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Sociedade, empresa e governo: uma experiência de implementação de um novo paradigma de democracia participativa

Society, business and government: an experience of implementing a new paradigm of participatory democracy

Resumos

As limitações do Estado para fornecer bens e serviços públicos motivam a instauração de programas reformistas adequáveis a diferentes modelos de administração pública. Este artigo apresenta uma experiência de participação de atores da sociedade civil, do Estado e dos setores privados lucrativo e sem fins lucrativos na coprodução de bens e serviços públicos. Os exemplos de uma associação de artesãos de Florianópolis (SC) ilustram o conceito de coprodução, estabelecendo um referencial empírico e teórico para outras iniciativas de participação e articulação da sociedade no suprimento das próprias demandas. O estudo, de natureza qualitativa, foi desenvolvido na forma de pesquisa-ação, como estratégia de pesquisa participativa. Os procedimentos metodológicos utilizados foram a observação participante, reuniões sistemáticas e o acompanhamento dos pesquisadores na implementação das ações. Os resultados demonstraram a possibilidade de reconfigurar a realidade social, propondo a coprodução pelos três setores como alternativa para a criação de um novo modelo institucional de realização conjunta do bem comum.

coprodução; bem comum; democracia participativa


The limitations of the state when it comes to providing public goods and services motivate the introduction of reformist programs adherent to different models of public administration. This article presents an experience of participation of civil society actors, profit and nonprofit organizations from the public and private sectors in the coproduction of public goods and services. Examples of an association of artisans from Florianópolis (SC) illustrate the concept of coproduction, establishing a framework for further empirical and theoretical initiatives and joint participation of society in the supply of their own demands. The study was qualitative, was developed in the form of action research as a strategy for participatory research. The methodological procedures used were participant observation, systematic meetings and monitoring of the researchers in implementing the actions. The results demonstrate the ability to reconfigure the social reality, proposing a coproduction by the three sectors as an alternative to creating a new institutional model of joint realization of the common good.

co-production; common good; participatory democracy


ARTIGOS

Sociedade, empresa e governo: uma experiência de implementação de um novo paradigma de democracia participativa

Society, business and government: an experience of implementing a new paradigm of participatory democracy

Clerilei Aparecida BierI; Simone Ghisi FeuerschütteII; Leandro Costa SchmitzIII; Rodrigo BousfieldIV; Tatiane Amanda SimmV; Francisco Tiago Garcia PenaVI

IDoutora em Direito pela Universidad Complutense de Madrid; Pós Doutora pela Faculty of Business - University of Technology, Sydney/Austrália; Professora da Universidade do Estado de Santa Catarina/Centro de Ciências da Administração e Sócio-Econômicas-ESAG. Endereço: Av. Madre Benvenuta, 2.037 - Itacorubi - Florianópolis/SC CEP 88035-001. E-mail: e2cab@udesc.br

IIDoutora em Engenharia de Produção e Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina Professora da Universidade do Estado de Santa Catarina/Centro de Ciências da Administração e Sócio-Econômicas-ESAG. Endereço: Av. Madre Benvenuta, 2.037 - Itacorubi - Florianópolis/SC CEP 88035-001; E-mail: simonegf@udesc.br

IIIDoutorando do Programa de Pós Graduação em Administração da Universidade Federal de Santa Catarina; Mestre em Administração pela Universidade do Estado de Santa Catarina/ESAG. Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina/Centro de Ciências da Administração e Sócio-Econômicas-ESAG. Endereço: Av. Madre Benvenuta, 2007 - Itacorubi - Florianópolis/SC CEP 88035.001; E-mail: leandro@schmitz.eng.brleandro@schmitz.eng.br

IVMestre em Administração pela Universidade do Estado de Santa Catarina/ESAG. Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina/Centro de Ciências da Administração e Sócio-Econômicas-ESAG. Endereço: Av. Madre Benvenuta, 2007 - Itacorubi - Florianópolis/SC CEP 88035.001; E-mail: rbousfield@gmail.com

VMestranda do Curso de Mestrado Profissional em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina/ESAG; Bacharel em Administração Pública pela ESAG/UDESC. Endereço: Av. Madre Benvenuta, 2007 - Itacorubi - Florianópolis/SC CEP 88035.001 - email: tatysimm@gmail.com

VIBacharel em Administração Empresarial pela Universidade do Estado de Santa Catarina/ESAG. Endereço: Av. Madre Benvenuta, 2.037 - Itacorubi - Florianópolis/SC CEP 88035.001; E-mail: chicopena@yahoo.com.br

RESUMO

As limitações do Estado para fornecer bens e serviços públicos motivam a instauração de programas reformistas adequáveis a diferentes modelos de administração pública. Este artigo apresenta uma experiência de participação de atores da sociedade civil, do Estado e dos setores privados lucrativo e sem fins lucrativos na coprodução de bens e serviços públicos. Os exemplos de uma associação de artesãos de Florianópolis (SC) ilustram o conceito de coprodução, estabelecendo um referencial empírico e teórico para outras iniciativas de participação e articulação da sociedade no suprimento das próprias demandas. O estudo, de natureza qualitativa, foi desenvolvido na forma de pesquisa-ação, como estratégia de pesquisa participativa. Os procedimentos metodológicos utilizados foram a observação participante, reuniões sistemáticas e o acompanhamento dos pesquisadores na implementação das ações. Os resultados demonstraram a possibilidade de reconfigurar a realidade social, propondo a coprodução pelos três setores como alternativa para a criação de um novo modelo institucional de realização conjunta do bem comum.

Palavras-chave: coprodução; bem comum; democracia participativa.

ABSTRACT

The limitations of the state when it comes to providing public goods and services motivate the introduction of reformist programs adherent to different models of public administration. This article presents an experience of participation of civil society actors, profit and nonprofit organizations from the public and private sectors in the coproduction of public goods and services. Examples of an association of artisans from Florianópolis (SC) illustrate the concept of coproduction, establishing a framework for further empirical and theoretical initiatives and joint participation of society in the supply of their own demands. The study was qualitative, was developed in the form of action research as a strategy for participatory research. The methodological procedures used were participant observation, systematic meetings and monitoring of the researchers in implementing the actions. The results demonstrate the ability to reconfigure the social reality, proposing a coproduction by the three sectors as an alternative to creating a new institutional model of joint realization of the common good.

Key words: co-production; common good, participatory democracy.

Introdução

Em estudo sobre as reformas nos programas sociais brasileiros, Draibe (2002) observou que, ao final de quase 50 anos de construção institucional, implementação e desenvolvimento de políticas e programas, o sistema brasileiro de proteção social mostrava-se, no início dos anos 1980, com uma capacidade muito baixa para melhorar a equidade social e com limites para orientar e acompanhar, de algum modo, o desenvolvimento social do país na mesma direção do seu desenvolvimento econômico.

A incapacidade do Estado de prover bens e serviços públicos necessários à população motivou a instauração de diversos programas e ações reformistas, marcados pela importação de idéias do setor privado para as organizações públicas. Essa transposição tem como principal referência as iniciativas da Nova Administração Pública (HOOD, 1995), modelo da reforma do setor público por mais de uma década que enfatiza valores baseados na lógica do mercado. Por outro lado, características das políticas sociais vigentes no Brasil até os anos 1980, decorrentes da reforma do Estado, mostram a exclusão da sociedade civil do processo de formulação das políticas, da implementação dos programas e do controle da ação governamental.

A partir da década de 1980, conforme destaca Schommer (2003), a gestão pública brasileira vive intensa transformação influenciada pelo processo de redemocratização do país, que tem na descentralização um de seus eixos principais. As relações que se estabeleceram entre níveis de governo e entre o Estado e a sociedade, com a participação de novos agentes na formulação, implementação e no controle de políticas públicas, indicam mudanças nas práticas políticas e organizacionais que exigem, ao mesmo tempo, novos arranjos institucionais (SCHOMMER, 2003).

Este artigo discute a participação de diversos atores na criação e na implementação de políticas públicas, a partir do relato de uma experiência de coprodução do bem público. A estruturação de uma associação de artesãos - a Magiarte - foi o início de um processo de mobilização e comprometimento com a participação cidadã, que se dá com o desdobramento de ações compartilhadas por diferentes agentes da sociedade, gerando o aumento da renda familiar de 400 famílias de artesãos da Grande Florianópolis, em Santa Catarina, além do fomento ao setor turístico do município.

O estudo foi desenvolvido seguindo procedimentos metodológicos da pesquisa ação, um delineamento de pesquisa que pressupõe a inserção do pesquisador no contexto de análise, vislumbrando a sua participação junto aos sujeitos desse contexto, na perspectiva de promover mudanças na realidade encontrada.

À luz do referencial teórico que explora o conceito de coprodução de bens e serviços públicos (BRUDNEY; ENGLAND, 1983; DENHARDT; DENHARDT, 2000; KISSLER, 2003), o estudo revelou um entendimento comum de que a produção das condições de bem-estar público não podem mais ficar sob a responsabilidade exclusiva do Estado, devendo também ser realizada pela sociedade civil organizada. Nesse sentido, procura-se demonstrar a relevância e a necessidade das relações de cooperação e colaboração entre os diferentes atores sociais, com a sociedade e o governo definindo juntos as prioridades nas políticas públicas e voltando-se à construção de um novo paradigma de democracia participativa (SOUSA SANTOS, 2006b).

A inclusão política da sociedade civil organizada permite superar o atual modelo de democracia representativa, calcado em modelos liberais que supõem separações evidentes entre governantes e governados, com os primeiros coordenando e controlando os sistemas de delegação política que, por sua vez, alienam a capacidade de controle e de influência dos eleitores sobre seus representantes.

Inicialmente, o artigo apresenta os fundamentos teóricos que sustentam a análise da experiência de coprodução, destacando conceitos e estudos encontrados na literatura acerca desse fenômeno social, associados a aspectos da ruptura do paradigma da democracia representativa para a democracia participativa, em que os atores sociais coletivos operam e participam no campo da formulação e da execução de políticas concretas, comprometendo-se com a construção de uma sociedade justa e democrática (SOUSA SANTOS, 2006b).

Na sequência, estão as escolhas metodológicas que permitiram o desenvolvimento do trabalho, abrangendo características técnicas e procedimentais, além da descrição do contexto paradigmático e do modo de investigação adotado na pesquisa.

Na última parte do artigo é descrito o processo de formação da Associação Magiarte e da implementação da Feira Arte Floripa. O relato da experiência é um meio de ilustrar os conceitos e apresentar uma situação real de coprodução de bens e serviços públicos pautada pela mobilização das forças da sociedade civil de emancipação social com vistas à superação do paradigma dominante e à concretização desse ideal de participação.

A expectativa é a de que o artigo contribua para o estabelecimento empírico e teórico de referências e formas de aprendizagem que estimulem e sustentem outras iniciativas de participação e articulação da sociedade no suprimento de suas necessidades.

A coprodução do bem público

A definição de coprodução do bem público precisa ser reconhecida a partir dos elementos que compõem o termo para, posteriormente, ser compreendida em um sentido amplo. O conceito de bem público abrange tudo aquilo que tenha valor econômico ou moral e que seja suscetível de proteção jurídica (MEIRELLES, 2000). Já a coprodução refere-se "a uma mistura crítica de atividades prestadas por agentes e cidadãos para a provisão de serviços públicos" (BRUDNEY; ENGLAND, 1983, p.59).

Quando os cidadãos coproduzem ocorre a reunião de esforços voluntários dos indívuos ou dos grupos pelo acesso a serviços em maior quantidade e de melhor qualidade. Baseando-se nessa definição e de acordo com a natureza dos benefícios conquistados, três tipos distintos de coprodução podem ser identificados: coprodução individual, coprodução grupal e coprodução coletiva (KISSLER, 2003).

Na coprodução os agentes são envolvidos em uma combinação de esforços produtivos no sentido de regular e consumir os bens e os serviços. Seu diferencial, em termos de serviço público, reside no ativo envolvimento do público em geral, especialmente daqueles diretamente beneficiados por esses serviços. A coprodução é um conceito pautado pela reorganização dos serviços públicos, articulados como produtos para os cidadãos dentro da contextualização do novo Estado. Nesse contexto, conforme Kissler (2003), o Estado deixa de ser o provedor solitário do bem público para tornar-se um Estado ativador, ou seja, aquele que aciona e coordena outros atores da sociedade para, em conjunto e consigo, produzir o bem público. A coprodução dos serviços públicos se mostra, portanto, como um caminho relevante para uma política interessada em avaliar e implementar um novo programa de operacionalização voltado à construção do bem comum (KISSLER, 2003).

Whitaker e Sharp (apud BRUDNEY; ENGLAND, 1983) acreditam que a coprodução envolve voluntarismo, cooperação e ações de cidadania. Porém, são contrários a pensar que, sob quaisquer circunstâncias ou de qualquer maneira, o conceito venha a abranger pensamentos e ações de concordância irrestrita entre os agentes. Nesse aspecto, há que se considerar que em um contexto onde diferentes atores se articulam para produzir e compartilhar interesses comuns, sempre irão existir as diferentes visões quanto ao conteúdo, custos e limitações na produção de serviços públicos, tendo em vista, principalmente, o grau de responsabilidade que lhes passa a ser atribuído.

A coprodução é definida como um modelo de grau sobreposto a duas esferas de participantes " produtores regulares (agentes de serviço e administradores públicos) e consumidores (cidadãos e associações comunitárias). O resultado é uma junção de produtos e serviços desenvolvidos por e para esses dois grupos. Contudo, é igualmente importante destacar que no modelo da coprodução também há espaços para a busca de benefícios individuais, com a inclusão do privado no espaço do coletivo (PERCY; RICH apud BRUDNEY; ENGLAND, 1983).

Uma especificidade da coprodução reside na agregação e na articulação dos diversos interlocutores para criar alternativas de serviço público. Justamente, o grau de sobreposição estabelecido entre essas esferas é que define a substancialidade do vínculo criado e, por consequência, a qualidade e a eficácia dos serviços a serem prestados (HOWLETT; RAMESH, 2003; ROBERTS, 2004).

Nessa perspectiva, observa-se que a participação do cidadão no contexto da coprodução é vista como um meio para influenciar na formulação de políticas públicas. Os cidadãos coproduzem nos serviços públicos por requererem assistência aos agentes de serviço, cooperarem com o serviço na transmissão de programas e por negociarem com os agentes públicos o redirecionamento das atividades. A participação cidadã nos serviços públicos é, de fato, freqüentemente necessária nos programas públicos de sucesso. Nesse sentido, argumenta-se que quando agentes públicos e cidadãos produzem juntos o anseio pela mudança ocorre sob a égide do que se pode chamar de participação cidadã, na qual a referência dos caminhos da comunidade ou os interesses éticos são representados na formação de uma política local (DENHARDT; DENHARDT, 2000; HABERMAS, 2003; KISSLER; HEIDEMANN, 2006).

Vale ressaltar, entretanto, que a coprodução não pode ser resumida à participação da sociedade nas iniciativas do governo. Seu conceito é mais amplo do que, por exemplo, o modelo de Estado Participativo de Ingrahan e Romzek (1994) que, fundamentalmente, defende a maior participação dos níveis mais baixos da hierarquia governamental, juntamente com seus clientes - a população - na tomada de decisões por outros meios além do voto.

A coprodução presume a participação de novos atores, além do Estado, na formulação e na implementação de bens e de serviços públicos, envolvendo o mercado e a sociedade civil (FARAH, 2002; SCHOMMER, 2003). A participação do mercado inclui o setor privado lucrativo e não lucrativo, enquanto a participação da sociedade civil ocorre por meio da ação de comunidades politicamente articuladas e de cidadãos críticos e conscientes.

Iniciativas de reinvenção do governo, modelos que pregam a aproximação das organizações públicas da realidade do setor privado, valorizando e implementando ações voltadas para a administração da qualidade, para a satisfação do cliente, para a descentralização e o controle de custos, estão na "contramão" do que pressupõe a coprodução de bens e serviços públicos .Tal como concluem O'Brien e Bazemore (2004), as ideologias de reforma institucional e organizacional procuraram aumentar o envolvimento, melhorar a produtividade, gerenciar a performance e dirigir os resultados, deixando em segundo plano um elemento essencial: o envolvimento da comunidade no processo de tomada de decisão.

O envolvimento da comunidade é um componente central da coprodução de bens e serviços públicos, mas também não é suficiente para caracterizá-la corretamente. Diversos autores destacaram a importância da participação da comunidade em um contexto democrático no qual o interesse público prevaleça. Denhardt e Denhardt (2000), por exemplo, descrevem as bases de um modelo de administração pública, traduzido como Novo Serviço Público (New Public Service), em que o principal papel do Estado é ajudar os cidadãos a se articular e a encontrar interesses comuns. O modelo do Novo Serviço Público está estreitamente vinculado ao conceito de coprodução de bens e serviços públicos, entendida como uma estratégia para a sua implementação.

Apesar da incorporação relativamente recente da participação da comunidade nos modelos de administração pública, a prática indica que iniciativas como esta sempre foram realizadas por organizações comunitárias. Em seus estudos sobre justiça comunitária, observando a falência do modelo profissional de polícia e a opção por um modelo construído com a comunidade, O'Brien e Barzemore (2004) identificam indícios que remetem à participação da comunidade na produção do bem público, no caso, em sistemas de segurança pública no final dos anos 1980. Para Draibe (2002) estudos e práticas dessa natureza, voltados para a realidade brasileira, promovem o equilíbrio entre o Estado, o setor privado lucrativo e o setor privado não lucrativo na produção e na distribuição de bens e serviços sociais.

Entre os novos mecanismos de participação consolidados em muitos locais, Schommer (2003) cita o exemplo dos conselhos municipais e estaduais, o orçamento participativo e a incorporação e a revalorização de organizações tradicionais, como associações de bairro, clube de mães, grupos de jovens e da terceira idade, conselhos de pais nas escolas e muitos outros. Esses são elementos que apontam para a construção de redes institucionais que reúnem diversos atores, envolvendo articulações intersetoriais, intergovernamentais e entre o Estado, o mercado e a sociedade civil (ENTERRIA; FERNÁNDEZ, 1998; SOUSA SANTOS; AVRITZER, 2003; SOUSA SANTOS, 2006a).

Assim, partindo do pressuposto de que a produção do bem público é algo que interessa a todos na sociedade e reconhecendo que as forças das sociedades pública e privada podem ser mobilizadas para estimular a busca por um melhor atendimento das necessidades e demandas da sociedade moderna, é que se apresenta um exemplo concreto de coprodução. A experiência relatada neste artigo demonstra a articulação dos diversos agentes da sociedade visando o fortalecimento do empreendedorismo social, a geração de renda e o fortalecimento da cultura local sob uma perspectiva transformadora. Parte-se da premissa de que, ao atender as necessidades materiais dos indivíduos, efetivamente se está a promover o aumento do grau de participação cidadã que, invariavelmente, tem sua importância na criação de um novo paradigma de democracia participativa.

Um novo paradigma de administração pública: o modelo democrático participativo

No bojo da discussão em torno de soluções alternativas para o fornecimento dos bens e serviços públicos e com o surgimento da coprodução como estratégia para substituir as iniciativas do Estado, não se pode "cair na armadilha" de considerar o conceito de sociedade civil como aquele surgido no cerne da proposta "neoliberal". Nesta, a sociedade civil é quem deve desenvolver competências para assumir ações anteriormente produzidas e controladas pelo Estado, as quais, segundo a mesma ótica, estariam indevidamente em suas mãos, como o controle estatal de empresas públicas e dos sistemas de seguridade social, de saúde e de educação, dentre outras (HABERMAS, 2003; SOUSA SANTOS; AVRITZER, 2003).

Essa é uma lógica que mantém estreita relação com o mercado e não com os conceitos pretendidos neste estudo. Como afirma Sousa Santos (2006b), a nova concepção de sociedade civil deve basear-se na solidariedade, no voluntariado e na reciprocidade, para que as pessoas recuperem a pretensão de serem cidadãs e se transformem em protagonistas de sua própria resistência, liberação e desenvolvimento.

Entretanto, isso não significa que a nova concepção de sociedade civil, capaz de enfrentar mudanças e atuar ativamente diante da necessidade de buscar alternativas para o fornecimento de bens e serviços, não seja capaz de articular-se com o governo. Na prática, não se pode desperdiçar nenhuma oportunidade de articulação com o Estado. Para Souza Sousa Santos (2006b) é muito importante não cair no erro da crença da debilidade do Estado, que hoje pode ser visto como ineficiente para proteger os cidadãos mas ainda se mantém forte em termos de capital. O autor acrescenta que a sociedade civil deve trabalhar em conjunto, em alguns momentos articulando-se com o Estado e em outros até enfrentando-o, desde que essa articulação seja feita com independência e sob uma concepção de sociedade verdadeiramente democrática (SOUSA SANTOS, 2006b). Nessa perspectiva, em que a sociedade civil organizada funciona como um agente coletivo que reflete o todo e age em seu favor de forma consciente e deliberante, ou seja, como formadora de opinião e protagonista do processo de participação política, pode-se inserir também o debate sobre o novo paradigma do Estado democrático participativo.

Quanto a essa perspectiva, Sousa Santos (2006b) afirma que a emancipação social perpassa a ampliação do cânone hegemônico da democracia liberal. Esta, em sua pretensa universalidade e exclusividade, não abre espaço a concepções e práticas democráticas contra-hegemônicas, como a que defende maior participação do cidadão na vida política por meio de uma democracia participativa.

De encontro ao modelo liberal, a intensificação e o aprofundamento da democracia ocorreria, basicamente, por duas vias: reivindicando-se a legitimidade da democracia participativa " isto é, pressionando as instituições da democracia representativa no sentido de torná-las mais inclusivas " ou buscando formas de complementaridade mais sólidas entre democracia participativa e democracia representativa (SOUSA SANTOS, 2003). A transição paradigmática do cânone da democracia liberal representativa para o da democracia participativa perpassa, então, um novo senso comum de emancipação social que reside na ruptura da reprodução tida como normal das principais características das sociedades capitalistas.

Em face dessa visão faz-se necessário, ainda, segundo Sousa Santos (2003), reinventar um mapa emancipatório que tenha como ponto de partida o princípio da comunidade e a idéia de solidariedade e de participação, priorizando a rearticulação do setor privado, do Estado e do chamado terceiro setor (associações e instituições não estatais do setor privado não lucrativo) (HABERMAS, 2003; SOUSA SANTOS; AVRITZER, 2003; SOUSA SANTOS, 2006a).

Pautado por essas premissas de um novo modo de vida em sociedade e buscando "materializar" tais concepções para mostrar a capacidade dos atores de construir esse novo modelo por meio de ações concretas de coprodução, este artigo apresenta o projeto de criação da Associação de Artesãos Magiarte (atual Magiarte-Arte Floripa) e a implementação da Arte Floripa " Feira de Artesanato, Gastronomia e Cultura " em Florianópolis, Santa Catarina.

A integração da prática acadêmica no processo de coprodução: procedimentos da pesquisa-ação

A experiência analisada neste artigo começou no primeiro semestre de 2003, quando um grupo de artesãos procurou a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) para apoiá-los na estruturação de suas atividades. A necessidade dos artesãos deu origem a um projeto de extensão, inicialmente relacionado com a capacitação de gestores para o terceiro setor.

Diante de uma aproximação maior em relação ao grupo e conhecendo melhor o processo de produção, comércio e divulgação de suas atividades, bem como observando-se o interesse dos artesãos em se fortalecer para a defesa de seu espaço de trabalho, consolidou-se a proposta de criação de uma associação, constituída a partir de um convênio estabelecendo uma parceria com a universidade.

A implementação do convênio, cujo foco a partir de então foi o desenvolvimento do Projeto Magiarte-Arte Floripa, contou com a inclusão de diversos alunos bolsistas, que passaram a trabalhar sob a orientação e supervisão dos professores vinculados ao Núcleo Integrado de Pesquisa e Gestão (NIPE) da Escola Superior de Administração e Gerência (ESAG) da UDESC. Os diferentes grupos de trabalho iniciaram suas atividades estabelecendo as metas e o plano de ação para formar e implantar a associação dos artesãos.

Vale destacar que o Projeto de Extensão Magiarte-Arte Floripa, envolvendo alunos e professores, possibilitou integrar o ensino, a pesquisa e a extensão, práticas acadêmicas que atribuem sentido a uma instituição de ensino superior. Entende-se ser a atuação na comunidade voltada para o desenvolvimento sociocultural de uma dada região, um dos principais papéis e funções dos projetos de extensão de uma universidade, sobretudo nas de natureza pública. Portanto, é possível reconhecer que a experiência relatada neste artigo expressa a atuação da instituição de ensino superior em práticas de cooperação e de co-participação voltadas para o bem comum.

Do ponto de vista do ensino, a vivência de acadêmicos em uma realidade concreta, conhecendo suas características, problemas e necessidades, alavanca o processo de aprendizagem, auxiliando-os na sistematização e aplicação dos saberes apreendidos ao longo da formação (NICOLINI, 2003; ANDRADE; AMBONI, 2010). Torna-se uma oportunidade de amadurecimento pessoal e profissional dos alunos à medida que se deparam com situações críticas e, muitas vezes, restritas aos debates e a julgamentos não conclusivos em sala de aula.

Quanto à dimensão da pesquisa, o desenvolvimento do Projeto Magiarte-Arte Floripa pode ser compreendido como um conjunto de práticas baseadas na pesquisa-ação, um modo de investigação qualitativo que pressupõe a mudança de um contexto social determinado, sob a orientação e participação efetiva do pesquisador, o qual se compromete com o protagionismo do processo, assumindo-o junto com os demais sujeitos (DEMO, 1995). Como refere Demo (1995), a pesquisa sobre a realidade social é uma atitude, um questionamento sistemático crítico e criativo, envolvendo a competente intervenção na realidade e tornando-se um diálogo crítico permanente com o contexto, no sentidos teórico e prático.

A pesquisa-ação, como uma estratégia de pesquisa participativa, tem como principais objetivos a descrição de situações-problema de uma realidade social e a intervenção na mesma a partir de conhecimentos e inferências desenvolvidas ao longo da inserção do pesquisador no contexto, de maneira conjunta com os atores da realidade. Tal engajamento coletivo diante da situação diagnosticada desperta a vontade que leva a deliberações pela solução, sistematizada, dos problemas encontrados, definindo-se então estratégias e ações fundamentadas e eficientes para a promoção de mudanças (THIOLLENT, 1997; MACKE, 2006).

Ao levar em conta a visão do contexto e o pressuposto de que as mudanças sociais propostas têm o protagonismo de um conjunto de atores trabalhando na mesma direção, adotou-se uma perspectiva dialética de interpretação da realidade para conceber o paradigma que norteou o estudo teórico-empírico realizado (DEMO, 1995). O paradigma dialético pressupõe como fundamentos a interpretação dinâmica e totalizante da realidade, considerando que os fatos não podem ser observados e desvinculados de um contexto social, político e econômico.

Coerentemente com tal perspectiva epistemológica, a apreensão do ambiente de estudo se deu com o uso de técnicas da observação participante, uma vez que a aproximação da realidade do grupo de artesãos e o conhecimento de sua dinâmica ocorreram no cotidiano de encontros voltados ao planejamento do processo, nas discussões para tomada de decisão e na definição das ações concretas que levariam à constituição da associação, bem como ao alcance das mudanças esperadas pelos grupos envolvidos. Silva e Menezes (2001) destacam, nesse aspecto, que a técnica da observação participante, assim como a estratégia da pesquisa-ação, permitem a interação entre pesquisadores e sujeitos envolvidos nas situações investigadas. Respectivamente, são mecanismos para a articulação de conceitos e de práticas, pelas quais torna-se possível identificar, compreender e refletir sobre os problemas da realidade, definindo-se prioridades e buscando, na forma de cooperação entre pesquisador e os sujeitos da realidade, as soluções mais adequadas para as dificuldades do contexto.

A implementação da coprodução no caso Magiarte-Arte Floripa

Histórico

Tendo por base os conceitos propostos para a consolidação de um modelo democrático participativo de desenvolvimento de serviços públicos, apresenta-se o processo de coprodução vivenciado junto a um grupo de artesãos de Florianópolis (SC), consolidado com a criação da Associação de Artesãos Magiarte e com a implementação da Arte Floripa " Feira de Artesanato, Gastronomia, Arte e Cultura. Para tanto, vale descrever um pouco da trajetória da própria Universidade do Estado de Santa Catarina que, ao desenvenvolver ações de extensão comunitária, constitui-se como um dos atores envolvidos no processo de coprodução relatado neste artigo.

No início de 2001 alguns artesãos procuraram o NIPE/ESAG, um dos centros da UDESC, em busca de ajuda para criar uma associação de artesãos da Grande Florianópolis. Considerando os objetivos do núcleo, como agente das ações de extensão da escola, e o papel da universidade de mobilizar esforços para contribuir com o desenvolvimento social da comunidade onde está instalada, a solicitação foi atendida e incorporada às ações de um projeto então em desenvolvimento: Capacitação de Gestores para o Terceiro Setor.

Essa primeira etapa de integração entre comunidade e uma instituição que representa o poder público - a UDESC é uma universidade pública e vinculada ao Governo do Estado de Santa Catarina - iniciou o processo de coprodução, identificando seus dois primeiros atores: a comunidade, personificada no grupo de artesãos (sociedade civil) que necessita articular-se para desenvolver suas ações e; a ESAG/UDESC, instituição que exerce o papel do Estado ativador na medida em que auxilia e identifica os meios necessários e como podem ser utilizados a fim de se atingir o bem público.

Vale ressaltar, no caso da Magiarte-Arte Floripa, que o bem público que mobilizou a articulação entre as duas esferas protagonistas do processo - Estado e sociedade civil - constituiu-se como a criação de oportunidade para a geração de renda aos cidadãos - os artesãos - resultando na promoção da cultura por meio do artesanato. Desse modo, a coprodução é gerada pela participação conjunta e ativa da organização do processo, atendendo a uma demanda da comunidade organizada.

A dinâmica estabelecida entre os grupos baseou-se na realização de encontros que, ao longo do tempo, tornaram mais claras as necessidades e as possibilidades dos atores envolvidos " seja do ponto de vista das demandas dos artesãos, das possibilidades e recursos da UDESC e das condicionantes dos dois entes " para que pudessem se articular visando à coprodução dos resultados almejados.

O início do processo determinou ações de conscientização e engajamento em torno de objetivos e interesses comuns que levaram os sujeitos a se articularem para uma busca coletiva. Após vários encontros que priorizaram o debate, caracterizando o viés democrático definido para o modelo de gestão " seja sobre o papel de uma associação para o fortalecimento dos interesses profissionais dos integrantes, seja para a projeção e os benefícios à comunidade " iniciaram-se ações concretas de estruturação do processo. A primeira delas foi a elaboração, pelos próprios artesãos envolvidos, do estatuto e do regimento interno da associação, cujo propósito foi institucionalizar e regular o bom funcionamento da mesma, bem como de um processo seletivo democrático para a admissão de novos membros.

A constituição da Magiarte - Associação dos Artesãos da Grande Florianópolis - ocorreu em outubro de 2003, reunindo 212 associados com a finalidade de consolidar e valorizar a profissão de artesão e o desenvolvimento do artesanato, por meio de ações organizadas que promovessem e dignificassem a atividade como importante geradora de ocupação e renda. A entidade foi criada com o apoio e o acompanhamento da equipe do projeto de extensão da Universidade, dos alunos bolsistas e da coordenação do NIPE/ESAG. A participação desses atores no processo deu-se, principalmente, no sentido de informar os artesãos sobre o associativismo, estimular a entrada de novos membros, orientar para o desenvolvimento de uma visão empreendedora e estabelecer planos de atuação junto a órgãos públicos e privados, de forma a ampliar a participação da comunidade envolvida e a promoção do artesanato, com base em um ideal democrático de atuação.

O processo de formalização da associação com a criação do seu estatuto determinou os direitos e os deveres dos seus membros, os critérios de participação, os requisitos, as formas de participação e constituição dos diretores. Nessa perspectiva, a implementação do estatuto se configura como um primeiro passo para a prática de uma gestão democrática, visto que a organização, a partir desse momento, passa a ser gerida por leis e normas, mudando as relações de poder ao tornar a gestão menos personalista.

Ao se privilegiar a gestão democrática em todo o processo de constituição e consolidação da Magiarte, destaca-se a forma de participação dos sujeitos já na elaboração do estatuto, construído a partir do envolvimento de todos. Esse trabalho partiu de uma ação de sensibilização dos artesãos na prática, cujo propósito foi desenvolver a cidadania das pessoas no ambiente interno da organização, garantido a premissa democrática de que, segundo Habermas (2003), está relacionada à formação da consciência de cada indivíduo no contexto.

O principal requisito para a constituição da organização sob um viés democrático é que a mesma não seja estruturada de "cima para baixo", mas com a participação de absolutamente todos os envolvidos. Silva (2003, p.27) apresenta alguns fatores que sustentam esse ponto de vista e legitimam o processo: a ampliação da consciência tanto em relação ao que acontece na organização quanto fora dela; a oportunidade das pessoas aprenderem coisas novas sobre a organização, a sociedade e sobre si próprias; o trabalho conjunto e o desenvolvimento de ações significativas para todos.

Assim, o estatuto da associação de artesãos tornou-se a ferramenta definidora das regras e da formação de sua diretoria, estabelecendo como órgão máximo da Magiarte a assembleia geral. Dentre outras deliberações, ainda estabeleceu como requisito para o ingresso de novos membros a condição de "ser artesão", descrevendo, para tanto, o conceito de artesão e de artesanato. O estatuto também determinou que o processo de entrada de novos associados ocorra por processo seletivo realizado pela comissão de avaliação formada por artesãos associados. Além disso, o documento definiu a composição da diretoria e do conselho fiscal, bem como suas atribuições e as penalidades por descumprimento.

O regimento interno foi elaborado seguindo as mesmas premissas democráticas, com a efetiva a participação dos artesãos, sendo aprovado, posteriormente, em assembleia geral. O referido documento detalha o processo de funcionamento da associação, as macrofunções e a constituição da diretoria, do conselho fiscal e da comissão de avaliação. Consta ainda o processo eleitoral da diretoria, do conselho fiscal e da comissão de avaliação, os quais devem ser eleitos em assembleia geral por voto da maioria dos associados. Além disso, o regimento determina as atribuições de cada membro eleito, suas funções específicas, os termos de posse e de destituição, o tempo de mandato, as penalidades caso seja descumprido, bem como aquelas aplicadas em caso de descumprimento do estatuto.

Observa-se que o regimento interno da associação é um mecanismo que direciona e define não apenas as políticas e diretrizes do estatuto, mas também a atuação da associação no meio em que está inserida o que, por sua vez, auxilia na criação de políticas públicas relacionadas ao artesanato. Os processos de eleição e as formas de relação de poder no ambiente interno da associação também apresentam a participação como ponto principal da organização.

Dentre os encaminhamentos iniciais ainda podem ser citados: a obtenção do CNPJ e a inscrição da Associação na Federação das Associações Profissionais de Artesãos de Santa Catarina (FAPASC); a realização de reuniões para organização e estruturação das atividades da associação; a confecção de material de expediente em geral; a realização de processos avaliativos para a entrada de novos membros na associação; a elaboração e distribuição de jornal e informativos; a criação de banco de dados com informações dos participantes e; a elaboração de cursos de aperfeiçoamento (cujo objetivo principal foi estimular o aprendizado sobre gestão organizacional de entidades sem fins econômicos).

Com relação à entrada de novos membros na associação, buscou-se respeitar o viés institucional na tomada de decisão. Desse modo, a contratação das pessoas ocorre por meio de processo seletivo orientado pelo estatuto e pelo regimento interno. Nesse processo, a comissão de avaliação analisa os produtos dos artesãos observando suas características e adequação ao conceito de artesanato, conforme as diretrizes e políticas institucionais. Deve ser ressaltado que nesse processo, não são levadas em conta questões como qualidade, tendo em vista a subjetividade de tal critério. O foco é verificar se o produto é "feito à mão", portanto, se não é industrializado, pressuposto fundamental de uma obra de artesanato. Como forma de orientar o processo, o Regimento Interno da Associação (2003) define:

Artesanato é produto da habilidade de uma pessoa modificar, agrupar, lapidar produto e materiais diversos, formando uma peça ou instalação com originalidade, arte e técnica. Artesão é toda pessoa que se dedique individualmente, com comprovado domínio e controle integrais do processo produtivo, à atividade manufatureira pura e/ou mecanizada, que tenha como resultado final a produção, restauro ou reparação de bens artísticos, utilitários e alimentares, de estilo tradicional, contemporâneo ou livre.

A comissão de avaliação dos produtos artesanais tem o dever de analisar a produção de todos os interessados em se associar. Os produtos são apresentados em três fases, o que permite à comissão acompanhar e analisar cada etapa de sua confecção e, se necessário, questionar o artesão sobre seu real domínio desse processo. Para tanto, é utilizada uma ficha de avaliação padronizada que orienta os questionamentos levantados e permite registrá-los, compondo assim o processo de inscrição de cada interessado em associar-se à Magiarte. Caso persistam dúvidas, estão previstas visitas ao local de trabalho dos artesãos para uma análise mais aprofundada.

Finalmente, com a institucionalização da associação na comunidade e o fortalecimento de seu trabalho, surgiram novos desafios ligados à promoção das atividades e à divulgação de seus produtos. Tais desafios já haviam sido previstos por ocasião da fundação da Magiarte, mais especificamente com o plano de se criar uma grande feira de artesanato que, além de propiciar a geração de renda e o fortalecimento do segmento artesanal da cidade, pudesse se tornar um novo espaço lúdico dos moradores de Florianópolis, bem como de atração e visitação de turistas.

Em face desses propósitos, a Associação Magiarte, com a ajuda da equipe da ESAG/UDESC, procurou incorporar outros participantes ao processo, viabilizando a criação da Feira de Artesanato, Gastronomia, Arte e Cultura - Arte Floripa - inaugurada em janeiro de 2006, no Centro de Florianópolis. Esta nova ação, idealizada pelo grupo de artesãos sob o prisma da participação conjunta e ativa da sociedade civil, do poder público e da iniciativa privada, permitiu formar alianças de cunho pluralista para a condução e coordenação do novo projeto, de modo a promover o bem público por meio da estratégia de coprodução.

Na prática, para a formalizar a participação do setor público, firmou-se um convênio de parceria entre a UDESC, a Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho e Renda do Governo do Estado de Santa Catarina e a Prefeitura Municipal de Florianópolis, esta representada por várias secretarias e órgãos de serviços públicos municipais (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, Secretaria de Geração de Oportunidade e Renda de Florianópolis, Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos, Fundação Municipal do Meio Ambiente, Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Esportes - SETUR - e Fundação Franklin Cascaes). Já no que se refere à representação da sociedade civil organizada, além da Associação de Artesãos Magiarte, a Associação Amigos do Parque da Luz (AAPLuz) aderiu à parceria, respondendo pela manutenção e proteção do parque escolhido como local de relização da feira.

Além das instituições mencionadas que se envolveram na proposta de coprodução, outras instituições se fazem representar, como o Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina (BADESC), o Sebrae (organização de economia mista de fomento e apoio às micro e pequenas empresas) e a Tractbel-Suez (empresa privada atuante na área de energia elétrica). Tais organizações participam do processo dando suporte às diferentes ações relatadas, contribuindo para a sustentabilidade do projeto através do aporte de recursos financeiros que viabilizaram a implantação da Feira Arte Floripa.

A descrição dos atores envolvidos no Projeto, considerando a sua natureza e as especificidades de sua atuação na comunidade - poder público, iniciativa privada e terceiro setor - expressa e caracteriza o processo de coprodução do bem público que, nesse caso, viabilizou a criação da Magiarte e a implementação da Arte Floripa (Figura 1). Em conjunto, a associação e a feira se estabelecem como propulsoras da união, organização e fortalecimento dos trabalhadores artesãos de Florianópolis, além de promotoras de geração de renda e a consequente fruição de sua atividade artística.


Ferramentas e processos para organização e gestão da Feira de Artesanato

Para o desenvolvimento do projeto de criação da Feira Arte Floripa constituiu-se uma nova equipe, composta por graduandos do Curso de Administração Pública e de Administração Empresarial, atuando sob a orientação e supervisão dos professores vinculados ao NIPE/ESAG da UDESC. O grupo de trabalho envolvendo alunos e professores, em conjunto com a diretoria da Associação Magiarte, deu início às atividades do projeto, estabelecendo as diretrizes de planejamento, organização e gestão da feira de artesanato. As ações foram executadas com o cumprimento de várias etapas, evidenciadas na Figura 2.


A Feira Arte Floripa, em sua concepção, seguiu os mesmos preceitos da Associação Magiarte no que tange à participação democrática dos artesãos. Foi realizado o planejamento para a estruturação física da feira padronizando o seu funcionamento e o seu design. Foram criados pelos artesãos, com o apoio do NIPE, mecanismos que possibilitaram a participação de artesãos da Grande Florianópolis, independentemente de estarem vinculados em associações de classe. Esses mecanismos e ferramentas fundados na participação democrática consistem dos processos de elaboração do regulamento da feira e do processo de seleção para ingresso dos artesãos, bem como dos instrumentos de controle para a gestão da feira. Portanto, o processo de implementação da Feira Arte Floripa se estabeleceu em dois níveis, o estratégico e o operacional, conforme sistematizado na Figura 3.


No nível estratégico, o processo de articulação de parcerias institucionais e financeiras foi conduzido com o apoio do NIPE, bem como a estruturação inicial dos processos do nível operacional, englobando a gestão da feira, o regulamento e a seleção dos expositores. Na sequência são relatadas as ações que caracterizaram as etapas de planejamento e implementação da Feira Arte Floripa nos dois níveis mencionados.

O planejamento da Feira

A Feira Arte Floripa foi planejada de forma a atender à necessidade de geração de renda para os artesãos, sendo projetado um local público para exposição e venda dos produtos. Dessa forma, foi concebida segundo duas premissas. Na primeira, o foco foi a maior integração com o poder público, agregando como objetivos o fomento e o resgate da cultura local junto à comunidade, além do fomento ao turismo da região. Para tanto, utilizou-se de pesquisa sobre boas práticas em outras feiras tradicionais de artesanato, como a Feira do Largo da Ordem, em Curitiba (PR), a Feira do Brick, em Porto Alegre (RS), e até mesmo a Feira de Madrid, na Espanha.

A segunda premissa foi a participação democrática, com a inclusão de todos os artesãos da Grande Florianópolis, tanto no que diz respeito à exposição dos produtos quanto ao processo de entrada na feira e de tomada de decisões. A premissa da participação democrática definida como um viés institucional deve ser ressaltada como base para a formação da estratégia da associação, pois a participação em assembleia não apenas legitima as decisões tomadas como desenvolve a consciência de coletividade dos artesãos.

Diante da expectativa de se realizar uma grande feira foi necessário, do ponto de vista da logística, encontrar um local que permitisse a sua livre expansão, à medida que novos artesãos se inserissem no processo. Para tanto, foram pensados diversos lugares da cidade, alguns inviabilizados pelos limites de infraestrutura e de normas de segurança em face à restrição de espaço pelos imóveis existentes. O local escolhido foi o entorno do Parque da Luz, uma área nobre no Centro da cidade, em frente à Ponte Hercílio Luz. Apesar de ser uma das únicas áreas verdes no Centro não dispõe de uma estrutura adequada, sendo subutlizado e pouco frequentado pela população local.

Ao seguir a premissa de envolvimento do poder público no processo da coprodução, o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) foi quem definiu e elaborou o layout da feira que comportava, inicialmente, 400 barracas, com a possibilidade de ser posteriormente ampliada e seguir para o centro histórico da cidade. Vale ressaltar que, após definido o local " e sendo este um espaço público " foi articulada a autorização para ser utilizada através da apresentação de um projeto às secretarias municipais competentes, que assinaram, em 2005, o convênio de cessão de uso do espaço do Parque da Luz e do seu entorno.

A feira foi planejada para atender não só a necessidade dos artesãos mas também a uma demanda da própria Prefeitura de Florianópolis, como a padronização das barracas, organização e estrutura, tornando-se mais atrativa ao público da região e aos turistas. Além do padrão definido para a feira foi também contratado um prestador de serviço, responsável pela montagem, desmontagem, manutenção e armazenamento das barracas. Desse modo, ao chegarem para trabalhar, os artesãos já têm a feira montada. preocupando-se apenas com a organização e exposição dos seus produtos. Da mesma forma, ao encerrarem as atividades, a empresa contratada retira as barracas do local, mantendo-o organizado e limpo.

Definidas essas questões, o passo seguinte, naturalmente, foi a busca pelos recursos necessários para estruturar a feira, com barracas, prestadores de serviços e divulgação. A captação de recursos se deu de forma direta, sob o patrocínio do BADESC, SEBRAE, Tractebel Energia e, posteriormente, do Banco do Brasil. Como contrapartida, as logomarcas das empresas estão nas barracas que a patrocinaram, uma forma de retorno ao apoiador por meio da divulgação e da vinculação a uma ação de responsabilidade social.

Devido ao curto tempo e à restrição na captação de recursos, a feira começou com 100 barracas, sendo depois acrescidas 17. Formou-se uma lista de espera de artesãos para participar da feira em uma segunda oportunidade.

O início das atividades da Feira Arte Floripa determinou definições sobre seu processo de gestão em diferentes aspectos (Figura 4), como a elaboração do regulamento da feira, o processo seletivo de participantes, o controle de caixa e a prestação de contas, além da estruturação do espaço utilizado.


Como meio de promoção e divulgação da feira foi previsto um plano de comunicação que se valeu, principalmente, de mídias de baixo custo como mídias eletrônicas (sites de pesquisa locais e guias turísticos eletrônicos). Além disso, fortaleceu-se o contato com agências de turismo da região e com serviços de táxi, para que os turistas fossem levados a conhecer a Feira Arte Floripa; utilizou-se, para tanto, de flyers e panfletos para a comunicação com os moradores da região onde ocorre a feira.

O processo seletivo para participação na Feira Arte Floripa

Como já relatado, a Feira Arte Floripa foi criada como extensão das atividades que envolvem a UDESC e um grupo de artesãos fundadores da Associação Magiarte. Por consequência, os processos de organização pautaram-se pelas mesmas premissas da associação, adaptando-se o processo seletivo desta entidade para estruturar o da feira. O processo de seleção, cuja comissão de avaliação foi formada pelos membros da própria associação, restringiu a participação a apenas artesãos conforme os conceitos descritos no sei estatuto.

Vale ressaltar, que as etapas do processo seletivo da feira e da associação são iguais mas, ao final, em caso de aprovação, os artesãos podem expor e comercializar na feira sem quem tenham de estar associados a nenhuma entidade. O limite para exposição é de, no máximo, três produtos por artesão.

Ao serem selecionados os artesãos recebem o regulamento da feira e assinam um termo de compromisso, declarando conhecimento do conteúdo do documento e assumindo a responsabilidade em cumprí-lo integralmente a partir da ciência de seus direitos, deveres e penalidades aplicáveis em caso do mesmo não ser respeitado. O regulamento da feira prevê ainda que, em caso de irregularidades, a comissão de avaliação possa questionar o artesão sobre seus produtos ou eventuais problemas em relação ao funcionamento da feira.

O regulamento da Feira

O regulamento da Feira Arte Floripa foi desenvolvido para organizar e determinar as normas de funcionamento, abordando a finalidade da feira, as regras de participação dos artesãos, seus direitos e deveres, horários de funcionamento, além de orientar quanto às condições climáticas e tratar de penalidades.

Para atender ao viés democrático, a norma de entrada na feira é o processo seletivo com regras claras que possibilita a participação de todo e qualquer artesão. Além da seleção, a gestão da feira é pautada pelo conceito de gestão democrática, que propõe que todos os artesãos têm plenas condições de participar das decisões sob mecanismos estabelecidos no regulamento. O principal espaço para a manifestação dos artesãos é a assembleia geral, convocada pela diretoria da Associação Magiarte-Arte Floripa por questão de ordem.

Para se fazer cumprir o regulamento da feira, este estabelece a existência do grupo gestor, cuja função é fiscalizar e operacionalizar a feira. Esse grupo é formado por três artesãos participantes da feira e associados da Magiarte-Arte Floripa, indicados pela diretoria eleita da referida associação. O grupo gestor trabalha em conjunto com a diretoria da associação, cada qual com suas atribuições. É responsabilidade do grupo gestor, por sua vez, eleger dentre os membros o gestor central, porta-voz do grupo.

O grupo gestor tem como atribuições a cobrança da mensalidade da feira, o controle de presença, solicitar à diretoria a convocação de assembleia geral quando necessário, fazer os comunicados aos artesãos da feira sobre assuntos de interesse da mesma, decidir pela realização ou não de feira em casos de condições climáticas adversas, além de comunicar a diretoria sobre casos de descumprimento do regulamento para a tomada das penalidades previstas.

Os sistemas de controle da Feira

Na Feira Arte Floripa dois sistemas de controle são essenciais para o seu funcionamento: o controle financeiro e o controle de presença. O controle financeiro é o acompanhamento do fluxo de caixa da feira, ou seja, da entrada e saída de recursos. As entradas consistem das mensalidades e patrocínios das organizações parceiras (BADESC, SEBRAE, Tractebel Energia e Banco do Brasil). As saídas são, basicamente, as despesas com os serviços contratados de montagem, desmontagem, manutenção e armazenamento das barracas, divulgação e despesas administrativas.

As ferramentas de controle utilizadas na Feira Arte Floripa são caracterizadas pela simplicidade, objetivando que os próprios artesãos, muitas vezes sem o conhecimento profundo de ferramentas mais complexas, possam trabalhar sem depender de terceiros, proporcionando assim uma maior independência de ação. Para o controle financeiro, então, foi desenvolvida uma planilha básica no software Excel para facilitar o controle do tesoureiro, o qual deve prestar contas em assembleia geral. Com tal ferramenta é possível aos gestores acompanhar os casos de inadimplência, fazer cumprir as normas do regulamento da feira, bem como aplicar eventuais penalidades.

Quanto ao controle de presença há uma lista que deve ser assinada pelo artesão em cada edição da feira da qual participar. Depois, o grupo gestor, como responsável pelas atividades administrativas, insere as informações em um banco de dados onde acompanha a freqüência dos participantes da feira, o que permite aplicar as penalidades previstas no regulamento àqueles que apresentam faltas sistemáticas.

Um novo passo para a integração entre a sociedade e o poder público: a criação e implementação do projeto Corredor Cultural de Florianópolis

Com o tempo de desenvolvimento do projeto Associação Magiarte-Arte Floripa observou-se que apesar de ocorrer em um belo espaço como o Parque da Luz, a feira não atingia o público esperado, visto que a circulação de pessoas no local era restrita aos finais de semana, especialmente, aos domingos. Por outro lado, a falta de infraestrutura e de espaços lúdicos do local não tornava o parque atrativo à comunidade. Diante disso, o grupo envolvido no trabalho de promoção e divulgação do artesanato como uma manifestação cultural da cidade, começou a elaborar um novo projeto de extensão: a Revitalização do Parque da Luz. O objetivo da nova iniciativa foi fomentar a criação de uma estrutura mínima para o local e estimular a sua utilização pela comunidade.

Ao se iniciar mais uma ação paralelamente ao que já vinha sendo desenvolvido, uma série de dificuldades surgiram, atrasando o desenvolvimento dos dois projetos. O atraso na recuperação e estruturação do parque e os problemas de sustentabilidade da feira no local criaram uma situação de risco para a sua continuidade. Diante disso, em janeiro de 2007, através de uma parceria firmada entre a UDESC e o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), foi possível realizar a feira também aos sábados na Praça XV de Novembro, um dos principais pontos turísticos no centro de Florianópolis, local com infraestrutura mais adequada e que conta com maior fluxo de pessoas por ser uma região com forte comércio.

Essa mudança fez com que a organização da feira ganhasse tempo para investir no Parque da Luz e reestruturar-se administrativamente. Entretanto, o processo de mudança também fez com que muitos artesãos desistissem ou diminuissem sua participação, gerando uma situação em que quase a totalidade dos artesãos atuantes, incluindo a sua diretoria, eram novos na associação.1 1 Um amplo diagnóstico dos problemas de gestão democrática participativa por parte dos associados e da não utilização dos mecanismos de participação na Associação Magiarte Arte Floripa foi realizado por Francisco Tiago Garcia Peña. Trata-se do trabalho de conclusão de curso intitulado Gestão Democrática Participativa: um Estudo de Viabilidade do Planejamento Estratégico em Organizações do Terceiro Setor (Curso de Graduação em Administração/CCA-ESAG/UDESC, 2008).

Para os problemas de gestão, visto que a Magiarte encontrava-se sem diretoria atuante e sem uma organização interna que viabilizasse uma associação democrática como rege seu estatuto, os artesãos remanescentes da feira, com o auxílio do NIPE (ESAG/UDESC), criaram uma nova associação. Denominada Associação dos Artesãos de Santa Catarina - Arte Floripa, esta também não conseguiu assumir uma posição democrática e com independência em sua gestão. Em face disso, em outubro de 2007 as duas associações se fundiram. Foi então criada a Associação Magiarte Arte Floripa (Associação de Artesãos do Estado de Santa Catarina), cuja diretoria reuniu membros das duas associações com o objetivo juntar esforços para gerar uma instituição com características democráticas e que, ao mesmo tempo, fosse autossustentável.

Com a mudança, novos parceiros se juntaram ao projeto. Foi estabelecida uma parceria institucional com o Banco do Brasil que, por meio da estratégia negocial do desenvolvimento regional sustentável (DRS), adotou a nova associação com o intuito de dinamizar e fomentar o artesanato e a cultura da capital catarinense, através da articulação e da mobilização de recursos voltados à sustentatibilidade do projeto.

Outras organizações também aderiram a essa iniciativa, como a organização não governamental Floripa Amanhã que viabilizou " na forma de um projeto de adoção de praças em conjunto com a FLORAM (órgão da Prefeitura Municipal ligado ao meio ambiente) " a permanência da Feira Arte Floripa na Praça XV de Novembro.

A equipe do Nipe (Esag/Udesc) acompanhou a estruturação e a gestão da feira, desenvolvendo um processo de preparação dos artesãos até dezembro de 2007, quando encerrou o projeto de extensão universitária. Com esse trabalho foi possível preparar esses profissionais para usar as ferramentas necessárias à gestão, exercendo suas atividades com plena autonomia. O papel da ESAG/UDESC então, passou a ser o de apoiadora institucional da feira.

O projeto então dinamizado avançou posteriormente quando a Udesc, juntamente com a Prefeitura Municipal e suas secretarias, o DRS do Banco do Brasil, a ONG Floripa Amanhã e os demais parceiros, ampliou seu escopo de atuação para implementar o Corredor Cultural de Florianópolis. Esse projeto, atualmente em fase de implantação, criará um circuito cultural com atividades lúdicas e artístico-culturais relacionadas à cultura local, capaz de revitalizar o centro histórico da capital catarinense, fomentando o turismo cultural e gerando renda direta e indireta para uma parcela da população que explora o artesanato e o turismo como meio de subsistência.

A proposta do Corredor Cultural, em termos de espaço físico, terá suas extremidades justamente nos dois locais onde a Feira Arte Floripa se desenvolveu: a Praça XV de Novembro e o Parque da Luz. Neste local, em particular, será retomada a iniciativa de revitalização socioambiental e urbana. No centro do circuito do Corredor Cultural, vale ressaltar, ficam o Mercado Público da cidade, o Largo da Alfândega e o Miramar da Praça Fernando Machado, todos monumentos de grande representatividade histórica e da cultura local, com enormes possibilidades para atividades lúdicas que congreguem outros grupos de artesãos.

Os parceiros acionaram diversas organizações para a implementação do Corredor Cultural, buscando apoio institucional, principalmente, junto à prefeitura. Assim, por decisão da PMF, foi criado o Conselho Consultivo do Corredor Cultural de Florianópolis, do qual fazem parte cinco órgãos da prefeitura, mais representantes de cinco órgãos do governo estadual e 10 entidades sociais não governamentais.

As primeiras ações para a implantação do Corredor Cultural foram, de um lado, dar início à revitalização do Parque da Luz, através de ações integradas entre os diversos órgãos da Prefeitura (especialmente do IPUF) e do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) " que atuam nas áreas de infraestrutura e paisagismo " e da apresentação de um projeto para captação de recursos no Ministério da Cultura em parceria com a Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB Florianópolis). De outro lado, a articulação de secretarias e fundações municipais (SUSP, IGEOF e Fundação Franklin Cascaes) vinculadas à cultura e ao artesanato, visando institucionalizar a gestão da política do artesanato na cidade.

Em síntese, a descrição da experiência da Magiarte-Arte Floripa mostra que o projeto surgiu da necessidade de organizar uma determinada categoria profissional. Articulada com várias instituições, esta promoveu a coprodução de um bem público, não só pelo estímulo à cultura, ao desenvolver o artesanato, mas também por buscar construir uma política pública de geração de renda. A partir da integração, do apoio institucional e da criação de um espaço de debate e de alinhamento de estratégias entre as diferentes instituições envolvidas, foi possível criar e implementar o Corredor Cultural de Florianópolis, iniciativa que resultou em ações articuladas pela sociedade em parceria com o poder público.

Conclusões

A coprodução, como alternativa para a produção de bens e serviços públicos, busca o bem comum, considerando seu caráter transcendental. Isso implica que uma comunidade ou, no caso deste artigo, um grupo de artesãos, articule-se para lutar por interesses comuns - ou pelo "próprio bem comum" - que pode ser diferente do bem comum da sociedade como um todo. Portanto, cabe a indivíduos e grupos cooperarem para a consecução do bem comum, que não pode ir de encontro ao bem comum da sociedade. Ao contrário, ao promoverem o seu bem comum estarão colaborando com o interesse de toda a sociedade, uma vez que se identificam como exemplos associativos que deram certo, tanto sob o aspecto coletivo de realização de seus propósitos comuns, como pelo aspecto difuso de promoção cultural, dando ensejo a novas iniciativas que agreguem os mesmos preceitos de forma compartilhada.

Nessa perspectiva, o bem comum almejado, legítimo por não se opor ao bem comum da sociedade, transforma-se em um bem público em sua coprodução, à medida que, de acordo com Olson (1999), a titularidade e a destinação indicam a não exclusão de outrem do acesso ao bem, enquanto sua disponibilidade indica a não rivalidade, no sentido de que sua utilização por uma parcela da população não reduz os benefícios para a parte restante.

A primeira conclusão a que se pode chegar a partir dessas premissas e da experiência relatada neste artigo é a de que a coprodução é uma alternativa viável para o fornecimento de bens e serviços públicos, considerando-se a incapacidade do Estado de fazê-lo plenamente por estar exaurido em sua função, superdimensionado e vir se esgotando como único produtor de serviços públicos. O relato aqui apresentado corresponde a um exemplo de coprodução; exemplo este que pode somar-se a outros no sentido de explorar suas possibilidades práticas, mas que encontra singularidade ímpar, daí sua essência, nos exemplos substanciais de cidadania.

Isso não significa, porém, que a coprodução seja a solução para a carência de bens e serviços públicos no país. Dentre as dificuldades para o desenvolvimento da coprodução deve ser destacada a necessidade de se ampliar e aprofundar a emancipação social e o cânone democrático, permitindo assim maior participação do cidadão na vida política. No dizer de Sousa Santos (2003), isso possibilita intensificar e aprofundar a democracia participativa, concebida como uma política paralela de intervenção social, que cria e mantém novos espaços para a tomada de decisões pelas populações nas matérias que afetam diretamente suas vidas.

Nesse sentido, Schommer (2003) ressalta que entre os céticos existem os que crêem que a cultura política brasileira não esteja madura o suficiente e que fatores como as estruturas de poder, o sistema de representação política, o nível educacional e a baixa capacidade empreendedora de parte da população reforcem os mecanismos coercitivos, limitando a capacidade de transformação. A autora também aponta que, como uma decorrência disso, ocorre a construção de uma espécie de imaginário coletivo de ausência de perspectivas, de que tudo tem permanecido igual e que nada jamais mudará, o que limita a percepção das possibilidades de transformação e faz com que se ignore a complexidade do ambiente que influencia as estruturas (SCHOMMER, 2003).

Para evoluir nessa discussão é preciso aceitar que as pessoas são livres e que estão aptas a realizar escolhas, buscando legitimidade para os atos que praticam. De acordo com o modelo da possibilidade de Ramos (1983), sem liberdade não existe determinismo na escolha humana, mas fatalismo. Com liberdade e opções infinitas, a coprodução passa a ser uma possibilidade objetiva, entre as possíveis, para a produção de bens e serviços públicos (RAMOS, 1983).

Finalmente, cabe ressaltar que a participação comunitária e a atuação organizada em associações ou instituições voltadas para o interesse coletivo, como bem demonstra a experiência aqui relatada, são importantes mecanismos de atuação direta do cidadão na defesa dos seus interesses e na construção de um novo espaço público. Em experiências como esta, a participação dos cidadãos torna mais efetivo o jogo democrático, propiciando um redimensionamento do poder participativo local e de seu relevante papel no controle e na participação efetiva e permanente da esfera pública nos destinos de uma sociedade.

Artigo submetido em maio e aceito para publicação em outubro de 2010.

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    Um amplo diagnóstico dos problemas de gestão democrática participativa por parte dos associados e da não utilização dos mecanismos de participação na Associação Magiarte Arte Floripa foi realizado por Francisco Tiago Garcia Peña. Trata-se do trabalho de conclusão de curso intitulado Gestão Democrática Participativa: um Estudo de Viabilidade do Planejamento Estratégico em Organizações do Terceiro Setor (Curso de Graduação em Administração/CCA-ESAG/UDESC, 2008).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
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