nota-se na legislação vigente uma forte preocupação em regulamentar as ações de inventário e diagnóstico turístico, tanto quanto em relação ao marketing dos circuitos. Ao longo dos anos, em meio à sucessão política no estado, o trajeto original da estrada tornou-se apenas eixo estruturante para o estabelecimento de roteiros turísticos mais amplos, ou seja, para oferta estruturada e integrada de produtos e serviços turísticos a partir de um itinerário específico. Em outras palavras, o objeto histórico do programa - aquilo que dava identidade a esses roteiros - terminou relegado a um segundo plano. Segundo Raphael Olivé, professor de administração pública da Escola do Legislativo de Minas Gerais e um dos participantes das expedições preparatórias do Programa Estrada Real, em entrevista à revista Problemas Brasileiros (2006), a idéia inicial do programa foi desvirtuada. "O programa não traz mais novidade, pois o foco está centrado no turismo em cidades e não nas estradas reais", critica Olivé, lamentando as modificações de traçado feitas com o objetivo de agregar um número maior de localidades ao projeto turístico.

Essas mudanças de traçado vêm possibilitando que novos municípios participem dos convênios firmados com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e as secretarias estaduais de Turismo, de Planejamento e de Gestão. Segundo o Instituto Estrada Real, esses convênios destinaram cerca de R$ 8,5 milhões para investimentos na consolidação das redes de turismo locais ou dos núcleos de desenvolvimento regional, que visam promover a articulação da cadeia produtiva do turismo de forma integrada e regional. Outros R$ 12 milhões foram destinados pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais para financiar empreendimentos em 52 municípios, segundo projeto do Fundese/Estrada Real (Fundo de Fomento e Desenvolvimento Socioeconômico do Estado de Minas Gerais).

Esses recursos disponíveis para o fomento do turismo do destino Estrada Real têm estimulado novos municípios a aderirem às associações dos circuitos da região. Dos 853 municípios de Minas Gerais, 550 encontram-se integrados em circuitos. No entanto, essa integração, que deveria se dar por similaridade cultural, histórica e natural, acabou desvirtuada, devido ao tratamento tributário diferenciado concedido aos municípios "pertencentes à Estrada Real". Como argumenta Anghinetti

[...] alguém espalhou, inadvertidamente, que os municípios que pertencem à área de abrangência da Estrada Real teriam um tratamento, uma partição do ICMS diferenciado. Por isso começamos a receber uma pressão muito grande para inclusão de novos municípios. (ANGHINETTI, 2006)

No estado do Rio de Janeiro, o governo adotou um modelo diferente de descentralização administrativa do turismo. Ao invés de propor a formação de circuitos, optou-se pela definição de regiões turísticas, duas delas dentro da área de abrangência da Estrada Real: a Serra Verde Imperial - que compreende os municípios de Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo, Cachoeira de Macacu, Guapimirim, Itaipava e Lumiar - e a Costa Verde, abrangendo Angra dos Reis, a Ilha Grande, Parati, Rio Claro, Mangaratiba e Itacuruçá. A região da Serra Verde Imperial conta com um conselho regional, enquanto está em formação o Conselho Regional da Costa Verde. Esses conselhos regionais são as primeiras instâncias de governança da gestão descentralizada do turismo fluminense.

Apresentação e discussão dos resultados

Sobre a percepção do conceito de governança regional(GR)

Com referência ao tema, é importante destacar que apenas dois dos 12 entrevistados não responderam à pergunta relativa ao conceito de governança regional; ambos, representantes do poder público. Entretanto, confirmando Kissler (2006), nota-se no conjunto dos entrevistados, pouca clareza quanto à compreensão do significado original do termo. A visão desenvolvimentista do termo "governança" - visão essa orientada para a gestão plural e participativa, objetivando à transparência e à legitimidade das ações numa determinada região - mostra-se, nesta pesquisa, restrita a uma forma institucionalizada de inter-relacionamento entre o poder público e a iniciativa privada.

Definida por um dos entrevistados como "um plano" e por outro como "um sistema de gestão", a governança regional foi associada, por todos os respondentes, com a questão territorial e a com a aliança público-privada, podendo ser assim consolidada na opinião de um deles: "[Governança regional] acreditamos ser o real interrelacionamento de determinados municípios de uma região agindo conjuntamente em busca de soluções comuns a todos em todas as áreas de atuação que se façam necessárias".

Essa definição exemplifica bem a expectativa dos entrevistados de que a governança regional extrapole os limites territoriais, com base num interesse coletivo. Contudo, não está claro o entendimento dos entrevistados quanto às competências de deliberação dessa instância governativa, tampouco os atores que nela se interrelacionariam. Nas definições de alguns dos entrevistados, fica evidente a vinculação da governança regional às atividades de planejamento, enquanto nas conceituações de outros, destaca-se seu caráter como executora de ações que demandam abrangência além de um município.

Na avaliação dos entrevistados, os circuitos turísticos mineiros e os conselhos regionais fluminenses qualificam-se como instâncias de governança regional tanto quanto as agências de desenvolvimento regional do turismo formadas em função das macrorregiões brasileiras (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste), ou no âmbito das microrregiões turísticas definidas a partir do PRT/BR-2003, conforme descrito na revisão da literatura.

Vale destacar que, para os entrevistados, o Programa Roteiros do Brasil, que visa difundir no país um modelo de gestão descentralizada (fundamentado nos princípios de articulação, mobilização, cooperação intersetorial e interinstitucional, bem como na sinergia de decisões), não conseguiu, até agora, consolidar-se numa instância de governança regional, em tempo satisfatório. A maioria deles considera que, apesar de em desenvolvimento há três anos, no que diz respeito ao processo de institucionalização das instâncias de governança, o Programa de Regionalização do Turismo apresenta um ritmo "insatisfatório" ou "lento".

Quanto ao modelo jurídico adotado

A falta de clareza observada nas entrevistas quanto ao conceito de governança implica prejuízos à compreensão sobre a natureza jurídica das instâncias de governança. Como visto anteriormente, a descentralização administrativa, resultante da promulgação da atual Constituição Federal em 1988, levou à criação de conselhos e fóruns multipartites em diferentes áreas de interesse público. No setor de turismo, esses organismos têm tido sua eficácia questionada, segundo três dos 12 entrevistados, devido ao aparelhamento político e à ausência de capacidade deliberativa.

É importante notar o que um desses entrevistados diz a respeito:

Teoricamente fóruns estaduais, conselhos municipais e associações de circuitos deveriam elaborar um diagnóstico territorial, traçar estratégias e criar planos de ações de forma participativa entre eles [Entretanto] na prática, o que se vê são ações pontuais vindas "de cima para baixo", desestimulando e desrespeitando os agentes locais.

Talvez em decorrência do atual perfil desses fóruns e conselhos, cresce o interesse pelas agências de desenvolvimento regionais. Além das cinco agências das macrorregiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste, criadas sob os auspícios do Ministério do Turismo, encontram-se em formação diversas agências de desenvolvimento regional focadas nos circuitos e roteiros turísticos de Minas Gerais.

Entre os benefícios desse modelo, os entrevistados apontam: o perfil tripartite (governo-iniciativa privadacomunidades), a estrutura colegiada e plural, a maior mobilidade de ação e a menor burocracia gerencial. No entanto, ao apontar o modelo das agências como estruturas de governança ideais, cerca de um quarto dos entrevistados parecem confundir governança com parceria público-privada, o que pode ser evidenciado pela seguinte descrição: "[...] o modelo adotado foi o melhor possível [...] A iniciativa privada tem 58% de participação, ficando o poder público com 42%. Turismo deve ser executado e fomentado por uma parceria público-privada."

Sobre a relação entre governança regionale governo

Quando se buscou avaliar a percepção dos entrevistados sobre a relação entre as estruturas de governo e de governança, ficou evidente um conflito de opiniões. Enquanto a metade dos entrevistados afirma, categoricamente, que a integração entre os mecanismos de governo e de governança "não existe" ou "não é satisfatória", a outra metade a considera "satisfatória" ou "excelente". Basta observar o que argumenta um dos entrevistados:

O que vemos é a União - detentora dos recursos - fazendo by pass nos estados e atendendo diretamente aos municípios. [Com isso,] tem se fragilizado cada vez mais os estados e a instâncias estaduais [...] Teoricamente, as agências de desenvolvimento vêm preencher essa lacuna por estruturas técnicas que estejam capacitadas a elaborarem projetos e a gerir recursos, verbas descentralizadas com maior eficiência.

Em outra entrevista fica clara a divergência de avaliação quanto às competências e atribuições das agências de desenvolvimento regional, os fóruns e conselhos de turismo e em relação às secretarias estaduais/municipais de turismo. Para um dos representantes da iniciativa privada, as atribuições de governo e a governança são assim entendidas: "Acredito que as secretarias estaduais de turismo são responsáveis por traçar políticas, empreender ações e atuar junto ao Poder Legislativo de forma integrada com as diretrizes nacionais". Já as "agências de desenvolvimento têm em sua pauta o estímulo aos negócios de turismo. Elas têm a missão de fazer com que os negócios cresçam ano a ano, de forma interestadual [...]."

O consenso, entretanto, surge com a pergunta: A governança regional têm implicações para fortalecer ou enfraquecer as governanças locais? Todos consideram possível que a estrutura democrática de gestão regional seja capaz de fortalecer o programa de desenvolvimento turístico no âmbito da Estrada Real. Isso por que, segundo um dos entrevistados, as instituições municipais passariam a contar com uma nova base de apoio que estimularia e reforçaria, em muitos casos, suas propostas e ações no âmbito local.

Quanto à articulação interinstitucional no âmbito da Estrada Real

Para se chegar ao estágio ideal de evolução das instâncias de governança regional é importante atentar para a qualidade da articulação interinstitucional envolvida, fator-chave nesse processo. Lamentavelmente, a pesquisa realizada revela haver ainda problemas de comunicação, integração e mobilização entre os atores sociais (públicos e privados) participantes dessas instâncias de governança regional, bem como de legitimidade das representações.

Em outra entrevista encontramos as seguintes declarações: "São grupos distintos trabalhando com ações pontuais e isoladas. Há uma indefinição de papéis desses atores e do Estado [...] O que dificulta a comunicação e, conseqüentemente, o trabalho em conjunto". Com relação à atuação do Estado (governo estadual), para esse entrevistado "não existe relacionamento constante, nem positivo."

Quanto ao nível de entendimento por parte dos atores sobre as questões administrativas e técnicas colocadas em avaliação no âmbito das governanças regionais/estaduais/locais, sete entrevistados apresentaram suas opiniões. Para três deles, é necessário melhorar o nível de capacitação dos atores para uma participação mais consciente nessas instâncias de governança; dois consideraram o nível de entendimento satisfatório e um, apesar de considerá-lo satisfatório, argumentou que era "preciso monitorar e avaliar constantemente esse entendimento coletivo, visto que esta é uma eficaz ferramenta para a tomada de decisões."

Para um dos entrevistados, esse baixo entendimento técnico deve-se ao perfil do próprio turismo: "Turismo é uma atividade nova no Brasil. Os empreendimentos turísticos ao longo da Estrada Real são formados de MPEs (pequenas e médias empresas), portanto, com o perfil próprio deles, de pouca gestão focada para resultados." Para outro, a responsabilidade é do próprio ambiente, classificado como "[...] extremamente político, com baixa qualidade técnica e científica". Porém, há ainda quem avalie que falta "transparência na análise e na decisão das ações, dificultando o entendimento por parte dos atores envolvidos e que se sintam discriminados".

O reflexo dessa comunicação deficiente pode ser sentido também na capacidade de mobilização das instâncias de governança, sejam elas locais ou regionais. Ao discorrer sobre esse ponto, um dos entrevistados faz um breve histórico que merece ser descrito:

Tentou-se estabelecer um processo de mobilização destes atores através de conversas formais e informais; estabelecer um laço de confiança através de visitas técnicas do gestor junto a grande parte dos representantes dos poderes públicos e parte da cadeia produtiva. Sentimos grande dificuldade em atraí-los ao processo, uma vez que a própria equipe esbarrava em oligarquias políticas e representantes do poder público municipal, organizações não-governamentais e entidades privadas com grande resistência para com as políticas públicas em nível estadual e federal do turismo. Eventos de mobilização e capacitação possibilitaram um despertar para a atividade turística que dificilmente acontecerá em alguns municípios. Um sentimento de resistência paira em quase toda a região [...].

Ao serem perguntados se já haviam se deparado com questionamentos quanto à legitimidade de alguma representação participante das instâncias de governança existentes, nem todos os entrevistados (apenas oito dos 12), demonstraram ter opinião formada sobre o tema. Destes, apenas três admitiram ter assistido questionamentos dessa ordem. Dentre os comentários mais significativos destaca-se:

[...] hoje são tantos os conselhos e órgãos dessa natureza: Tutelar da Criança e do Adolescente, Meio Ambiente, Saúde etc. que acabam por comprometer a confiança nesses instrumentos. Muitos sofrem o aparelhamento político que afasta as representações legítimas.

Em relação à expectativa quanto ao acúmulo de capital social

Mesmo sem afastar as representações legítimas, percebe-se que o aparelhamento político e a comunicação/mobilização deficientes têm prejudicado a participação das entidades comunitárias ligadas ao terceiro setor e à sociedade civil organizada nessas estruturas de governança.

Nota-se que o grande desafio do Programa Estrada Real na atualidade é justamente atrair novos atores, mobilizar/sensibilizar as comunidades envolvidas e alcançar um acúmulo de capital social entre os participantes. É interessante observar que a maioria dos entrevistados do setor público acredita que a participação no processo de governança regional do turismo pode contribuir para o acúmulo de capital social. Eles dizem que a "região colherá vários benefícios com a implementação do Programa", acrescentando que

entre estes está a melhoria do acúmulo de capital social entre os atores, pois a oportunidade de intercâmbio cultural entre a comunidade local e os turistas, certamente, acarretará no fortalecimento do orgulho étnico e na valorização da herança cultural.

Entretanto, no grupo de representantes da iniciativa privada, há quem considere o acúmulo de capital social uma questão de crescimento econômico. Como afirma um dos entrevistados, "nosso objetivo principal [com a agência de desenvolvimento regional] não é o social, mas o fomento do negócio turismo." Para outro entrevistado,

[...] a expectativa é que a partir do momento em que o destino for conhecido nacionalmente, haja um crescimento geral de todos os atores (empresários, poder publico, comunidades). Sendo assim, estaremos alcançando o nosso objetivo de formatar um destino turístico no Brasil.

Formar uma rede social no âmbito da Estrada Real não é uma decorrência do crescimento ou da consolidação do destino turístico. Na verdade, é um pré-requisito para a consecução desses objetivos, que para serem alcançados, exigem uma maior articulação interinstitucional. No entanto, para ser efetiva, essa articulação deve ter a capacidade de resgatar os princípios da cooperação, da orientação para a territorialidade e para a transdisciplinaridade na cadeia produtiva do turismo.

Montar redes sociais e "acumular capital social" significa também dar conta da diversidade de valores culturais e históricos da região e, assim, contribuir para a difusão de uma identidade cultural regional, auxiliando no fortalecimento da marca Estrada Real.

Quanto à questão do monitoramento e da avaliação dos impactos do Programa Estrada Real no desenvolvimento econômico da região, nenhum dos respondentes foi capaz de quantificar através de indicadores o possível desenvolvimento regional, ainda que sete entrevistados tenham apresentado suas opiniões sobre os temas em questão - evolução do PIB, evolução do IDH, aumento dos investimentos em infraestrutura turística, aumento da oferta de emprego e metas de crescimento.

Observações críticas ao processo

Apesar das várias alternativas apresentadas pela atual gestão do MTur, a grande tendência seguida pelos grupos representativos participantes do programa governamental de regionalização do turismo tem sido pela formação de instituições de caráter associativo, sociedades civis, sem fins lucrativos, que congregam de forma voluntária entidades representativas, organizações sociais e até governamentais ligadas ao setor de turismo. Em especial, destaca-se a formação de agências de desenvolvimento que funcionam como associações. Segundo os entrevistados, esse modelo garantiria a instância de GR, se transformada em Oscip (organização da sociedade civil de interesse público), entre outros benefícios, maior flexibilidade administrativa. O documento do MTur revela que a transformação das associações em Oscips garantiria: isenção do imposto de renda, recebimento de auxílios (para ampliação, reforma e aquisição de equipamentos) do governo federal, trabalho com voluntários e a possibilidade de firmar termo de parceria, entre outros benefícios legais.

Os problemas no funcionamento dos conselhos e fóruns de turismo fomentam o crescimento dessas ONGs e das associações nesse setor. Luiz Renato Ignarra, consultor do setor turístico, em palestra sobre "Gestão pública do turismo", apresentada no "VII Congresso Brasileiro da Atividade Turística" (CBRATUR), em Brasília, em 29 de novembro de 2005, afirma que:

Muitos conselhos de turismo são derivados da exigência legal de sua existência, ou da orientação de políticas públicas de instâncias superiores, e são montados "pró-forma", sem interesse por parte da administração pública de sua real participação na gestão do turismo.

Um dos gargalos na institucionalização e operação dessas governanças tem sido a participação das entidades representativas das comunidades. O distanciamento atual entre as comunidades e os órgãos deliberativos da atividade turística cria uma correlação de forças bastante desiguais nessas instâncias de GR, notadamente, dos conselhos municipais e fóruns estaduais. Estes reúnem, essencialmente, representantes do empresariado e gestores públicos, sendo raros os que contam com a participação ativa de trabalhadores ou líderes comunitários. Atualmente, para cada 10 entidades associativas empresariais e sindicais patronais, há apenas um sindicato laboral participando diretamente de planos de desenvolvimento e gestão da atividade turística. Eventualmente, uma ou outra entidade comunitária (ONGs com trabalho social, cooperativas de artesãos, associações de moradores ou câmaras comunitárias) é atingida por projetos turísticos.

O planejamento é peça-chave no desenvolvimento regional, e é preciso que os vários segmentos da sociedade sejam não apenas arquitetos desse planejamento, mas também fiscais de sua aplicação. Para tanto, os modelos de governança terão que capacitar e mobilizar as comunidades para atuarem nesse desenvolvimento, seja ele turístico, social ou econômico.

Sem uma representatividade mais ampla e uma melhor simetria de poder, e em que pese a visão difundida no setor, o modelo das agências ainda não pode ser considerado um modelo consolidado de governança regional. Falta-lhes uma característica fundamental: uma articulação interinstitucional ampla e consistente, capaz de legitimar as decisões de planejamento, de operacionalização ou de fiscalização do desenvolvimento turístico integrado, num processo democrático e plural, como mostra o estudo de caso ora apresentado.

Conclusão

Neste artigo, percebemos facilmente que, por parte dos diversos atores envolvidos no programa, falta uma visão empreendedora direcionada para o destino turístico Estrada Real. Podemos observar que mesmo depois de criada, com recursos internacionais, essa "marca forte" ainda é pouco explorada pelo mercado. Raramente, os pacotes turísticos comercializados, tanto interna quanto externamente, levam seu nome, e o resultado é que a prática comercial predominante se resume à venda de "cidades".

A despeito do papel da iniciativa privada (incluindo pequenos e microempreendedores) na atividade turística da região, o Estado tem papel determinante em toda e qualquer ação de desenvolvimento do fenômeno turístico. O mesmo turismo que gera riquezas, pode acentuar desigualdades sociais e trazer malefícios como a especulação imobiliária, a prostituição, o subemprego e a degradação do meio ambiente, entre outros. Portanto, não há como falar em gestão meramente pública ou privada do turismo.

As expectativas de lucratividade dos investidores privados, bem como de crescimento econômico e desenvolvimento social do setor público e das comunidades locais, necessitam se alinhar a um modelo de governança que permita a conjugação de forças sociais, num ambiente democrático e participativo. A governança regional no turismo é, portanto, uma necessidade operacional, tanto quanto uma decisão estratégica de Estado.

No caso específico da Estrada Real, fica bastante clara a importância desse instrumento no processo de descentralização das políticas de desenvolvimento do turismo regional. A pesquisa revela uma unanimidade entre os entrevistados: todos atribuem ao Programa Estrada Real expectativas de desenvolvimento, onde a governança regional é peça-chave. Mas de qual desenvolvimento falam eles? Tal conceito de desenvolvimento não pode estar desatrelado da idéia de sustentabilidade, sob pena de ser meramente "crescimento econômico". E buscar esse desenvolvimento mais amplo, por meio de uma governança regional, sólida, é apostar numa articulação (ou interação) interinstitucional em que haja convergência de interesses em prol do bem comum.

Assim, não se questiona o inter-relacionamento entre atores sem se colocar em xeque o grau de cooperação e o fluxo de informações entre eles, premissas-chave também para a inovação e soluções criativas. Este artigo pesquisa revelou que a instância de governança regional dá ainda seus passos iniciais no âmbito da Estrada Real, apesar do longo período de existência do programa de desenvolvimento da região (cerca de sete anos). Até aqui, as várias iniciativas (circuitos, agências e conselhos regionais) de institucionalização de uma governança regional têm esbarrado em problemas de comunicação, de integração e de articulação entre os diversos atores, sejam do setor público, do privado ou da sociedade civil organizada.

Reunir, de forma harmônica e cooperativa, representantes de mais de 170 cidades e de três estados da Federação é, sem dúvida, uma tarefa muito difícil, mas, acima de tudo, necessária. Somente com a mobilização de todos esses atores será possível estabelecer um processo efetivamente democrático de planejamento e de implementação de um programa de desenvolvimento turístico regional em bases sustentáveis. Assim, é possível compreender o estágio atual da construção do destino turístico Estrada Real, onde vários organismos de gestão participativa atuam simultaneamente na região, mas de modo desarticulado, como o terreno fértil para o nascedouro de um novo modelo de governança regional. Da articulação desses fóruns, conselhos, associações de circuitos e agências poderá nascer uma verdadeira governança regional, amparada numa entidade mais forte politicamente e mais eficaz tecnicamente.

Vale observar que uma instância de governança, seja ela regional ou local, não se consolida, unicamente, por decreto ou qualquer outro dispositivo legal. A legitimidade, a articulação interinstitucional e a capacidade técnico-política das representações são fundamentais para o fortalecimento e a efetividade da governança. Dessa forma, é preciso aprimorar as ações de inter-relacionamento entre os diversos atores interessados no desenvolvimento turístico da região. Isso poderá ser conseguido com a criação de uma rede sistemática e permanente de relacionamentos que reúna as representações dos governos estaduais e municipais, das organizações empresariais do turismo e das entidades comunitárias, de trabalhadores e microempreendedores.

Com base nas argumentações e discussões tecidas ao longo deste artigo, entendemos que a questão da governança regional no setor turístico ainda está mais para o mito do que para a realidade, e que muito ainda tem de ser feito para que se concretize. Há de ser considerado, no entanto, que o destino Estrada Real representa para o turismo do Brasil uma excelente oportunidade de exercício da democracia participativa, e que, se apoiado num planejamento regional consistente, sua Governança poderá se firmar como fonte de referência internacional no resgate histórico e no desenvolvimento socioeconômico de uma região. Os primeiros passos nesse sentido já foram dados. É hora de convergir os esforços e dar um salto qualitativo nas relações entre Estado, empresariado e sociedade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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