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Editorial

Editorial

Este número temático dos Cadernos Ebape insere-se no esforço desencadeado pelo Programa de Capacitação Docente em Administração (PDCA), validado pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Anpad) e pela Associação Nacional de Cursos de Graduação em Administração (Angrad). O público-alvo do PDCA são professores de cursos de graduação e de pós-graduação, assim como aqueles que desejam sê-lo. Embora atentando para o ensino, a pesquisa e a difusão, o foco é o ensino.

Historicamente, as universidades brasileiras, importando modelos alienígenas, têm dado ênfase ao papel do professor como pesquisador e como aquele que, na tarefa de ensinar, basicamente, pauta-se na transmissão de resultados de pesquisas. Tem ficado em segundo plano movimentos, estratégias, controles e avaliações que focalizem o papel do professor na relação ensino-aprendizagem, assim como o conteúdo dessa relação. O PDCA tenta, então, interpor energia a esse segundo papel e, assim, a ambos equilibrar. Se o mundo mudou assustadoramente, se as universidades explodiram quantitativamente, se o perfil do estudante mudou, se as organizações demandam outras competências diferentes das do passado, parece extremamente pertinente que se reveja o modelo universitário até hoje adotado.

A necessidade dessa revisão tem sido apontada por críticos do Brasil e do exterior, muitos dos quais vêem defasagem entre o que se ensina nas escolas de administração e o que se pratica nas organizações. Se mais adequada capacitação de professores não garante melhor desempenho do estudante na sua prática profissional e no seu estar no mundo, inadequada capacitação certamente não facilita a possibilidade de levar o estudante a ser competente na sua profissão e no mundo. Baseado nessa e em outras crenças, o PDCA se movimenta.

Originariamente contando com o engajamento da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV), da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Eaesp/FGV), da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (EA/UFBA), da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EA/UFRGS) e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/Minas), o PDCA está, a cada dia, recebendo novas adesões.

A história do PDCA está resumida pela Prof.a Tânia Fischer, da UFBA, a quem se deve a proposta de criação do programa, e pelo Prof. Antonio Freitas, da Ebape/FGV. O resumo abre a coletânea de artigos que compõem esse número temático dos Cadernos Ebape, a seguir sintetizados.

Carlos Osmar Bertero relembra a origem e o desenvolvimento da universidade, incluindo as brasileiras, para chamar a atenção sobre a enorme mudança pela qual vem passando a sociedade e essa instituição. Massificada agora, a universidade, todavia, continua fiel a um modelo de quase dois séculos, que privilegia no ensino a transmissão de resultados de pesquisa. Tal modelo induz a critérios de avaliação de cursos que prestigiam muito mais a pesquisa e as publicações, do que o ensino. Neste ano de 2006 tem-se cerca de 2.000 cursos de graduação, 600.000 alunos e 36.000 professores. Bertero descreve o perfil atual dos estudantes e sinaliza para o quanto esse perfil, historicamente, mudou, o que requer mudanças também nos conteúdos programáticos dos cursos e nas formas de se estabelecer a relação ensinoaprendizagem. O autor apresenta sugestões para que a pós-graduação, com cerca de 600 professores neste ano de 2006, aproxime-se da graduação. Tais sugestões incluem atividades nos cursos de pósgraduação que visem à formação de professores, aprendizagem de novas tecnologias e métodos de ensino, educação a distância.

Roberto Ruas e Graziella Maria Comini voltam-se para os programas de pós-graduação em formação gerencial, assim entendidos os mestrados profissionalizantes e os cursos de especialização e, neles, a questão da articulação entre teoria e prática, tão discutida por diversos autores. Realizaram trabalho de campo com estudantes desses programas, a fim de levantar de que maneira tais programas tinham contribuído para melhorar seu desempenho profissional. Compararam as expectativas dos alunos antes do curso com a avaliação que fizeram depois do curso. Os alunos consideram que aprenderam a analisar, a associar e a compartilhar conceitos, métodos e ferramentas de gestão, a aprender pela interação com os colegas, entre outras aprendizagens, e que tudo isso esteve mais próximo do desenvolvimento de capacidades do que da efetivação de competências. Como resultado, Ruas e Comini apresentam abordagens e procedimentos capazes de articular teoria e prática, em um esforço de aproximação dos programas ao desenvolvimento de competências na atividade profissional dos alunos.

Fátima Bayma de Oliveira e Francisca de Oliveira Cruz chamam a atenção para a necessidade de o professor universitário ter competência pedagógica, didática e metodológica. Resgatam a visão de Bennis e O´´Toole, segundo os quais as escolas de administração perderam seu rumo ao adotarem no processo ensino-aprendizagem modelos científicos abstratos, distantes das práticas de negócios. Além desse resgate, as autoras enfatizam a pouca eficiência da aula expositiva tradicional e, assim, estimulam a utilização de outros recursos, como os estéticos, de cuja aplicação apresentam um exemplo. Ao estabelecerem a diferença entre pedagogia, didática, e métodos, técnicas e estratégias de ensino, Oliveira e Cruz didaticamente incitam à reflexão sobre a conexão existente entre esses conceitos e práticas e, nesse sentido, apontam para o significado da relação ensino-aprendizagem.

Angela Versiani e Roberto Fachin, com base em pesquisa bibliográfica e de campo, focalizam um método de ensino: as simulações, os jogos empresariais, que privilegiam aprendizagem vivencial. Argumentam que se as simulações, isoladamente, pouco acrescentam à aquisição de conhecimentos, são, todavia, bastante úteis àqueles que têm conhecimento prévio de gestão, notadamente aquele de natureza quantitativa, porque lhes permite integrar e consolidar elementos que já lhes estão incorporados. Com base na pesquisa de campo realizada, Versiani e Fachin concluem que os jogos estimulam o autoquestionamento, a habilidade coletiva de aprender, o desenvolvimento do pensamento sistêmico e, portanto, estão alinhados com a aprendizagem organizacional e a educação gerencial. Alertam, contudo, para a necessidade de cautela quanto às conclusões a que chegaram, tendo em vista a amostra utilizada.

Valderez F. Fraga volta-se para a prática docente e seu envolvimento com as grandes questões humanas, como democracia, cidadania, inclusão social e ética, sem deixar de lado conteúdos específicos. Valendo-se de pesquisa bibliográfica e de campo, a autora revela que a disponibilidade ou não do professor para as grandes questões humanas pôde ser inferida nos debates realizados por estudantesprofessores acerca de uma entrevista gravada de Edgar Morin e da exibição do filme Nenhum a menos. Morin tem sido o grande sistematizador da teoria da complexidade, que discute aquelas questões. Os resultados, norteados pelas reações verbais e não-verbais dos participantes, revelam ter havido manifestação de comprometimento com ações futuras, crítica e auto-crítica, preocupação com a ética na docência, com as diferenças culturais e com a comunicação, afeto pelo professor leigo, um "anônimo herói", assim como a necessidade de coerência entre discurso e ação.

Neusa Rolita Cavedon focaliza um tópico da relação ensino-aprendizagem: a avaliação individual e também coletiva dos estudantes. Nela, um instrumento que julgou passível de dar conta da empreitada: a elaboração de jornal pelos estudantes. Cavedon apresenta a experiência que realizou. Os estudantes foram informados que em grupo deveriam escolher um nome para o jornal, elaborar o editorial, planejar a diagramação e o encadeamento das matérias. Cada estudante seria responsável por, pelo menos, uma matéria. Tal matéria jornalística poderia ser apresentação de entrevistas, resenhas, palavras cruzadas, charges, horóscopos, pesquisas, todos com base em um tema. Os temas poderiam ser: liderança, comunicação, motivação, poder, mudança, aprendizagem, cultura organizacional, estresse e outros. O exemplo aqui apresentado é o de um jornal cujo tema escolhido foi o estresse.

Pedro Lincoln C. L. de Mattos privilegia a pós-graduação profissionalizante e, nela, também um tópico da relação ensino-aprendizagem: os trabalhos de conclusão de cursos de pós-graduação profissionais stricto sensu. Distingue o discurso de tais trabalhos de outros que se lhe aproximam, como a monografia de graduação, o texto jornalístico, o trabalho técnico, o relatório de consultoria organizacional, o relatório de pesquisa, a dissertação e a tese. Argumenta que pode-se atribuir qualidade científica a estudos realizados com base no interesse de profissionais de mercado, caso dos mestrados profissionais. Mattos resgata posicionamentos da Capes quanto à avaliação de estudantes de pós-graduação para afirmar que sobre o tema há bastante ambigüidade. Destaca a questão da pragmática da linguagem, do público ao qual o discurso se destina, da argumentação que sensibiliza tal público. Em estudos profissionais, assevera o autor, trabalhos de conclusão implicam questões metodológicas específicas.

Sylvia Constant Vergara destaca a educação a distância, apresentando-a como mais uma modalidade de educação. Do ponto de vista individual, ela depende da vontade do aluno produzir. Do ponto de vista coletivo, fortalece a aprendizagem colaborativa pela troca de informações entre alunos. Evidenciando não serem novas as formas de EAD, Vergara ressalta que os recursos tecnológicos contemporâneos a robustecem. Apresenta suas possibilidades, por exemplo, a de o aluno compatibilizar sua disponibilidade de tempo com a realização do curso, assim como suas limitações, por exemplo, a exigência de o aluno saber lidar com a informática. Destaca que relacionamentos em EAD não se esgotam nas figuras do professor e do aluno; abraçam, também, tutores, mentores, designers, desenhistas, equipes administrativas, equipes técnicas e secretaria de apoio. As ações conducentes ao estreitamento das relações dizem respeito a atributos como lealdade, comprometimento, confiança, ajuda mútua, todos atrelados ao papel da educação.

Em síntese, os textos revelam engajamento dos autores no PDCA, na medida em que chamam a atenção para o novo perfil do estudante universitário e para a lacuna existente entre o que se ensina nas escolas e as competências demandadas pelo ambiente de trabalho, assim como apresentam sugestões para o processo ensino-aprendizagem que incluem métodos, recursos, avaliações, modalidades e posicionamentos do docente. Muitos outros professores em todo o Brasil têm buscado dar à relação ensino-aprendizagem um vigor mais afinado com as necessidades dos dias atuais. Esse esforço dos Cadernos Ebape une-se ao deles.

Sylvia Constant Vergara

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Jan 2007
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