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Possibilidades epistemológicas para a ampliação da Teoria da Administração Pública: uma análise a partir do conceito do Novo Serviço Público

Epistemological possibilities for extending the Public Administration Theory: an analysis through the concept of New Public Service

Resumos

Este artigo apresenta as bases epistemológicas que sustentam o modelo do Novo Serviço Público proposto por Denhardt e analisa como elas podem contribuir para a ampliação da Teoria da Administração Pública. Como contribuições, sugere-se que é preciso considerar quais são os mecanismos institucionais que a Administração Pública deve viabilizar que o indivíduo possa se expressar em relação àquilo tem, precisa ou deseja; que a crítica, aos critérios de eficiência e eficácia como os únicos utilizados para suportar determinados modelos de Administração Pública, possibilita reconhecer que essa age sobre um conjunto de interesses difusos, legítimos e, muitas vezes, divergentes e que critérios como equidade ou justiça, por exemplo, parecem mais pertinentes para lhe dar suporte; que a Administração Pública precisa ampliar suas bases de participação, facilitando a articulação dos múltiplos interesses da sociedade, por meio de redes de governança que definiriam como as decisões seriam tomadas, e como os grupos poderiam interagir na formulação dos propósitos públicos e na implantação das políticas públicas; que o grande desafio envolve a redefinição da visão e do papel do próprio Estado, que seria entendido como uma associação que se ocuparia da articulação e da governança das redes de formulação das políticas públicas e da mobilização dos recursos necessários ao alcance desses fins.

Administração pública; Epistemologia; Novo Serviço Público


This article presents the epistemological bases underpinning the New Public Service model proposed by Denhardt and analyzes the way how they can contribute for extending the Public Administration Theory. As contributions, we suggest that there is a need to consider what are the institutional mechanisms that Public Administration has to enable the individual to express himself with regard to what he has, needs, or wishes; that the criticism to the criteria of efficiency and effectiveness as the only ones used to support certain Public Administration models allows recognizing that it acts on a set of diffuse, legitimate, and often divergent interests and that criteria as equity or justice, for instance, seem more pertinent to provide it with support; that Public Administration needs to extend its participation bases, facilitating the interconnection of the multiple interests of society, through governance networks that would define how decisions would be made, and how the groups would interact in the formulation of public purposes and in the implementation of public policies; that the great challenge involves redefining the vision and the role of the State itself, which would be seen as an association that would be in charge of the interconnection and governance of the public policy formulation networks and the mobilization of the resources needed to achieve these ends.

Public administration; Epistemology; New Public Service


ARTIGOS

Possibilidades epistemológicas para a ampliação da Teoria da Administração Pública: uma análise a partir do conceito do Novo Serviço Público

Epistemological possibilities for extending the Public Administration Theory: an analysis through the concept of New Public Service

Ana Cláudia Donner AbreuI; Angela Regina Heinzen Amin HelouII; Francisco Antônio Pereira FialhoIII

IDoutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço: Universidade Federal de Santa Catarina, dEGC/UFSC, Campus Universitário, CTC/dEGC, Trindade, CEP 88040-970, Florianópolis –SC, E-mail: anadonnerabreu@hotmail.com

IIDoutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento. pela Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço: Universidade Federal de Santa Catarina, dEGC/UFSC, Campus Universitário, CTC/dEGC, Trindade, CEP 88040-970, Florianópolis –SC, E-mail: angela.amin@uol.com.br

IIIDoutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor do Departamento de Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço: Universidade Federal de Santa Catarina, dEGC/UFSC, Campus Universitário, CTC/dEGC, Trindade, CEP 88040-970, Florianópolis –SC, E-mail: fapfialho@egc.ufsc.br

RESUMO

Este artigo apresenta as bases epistemológicas que sustentam o modelo do Novo Serviço Público proposto por Denhardt e analisa como elas podem contribuir para a ampliação da Teoria da Administração Pública. Como contribuições, sugere-se que é preciso considerar quais são os mecanismos institucionais que a Administração Pública deve viabilizar que o indivíduo possa se expressar em relação àquilo tem, precisa ou deseja; que a crítica, aos critérios de eficiência e eficácia como os únicos utilizados para suportar determinados modelos de Administração Pública, possibilita reconhecer que essa age sobre um conjunto de interesses difusos, legítimos e, muitas vezes, divergentes e que critérios como equidade ou justiça, por exemplo, parecem mais pertinentes para lhe dar suporte; que a Administração Pública precisa ampliar suas bases de participação, facilitando a articulação dos múltiplos interesses da sociedade, por meio de redes de governança que definiriam como as decisões seriam tomadas, e como os grupos poderiam interagir na formulação dos propósitos públicos e na implantação das políticas públicas; que o grande desafio envolve a redefinição da visão e do papel do próprio Estado, que seria entendido como uma associação que se ocuparia da articulação e da governança das redes de formulação das políticas públicas e da mobilização dos recursos necessários ao alcance desses fins.

Palavras-chave: Administração pública. Epistemologia. Novo Serviço Público.

ABSTRACT

This article presents the epistemological bases underpinning the New Public Service model proposed by Denhardt and analyzes the way how they can contribute for extending the Public Administration Theory. As contributions, we suggest that there is a need to consider what are the institutional mechanisms that Public Administration has to enable the individual to express himself with regard to what he has, needs, or wishes; that the criticism to the criteria of efficiency and effectiveness as the only ones used to support certain Public Administration models allows recognizing that it acts on a set of diffuse, legitimate, and often divergent interests and that criteria as equity or justice, for instance, seem more pertinent to provide it with support; that Public Administration needs to extend its participation bases, facilitating the interconnection of the multiple interests of society, through governance networks that would define how decisions would be made, and how the groups would interact in the formulation of public purposes and in the implementation of public policies; that the great challenge involves redefining the vision and the role of the State itself, which would be seen as an association that would be in charge of the interconnection and governance of the public policy formulation networks and the mobilization of the resources needed to achieve these ends.

Keywords: Public administration. Epistemology. New Public Service.

Introdução

Administração Pública é uma expressão que constitui uma área específica da Ciência da Administração. Dependendo do conceito de Administração Pública assumido, evidencia-se determinada corrente teórica que, por sua vez, fundamenta-se em base epistemuma ológica. Desse modo, sob uma perspectiva histórica da Administração Pública, encontram-se diversas correntes teóricas sustentadas por diferentes bases epistemológicas.

Entretanto, desde seu início, a Administração Pública fez uso da organização burocrática como a principal estratégia para produzir o bem público (SALM e MENEGASSO, 2009). Na concepção de Ramos (1989 e Denhardt (2012), para citar apenas alguns dos autores que a isso se referem, as organizações burocráticas possuem uma orientação instrumental – aquela determinada por uma expectativa de resultados ou fins calculados. Nessa concepção, o tipo burocrático ideal de organização administrativa é capaz de atingir o mais alto grau de eficiência e é formalmente o mais racional e conhecido meio de exercer dominação sobre os seres humanos, como descreve Weber (RAMOS, 1989. Nessa corrente, o objeto de estudo da Administração Pública é o estudo de como gerenciar organizações públicas de forma mais eficiente.

Entretanto, a partir das duas últimas décadas do século passado, autores como Pinchot e Pinchot (1994), Osborne e Gaebler (1992), Bennis (1995), Bresser Pereira (1996) e Trosa (2001) já constatam que a burocracia como estratégica de execução de objetivos organizacionais não oferece mais resposta aos problemas atuais. Para esses autores, ao desenvolver seus interesses próprios como corporação, a burocracia deixou de ser agente eficaz do governo, o que está irremediavelmente fora de sintonia com as realidades contemporâneas e com as novas formas, padrões e modelos que estão emergindo no século XXI.

Essa constatação é reforçada pela emergência de uma sociedade estruturada por princípios complexos, dinâmicos e auto-organizáveis, totalmente distintos dos princípios de previsibilidade da sociedade burocrática. Isso impulsiona tanto a redefinição do papel do Estado e da Administração Pública como demanda novas bases epistemológicas para se conceber, perceber e agir sobre essa realidade.

Nessa realidade, a Administração Pública examina e gerencia fenômenos frequentemente complexos e não lineares, guiados por uma variedade de forças que não se comportam somente de acordo com leis e princípios predefinidos. Devido à multiplicidade dos contextos e dos comportamentos dinâmicos dos agentes da Administração Pública, surge, então, a necessidade de um olhar mais amplo para esse campo, elaborado a partir da ótica do conhecimento de toda a sociedade (KLIJN, 2008; TEISMAN, 2008).

Analogamente, autores como Ramos (1989), Cruz Júnior (1988) e, mais recentemente, Serva (2010) e Denhardt (2012) propõem uma reformulação na Teoria das Organizações, com estudos voltados à sedimentação de paradigmas emergentes na Administração.

Isso sugere que é preciso evoluir na compreensão do que se conceitua como Administração Pública. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é apresentar as bases epistemológicas que sustentam o modelo do Novo Serviço Público (NSP) proposto por Denhardt e Denhardt (2003) para, a partir disso, analisar como elas podem contribuir para a ampliação da Teoria da Administração Pública.

Administração Pública e o Novo Serviço Público

Dentre as inúmeras divisões de modelos de Administração Pública existentes na literatura (DENHARDT e DENHARDT, 2003) se adota neste artigo a proposta por Andion (2012). Para a autora, no escopo da Teoria da Administração Pública, pode-se identificar algumas vertentes: estadocêntrica, pluralista, Nova Administração Pública (NAP) e NSP.

A corrente estadocêntrica aproxima a Administração Pública da Ciência Jurídica e da Ciência Administrativa e tem como foco principal a ampliação da competência e da racionalidade funcional na Administração Pública, cujas teorias contêm algumas concepções em comum (ANDION, 2012).

A corrente pluralista, por sua vez, aborda a Administração Pública como campo político e preocupa-se com a participação dos atores sociais na definição das agendas políticas e na ampliação de controle social. Nessa corrente, o Estado deixa de ser visto como aparelho governamental e é interpretado como um espaço de luta entre diferentes classes sociais. A partir daí, as políticas públicas tornam-se resultado de um processo político e incremental (ANDION, 2012).

Já a NAP é entendida como a ciência do gerenciamento. O movimento da NAP caracteriza-se por ser um modelo normativo formado por um conjunto de abordagens teóricas que se complementam, o que possibilita, a partir de princípios mercadológicos, uma visão da esfera pública e seu funcionamento. Na NAP, as reformas visam a reestruturar o Estado, ao substituir o modelo burocrático por um modelo gerencial baseado em competição e com foco em resultados (ANDION, 2012).

Por fim, o NSP considera a Administração Pública coprodutora do bem público e tem por base as teorias democráticas e de cidadania, os modelos de comunidade e de sociedade civil, além do humanismo radical e da Teoria do Discurso.

O NSP, elaborado por Denhardt (2012), surge como uma crítica à teoria dominante da Administração Pública, considerada um modelo racional de Administração que tem ao menos três limitações importantes: a) baseia-se em uma visão estreita e restritiva da razão humana; b) suporta-se em um entendimento incompleto da aquisição do conhecimento; e c) impede uma conexão entre teoria e prática de maneira adequada.

Como modelo, a Administração Pública evoluiu de uma perspectiva patrimonialista para outra – burocrática – baseada nos princípios do modelo ideal de Weber (apud RAMOS, 1989 que foi adotada como pressuposto da eficiência. Nesse sentido, para Osborne e Gaebler (1992), Pinchot e Pinchot (1994) e Bennis (1995), a despeito dos resultados positivos alcançados pela burocracia na era industrial, o modelo está em declínio.

Sob essa visão, cabe aos administradores públicos implementar as políticas públicas formuladas pelo grupo eleito para exercer o poder político, sendo os interesses da burocracia o suficiente para a produção do bem público (SALM e MENEGASSO, 2009).

A palavra burocracia foi transformando-se e passou de um sentido positivo, como modelo de tipo ideal de organização, a uma gigantesca estrutura de controle que visa à proteção do interesse público. Isso acabou criando uma obsessão pela regulamentação do processo, desviando o foco dos resultados obtidos. Assim, o modelo de burocracia estatal, moroso e excessivamente centralizado, mais preocupado com regras que com resultados, com organogramas inchados e geradores de ineficiência e desperdício, precisou ser reinventado (OSBORNE e GAEBLER, 1992).

Como resposta às deficiências desse modelo, desenvolve-se a NAP, cujo fundamento é a utilização de novos princípios nas relações políticas e administrativas, visando à construção de um novo perfil de Estado – mais eficaz e mais bem qualificado para a prestação de serviços públicos de qualidade e com menores custos para a sociedade.

O movimento "reinventando o governo", expressão utilizada por Osborne e Gaebler (1992), define, para os autores, o escopo da NAP. Esse modelo difere do anterior mesmo ao utilizar a burocracia como base paradigmática para a produção do bem público, porque também se utiliza das organizações privadas para esse mesmo fim.

Paula (2007), porém, ressalta que a NAP, nascida como uma expressão reelaborada pelas perspectivas gerencialistas, não conseguiu – mesmo com seu discurso participativo – incorporar a dimensão sociopolítica no escopo da gestão, o que estabelece um grande limite.

Contudo, Denhardt (2012) argumenta que é possível articular uma redefinição do campo da Administração Pública que inclua: a) as perspectivas das abordagens anteriores – políticas, genéricas e profissionais; b) a identificação da Administração Pública como um processo; e c) a ênfase na natureza política desse processo.

O autor constrói esse argumento ao identificar uma crise de identidade na Teoria da Administração Pública, cujas bases convencionais não refletem ou não correspondem às necessidades dos atores do campo, sejam eles os teóricos, os profissionais ou os cidadãos. Por base convencional se entende uma teoria racional de Administração, focada em um entendimento positivista do comportamento humano. Assim, sob essa visão, o estudo próprio da Administração Pública é o estudo de como operar organizações públicas de forma mais eficiente, isto é, como alcançar os objetivos definidos com um custo mínimo (DENHARDT, 2012).

Nesse contexto, em oposição a essa teoria racional surge uma crítica que procura levar à Teoria da Administração Pública para além da ação racional, em direção a perspectivas baseadas na Fenomenologia, na Teoria Social Crítica e na Teoria Pós-Moderna.

Dessa forma, para Denhardt (2012), a crítica sobre a teoria dominante da Administração Pública está centrada no modelo racional de Administração, que tem ao menos três limitações importantes: a) baseia-se em uma visão estreita e restritiva da razão humana; b) suporta-se em um entendimento incompleto da aquisição do conhecimento; e c) os teóricos que se apoiam no arcabouço do modelo racional não conseguem conectar teoria e prática de maneira adequada.

O primeiro aspecto – de que o modelo racional se baseia em uma visão limitada e restritiva da razão humana – associa o conceito de racionalidade instrumental ao crescimento de uma economia de mercado. Para Ramos (1989), a Teoria das Organizações é subproduto dos processos organizacionais que surgiram com o desenvolvimento de uma sociedade centrada no mercado. Para satisfazer as necessidades desta, os controladores das grandes organizações buscam maior eficiência mediante um processo racionalizado de produção. Nesse processo, focam sua atenção nos meios necessários para que a organização atinja determinados fins, afastando a atenção das pessoas sobre os próprios objetivos.

Para Denhardt (2012), agindo dessa maneira, as organizações dificilmente estariam expressando valores societários, mas, sim, tentando atingir, a custo mínimo, seus objetivos. Assim, essas considerações devem ser discutidas nas organizações públicas, já que a distinção realizada pelo modelo racional, entre meios e fins, tem clara conexão com a dicotomia entre Política e Administração, onde "o papel das organizações públicas consiste simplesmente em descobrir os meios mais eficientes para os fins politicamente dados" (DENHARDT, 2012, p. 219).

Apesar de operar de forma bastante eficiente, o modelo racional omite toda a preocupação com o contexto moral em que a ação pode ocorrer. A racionalização da sociedade se tornou um processo em que as questões de valores humanos – liberdade, justiça e igualdade, por exemplo – deixam de ter importância como critério de julgamento para a ação pública, sendo substituídas pelo cálculo específico de custos e benefícios, meios e fins (DENHARDT, 2012).

Destarte, quando as únicas questões discutidas são as medidas de eficiência, as funções de deliberação, comunicação e participação parecem perder importância. No entanto, se a Administração Pública deve cumprir a promessa de apoiar e promover o bem comum, "seus membros devem ter disposição para pensar em questões mais amplas, como as que nos tornam capazes de estabelecer senso de responsabilidade pessoal ou de ação mútua" (DENHARDT, 2012, p. 221).

O segundo aspecto – entendimento incompleto sobre a aquisição do conhecimento – pretende indicar que só existe um modo de obter o conhecimento verdadeiro, por intermédio da aplicação rigorosa dos métodos da ciência positiva nas relações sociais, o que não considera, portanto, o papel das experiências subjetivas na vida humana. Essa crítica se suporta na compreensão de que os indivíduos, que são os sujeitos centrais da ação pública, têm razões subjetivas para suas ações – valores – que não são acessíveis a quem observa de fora seu comportamento. Enquanto as ações podem ser observadas, os valores não podem e, assim, é limitada a capacidade da ciência positiva de obter uma visão mais completa da ação humana.

Nesse sentido, decorre para Denhardt (2012, p. 226) que "a visão positivista vigente orienta-se para explicações instrumentais que possibilitam a predição e, em última análise, o controle dos assuntos humanos". Essa linha de raciocínio revela-se como incompleta. Não só porque seu poder explicativo é limitado, mas, também, porque se precisa de teorias que ajudem a compreender o sentido da ação humana e possibilitem agir com mais clareza e habilidade na busca dos objetivos societários.

O terceiro aspecto, a conexão inadequada entre teoria e prática, segundo Denhardt (2012), reflete uma preocupação que os profissionais da Administração Pública possuem com sua própria teoria. O autor acredita que estes querem que as teorias lhes garantam explicações e compreensões a partir das quais possam criar novas abordagens para o trabalho administrativo. E que possam criar um quadro de referência por meio do qual se possa ver as experiências dos indivíduos como parte significativa de algo maior e mais importante. O fato de os teóricos que seguem o modelo racional estarem interessados em explicação, predição e controle e não em saber se suas teorias têm ou não correspondência direta com a realidade reforça essa constatação.

Por isso, pretende-se adotar neste estudo a concepção de que a Administração Pública "está interessada na gestão dos processos de mudança que buscam lograr os valores societários publicamente definidos" (DENHARDT, 2012 p. 30).

Assim, como desdobramento desse entendimento, Denhardt e Denhardt (2003) descreveram o NSP como a visão se fundamenta em promover e reafirmar os valores da democracia, da cidadania e do interesse público.

Apesar de constituir-se como uma proposta emergente, seus fundamentos remontam às décadas de 1970 e 1980 e suportam-se tanto na Teoria Política democrática como em abordagens alternativas à gestão e ao design organizacional, dentro de uma tradição humanística da Teoria da Administração. São sete os princípios-chave do NSP:

1. Servir cidadãos, não consumidores: como o serviço público é visto como uma extensão da cidadania, tanto o governo quanto os cidadãos precisam abrir mão de seus interesses de curto prazo, assumindo novos papéis na construção de uma sociedade civil.

2. Perseguir interesses públicos: no NSP o administrador não é mais o árbitro do interesse público, mas, sim, um ator-chave dentro de um sistema de governança que inclui inúmeros stakeholders – e o governo é um meio voltado para o alcance de valores compartilhados pela sociedade.

3. Dar mais valor à cidadania e ao serviço público do que ao empreendedorismo: os administradores públicos trabalham dentro de redes políticas complexas e seu trabalho deve envolver os cidadãos no desenvolvimento de políticas públicas, o que informa a política e constrói a cidadania.

4. Pensar estrategicamente e agir democraticamente: as políticas e os processos devem ser elaborados mediante processos de colaboração, para que os cidadãos possam envolver-se no processo de governança ao invés de buscar apenas satisfazer suas demandas de curto prazo.

5. Reconhecer que accountability não é simples: o accountability no serviço público envolve o equilíbrio entre normas e responsabilidades que pressupõe questões morais, direito público e interesse público. Assim, os administradores públicos devem corresponder a normas, valores e preferências do complexo sistema de governança público.

6. Servir em vez de dirigir: os servidores públicos devem usar uma liderança baseada em valores para ajudar os cidadãos a articular e satisfazer seus interesses compartilhados. Devem compartilhar poder e liderar com compromisso, integridade, respeitando e conferindo poder à cidadania.

7. Dar valor às pessoas, não apenas à produtividade: as organizações públicas têm mais chance de ser bem-sucedidas se operarem por meio de processos de colaboração e liderança compartilhada que tenham por base o respeito pelas pessoas.

As características apresentadas pelo NSP fundamentam-se em valores compartilhados e interesses comuns obtidos por meio do diálogo e do engajamento dos cidadãos e são vistas como uma extensão da cidadania. São próprios também a esse modelo a articulação política e a liderança para o envolvimento das forças existentes no tecido social para a produção dos serviços públicos que requerem a participação de múltiplas instâncias sociais (SALM e MENEGASSO, 2009).

Apresentação das Bases Epistemológicas que Fundamentam o Novo Serviço Público

Após a apresentação do modelo do NSP fica, pois, claro o questionamento das bases epistemológicas que sustentam os modelos tradicionais de Administração Pública que consideram que seu campo de estudo é a maneira de operar organizações públicas de forma mais eficiente, ou seja, alcançar objetivos dados com um custo mínimo. É válido lembrar que, no modelo apresentado, esse é um critério importante, porém, insuficiente para compreender a Administração Pública.

Por isso, a crítica direta a esse modelo racional emergiu tendo um sentido de elevar a Teoria da Administração Pública para além de uma ação apenas racional. Para fazer frente a esse propósito de crítica, Denhardt (2012) apresenta três alternativas epistemológicas para a construção do conhecimento na Administração Pública:

1. A Teoria Social Interpretativa, ou Teoria da Ação;

2. A Teoria Social Crítica;

3. A Teoria Pós-Moderna.

A primeira alternativa, a Teoria Social Interpretativa, tem suas raízes na obra filosófica de Husserl chamada de Fenomenologia. O significado de fenômeno provém da expressão grega phainómenon que quer dizer "mostrar-se a si mesmo". Assim, phainómenon significa aquilo que se mostra, o que se manifesta. Em outros termos, significa aquilo onde algo pode tornar-se manifesto ou visível a si (MARTINS e BICUDO, 1989).

Segundo Moura (1989, p. 47), Husserl toma como premissa "ir às coisas mesmas", para que estas "possam exprimir aquilo que é dado diretamente na consciência". Desde o início, Husserl tinha por objetivo superar a oposição entre objetivismo e subjetivismo, procurando satisfazer a objetividade do conhecimento, ideal ou real, e a subjetividade do cognoscente e entender como o mundo real em sua temporalidade, em sua consciência intersubjetiva e em sua objetividade se constitui na consciência dos seres humanos.

Como abordagem, a Fenomenologia procura colocar em suspenso as caracterizações do comportamento humano que são impostas externamente às ações humanas para tentar captar o sentido exato dessas ações a partir da perspectiva dos próprios atores. Sob essa visão, os seres humanos são seres conscientes, agem com um propósito e dão sentido às suas ações. A reflexão fenomenológica parte do entendimento de que o conhecimento nunca é um objeto isolado e deve ser concebido como um objeto em seu mundo (ZILLES, 2007).

A Fenomenologia não olha o mundo de maneira objetiva, mas quer compreendê-lo sob a perspectiva do sujeito. O mundo da vida – um fenômeno dado na consciência – é dado ao sujeito como horizonte de experiência e é centrado em seu eu (ZILLES, 2007).

A questão básica da Fenomenologia é a busca do sentido das coisas, de modo a lhes atribuir um significado. Não é de extrema importância que os fatos se mostrem, mas, sim, qual o sentido atribuído a estes. O sentido não está no fenômeno, mas na atribuição que o sujeito lhe dá (FARIA, 2009).

Lyotard (1986) corrobora essas colocações ao afirmar que a Fenomenologia é o estudo do que é dado, do que aparece à consciência, do que é percebido, da coisa que se percebe e dos laços que unem o fenômeno ao ser do qual a coisa é fenômeno e ao sujeito que o investiga.

Essa concepção leva a uma conexão entre sentido e intencionalidade e possibilita a visão de que os seres humanos são agentes ativos no mundo social. A intencionalidade, nesse caso, é o direcionamento ativo da consciência para um objeto específico. Por meio das intenções, os seres humanos dão sentido ao mundo em sua volta e, assim, constroem esse mundo e determinam as circunstâncias e contextos que lhes são importantes (DENHARDT, 2012).

Acontece apenas que a essência do que se procura nas manifestações do fenômeno nunca é totalmente apreendida, portanto, ele sempre deve ser visto de modo contextualizado. Assim, a análise conduzida pela Fenomenologia deve abranger o histórico e o social nos encontros e nas mediações necessários para sua concretização (GARNICA, 1997).

A segunda alternativa que Denhardt (2012) apresenta para o entendimento do sentido da ação humana é a Teoria Social Crítica. Esta reconhece que existe uma tensão latente entre as lutas e limitações impostas às pessoas por suas condições sociais, mesmo que sobre elas se tenha vaga consciência. Ao buscar expor as questões ocultas, as estruturas de controle e de dominação e as desigualdades, a abordagem crítica busca questionar permanentemente a racionalidade das teorias tradicionais para evidenciar as coisas como realmente são, e depois poder enunciar como deveriam ser (DAVEL e ALCADIPANI, 2003). Nesse sentido, a abordagem crítica refere-se a uma reflexão sobre a renovação de situações e estruturas que impedem o desenvolvimento progressivo da autonomia e da responsabilidade das pessoas.

O primeiro a utilizar o termo Teoria Crítica foi Horkheimer, em 1937 (VIEIRA e CALDAS, 2006). Na perspectiva desse autor, essa teoria está ligada à análise da realidade sócio-histórica com objetivo de expor suas formas de dominação e exploração. Entretanto, para Wacquant (2004), essa teoria também engloba a noção de crítica de Kant, que diz respeito à avaliação de categorias e de formas de conhecimento com o objetivo de determinar sua validade cognitiva e seu valor.

A base da Teoria Crítica, para Vieira e Caldas (2006, p. 60), pode ser demonstrada por um postulado: "é impossível mostrar as coisas como realmente são, senão a partir da perspectiva de como elas deveriam ser". Nessa colocação, o dever ser se refere às possibilidades não realizadas pelo mundo social. Esse dever ser não tem intenção de ser utópico, mas de analisar o que o mundo poderia ter de melhor no caso de suas potencialidades se realizarem.

Para Paula et al. (2010), os estudos críticos no Brasil tiveram sua origem no paradigma teórico humanista que se apoia na Fenomenologia e na Fenomenologia crítica da Escola de Frankfurt, no existencialismo cristão e na visão anarquista. Como maneira de conciliar essas diferenças, Wacquant (2004) sugere que o pensamento crítico deve se situar na confluência entre a crítica epistemológica e a crítica social, ou seja, questionando tanto as formas estabelecidas de conhecimento quanto as da vida coletiva.

Davel e Alcadipani (2003) estabelecem três parâmetros para identificar um estudo de natureza crítica:

1. Promulgação de uma visão desnaturalizada da Administração: a organização é considerada uma construção sócio-histórica e não uma entidade concreta e relativamente fixa;

2. Intenções desvinculadas da performance: os conhecimentos gerados não visam a uma lógica instrumental de cálculo de meios em relação aos fins; e

3. Um ideal de emancipação: enfatizar, nutrir e promover o potencial da consciência humana para refletir de maneira crítica sobre os fatos.

Contudo, para Vieira e Caldas (2006), a Teoria Crítica dedica-se a examinar o mercado e suas relações com a emancipação do sujeito e com a conquista da liberdade e da igualdade. Os autores complementam que é possível enunciar dois princípios básicos da Teoria Crítica: a orientação para a emancipação do homem na sociedade e a manutenção do comportamento crítico.

Por fim, a terceira alternativa que Denhardt (2012) apresenta como possibilidade para a ampliação das bases epistemológicas da Administração Pública, é a Teoria Pós-Moderna.

O primeiro desafio para considerar as possibilidades desse entendimento é a própria conceituação do pós-modernismo. Isso decorre do fato de que não há um conceito único de pós-modernidade, uma vez que esta é composta por múltiplas subcorrentes que variam na sua base conceitual, bem como pelo fato de que alguns autores, tais como Giddens (1991) e Habermas (1991), consideram que a pós-modernidade é apenas um estágio tardio da modernidade.

De maneira genérica, o pós-modernismo se caracteriza como um movimento multidisciplinar que vai da Filosofia à Estética, e envolve as Artes, a Sociologia e os Estudos Organizacionais. O elo em comum entre todas essas disciplinas é a resistência à modernidade e a crítica à razão iluminista de que a humanidade podia aperfeiçoar a si por meio da razão e do progresso (VIEIRA e CALDAS, 2006).

O pós-modernismo rejeita explicações globalizantes que representam de modo incorreto a realidade por meio da escolha de uma perspectiva ou linguagem particular para explicá-la. Para os pós-modernistas, a racionalidade é muito mais difusa do que se supõe e o conhecimento apenas pode ser entendido em relação ao tempo, ao espaço e ao contexto social em que é construído por indivíduos e grupos.

Para Spicer (2001), necessita-se de uma alternativa que entenda Administração Pública como mais que um instrumento para um Estado intencional e que se baseie na noção de associação civil. Nesse caso, o papel do Estado e de seus órgãos consistiria em reunir diversos interesses para o debate em torno dos valores políticos.

Embora a visão pós-modernista do mundo envolva uma compreensão complexa e multifacetada da humanidade, ela contém lições para os administradores públicos. Assim, Denhardt (2012) sugere que a vida no mundo pós-moderno torne cada vez mais evidente a dependência entre cidadãos e administradores, o que impulsiona um diálogo público de melhor nível em busca de uma burocracia pública para o desenvolvimento de um senso de legitimidade no campo da Administração Pública.

Análise das Bases Epistemológicas Propostas para a Ampliação da Teoria da Administração Pública

Uma contribuição relevante da Fenomenologia para o estudo das organizações públicas é a possibilidade de chegar à essência dos fenômenos que estão sendo ou serão objeto de observação e ação por parte da Administração Pública, condição essencial para possibilitar uma visão mais completa e complexa das experiências humanas.

O NSP pressupõe a coprodução do bem público partindo de um entendimento do indivíduo como cidadão, de uma noção coletiva e compartilhada do interesse público e de uma liderança baseada em valores que ajudem os cidadãos a articular e satisfazer seus interesses compartilhados. Essa fusão poderá ser concretizada quando os administradores públicos entenderem que há uma conexão entre sentido e intencionalidade, ou seja, que os cidadãos são indivíduos ativos no mundo social e atribuem significado e valor àquilo que têm, precisam ou desejam.

Se for por meio das intenções demonstradas que os seres humanos dão sentido ao mundo em sua volta e determinam as circunstâncias e contextos que lhes são importantes, a Administração Pública vai precisar desenvolver métodos e metodologias de ação que os possibilitem incluir-se de maneira ativa nas discussões e deliberações de suas políticas públicas.

A necessidade de consciência e participação da sociedade nas decisões de formulação, bem como na implantação e no desenvolvimento de políticas públicas, faz acrescentar ingredientes democráticos próprios da sociedade da informação na gestão pública. Denhardt (2012, p. 124) assinala que "os avanços da tecnologia da informação tornaram as informações mais facilmente disponíveis a um grande número de grupos e organizações".

Daí decorre o que o autor denomina responsividade, componente inerente à gestão democrática, acarretando mudança de atitude tanto da parte dos agentes públicos como dos cidadãos e de suas organizações sociais. Estes, individual e coletivamente considerados, obtêm maior grau de responsividade, ou seja, mais altos índices de correspondência entre as decisões da Administração e as preferências da comunidade à medida que há mais convergência entre a cidadania e a gestão pública.

Autores como Salm e Menegasso (2009), Andion (2012), já apontam que, no Brasil, as experiências em coprodução são mais recentes, mas já ampliam os espaços de participação da sociedade civil. Porém, faltam mecanismos institucionais à Administração Pública que possibilitem consolidar a coprodução como estratégia para concretizar o bem público. Esses mecanismos envolvem a coordenação política e a liderança dessa rede de coprodução, tarefas que são bem mais complexas do que as exercidas no âmbito da burocracia.

Entende-se essa limitação: as experiências de participação do cidadão ainda estão muito focadas na instância da deliberação e não na construção coletiva da política pública. Tomem-se dois exemplos distintos de participação: as audiências públicas e, mais recentemente, as plataformas de e-gov. Em ambos os exemplos se abre ao indivíduo uma possibilidade de exercer um papel atuante na discussão de uma política que já vem sendo elaborada, enquanto no âmbito do NSP seria preciso, em primeiro lugar, entender o que vai ser objeto de ação pública, ou seja, seria preciso entender o que, naquele contexto, faz sentido para o indivíduo/cidadão que ao mesmo tempo vai ser o coprodutor do bem público.

Entretanto, por outro lado, já existem experiências mais bem estruturadas de coprodução do bem público, como as cooperativas, as organizações sociais, as redes interorganizacionais, as parcerias público-privadas (PPP), onde a Administração Pública envolve outros atores na construção e execução de suas políticas.

De fato, o que é preciso considerar nessa discussão é quais são os mecanismos institucionais que precisam ser viabilizados para que o indivíduo possa se expressar sobre aquilo que tem, precisa ou deseja. Não é uma tarefa comum: a subjetividade humana é ilimitada e dar conta de captá-la e modelá-la em termos de uma política pública, considerando a multiplicidade de agentes que fazem parte de um mesmo espaço público, demonstra o tamanho do desafio.

Em relação à segunda base apresentada por Denhardt (2012), a Teoria Social Crítica, vários aspectos têm relevância para o estudo da Administração Pública. A crítica da razão instrumental é uma delas, e envolve a questão que contrasta os dois modos de entendimento do conceito de razão. Em um sentido, a razão é um princípio que existe objetivamente na natureza e que possibilita a avaliação das ações humanas. Já no outro sentido, que é próprio da sociedade moderna, a razão toma uma forma mais instrumental ao se interessar apenas pelos meios que são mais favoráveis para obter um dado fim. Aqui, a crítica se funda na forma como os meios são ordenados para atingir os fins previamente definidos. Esses meios não apenas afastam da discussão vários interesses sociais que são supridos pelas instituições racionais, mas, também, elaboram padrões de controle científicos, calculados e calculistas.

O que parece interessante ressaltar a partir dessa crítica é que os critérios de eficiência e eficácia utilizados para suportar determinados modelos de Administração Pública, são necessários, porém, insuficientes para esse fim. A Administração Pública age sobre um conjunto de interesses difusos, legítimos e, muitas vezes, divergentes e critérios como equidade ou justiça parecem mais pertinentes para lhe dar suporte.

Ainda baseada na Teoria Crítica, a Administração Pública poderia fazer um exame da base técnica da dominação burocrática e das justificações para essa condição, levando-se em conta que a Teoria Crítica descreve o que vê para propor como deveria ser, ou seja, partindo dessa concepção, tudo pode ser diferente. Assim, se é verdade que a Administração Pública precisa se guiar por critérios de excelência, é preciso reconhecer que a burocracia não é a única maneira possível de organização humana. As organizações são construídas socialmente e podem ser reconstruídas por decisões conscientes e coletivas. Nesse sentido, o estímulo para fundamentos para mais autonomia e responsabilidade nas organizações passa a ser condição central.

Partindo desta mesma percepção, para reinterpretar a administração pública, Denhardt (2012) propõe considerar que ela está inserida no contexto da democracia e da sociedade civil e por isso a condução de suas atividades administrativas deve contar com a participação e interação dos múltiplos atores que serão afetados pelas políticas públicas ou projetos. Para o autor, a construção social da Administração Pública com base em uma teoria interpretativa e crítica possibilitaria que a mudança organizacional fosse entendida em termos dialéticos, proporcionando, assim, um entendimento mais dinâmico da vida organizacional.

Assim, fundamentando-se na Teoria Social Crítica, a Administração Pública poderia ampliar suas bases de participação, facilitando a articulação dos múltiplos interesses da sociedade por meio de redes de governança que definiriam como as decisões seriam tomadas e como os grupos poderiam interagir na formulação dos propósitos públicos e na implantação das políticas públicas.

A terceira base proposta, o pós-modernismo, possibilita reconhecer que construtos como a burocracia hierárquica são socialmente criados e não fazem parte do mundo natural e que a deliberação das políticas públicas excluam as demandas insinceras e formuladas por um discurso eminentemente político. Nesse sentido, o papel do administrador público será dar apoio à criação e manutenção de um "discurso autêntico" dos diferentes cidadãos públicos (DENHARDT, 2012).

Nesse aspecto, o grande desafio envolve a redefinição da visão e do papel do Estado, que seria entendido como uma associação que se ocuparia da articulação e da governança das redes de formulação das políticas públicas e da mobilização dos recursos necessários ao alcance desses fins.

Considerações Finais

A partir do referencial teórico descrito neste estudo, almejou-se apresentar e fundamentar as bases epistemológicas do NSP proposto por Denhardt e Denhardt (2003) para, a partir disso, analisar como elas podem contribuir para a ampliação da Teoria da Administração Pública.

Dessa forma, como possibilidade para a ampliação da Teoria da Administração Pública, destacam-se os seguintes pontos:

• É preciso considerar quais são os mecanismos institucionais que a Administração Pública precisa viabilizar para que o indivíduo possa se expressar sobre aquilo que precisa ou deseja;

• Que a crítica aos critérios de eficiência e eficácia como os únicos utilizados para suportar determinados modelos de Administração Pública possibilita reconhecer que esta age sobre um conjunto de interesses difusos, legítimos e, muitas vezes, divergentes e que critérios como equidade ou justiça, por exemplo, parecem mais pertinentes para lhe dar suporte;

• Que a Administração Pública precisa ampliar suas bases de participação, facilitando a articulação dos múltiplos interesses da sociedade por meio de redes de governança que definiriam como as decisões seriam tomadas e como os grupos poderiam interagir na formulação dos propósitos públicos e na implantação das políticas públicas;

• Que o grande desafio envolve a redefinição da visão e do papel do próprio Estado, que seria entendido como uma associação que se ocuparia da articulação e da governança das redes de formulação das políticas públicas e da mobilização dos recursos necessários ao alcance desses fins;

• Que a Administração Pública, impressionada pela visão do NSP, considera relevante e necessário alcançar grau crescente de responsividade, ou seja, convergência cada vez maior entre os desejos, as prioridades e as aspirações da sociedade – cada vez mais informada e participativa – e a gestão pública, ampliando a dimensão da cidadania.

Desse modo, considera-se que as bases epistemológicas aqui apresentadas, que suportam o conceito do NSP, podem, de fato, ampliar a Teoria da Administração Pública, que seria entendida como um processo de natureza administrativa e política. Ou seja, é preciso ampliar as bases epistemológicas que fundamentam o campo para que a compreensão do que é Administração Pública também se amplie.

Subjacente a essa afirmação está a ideia de que é a partir das bases epistemológicas que os modelos se estruturam e possibilitam o desenvolvimento de métodos e metodologias de gestão.

Considera-se, também, que existem inúmeros desafios para que seja possível avançar nessa direção proposta, dado o fato de que a cultura burocrática arraigada na Administração Pública dificulta a ampliação dessa visão. O aumento das demandas públicas por parte dos cidadãos força um processo de mudança e esse processo passa pela necessidade do Estado ser mais assertivo em suas ações, e nada melhor que o cidadão para ser coprodutor dessa assertividade.

Por fim, compreendendo-se os limites de um trabalho teórico, sugere-se que trabalhos empíricos devem ser realizados para descrever experiências de coprodução do bem público, para que se possa reunir a teoria e a prática e delinear de maneira mais clara quais são os contornos de ampliação, evolução e desenvolvimento da Teoria da Administração Pública.

Artigo submetido em 30 de abril de 2013 e aceito para publicação em 22 de dezembro de 2013.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2013
  • Aceito
    22 Dez 2013
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