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From translation to enactment: contributions of the Actor-Network Theory to the processual approach to organizations

Da translação para o enactar: contribuições da Teoria Ator-Rede para a abordagem processual das organizações

De la traslación para el 'enactar': contribuciones de la Teoría Actor-Red para el abordaje procesual de las organizaciones

Abstract

In the area of ​​Administration, especially in the Organizational Studies (OS), the Actor-Network Theory (ANT) has been regarded as part of a movement that aims to leave the functional emphasis of organization and pursue the study of process and practices of organizing - the processual approach to organizations. However, criticism to the ANT has led some authors to seek to overcome them through analytical twists concerning certain concepts. One of these "twists" involved the concept of translation and the inclusion of the concept of enactment . This article discusses both notions with the aid of two studies developed having these concepts as a basis, in order to indicate that the choice of enactment brings along a processual view different from that observed in translation. The concept of translation addresses the predominant and it emphasizes understanding how networks of relationships and objects become "stable"; in turn, enact works with multiplicity and fluidity, where the process takes precedence over things. Although the proposed term enactment does not seek to directly face all criticism, it contributes so that ANT does not take a neutral or mechanical view in its analyses and descriptions. Enactment has the view of organization as a result and product of continuous process and it allows understanding that this is not just working or not (success or failure), but it concerns the "production" of multiple realities when we conduct research in Administration having the processual approach to organizations as a basis.

Keywords:
Translation; Enactment; Process; Actor-network theory.

Resumo

Na área da Administração, em especial nos Estudos Organizacionais (EO), a Teoria Ator-Rede (TAR) tem sido considerada parte de um movimento que almeja sair da ênfase funcional da organização e buscar o estudo de processos e práticas do organizar - a abordagem processual das organizações. Entretanto, as críticas à TAR levaram alguns autores a buscar superá-las por meio de torções analíticas em relação a certos conceitos. Uma dessas "torções" envolveu o conceito de translação e a inclusão do conceito de enactment . Este artigo discute ambas as noções com o auxílio de dois estudos desenvolvidos com base nesses conceitos, para indicar que a escolha do enactment traz consigo uma visão processual distinta da apresentada na translação. O conceito de translação trata do predominante e enfatiza a compreensão de como as redes de relações e os objetos tornam-se "estáveis"; já o enactar trabalha com a multiplicidade e a fluidez, onde o processo tem primazia sobre as coisas. Embora a proposta do termo enactment não busque enfrentar diretamente todas as críticas, ele contribui para que a TAR não assuma uma visão neutra nem mecânica em suas análises e descrições. O enactment apresenta a visão de organização como resultado e produto de processos contínuos e possibilita compreender que não se trata de dar certo ou não (sucesso ou fracasso), mas se trata da "produção" de realidades múltiplas ao realizarmos pesquisas em Administração com base na abordagem processual das organizações.

Palavras-chave:
Translação; Enactment; Processo; Teoria ator-rede.

Resumen

En el área de Administración, en especial en los Estudios Organizacionales (EO), la Teoría Actor-Red (TAR) ha sido considerada parte de un movimiento que pretende salir del énfasis funcional de la organización y buscar el estudio de procesos y prácticas de lo organizativo - el abordaje procesual de las organizaciones. Sin embargo, las críticas a la TAR llevaron algunos autores a buscar superarlas por medio de giros analíticos con relación a ciertos conceptos. Uno de esos 'giros' implicó el concepto de traslación y la inclusión del concepto de 'enactment'. Este artículo discute ambas nociones con la ayuda de dos estudios desarrollados con base en estos conceptos, para indicar que la elección del 'enactment' trae consigo una visión procesual distinta de la presentada en la traslación. El concepto de traslación trata de lo predominante y enfatiza la comprensión de cómo las redes de relaciones y los objetos se vuelven 'estables'; mientras el 'enactar' trabaja con la multiplicidad y la fluidez, donde el proceso tiene primacía sobre las cosas. Aunque la propuesta del concepto 'enactment' no busque enfrentar directamente todas las críticas, contribuye para que la TAR no asuma una visión neutra ni mecánica en sus análisis y descripciones. El 'enactment' presenta la visión de organización como resultado y producto de procesos continuos y posibilita comprender que no se trata que sea correcto o no (éxito o fracaso), sino que se trata de la 'producción' de realidades múltiples al realizar investigaciones en Administración con base en el abordaje procesual de las organizaciones.

Palabras-clave:
Traslación; 'Enactment'; Proceso; Teoría Actor-Red.

Teoria Ator-Rede: críticas e desdobramentos

A Teoria Ator-Rede (ou Teoria da Translação) tem sua origem nos estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CALLON, 1986CALLON, M. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In: LAW, J. Power, action and belief: a new sociology of knowledge? London: Routledge, 1986. 196-223 p.; LATOUR, 1999LATOUR, B. On recalling ANT. In: LAW, J.; HASSARD, J. (Eds.). Actor network theory and after. Oxford: Blackwell/The Sociological Review, 1999. 15-26 p.) e ganhou destaque ao propor que humanos e não humanos fossem vistos de forma analiticamente simétrica. Na área da Administração, em especial, nos Estudos Organizacionais (EO), a Teoria Ator-Rede (TAR) tem sido considerada parte de um movimento que pretende sair da ênfase funcional da organização e buscar o estudo de processos e práticas do organizar, sobretudo, em uma visão sociotécnica (LEE e HASSARD, 1999LEE, N.; HASSARD, J. Organisation unbound: actor-network theory, research strategy and institutional flexibility. Organisation v. 6, n. 3; p. 391-404, 1999.; ALCADIPANI e HASSARD, 2010ALCADIPANI, R.; HASSARD, J. Actor-network theory, organizations and critique: towards a politics of organizing. Organization, v. 17, n. 4, p. 419-35, 2010.). Entretanto, no Brasil, de maneira geral, nas pesquisas em Administração, a TAR é associada notadamente às ideias do sociólogo francês Bruno Latour o que, conforme Cavalcanti e Alcadipani (2013CAVALCANTI, M. F. R.; ALCADIPANI, R. Organizações como processos e a teoria ator-rede: a contribuição de John Law para os estudos organizacionais. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 4, p. 556-568, 2013.), tem produzido a repetição mecânica das análises feitas por esse autor. Além disso, acaba-se utilizando os conceitos mais "famosos e fundadores" da TAR - tais como não-humano, humano, rede, ator (ou actante), translação, caixa-preta, entre outros - muitos deles relacionados a uma "forma de compreender e trabalhar com" essa teoria que vem sendo bastante criticada.

As críticas feitas à TAR consideram que a abordagem seria demasiado mecânica e apolítica (LEE e BROWN, 1994LEE, N.; BROWN, S. Otherness and the actor network: the undiscovered continent. American Behavioral Scientist, v. 37, n. 6, p. 772-790, 1994.; WHITTLE e SPICER, 2008WHITTLE, A.; SPICER, A. Is actor network theory critique? Organization Studies, v. 29, n. 4, p. 611-629, 2008.), além de possuir neutralidade crítica, de acordo com Reed (2000REED, M. The limits of discourse analysis in organizational analysis. Organization, v. 7, n. 3, p. 524-530, 2000.), Walsham (1997WALSHAM, G. Actor-network theory and IS research: current status and future prospects. In: LEE, A.; LIEBENAU, J.; DEGROSS, J. (Orgs.). Information systems and qualitative research. London: Chapman and Hall, 1997. 467-480 p.) assinala quatro críticas principais a respeito da TAR: análise limitada das estruturas sociais; postura amoral por negligenciar questões de cunho político e moral; falha ao considerar a distinção analítica entre humanos e não-humanos; e possíveis problemas a respeito de como seguir as entidades em uma análise das redes. A suposta neutralidade política da TAR está bastante atrelada ao argumento de que, como um sistema totalizante e que busca perceber estabilizações em uma rede por meio de sua noção de translação, não deixaria espaço para fazer aparecer diferenças ou para produzir uma análise de como essas redes modificam-se e tornam-se outras (HINCHLIFFE, KEARNES, DEGEN et al., 2005HINCHLIFFE, S. et al. Urban wild things: a cosmopolitical experiment. Environment and Planning: Society and Space, v. 23, n. 5, p. 643-658, 2005.).

Buscando superar as críticas, alguns autores realizaram certas "torções" analíticas na TAR, atribuindo a determinados conceitos sentidos não necessariamente concebidos por Bruno Latour (CAVALCANTI e ALCADIPANI, 2013CAVALCANTI, M. F. R.; ALCADIPANI, R. Organizações como processos e a teoria ator-rede: a contribuição de John Law para os estudos organizacionais. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 4, p. 556-568, 2013.). Em alguns casos, os conceitos foram, aos poucos, abandonados, outros incluídos, transformados, reconsiderados, revistos... um fluxo de mudanças fiel ao pressuposto da TAR de que as coisas/os conceitos/os objetos/as características/a realidade etc. não são dados a priori ou uma instância absolutamente bem delimitada, estável e representável. Pelo contrário, o pesquisador deve estar atento ao processo instável, temporário, negociado e nunca inteiramente manifestado (COOPER e LAW, 1995COOPER, R.; LAW, J. Organization: distal and proximal views. Research in the Sociology of Organizations, v. 13, p. 237-274, 1995.). Esse desdobramento é conhecido como Actor-Network Theory and After (TAR e Depois) e uma das principais diferenças foi o aprofundamento na questão relacional, apresentada até então, já que entre as críticas direcionadas a TAR estava a de ter feito uma análise simplista do processo de ordenamento e de naturalizá-lo, deixando margem para manipulação (LAW e HASSARD, 1999LAW, J. After ANT: complexity, naming and topology. In: LAW, J.; HASSARD, J. (Eds.). ANT and after. Oxford: Blackwell/The Sociological Review, 1999b. 1-14 p.).

Uma dessas "torções" ocorreu em relação ao conceito de translação e à inclusão do conceito de enactment utilizado por John Law, a partir de estudos desenvolvidos por Annemarie Mol. O ponto central da TAR, de acordo com Law (1992)LAW, J. Notes on the theory of the actor-networking: ordering, strategy and heterogeneity. Systems Practice, v. 5, n. 3, p. 379-373, 1992., seria sua preocupação em relação ao "como" atores e organizações mobilizam, sobrepõem e dão coesão à infinidade de pequenas peças que os compõem. Esse autor também entende que a TAR é uma "semiótica material", uma vez que o aspecto relacional que caracteriza a existência dos objetos aproxima-se da abordagem semiótica pós-estruturalista, pois, segundo esta, um termo adquire sentido somente por meio das relações que ele estabelece em uma rede de significantes (LAW, 1999bLAW, J.; HASSARD, J. (Eds.). ANT and after. Oxford: Blackwell/The Sociological Review, 1999.; 2007LAW, J. Actor network theory and material semiotics. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://www.heterogeneities.net/publications/Law-ANTandMaterialSemiotics.pdf >. Acesso em: 5 set. 2010.
http://www.heterogeneities.net/publicati...
; LAW e URRY, 2002LAW, J.; URRY, J. Enacting the social. Economy and Society, v. 33, n. 3, p. 390-410, 2002.). Na semiótica material, conforme Law e Mol (2008, p. 58), "a agência se liberta da intencionalidade, uma entidade torna-se um actante quando faz uma diferença perceptível".

Embora este artigo tenha como ponto de partida as questões destacadas acima, faremos, inicialmente, uma breve contextualização sobre a abordagem processual nos EO, seguido de uma apresentação sucinta a respeito da TAR para após discutirmos o conceito de translação e de enactment . Para auxiliar esta discussão teórica, são apresentados dois estudos desenvolvidos com base nesses conceitos: o primeiro extraído da pesquisa feita por Jackeline Amantino de Andrade (2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ), que trabalha com o conceito de "translação", e o segundo extraído da pesquisa de John Law e Annemarie Mol (2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.), para exemplificar o enactment . A proposta é que ao analisarmos ambos os conceitos - usando também exemplos - podemos compreender que a escolha do enactment traz consigo uma visão processual distinta da apresentada na translação. Embora a proposta do termo "enactment " não busque enfrentar diretamente todas as críticas, contribui para que a TAR não tenha uma visão neutra nem mecânica em suas análises e descrições, além de poder contribuir com a visão de organização como resultado e produto de processos contínuos ao realizarmos nossas pesquisas em Administração, independentemente da área de concentração.

Abordagem processual das organizações

De acordo com Czarniawska (2010CZARNIAWSKA, B. Going back to go forward: on studying organizing in action nets. In: HERNES, T.; MAITLIS, S. (Eds.). Process, sensemaking & organizing: perspectives on process organization studies. New York: Oxford University Press, 2010. 140-160 p.; 2013CZARNIAWSKA, B. Organizations as obstacles to organizing. In: ROBICHAUD, D.; COOREN, F. (Eds.). Organization and organizing: materiality, agency and discourse. New York: Routledge, 2013. 3-22 p. ), a partir da adoção da Teoria de Sistemas, na década de 1950, a organização passa a ser vista como uma unidade separada, com fronteiras delimitadas que a distinguiam de seus ambientes com os quais se relacionava, uma espécie de ferramenta ou estrutura voltada para que um grupo atingisse seus objetivos. A organização seria, assim, um sistema social limitado, com estruturas e objetivos específicos e que atua de forma mais ou menos racional e coerente (COOPER e BURRELL, 1988COOPER, R.; BURRELL, G. Modernism, postmodernism and organizational analysis: an introduction. Organization Studies, v. 9, n. 1, p. 91-112, 1988.).

Entretanto, segundo Chia (1996CHIA, R. The problem of reflexivity in organizational research: towards a postmodern science of organization. Organization, v. 3, n. 1, p. 31-59, 1996.), compreendida dessa maneira, a tendência é tratarmos como não problemáticas, por exemplo, as noções de "organização", "seus objetivos", "o ambiente" e "as estratégias". Além disso, as pesquisas e teorias contemporâneas sobre as organizações foram desenvolvidas a partir de uma postura ontológica do ser (being ontology ), em que o "estático" é visto como normal e a "mudança" é considerada acidental, transitória e até uma disfunção. E mais, tais processos são concebidos como aspectos secundários em vez de serem tratados como base (COOPER e LAW, 1995COOPER, R.; LAW, J. Organization: distal and proximal views. Research in the Sociology of Organizations, v. 13, p. 237-274, 1995.).

Muito do conhecimento em nossa área foi desenvolvido a partir desses pressupostos e não se pode negar sua contribuição, porém, devemos reconhecer que essa noção de organização, bem como as noções vinculadas, como as de ambiente e de adaptação, não são mais capazes de sozinhas nos levar à compreensão dos variados fenômenos organizacionais (DUARTE e ALCADIPANI, 2013DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing ) para os estudos organizacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: EnAnpad, 2013.16 p.). Podemos dizer que, considerando o início do século XXI, o ambiente, formado inclusive por outras organizações, não constitui mais aquela entidade que cria problemas, a própria organização o faz. É cada vez mais difícil estabelecer a ideia de limites diante de fenômenos como fusões, aquisições e colaboração entre organizações (CZARNIAWSKA, 2010CZARNIAWSKA, B. Going back to go forward: on studying organizing in action nets. In: HERNES, T.; MAITLIS, S. (Eds.). Process, sensemaking & organizing: perspectives on process organization studies. New York: Oxford University Press, 2010. 140-160 p.; 2013CZARNIAWSKA, B. Organizations as obstacles to organizing. In: ROBICHAUD, D.; COOREN, F. (Eds.). Organization and organizing: materiality, agency and discourse. New York: Routledge, 2013. 3-22 p. ). Além do mais, os EO convencionais tendem a ignorar o fato de que as ações de organizar são praticadas, também, por grupos informais; não enfatizam a interação e colaboração entre organizações; e, por fim, ofuscam o fato de que as organizações e seus objetivos podem ir além das intenções para as quais foram criados, podendo ter consequências inesperadas (CZARNIAWSKA, 2010CZARNIAWSKA, B. Going back to go forward: on studying organizing in action nets. In: HERNES, T.; MAITLIS, S. (Eds.). Process, sensemaking & organizing: perspectives on process organization studies. New York: Oxford University Press, 2010. 140-160 p.; 2013CZARNIAWSKA, B. Organizations as obstacles to organizing. In: ROBICHAUD, D.; COOREN, F. (Eds.). Organization and organizing: materiality, agency and discourse. New York: Routledge, 2013. 3-22 p. ). Esses são apenas alguns exemplos.

Em contrapartida, os estudos sobre o organizar (organizing ) entendem as organizações e os fenômenos organizacionais, como processos de organização, em vez de entidades fixas, homogêneas e estáveis (WEICK, 1979WEICK, K. E. The social psychology of organizing. Reading, MA: Addison-Wesley, 1979.; CHIA, 1995CHIA, R. From modern to postmodern organizational analysis. Organization Studies, v. 16, n. 4, p. 579-604, 1995.; COOPER e LAW, 1995COOPER, R.; LAW, J. Organization: distal and proximal views. Research in the Sociology of Organizations, v. 13, p. 237-274, 1995.; TSOUKAS e CHIA, 2002TSOUKAS, H.; CHIA, R. On organizational becoming: rethinking organizational change. Organization Science,v. 13, n. 5, p. 567-582, 2002.; CZARNIAWSKA, 2004CZARNIAWSKA, B. On time, space, and action nets. Organization, v. 11, n. 6, p. 773-791, 2004.). Existe ainda um esforço de pesquisa para compreender as organizações "como elas acontecem" (SCHATZKI, 2006SCHATZKI, T. R. Organizations as they happen. Organization Studies, v. 27, n. 12, p. 1863-1873, 2006.), como verbo (organizar) e não substantivo (COOPER e LAW, 1995COOPER, R.; LAW, J. Organization: distal and proximal views. Research in the Sociology of Organizations, v. 13, p. 237-274, 1995.), como resultado ou produto final e não como ponto de partida (CZARNIAWSKA, 2004CZARNIAWSKA, B. On time, space, and action nets. Organization, v. 11, n. 6, p. 773-791, 2004.). Uma vez que questionam se a noção naturalizada e reificada do que viria a ser uma organização, sozinha, seria suficiente ou capaz de nos aproximar da compreensão de fenômenos organizacionais complexos, esses estudos sugerem uma lente temporal e processual. Assim, oferecem novas possibilidades para explorarmos e buscar compreender a "produção da organização e não a organização da produção" (COOPER e BURRELL, 1988COOPER, R.; BURRELL, G. Modernism, postmodernism and organizational analysis: an introduction. Organization Studies, v. 9, n. 1, p. 91-112, 1988., p. 106).

De acordo com Cavalcanti (2012CAVALCANTI, M. F. R. O grau zero da organização: diálogos entre Deleuze e Robert Cooper.Dissertação (Mestrado em Administração) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2012.), Robert Cooper foi um dos precursores nesse sentido, ao propor uma epistemologia do processo como base necessária para o desenvolvimento de ações humanas. Cooper (1976)COOPER, R. The open field. Human Relations, v. 29, n. 11, p. 999-1017, 1976. destaca a necessidade de considerar a ação e o exercício do pensamento humano em termos difusos e processuais, não os tratando como fenômenos definidos por uma realidade previamente construída e entendida como racional e objetiva. Segundo Chia (1998CHIA, R. Introduction. In: Chia, R. (Ed.). The Realm of Organizations: essays for Robert Cooper . Londres: Routledge, 1998. 1-11 p.), a contribuição de Cooper teria sido um marco na abertura do campo dos EO para as abordagens pós-estruturalistas.

Para compreender a organização como processo, de acordo com Chia (1995CHIA, R. From modern to postmodern organizational analysis. Organization Studies, v. 16, n. 4, p. 579-604, 1995.), é preciso privilegiar uma ontologia de movimento (becoming ontology ), redirecionando o foco de análise, o qual se volta não para os estados sociais ou entidades, mas para as interações e os padrões relacionais envolvidos no fluxo e na transformação do mundo. Cooper e Law (1995COOPER, R.; LAW, J. Organization: distal and proximal views. Research in the Sociology of Organizations, v. 13, p. 237-274, 1995.) propuseram uma sociologia do vir a ser ou tornar-se (sociology of becoming ), na qual os estados estáticos tidos como certos, não são negados, mas vistos como efeitos de processos sociais complexos, contrastando com a abordagem que prima pelo estático, a qual chamaram de sociologia do ser (sociology of being ).

Da mesma forma, Chia (1995CHIA, R. From modern to postmodern organizational analysis. Organization Studies, v. 16, n. 4, p. 579-604, 1995.) denomina estilos de pensamento moderno e pós-moderno ou being e becoming ontologies, sendo que, esta última, se apresenta como "a base para reconceitualizarmos a organização como processo emergente e não um fenômeno estático" (CHIA, 2003CHIA, R. Ontology: organization as "world-making". In: WESTWOOD, R.; CLEGG, S. (Eds.). Debating organization: point-counterpoint in organization studies. Oxford: Blackwell, 2003. 98-112 p., p. 100). O compromisso com essa ontologia do vir a ser ou tornar-se implica consequências radicais para o estudo das organizações, pois o foco está nas micropráticas heterogêneas de organizar (DUARTE e ALCADIPANI, 2013DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing ) para os estudos organizacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: EnAnpad, 2013.16 p.). As pequenas mudanças e rotinas que não chegam a atingir o status de organizações formais, é que são relevantes para o organizar (TSOUKAS e CHIA, 2002TSOUKAS, H.; CHIA, R. On organizational becoming: rethinking organizational change. Organization Science,v. 13, n. 5, p. 567-582, 2002.).

Em vez de "ser" organizações, elas estão constantemente e continuamente "tornando-se" organizações (COOPER e LAW, 1995COOPER, R.; LAW, J. Organization: distal and proximal views. Research in the Sociology of Organizations, v. 13, p. 237-274, 1995.; TSOUKAS e CHIA, 2002TSOUKAS, H.; CHIA, R. On organizational becoming: rethinking organizational change. Organization Science,v. 13, n. 5, p. 567-582, 2002.). Assim, o nome "organização" existe somente como resultado contínuo do organizar; são ordenamentos locais de práticas de organizar que coletivamente formam a realidade social (COOPER e LAW, 1995COOPER, R.; LAW, J. Organization: distal and proximal views. Research in the Sociology of Organizations, v. 13, p. 237-274, 1995.). A postura pós-estruturalista assume uma visão na qual as organizações possuem fronteiras pouco definidas, com partes ou funções mais ou menos discretas, e seu problema é gerir uma série de dependências funcionais com vistas a atingir objetivos aparentemente bem definidos e que a organização faz isso por meio de planos ou programas também mais ou menos definidos (COOPER e LAW, 1995COOPER, R.; LAW, J. Organization: distal and proximal views. Research in the Sociology of Organizations, v. 13, p. 237-274, 1995.).

Dessa forma, o retorno ao organizing , já que essa abordagem processual não é uma novidade nos EO conforme Czarniawska (2013CZARNIAWSKA, B. Organizations as obstacles to organizing. In: ROBICHAUD, D.; COOREN, F. (Eds.). Organization and organizing: materiality, agency and discourse. New York: Routledge, 2013. 3-22 p. ), lança um novo olhar sobre as organizações, a partir de sua perspectiva processual, heterogênea e precária, chama a atenção para o fato de que as diferentes realidades organizacionais podem ser compreendidas como resultados do organizar e não como conceitos inquestionáveis. Processos ou práticas de organização (organizing ) se mostram heterogêneos, difusos e complexos, em constantes fluxos e transformações (DUARTE e ALCADIPANI, 2013DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing ) para os estudos organizacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: EnAnpad, 2013.16 p.).

Embora a noção de organizing esteja hoje associada às perspectivas pós-moderna e pós-estruturalista, ela foi introduzida por Karl E. Weick, em 1969, na primeira edição de The social psychology of organizing (CZARNIAWSKA, 2008bCZANIAWSKA, B. A theory of organizing. Cheltenham: Edward Elgar, 2008b.). Ele propôs que os estudiosos da área deveriam se voltar mais para os processos que para as estruturas, mais para o organizar que para as organizações, defendendo, dessa forma, um retorno ao organizar como o estudo do que as pessoas fazem quando agem coletivamente a fim de se atingir algum objetivo (CZARNIAWSKA, 2008bCZANIAWSKA, B. A theory of organizing. Cheltenham: Edward Elgar, 2008b.). O organizing de Karl Weick consiste em uma espécie de retorno do foco para os processos, para as ações que constituem as diferentes realidades organizacionais, embora não sendo pós-estruturalista, conforme apontam Duarte e Alcadipani (2013DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing ) para os estudos organizacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: EnAnpad, 2013.16 p.). Da mesma forma que Horbach (2010HORBACH, B. G. A evolução criadora de Bergson: fundamentos da abordagem processual das organizações? Dissertação (Mestrado em Administração) - Escola de Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.) destaca que para Weick a realidade é algo acessado pelo indivíduo produtor de sentido por meio de processos estruturados.

Entretanto, retomar o foco da análise para o organizar (organizing ) da forma como foi proposto por Robert Cooper, implica mudanças ontoepistemológicas, as quais se refletem na prática da pesquisa e no ensino no campo dos EO (DUARTE e ALCADIPANI, 2013DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing ) para os estudos organizacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: EnAnpad, 2013.16 p.). Primeiro, o organizar traz consigo uma mudança ontológica, pois compreender as organizações como realizações (CHIA, 1995CHIA, R. From modern to postmodern organizational analysis. Organization Studies, v. 16, n. 4, p. 579-604, 1995.; CZARNIAWSKA, 2004CZARNIAWSKA, B. On time, space, and action nets. Organization, v. 11, n. 6, p. 773-791, 2004.), como verbos (COOPER e LAW, 1995COOPER, R.; LAW, J. Organization: distal and proximal views. Research in the Sociology of Organizations, v. 13, p. 237-274, 1995.) e não como entidades fixas, estáveis e homogêneas, significa uma alteração da perspectiva temporal da pesquisa: é a organização que deverá ser explicada (COOPER e BURRELL, 1988; CZARNIAWSKA, 2008aCZANIAWSKA, B. Organizing: how to study it and how to write about it. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, v. 3, n. 1, p. 4-20, 2008a.), interpretada como um tipo de produto final e não um ponto de partida para a análise (CZARNIAWSKA, 2004CZARNIAWSKA, B. On time, space, and action nets. Organization, v. 11, n. 6, p. 773-791, 2004.; 2008bCZANIAWSKA, B. A theory of organizing. Cheltenham: Edward Elgar, 2008b.). Assim, as diferentes realidades organizacionais não precedem as práticas, mas são moldadas, performadas, enactadas por elas (MOL, 1999MOL, A. Ontological politics. A word and some questions. In: LAW, J.; HASSARD, J. (Eds.). Actor network theory and after. Oxford: Blackwell, 1999. 74-89 p.; 2002MOL, A. The body multiple: ontology of medical practice. Durham: Duke University Press, 2002.).

De acordo com Law (1994LAW, J. Organizing modernity. Oxford/Cambridge, MA: Blackwell, 1994.), devemos estar atentos ao caráter material da noção de organizar, que se refere a padrões recursivos gerados e reproduzidos como manifestações da rede heterogênea de relações humanas e não-humanas que participam de uma organização. Dessa forma, conforme Cavalcanti e Alcadipani (2013CAVALCANTI, M. F. R.; ALCADIPANI, R. Organizações como processos e a teoria ator-rede: a contribuição de John Law para os estudos organizacionais. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 4, p. 556-568, 2013.), um modo de organizar vai além de uma mera narrativa, é necessário levar em conta toda a complexidade das relações existentes entre humanos e não-humanos em uma rede de atores.

A maneira como pesquisamos e analisamos nossos dados empíricos, a partir da ontologia processual, também sofre alterações segundo Duarte e Alcadipani (2013DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing ) para os estudos organizacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: EnAnpad, 2013.16 p.). De acordo com Law (2004LAW, John; MOL A. Embodied Action, Enacted Bodies: the example of hypoglycaemia. Body & Society,v. 10, n. 2-3, p.43-62, 2004.), nós, pesquisadores, também contribuímos para a construção da realidade que buscamos compreender; ou seja, a realidade não é exterior, mas, performada pelos métodos de pesquisa utilizados. As práticas de organizar ocorrem simultaneamente, em diferentes espaços e em contextos fragmentados e múltiplos, são heterogêneas e apresentam caráter mediado pela tecnologia (CZARNIAWSKA, 2008bCZANIAWSKA, B. A theory of organizing. Cheltenham: Edward Elgar, 2008b.), de modo que os participantes das práticas se movem de maneira rápida e frequente (CZARNIAWSKA 2004CZARNIAWSKA, B. On time, space, and action nets. Organization, v. 11, n. 6, p. 773-791, 2004.; 2007CZARNIAWSKA, B. Shadowing and other techniques for doing fieldwork in modern societies. Malmö: Liber & Copenhagen Business School Press, 2007.).

Sendo assim, conforme Duarte e Alcadipani (2013DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing ) para os estudos organizacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: EnAnpad, 2013.16 p.), algumas recomendações metodológicas devem ser observadas. Primeiro, o princípio de simetria deve estar presente. Trata-se de analisar pontos de vista conflitantes nos mesmos termos (CALLON, 1986CALLON, M. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In: LAW, J. Power, action and belief: a new sociology of knowledge? London: Routledge, 1986. 196-223 p.), e isso resulta em não estabelecer privilégios entre elementos que compõem uma rede heterogênea, de modo que os seres humanos não possuem uma instância privilegiada assumida, a priori ,pois tanto pessoas como objetos possuem agência (LAW, 1992LAW, J. Notes on the theory of the actor-networking: ordering, strategy and heterogeneity. Systems Practice, v. 5, n. 3, p. 379-373, 1992.; 1994LAW, J. Organizing modernity. Oxford/Cambridge, MA: Blackwell, 1994.; LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador/Bauru, SP: Ed. UFBA/Edusc, 2012.).

Para tal, "seguir os atores", conforme Latour (2005LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network-theory. Oxford: Oxford University Press, 2005. 311 p., p. 12), é importante. Isso indica que o pesquisador deve acompanhar de perto as relações, as ações, as práticas dos atores envolvidos, quais são os métodos utilizados e as associações estabelecidas (LATOUR, 2005LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network-theory. Oxford: Oxford University Press, 2005. 311 p.), indo, inclusive, além da rotina de trabalho (CZARNIAWSKA, 2007CZARNIAWSKA, B. Shadowing and other techniques for doing fieldwork in modern societies. Malmö: Liber & Copenhagen Business School Press, 2007.). Duarte e Alcadipani (2013DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing ) para os estudos organizacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: EnAnpad, 2013.16 p.) também destacam o não-reducionismo. Para Law (1994LAW, J. Organizing modernity. Oxford/Cambridge, MA: Blackwell, 1994.), o reducionismo apresenta a noção de que há uma classe pequena de fenômenos, objetos e eventos que direcionam tudo e quando tratamos as organizações como processos, devemos analisar os dados de maneira não reducionista, ou seja, sem estabelecer categorias de conceitos teóricos preexistentes.

A forma de apresentar os resultados da pesquisa também sofre alterações, Duarte e Alcadipani (2013DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing ) para os estudos organizacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: EnAnpad, 2013.16 p.) sugerem a abordagem de Latour (1996LATOUR, B. Aramis, or the love of technology. Cambridge, MA: MIT Press, 1996. 336 p.) para o relato da pesquisa como um híbrido entre ciência e ficção; e também apontam a contribuição de Czarniawska (2008b)CZANIAWSKA, B. A theory of organizing. Cheltenham: Edward Elgar, 2008b. para quem os textos são relevantes para o organizar, uma vez que eles estabilizam as ações. Nesse item, Latour (2005)LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network-theory. Oxford: Oxford University Press, 2005. 311 p. afirma que escrever textos está relacionado ao método, porém, não se fala, aqui, de "mera descrição", visto que, dependendo da maneira como o texto é trabalhado, um ator e/ou uma rede serão traçados. Para Law (2004LAW, J. After method: mess in social science research. London/New York: Routledge, 2004.), se o mundo é complexo e confuso, então, algumas vezes, teremos que desistir das simplicidades para pensarmos sobre "as bagunças" da realidade, assim, teremos que aprender a pensar, a praticar, a relatar, e conhecer novas formas, usando métodos não usuais ou não conhecidos nas ciências sociais.

No campo dos EO, conforme Duarte e Alcadipani (2013DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing ) para os estudos organizacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: EnAnpad, 2013.16 p.), algumas abordagens estão alinhadas à ontologia do tornar-se e à noção de processos de organizar. Uma delas é a TAR que permite compreender as organizações, seus fenômenos e componentes como efeitos gerados por múltiplas interações, ou seja, por relações entre entidades heterogêneas em permanente construção ou ordenamento (LAW, 1992LAW, J. Notes on the theory of the actor-networking: ordering, strategy and heterogeneity. Systems Practice, v. 5, n. 3, p. 379-373, 1992.; 1994LATOUR, B. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed.34, 1994.; 1999aLAW, J. Objects, spaces and others. 1999a. Disponível em: <Disponível em: http://www.comp.lancs.ac.uk/sociology/papers/Law-Objects-Spaces-Others.pdf >. Acesso em: 10 maio 2010.
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; CZARNIASWKA, 2006CZANIAWSKA, B. Organizing: how to study it and how to write about it. Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, v. 3, n. 1, p. 4-20, 2008a.; LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador/Bauru, SP: Ed. UFBA/Edusc, 2012.). Assim, por colocar as práticas e os processos de organizar (organizing ) como ponto fundamental da pesquisa (BLOOMFIELD e VURDUBAKIS, 1999BLOOMFIELD, B. P.; VURDUBAKIS, T. The outer limits: monsters, actor networks and the writing of displacement. Organization, v. 4, n. 4, p. 625-647. 1999.; CZARNIAWSKA, 2004CZARNIAWSKA, B. On time, space, and action nets. Organization, v. 11, n. 6, p. 773-791, 2004.), os estudos da translação têm oferecido uma base para pesquisas cujo propósito é redirecionar o foco das "organizações" para o "organizing " (CZARNIAWSKA, 2008bCZANIAWSKA, B. A theory of organizing. Cheltenham: Edward Elgar, 2008b.).

Duarte e Alcadipani (2013DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing ) para os estudos organizacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: EnAnpad, 2013.16 p.) ressaltam que as abordagens que enxergam as organizações a partir de uma perspectiva processual, com foco nas ações e processos que as constituem, podem enriquecer a análise organizacional por compreender as organizações como resultados de processos e ações continuamente produzidos. A partir dessa concepção, nada existe de antemão, sem preceder os processos de organizar; são eles que compõem as diferentes realidades e contextos organizacionais, os quais estão em permanente construção e é essa continuidade que revela a aparente estabilidade das organizações (DUARTE e ALCADIPANI, 2013DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing ) para os estudos organizacionais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 37., 2013, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: EnAnpad, 2013.16 p.).

Podemos, assim, considerar que realidades organizacionais podem não ser imutáveis ou estabelecidas, a priori , mas construídas a partir de processos de organizar, permeados por elementos heterogêneos. A compreensão desses "processos de organizar" passa, no momento que trabalhamos com a TAR pelo conceito de translação ou enactment , dependendo dos autores que utilizamos. O desafio deste artigo é mostrar a diferença.

Contextualização da Teoria Ator-Rede

A discussão inicia-se nos estudos sociais da ciência, realizados por Latour e Woolgar (1997LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.), Knorr-Cetina (1983aKNORR-CETINA, K. D. New developments in science studies: the ethnographic challenge. Canadian Journal of Sociology, v. 8, n. 2, p. 153-177, 1983a.; 1983bKNORR-CETINA, K. D. The ethnographic study of scientific work: towards a constructivist interpretation of science. Science observed: perspectives on the social study of science. London: Sage, 1983b. 115-140 p.), Law (1994LAW, J. Organizing modernity. Oxford/Cambridge, MA: Blackwell, 1994.) entre outros, nos quais o laboratório foi redescrito como prática sociomaterial, na qual a realidade é transformada e novas formas de fazer a realidade são concebidas. A partir daí, é estabelecida uma crítica em que a ideia de realidade "lá fora e objetiva" defendida pela Ciência - com C maiúsculo (LATOUR, 1994LATOUR, B. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed.34, 1994.) - pode ser contestada por meio da análise da construção dos fatos científicos.

Latour e Woolgar (1997LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.) mostram que o fato científico é construído, mas, também, que a possibilidade de ser uma "construção social" está inserida em uma lógica dicotômica, pois, esse "social" era, até então, considerado o mundo político e cheio de artimanhas dos humanos (a sociedade) que tentam influenciar o mundo "objetivo" dos não-humanos (a natureza), o qual somente os cientistas têm acesso e são capazes de representar. Essa ideia faz parte da grande divisão entre natureza e sociedade (científico e social) que, segundo Latour (1994), foi instaurada na tentativa de marcar a modernidade.

Latour (2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.) afirma, então, que a ciência estaria fundada sobre uma prática e não sobre ideias. Em sua abordagem, a ação efetiva dos cientistas, em estreita combinação com os objetos com os quais interage, deixaria de ser vista como mero pano de fundo na produção dos fatos científicos para fazer parte do primeiro plano de observação e descrição dos pesquisadores. Para o autor, é preciso investigar como ocorre o processo de "construção" dos fatos científicos, em seus mínimos detalhes, em cada gesto, em cada ação, dentro e fora do laboratório, com a mesma dedicada observação com que os antropólogos estudam os chamados povos "selvagens", mostrando, assim, a construção social dos fatos e evidenciando o caráter heterogêneo das práticas científicas, nas quais não há separação entre o conteúdo científico e o contexto social (LATOUR e WOOLGAR, 1997LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.).

No exemplo da dupla hélice do DNA, Latour (2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.), destaca que, por mais controvertida que seja sua história, por mais complexo que seja seu funcionamento interno, por maior que seja a rede acadêmica para sua implementação, quando alguém compara as sequências do ácido nucleico, já parte da dupla hélice, como se nada antes houvesse. Isso também acontece quando nos referimos ao buraco na camada de ozônio ou mesmo quando nos referimos às influências sociais sobre o comportamento de uma criança, parecendo sempre existir um entendimento consensual. É nesse momento que podemos chamar de "tudo o que acontece antes" de se formar a caixa-preta, que Latour (2000) fala de "translação" (translation = tradução) fazendo a análise do processo de ordenação até chegar ao ponto em que não há mais contestações - está fechada a caixa-preta: aquilo que, a despeito de toda a complexidade e controvérsia que constitui o processo, estabilizou-se como verdadeiro e indubitável (LATOUR, 2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.).

Com sua "antropologia das ciências", Latour e Woolgar (1997LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.) estavam interessados, em última instância, em estudar a produção da verdade nas sociedades contemporâneas. Para tal, tiveram como base o Princípio de Simetria1 1 O conceito de simetria é adaptado do "programa forte" de David Bloor (1976 apud LATOUR e WOOLGAR, 1997). Generalizada, no qual tanto a natureza quanto a sociedade deveriam ser explicadas a partir de um quadro comum de análise e interpretação. Dessa forma, a natureza e a sociedade devem ser tratadas em um mesmo plano, e nunca separadamente, já que não há entre elas diferença em espécie. Não há, de antemão, o mundo das coisas de um lado, e o mundo dos homens de outro, pois ambos são efeitos de redes heterogêneas. Com esse princípio, Latour (1994)LATOUR, B. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed.34, 1994. propõe ainda ultrapassar a separação entre os homens e as coisas, entre os humanos e os não-humanos, visto que uns só podem ser pensados em relação aos outros. Conforme explica Law (1992LAW, J. Notes on the theory of the actor-networking: ordering, strategy and heterogeneity. Systems Practice, v. 5, n. 3, p. 379-373, 1992.), quase todas as nossas interações com outras pessoas são mediadas por de objetos, como telefone, internet, carta, microfone, mesmo nas relações mais íntimas.

A formalização dessa abordagem ganhou, em certo momento, o nome de Teoria Ator-Rede (TAR) ou Sociologia da Translação, incorporando outros pesquisadores. Segundo Law (1999aLAW, J.; HASSARD, J. (Eds.). ANT and after. Oxford: Blackwell/The Sociological Review, 1999.), a TAR parte da ideia de que entidades (humanos e não-humanos) são constituídas e adquirem seus atributos por meio do conjunto de relações que estabelecem com outras entidades e, por isso, pode ser considerada uma aplicação da semiótica - uma "semiótica material" - que não privilegia a instância linguística sobre as demais (LAW, 1999bLAW, J.; HASSARD, J. (Eds.). ANT and after. Oxford: Blackwell/The Sociological Review, 1999.; 2002LAW, J. Objects and spaces. Theory, Culture, Society, v. 19, n. 5/6, p. 91-105, 2002.). Law (2007)LAW, J. Actor network theory and material semiotics. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://www.heterogeneities.net/publications/Law-ANTandMaterialSemiotics.pdf >. Acesso em: 5 set. 2010.
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sugere que em vez de falarmos de TAR, deveríamos falar de semiótica material para capturar as incertezas, as aberturas e as diversidades dos trabalhos feitos de acordo com essa perspectiva, desde seu surgimento até meados dos anos 1990.

De acordo com Tureta e Alcadipani (2009ALCADIPANI, R.; TURETA, C. Teoria ator-rede e estudos críticos em administração: possibilidades de um diálogo. Cad. EBAPE.BR, v. 7, n. 3, p. 406-418, 2009. ), a TAR é uma perspectiva de análise que não parte de suposições previamente definidas a respeito de fatores sociais, econômicos ou técnicos, uma vez que possui como pressuposto a não existência de definições rígidas que possam ser aplicadas em todas as situações. Entretanto, conforme afirmam Alcadipani e Hassard (2010)ALCADIPANI, R.; HASSARD, J. Actor-network theory, organizations and critique: towards a politics of organizing. Organization, v. 17, n. 4, p. 419-35, 2010., a TAR também pode ser vista como uma abordagem metodológica, já que oferece um ponto de vista singular que diz respeito a uma postura do pesquisador ao ir a campo e também oferece uma série de ferramentas analíticas para a produção de conhecimento a respeito de organizações ou outros fenômenos.

Por ser tanto uma perspectiva de análise quanto uma abordagem metodológica, a TAR possui diversos conceitos importantes. Tureta e Alcadipani (2009TURETA, C.; ALCADIPANI, R. Teoria ator-rede e análise organizacional: contribuições e possibilidades de pesquisa no Brasil. Revista Organizações & Sociedade, v. 16, n. 51, p. 647-664, 2009.) destacam as noções de simetria, rede de atores, agência, translação, poder, ação a distância, além da discussão sobre agência e estrutura. Em outro artigo, Alcadipani e Tureta (2009)ALCADIPANI, R.; HASSARD, J. Actor-network theory, organizations and critique: towards a politics of organizing. Organization, v. 17, n. 4, p. 419-35, 2010. apresentam discussões sobre a utilização da TAR em análises críticas nos EO. Entretanto, é necessária, aqui, uma breve apresentação dos conceitos que aparecem ligados diretamente à translação e ao encatment : rede, ator, agência, não- humano e social.

A rede, para Latour (1997LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.), varia de acordo com os arranjos de relações e elementos que ocorrem. É formada pela associação, mesmo que transitória, de elementos heterogêneos e não possui vida própria, independente das relações (LATOUR, 2005LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network-theory. Oxford: Oxford University Press, 2005. 311 p.). "Ao invés de simplesmente carregar efeitos sem transformá-los, cada ponto da rede se transforma numa bifurcação, um evento ou origem de uma nova translação" (LATOUR, 2005LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network-theory. Oxford: Oxford University Press, 2005. 311 p., p. 128).

A noção de ator, que provê a fonte de uma ação (LATOUR, 1997LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.), está vinculada à rede. Atores não são entidades fixas, mas possuem fluxos e movimentos ao longo da rede, o que não significa afirmar que não tenham estabilidade e continuidade, porém, existe um caráter transitório de suas características conforme ocorre o arranjo da rede (LATOUR, 1997). Posteriormente, o termo "actante" passa a ser usado para incluir não-humanos na definição (LATOUR, 1999LATOUR, B. On recalling ANT. In: LAW, J.; HASSARD, J. (Eds.). Actor network theory and after. Oxford: Blackwell/The Sociological Review, 1999. 15-26 p.).

A noção de ator-rede tem relação com a ideia de agência na TAR. Para Latour (1999LATOUR, B. On recalling ANT. In: LAW, J.; HASSARD, J. (Eds.). Actor network theory and after. Oxford: Blackwell/The Sociological Review, 1999. 15-26 p.), a agência é propriedade de entidades associadas, considerando também o papel desempenhado pelos não -humanos. Assim, qualquer entidade possui potencial para agir e a ação é o resultado de um processo contínuo de translação (LATOUR, 1999LATOUR, B. On recalling ANT. In: LAW, J.; HASSARD, J. (Eds.). Actor network theory and after. Oxford: Blackwell/The Sociological Review, 1999. 15-26 p.). Uma agência invisível, que não faz diferença no meio em que se encontra, que não deixa rastro, não pode ser considerada uma agência (LATOUR, 2005LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network-theory. Oxford: Oxford University Press, 2005. 311 p.).

Latour (2001LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Bauru, SP: Edusc, 2001.) utiliza o termo não-humano para se referir a microrganismos, materiais, equipamentos e artefatos de inscrição e armazenamento dos dados científicos, mostrando que eles só podem ser pensados em suas relações com os humanos. Segundo a definição do autor, "esse conceito só significa alguma coisa na diferença entre o par "humano/não-humano". O par humano/não-humano não constitui uma forma de "superar" a distinção sujeito/objeto, mas de ultrapassá-la completamente" (LATOUR, 2001LATOUR, B. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Bauru, SP: Edusc, 2001., p. 352).

A construção de fatos é um processo coletivo em que o objeto científico é transmitido de um ator/actante para outro, com a diferença de que, na prática científica, a afirmação vai constituindo-se e transformando-se à medida que passa de mão em mão (LATOUR, 2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.). Conforme o autor, "todos os atores estão fazendo alguma coisa com a caixa-preta {...}, eles não a transmitem pura e simplesmente, mas acrescentam elementos seus ao modificarem o argumento, fortalecê-lo e incorporá-lo em novos contextos" (LATOUR, 2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000., p. 171). Assim, o status de uma afirmação depende sempre das afirmações ulteriores, do que se faz depois com ela, ou seja, se ela torna-se mais fato ou ficção.

A tarefa dos cientistas de transformar uma alegação em um fato científico torna-se ainda mais complexa, dependendo da operação que Latour (2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.) denominou tradução (ou translação) que é a "interpretação dada pelos construtores de fatos aos seus interesses e aos das pessoas que eles alistam" (LATOUR, 2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000., p. 178), porém, o fato científico precisa manter certa unidade que o torne reconhecível.

Callon (1986CALLON, M. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In: LAW, J. Power, action and belief: a new sociology of knowledge? London: Routledge, 1986. 196-223 p.) apresenta um exemplo detalhado do que seria o processo de translação: um processo no qual a identidade dos atores (actantes), a possibilidade de interação e as margens de manobra são negociadas e delimitadas, para que, em determinado momento, algo seja pontuado como, por exemplo, conhecimento, ou conhecimento científico, ou conhecimento organizacional, ou organização; para que se feche a caixa-preta (CALLON, 1986CALLON, M. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In: LAW, J. Power, action and belief: a new sociology of knowledge? London: Routledge, 1986. 196-223 p.).

Em seu estudo sobre os scallops (vieiras, um tipo de molusco) da Baía de St. Brieuc, Callon (1986CALLON, M. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In: LAW, J. Power, action and belief: a new sociology of knowledge? London: Routledge, 1986. 196-223 p.) descreve quatro momentos da translação em que ocorreram simultaneamente a produção de conhecimento e a construção de uma rede de relações, na qual entidades naturais e sociais mutuamente controlavam quem eram e o que queriam. O primeiro momento foi o de "como se tornar indispensável" - a problematização -, na qual Callon (1986)CALLON, M. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In: LAW, J. Power, action and belief: a new sociology of knowledge? London: Routledge, 1986. 196-223 p. descreve como três pesquisadores, ao escrever uma série de artigos após retornar de uma viagem ao Japão, estabilizaram-se como ponto de passagem obrigatória na rede de relações que eles constroem e na qual interdefinem outros atores. A problematização descreve um sistema de alianças, ou associações entre entidades, definindo as identidades e o que querem.

O segundo momento, "interessement " (atração de interesses, "estar entre"), envolve "uma entidade que atrai uma segunda que está entre essa entidade e uma terceira" (CALLON,1986CALLON, M. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In: LAW, J. Power, action and belief: a new sociology of knowledge? London: Routledge, 1986. 196-223 p., p. 203). Atrair outros atores significa forjar relações privilegiadas, um sistema de alianças entre eles e o tradutor, tentar convencê-los a aceitar a definição pelo tradutor de suas identidades e desejos e a exclusão de todas as outras definições.

O terceiro momento, "enrolment " (recrutamento, alistamento), envolve colocar em ação os papéis definidos aos outros atores durante a fase de problematização. Para o sucesso da translação, é preciso ter a cooperação de outros atores e intermediários que devem desempenhar seus papéis (CALLON, 1986CALLON, M. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In: LAW, J. Power, action and belief: a new sociology of knowledge? London: Routledge, 1986. 196-223 p.). O quarto momento é a "mobilização", no qual esses representantes se esforçam para convencer os outros membros de sua "capacidade de se eleger" e desempenhar os papéis a seu favor. Em qualquer etapa, atores e intermediários experienciam o deslocamento (displacement ), o movimento literal necessário para solidificar os atores-redes (cada ator é também uma rede) e tornar a translação um sucesso (CALLON, 1986CALLON, M. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In: LAW, J. Power, action and belief: a new sociology of knowledge? London: Routledge, 1986. 196-223 p., p. 208).

Por fim, outro conceito importante para a discussão proposta é o de social. Latour (2005LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network-theory. Oxford: Oxford University Press, 2005. 311 p.) retorna às raízes do conceito de social para destacar o significado de "seguir/acompanhar". Assim, o social deve ser entendido como uma rede heterogênea de humanos e não-humanos, em vez de um domínio específico, ou um tipo particular de elemento, mas como um movimento de associações e de reunião dos elementos (LATOUR, 2005LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network-theory. Oxford: Oxford University Press, 2005. 311 p.). Essa noção é importante para compreender a translação e o enactment .

Tudo isso contribui para a contestação da ideia de dicotomia entre natureza e sociedade (ciências naturais e ciências humanas) estabelecida pelos modernos, crítica na qual a TAR é fundada, propondo-se a ser relacional e orientada a processos. É a partir daí que as noções de translação e enactment , que serão discutidas com mais detalhes, devem ser compreendidas. A primeira está na base fundante da TAR, já o segundo, irá aparecer a partir dos anos 1990, onde os estudos começaram a concentrar-se não na construção das redes heterogêneas, mas na maneira como, através delas, as realidades foram geradas, na forma como foram colocadas em cena através das práticas.

O conceito de translação

De acordo com Callon e Law (1982CALLON, M.; LAW, J. On interests and their transformation: enrollment and counter-enrollment. Social Studies of Science, v. 12, n. 4, p. 615-625, 1982.), o conceito de translação (que tem origem nos trabalhos de SERRES, 1974SERRES, M. Hermès III: la traduction. Paris: Minuit, 1974.) passa a ser utilizado nas discussões sobre a importância da noção de "interesse social" para os estudos sociais da ciência, para indicar que, na tentativa de transformar vários interesses gerais em poucos ou em um único, uma série de translações se processam, onde diferentes reivindicações, substâncias e processos tornam-se equivalentes uns aos outros. É a partir disso, que Callon (1986) destaca os "momentos" da translação apresentados anteriormente.

Para Corcuff (1995CORCUFF, P. As novas sociologias: realidade social em construção. Paris: Nathan, 1995.), a noção de construção social baseia-se na ideia de que o mundo social é construído a partir de pré-construções passadas. As formas sociais passadas são reconstruídas e outras inventadas na prática e nas relações entre os atores, a herança passada e o trabalho cotidiano espalham-se sobre um campo de possibilidades no futuro. Assim, para escapar dessa noção, Callon e Latour (1981CALLON, M.; LATOUR, B. Unscrewing the big leviathan: how actors macro-structure reality and how sociologists help them do so. In: KNORR-CETINA, K. D.; CICOUREL, A. (Eds.). Advances in social theory and methodology: toward an integration of micro and macro sociologies. Boston, MA: Routledge, 1981. 277-303 p., p. 279) usam a translação para tratar das "negociações, intrigas, cálculos, atos de persuasão ou violência, produzidos ou causados por um ator ou diferentes forças, graças aos quais lhes são conferidos autoridade para falar ou agir em nome de outros".

Desse modo, a translação abandona o esquema binário de reprodução/mudança, segundo Corcuff (1995CORCUFF, P. As novas sociologias: realidade social em construção. Paris: Nathan, 1995.), e permite considerar práticas cotidianas que produzem estados mais ou menos estabilizados. A estabilização é um ponto de chegada, embora não definitivo. A translação contribui, com a noção de rede, para sairmos da oposição micro/macro uma vez que é por meio desses arranjos que o micro se torna macro, e vice-versa (CALLON e LATOUR, 1981CALLON, M.; LATOUR, B. Unscrewing the big leviathan: how actors macro-structure reality and how sociologists help them do so. In: KNORR-CETINA, K. D.; CICOUREL, A. (Eds.). Advances in social theory and methodology: toward an integration of micro and macro sociologies. Boston, MA: Routledge, 1981. 277-303 p.); da mesma forma que o conceito de enactament , que será tratado adiante neste texto.

Para Latour (2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.), transladar significa deslocar objetivos, interesses, dispositivos, seres humanos. Isso implica desvio de rota, invenção de um elo que antes não existia e que, de alguma maneira, modifica os elementos envolvidos. As cadeias de translação referem-se ao trabalho pelo qual os atores modificam e deslocam seus vários e contraditórios interesses. A operação de translação resulta, no entanto, em uma solução aparentemente contraditória por parte do cientista, pois ao mesmo tempo que procura engajar2 2 Engajar/alistar e controlar - isso é necessário para construir a caixa-preta (um fato científico, uma verdade) e também é parte do processo de translação (LATOUR, 2000). outras pessoas para que elas acreditem (e façam parte da) na caixa-preta, aceitem-na, para que seja disseminada no tempo e espaço; ele também precisa controlá-las para que aquilo que elas adotam e disseminam permaneça mais ou menos inalterado.

Além do significado linguístico de transposição de uma língua para outra, a noção de translação (translation = tradução) tem, no estudo desenvolvido por Latour (2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.), um significado geométrico de transposição de um lugar para outro. Assim, "transladar interesses significa, ao mesmo tempo, oferecer novas interpretações desses interesses e canalizar as pessoas para direções diferentes {...} os resultados de tais translações são um movimento lento de um lugar para outro" (LATOUR, 2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000., p. 194).

Embora Callon (1986CALLON, M. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In: LAW, J. Power, action and belief: a new sociology of knowledge? London: Routledge, 1986. 196-223 p.) tenha afirmado que a translação é um processo antes de ser um resultado e que, apesar de falar em momentos, na realidade, eles nunca são tão distintos como quando o colocamos no papel, apesar de Law (1997LAW, J. Heterogeneities. 1997. Disponível em: <Disponível em: http://www.comp.lancs.ac.uk/sociology/papers/Law-Heterogeneities.pdf >. Acesso em: 11 maio. 2010.
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) também ter dito que a translação é traição, uma vez que implica similaridades e diferenças, segundo Alcadipani e Tureta (2009TURETA, C.; ALCADIPANI, R. Teoria ator-rede e análise organizacional: contribuições e possibilidades de pesquisa no Brasil. Revista Organizações & Sociedade, v. 16, n. 51, p. 647-664, 2009.), a TAR, bem como sua noção de translação, foi bastante criticada por ser mecanicista, determinista e por não considerar as diferenças. A partir de então, um movimento de revisão e resposta dos principais autores da TAR a essas críticas faz surgir o que foi chamado de Actor-Network Theory and After (TAR e Depois), no final dos anos 1990 (ALCADIPANI e TURETA, 2009TURETA, C.; ALCADIPANI, R. Teoria ator-rede e análise organizacional: contribuições e possibilidades de pesquisa no Brasil. Revista Organizações & Sociedade, v. 16, n. 51, p. 647-664, 2009.).

Em um artigo de 1997, chamado "On actor-network theory: a few clarifications ", Bruno Latour menciona quatro "pequenos" problemas da Teoria Ator-Rede: a palavra teoria, a palavra ator, a palavra rede e o próprio hífen. Problemas estes também ligados ao entendimento prévio que temos dessas palavras utilizadas para expressar uma ideia, uma abordagem que não se refere à aplicação de um quadro de referência no qual podemos inserir os fatos e suas conexões, mas a um caminho para seguir na construção e na fabricação dos fatos, que teria a vantagem de poder produzir efeitos que não são obtidos por nenhuma teoria social, na visão de Latour (1997)LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997..

A noção de rede remete a fluxos, circulações e alianças, nas quais os atores envolvidos interferem e sofrem interferências constantes, de acordo com Latour (1997LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.). Uma rede seria, então, uma lógica de conexões, definidas por seus agenciamentos internos e não por seus limites externos. De forma geral, essa noção de rede é bastante similar à de rizoma, elaborada por Deleuze e Guattari (1995DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Introdução: rizoma. In: DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. 128 p.), como forma de pensarmos sobre as multiplicidades, conforme o próprio Latour (1997) destaca, é uma maneira de pensarmos em termos de nós que possuem tantas dimensões quantas conexões. Segundo Deleuze e Guattari (1995)DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Introdução: rizoma. In: DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. 128 p., no rizoma não há unidade, apenas agenciamentos; não há pontos fixos, apenas linhas. Na rede não há informação, apenas transformação, essa é sua principal característica (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador/Bauru, SP: Ed. UFBA/Edusc, 2012.). É o que Latour (2012)LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador/Bauru, SP: Ed. UFBA/Edusc, 2012. tenta explicar quando apresenta a noção de "articulação" para trabalhar conjuntamente a noção de "translação", para falar das conexões, seus efeitos e as transformações, além de destacar que a escala depende do número e da qualidade das articulações, uma vez que significa "ser afetado por diferenças" em um processo que nunca termina (LATOUR, 2008LATOUR, B. Como falar do corpo? A dimensão normativa dos estudos sobre a ciência. In: NUNES, J. A.; ROQUE, R. Objectos impuros: experiências em estudos sobre a ciência. Porto: Afrontamento, 2008. 39-60 p., p. 43).

O par ator/rede, incluindo o hífen, é, para Latour (1997LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.), insuficiente para dar conta da ação que se distribui em rede, dos processos de fabricação do mundo, por ser muitas vezes equivocadamente tomado como o par indivíduo-sociedade. O que está aqui sendo designado por "rede" refere-se muito mais ao modo de descrever esse movimento circulatório que de caracterizar seus elementos. Como diz Latour (1997LATOUR, B. On actor-network theory: a few clarifications, 1997. Disponível em: <Disponível em: http://www.nettime.org/Lists-Archives/nettime-l-9801/msg00019.html >. Acesso em: 20 jul. 2015.
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, s/p.), "a Teoria Ator-Rede é mais como o nome de um lápis ou pincel do que o nome de um objeto a ser desenhado ou pintado". Com essa ideia, o autor busca reelaborar alguns conceitos, como a translação, falando de "articulação".

Partindo da abordagem da Teoria Ator-Rede, não descrevemos apenas os vínculos e as alianças geradas, mas, sobretudo, a análise dos efeitos produzidos por esses vínculos; descrevem-se as negociações, os deslocamentos e as transformações ocasionadas pelas ações dos mais diversos atores (actantes). Não se pode, por isso, priorizar nenhum ponto de vista ou ator de antemão, mas acompanhar passo a passo sua constituição, atentos aos efeitos produzidos pelas ações de cada um dos atores. Segundo a TAR, não há um ator do qual emana a fabricação do mundo, mas uma rede heterogênea de atores (humanos e não -humanos) mais ou menos conectados ou articulados.

Para apreender o social - que não é um tipo específico de fenômeno ou um tipo de material ou ingrediente, tal como a madeira ou a argila, que se supõe diferir de outros, mas um movimento durante um processo de agregação, uma série de associações entre elementos heterogêneos, "um tipo de conexãoentre coisas que não são, em si mesmas, sociais" (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador/Bauru, SP: Ed. UFBA/Edusc, 2012., p. 23) - o pesquisador deve seguir os traços que vai disseminando (experimentalmente), quando uma nova associação se constitui, identificar as articulações e os articuladores que tratam de conexões e circulação (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador/Bauru, SP: Ed. UFBA/Edusc, 2012.).

As articulações apontam para o fato de que não há definição de qualidades, a priori , "um sujeito articulado é alguém que aprende a ser afetado pelos outros e não por si próprio - afetado, influenciado, posto em movimento. Articulação não é capacidade de falar com autoridade, mas ser afetado por diferenças" (LATOUR, 2004, p. 43).

A noção de rede também sofre críticas que se refletem na ideia de translação. Uma delas é realizada pelo antropólogo Tim Ingold, na qual afirma que, na noção de rede de Bruno Latour, toda a "relação" é entendida como conexão entre entidades (podendo ser humanas e não-humanas); as entidades são agregadas/montadas para fazer com que as coisas aconteçam, e essa relação não tem uma presença material na "rede". Para Ingold (2008INGOLD, T. When ANT meets SPIDER: social theory for arthropods. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 209-216 p.), a rede seria melhor compreendida como uma malha (a teia de aranha em vez do rastro de formiga) que se estabelece à medida que nos movemos e "são como linhas nas quais eu vivo e conduzo minha percepção e ação no mundo" (INGOLD, 2008INGOLD, T. When ANT meets SPIDER: social theory for arthropods. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 209-216 p., p. 211). De acordo com o autor, a rede não conecta nada, pois não é uma entidade. Para ele, o mundo não é um agregado de heterogêneos, mas um emaranhado de fios e caminhos, uma "malha" (meshwork em vez de network ); a ação não é resultado de uma agência distribuída na rede, mas emerge de uma "ação combinada" (interplay ) de forças conduzidas ao longo da malha.

Para a TAR, a translação tem a ver com o processo de ordenamento ou estabilização de um conjunto de elementos que, de outra forma, iriam funcionar de maneira desagregada entre si. Sem o poder ordenador da translação, os elementos podem evoluir em toda e qualquer direção. No entanto, a noção de "articulação" vem para romper com a ideia de "sequência mecânica", na qual a translação acabou fixando-se, embora a noção de translação permaneça ligada a um mecanismo pelo qual o mundo social e o natural progressivamente tomam forma. O resultado é uma situação na qual certas entidades controlam outras. Entretanto, de acordo com Callon (1986CALLON, M. Some elements of a sociology of translation: domestication of the scallops and the fishermen of St. Brieuc Bay. In: LAW, J. Power, action and belief: a new sociology of knowledge? London: Routledge, 1986. 196-223 p.), esse esforço de definir e controlar os outros pode não ser bem-sucedido, e é nesse ponto que o enactment difere da translation - translação - , mesmo depois de incluída a noção de articulation - articulação.

Exemplo de estudo com a noção de translação

Para analisar a formação da política pública de erradicação do trabalho infantil no Brasil, Andrade (2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. , p. 58) lança mão da Teoria Ator-Rede como suporte para análise que visa a "desvelar os 'comos' e os 'porquês' da realidade social, para decifrar os significados que os atores atribuem para as suas ações, lhes posicionando no mundo". Assim, a autora "seguiu" os diferentes atores (estatais e não estatais) por meio de suas translações, que ocorreram através de suas estratégias discursivas, e acompanhou a trajetória dos atores para contabilizar uma longa lista de aliados e de recursos que transformavam associações fracas em fortes, na construção de redes, como realizações práticas da referida política pública.

A investigação foi desenvolvida por meio de consulta a três tipos de fontes: documentos escritos, falas proferidas em palestras, seminários, reuniões etc., e entrevistas abertas, a partir da utilização do método de Análise Crítica do Discurso (ACD), e analisados com base em categorias definidas por Faircloug (2001 apud ANDRADE, 2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ). Assim, "procurou-se compreender como o discurso construía as redes por entre as translações dos atores formando a política a partir da identificação de relações intertextuais manifestas ou constitutivas (hegemônicas)" (ANDRADE, 2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. , p. 59). Trazendo a TAR para preencher as lacunas identificadas por Andrade (2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ), na abordagem de redes, a autora identifica as translações para discutir a formação de políticas públicas pelo processo dinâmico que a constitui.

A análise inicia-se com documentos da década de 1990, pois foi nesse momento que Andrade (2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ) identificou como o início do desenvolvimento de uma série de iniciativas internacionais sobre as questões sociais da globalização, e se enfatizou muito mais a necessidade de ter um patamar mínimo de condições de trabalho, de regras de mercado de trabalho que pudesse viabilizar, de forma continuada e sustentável, o processo de unificação do comércio e de integração econômica. Assim, o trabalho infantil passa a ser reconhecido como intolerável.

Entretanto, segundo Andrade (2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. , p. 60), "os atores internacionais não têm meios nem forças para gerar associações de forma a transladar essa estratégia discursiva no âmbito nacional". No Brasil, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi aprovado depois de forte mobilização da sociedade e passou a ser o ator-rede que congrega uma associação que mobiliza diversas organizações envolvidas com os direitos de crianças e adolescente, por exemplo, a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), a Pastoral da Criança, a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança (Fundabrinq), o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) (ANDRADE, 2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ).

De acordo com a autora, para transladar com os outros atores, no contexto nacional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) acabou por minimizar sua postura mais normativa de padrões trabalhistas, e se rendeu ao ativismo do campo da criança e do adolescente, associando-se ao Unicef, e aos demais atores. "Está aí uma estabilidade parcial, uma rede que profere como estratégia discursiva para sua ordenação: a luta contra o trabalho infantil no Brasil. Mas, é preciso agregar novos aliados" (ANDRADE, 2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. , p. 60).

A rede passou, então, a transladar sua ordenação a partir de estratégia discursiva da responsabilização, segundo Andrade (2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ). A ideia é responsabilizar a todos pela retirada das crianças e dos adolescentes do trabalho e colocá-los na escola. Assim, foi incentivado o compromisso empresarial, transladado em uma certificação - muito própria ao seu universo simbólico - o selo "empresa amiga da criança"- e assim a rede transladou significados. Esse posicionamento no campo do trabalho deu força aos atores normativos como a OIT e o MTE para transladar a aplicação de padrões trabalhistas expressos pela Convenção n. 138, que interdita o trabalho antes dos 15 anos de idade. Dessa forma, a estratégia discursiva de responsabilização da rede é transladada sob dois contextos discursivos, o dos direitos da criança e do adolescente e o dos padrões trabalhistas (ANDRADE, 2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ).

O estudo mostra que, embora existam três atores com discursos distintos - um discurso mais econômico do Banco Mundial; um discurso mais social, como o do Unicef, mesmo que assistencialistas; o meio-termo da OIT -, há uma estratégia discursiva que começa a ser fortemente transladada por esses atores: é preciso enfrentar o trabalho infantil em suas piores formas. Nesse momento, de acordo com Andrade (2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ), os conteúdos transladados no contexto internacional adentram facilmente o contexto nacional.

A autora afirma, porém, que a translação do enfrentamento feita pelo governo federal é ainda fraca, pois falta uma associação com as organizações da sociedade na construção da estratégia discursiva para alistar aliados locais. A estratégia discursiva do enfrentamento passa a ser fortemente transladada pela rede dentro dos contextos discursivos que contemplam os direitos da criança e do adolescente, os padrões trabalhistas e a pobreza.

No ano 2000, o governo federal respondeu àquilo que era transladado pelos atores internacionais e ratificou a Convenção n. 182, bem como a Convenção n. 138. Entretanto, o governo federal, ao querer aproximar-se da ordem discursiva mundial, não compreendeu aquilo que era transladado pelas organizações internacionais e também não incorporou para si uma significação que começava a se tornar hegemônica na rede, a de integrar o combate ao trabalho infantil pela retirada de crianças e adolescentes daquele ambiente inadequado, junto com uma política de educação e uma política de combate à pobreza (ANDRADE, 2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ).

Andrade (2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ) aponta que a rede começou, então, a transladar uma nova estratégia discursiva que fala em integração, mas agora focada em integrar políticas setoriais - assistência social e educação - elegendo o local, os municípios, como o lugar mais propício. Assim, segundo a autora, é iniciado um novo ciclo na mobilização dos atores para transladar esse novo sentido de integração. Eles associam-se e ordenam suas peças técnicas e sociais no contínuo processar dessa rede para gerar translações e dar materialidade à política de erradicação do trabalho infantil no Brasil.

Para concluir seu artigo, Andrade (2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ) destaca que a rede de erradicação do trabalho infantil brasileira continua sua ordenação, transladando suas estratégias discursivas e formando-se ao longo da história. A autora escolhe, porém, determinado momento para encerrar sua narrativa e conclui que a ação foi assim inscrita pela translação de atores, oriundos de diferentes escalas de interesse e nelas atuantes, em que, em suas associações, geraram estratégias discursivas para produzir uma ordem sempre parcialmente estabilizada na contínua construção de cadeias de mediação, a fim de persuadir e aliciar mais aliados e congregá-los no combate ao trabalho infantil (ANDRADE, 2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ).

A TAR, neste artigo, é incluída para dar conta, na análise dos dados, de algo que a abordagem de redes, conforme Andrade (2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ), não permite, que é compreender o processo do organizar em suas características estruturais e relacionais, colocando a gestão como uma realização coletiva e integrando a análise micro e macro (ANDRADE, 2006ANDRADE, J. A. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Gestão e Regionalidade, n. 64, p. 52-66, 2006. ). Assim, a autora destaca os jogos de interesses negociados e os processos de ordenação, cuja rede está em permanente reconfiguração a partir da negociação de atores.

O conceito de translação é tratado principalmente como atribuição de significados e também como transposição de um local para outro, mesmo que o estudo considere as modificações e os ajustes necessários para tal. Translação também aparece como uma espécie de associação entre entidades, que podem ser de um nível macro (internacional) para um nível micro (nacional) ou vice-versa; além disso, uma translação pode ser fraca ou forte. Isso remete ao entendimento que "transladar" é "pôr em prática algo que foi criado em discurso". Nesse sentido, transladar também é espalhar e fazer agir, não apenas comunicar a estratégia, mas igualmente fazer com que se torne uma ação efetiva. Para que isso se torne possível, a rede é um elemento importante na análise, considerada como uma entidade formada por diversos atores e serve de base para a ação, que é a ação de "translação" de estratégias - ação de criar e espalhar a estratégia previamente formulada.

Embora a TAR tenha sido utilizada parcialmente, como lente de análise, a importância do artigo está no fato de mostrar que a aparente estabilidade da rede é apenas um momento específico. A rede só se mantém e expande-se devido às constantes translações que acontecem, por isso que esse conceito é bastante destacado na pesquisa. Sua utilização parcial, no entanto, em vez de ser um problema, mostra a flexibilidade que ela possibilita ao pesquisador, sem significar falta de rigor, uma vez que análise é fiel ao conceito de translação considerado a partir das referências bibliográficas consultadas. Vejamos agora como é trabalhado o conceito de enactment .

O enactment

Os desdobramentos que a TAR vem apresentando nos últimos anos se devem muito a John Law, pesquisador que nunca deixou de pensar criticamente a respeito dessa abordagem, realizando revisões e ressalvas, além de pequenas torções analíticas que, possivelmente, deram novos sentidos a importantes conceitos da TAR, como foi o caso do conceito de translação. Para esse autor, a TAR fornece uma base ontológica e metodológica que busca acolher a complexidade e permite tratar de uma gama extremamente variada de temas na análise processual das organizações (CAVALCANTI e ALCADIPANI, 2013CAVALCANTI, M. F. R.; ALCADIPANI, R. Organizações como processos e a teoria ator-rede: a contribuição de John Law para os estudos organizacionais. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 4, p. 556-568, 2013.).

O conceito de translação foi um dos que tiveram a atenção do autor. Law (1992LAW, J. Notes on the theory of the actor-networking: ordering, strategy and heterogeneity. Systems Practice, v. 5, n. 3, p. 379-373, 1992.), a respeito da visão de que o conceito de translação é uma reificação aplicável a qualquer situação, argumenta que existe a possibilidade de atribuirmos algumas estratégias gerais às translações, mas que, no entanto, elas são destinadas a "{...} se ramificarem por e reproduzem-se em uma série de situações ou localizações de redes" (LAW, 1992LAW, J. Notes on the theory of the actor-networking: ordering, strategy and heterogeneity. Systems Practice, v. 5, n. 3, p. 379-373, 1992., p. 388). Descobrir como funcionam é, portanto, uma questão empírica e não uma pressuposição e/ou reificação teórica. Outra questão envolvida no problema de transformar acontecimentos em dados, diz respeito ao próprio sistema de translaçãoenvolvido nesse processo, o qual não oferece garantias de fidedignidade ao acontecimento, uma vez que "translação é traição"; é tornar equivalente e também trocar; é mover termos, ligá-los e mudá-los (LAW, 1997LATOUR, B.; WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.).

De acordo com Law (2007LAW, J. Actor network theory and material semiotics. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://www.heterogeneities.net/publications/Law-ANTandMaterialSemiotics.pdf >. Acesso em: 5 set. 2010.
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), a TAR descreve o enactar de relações materialmente e discursivamente heterogêneas que produzem e remodelam todos os tipos de actantes. Nada tem realidade ou forma fora do enactar das relações - que enacta sua própria existência (enact into being ). A TAR é descritiva, em vez de fundada em termos explicativos, conta histórias sobre como as relações se formam ou não, é sensível às práticas "bagunçadas" de materialidade e relacionalidade do mundo e, além disso, é uma abordagem múltipla, por isso, o autor entende que seria melhor falar em "semiótica material" que em TAR (LAW, 2007LAW, J. Actor network theory and material semiotics. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://www.heterogeneities.net/publications/Law-ANTandMaterialSemiotics.pdf >. Acesso em: 5 set. 2010.
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).

Para essa semiótica material, a performatividade é essencial, pois seu pressuposto é de que, para compreender e conhecer algo, nós precisamos traçar como as redes de materiais heterogêneos e práticas sociais performam. Outro ponto importante é tratar da multiplicidade do que é performado. Nesse aspecto, Law (2007LAW, J. Actor network theory and material semiotics. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://www.heterogeneities.net/publications/Law-ANTandMaterialSemiotics.pdf >. Acesso em: 5 set. 2010.
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) admite que, quando a TAR fala em translação, entendemos que a translação gera uma única rede coordenada e uma única realidade, mesmo admitindo que seja momentânea. Porém, o que teríamos é um patchwork de realidades enactadas de maneiras diferentes - múltiplas realidades (LAW, 2007LAW, J. Actor network theory and material semiotics. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://www.heterogeneities.net/publications/Law-ANTandMaterialSemiotics.pdf >. Acesso em: 5 set. 2010.
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).

Como essas realidades se relacionam? A resposta, de acordo com o autor, precisa incluir a fluidez. Existem múltiplas formas de organizar, múltiplas realidades que são irredutíveis umas às outras, mas se mantêm juntas porque fluem umas às outras. "Não há inocência, melhores ou piores realidades são enactadas. Não há lugar para esconder-se além da performatividade das redes" (LAW, 2007LAW, J. Actor network theory and material semiotics. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://www.heterogeneities.net/publications/Law-ANTandMaterialSemiotics.pdf >. Acesso em: 5 set. 2010.
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, p. 16). Então, nós também fazemos realidades e só nos resta uma pergunta: que tipo de diferença queremos fazer? Uma vez que abordagens metodológicas "criam" realidades e, assim, estão diretamente envolvidas no processo de criação do real, pressupõe-se que métodos são imediatamente políticos, o que faz da TAR um esforço para a compreensão de objetos fluidos e mutantes e das realidades múltiplas (CAVALCANTI e ALCADIPANI, 2013CAVALCANTI, M. F. R.; ALCADIPANI, R. Organizações como processos e a teoria ator-rede: a contribuição de John Law para os estudos organizacionais. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 4, p. 556-568, 2013.).

De acordo com Mol (2002MOL, A. The body multiple: ontology of medical practice. Durham: Duke University Press, 2002.), para falarmos daquilo que é feito - do objeto (de estudo) que é feito, da doença 3 3 A maioria dos exemplos dados por Annemarie Mol estão relacionados à medicina por ser um campo de estudo ao qual a autora se dedica. que é feita - poderíamos usar a metáfora do teatro e dizer que o objeto é performado, porém, surge aí a conotação de que existe um bastidor (algo por trás) onde a realidade está escondida e sugere que o que é feito, aqui e agora, teria efeitos para além desse momento. Entretanto, a autora não quer carregar esse entendimento e, por isso, escolhe uma palavra sem tanta bagagem acadêmica: enact, a qual sugere que atividades acontecem, mas deixa os atores (actantes) vagos. Isso nos remete ao fluxo, ao processo que não se interrompe, que precisa ser sempre feito (MOL, 2002MOL, A. The body multiple: ontology of medical practice. Durham: Duke University Press, 2002.), que contém um componente prático, mas também filosófico (visão de mundo).

Em inglês, enactment se aproxima do termo "performance". Em diversos textos (redigidos na língua inglesa) utilizados como base para este artigo, os dois conceitos são usados alternadamente e como sinônimos. A decisão pela escolha do termo "enact " aparece, então, em Mol (2002MOL, A. The body multiple: ontology of medical practice. Durham: Duke University Press, 2002.), para se desvencilhar de algumas conotações alimentadas pela extensiva utilização do vocabulário da performance nas ciências sociais da virada do século. Embora o termo "enact" seja de complicada tradução para o português, uma vez que é difícil cobrir todas as acepções existentes na palavra inglesa, optou-se pelo uso do termo enactar já utilizado por Antonello e Godoi (2009ANTONELLO, C. S.; GODOY, A. S. Aprendizagem organizacional no Brasil. Porto Alegre: Bookman, 2011.), Bussular (2012BUSSULAR, C. Z. Alinhavando saberes na prática: o trabalho de um grupo de mulheres na perspectiva da teoria ator rede. Dissertação (Mestrado em Administração) - Escola de Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.), Ávila (2013ÁVILA, V. P. Noção de knowing-in-practice: um estudo etnográfico em um ambiente de software . Dissertação (Mestrado em Administração) - Escola de Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.) e Azevedo (2013AZEVEDO, D. Aprendizagem organizacional e epistemologia da prática: um balanço de percurso e repercussões. Revista Interdisciplinar de Gestão Social, v. 2, n. 1, p. 35-56, 2013.).

A diferença entre "construção" e "enactar" (em inglês construction e enactment ) é explicitada por Law (2004LAW, John; MOL A. Embodied Action, Enacted Bodies: the example of hypoglycaemia. Body & Society,v. 10, n. 2-3, p.43-62, 2004.). O termo construção refere-se à ideia de que um objeto, mesmo um sujeito, não possui uma identidade fixa ou determinada, porém, gradualmente irá "tornar-se", ou seja, depois de construídos os objetos estarão estabilizados, embora possam ser destruídos e reconstruídos. Entretanto, para o autor, enactar não se refere apenas a algo que foi feito, mas possui poderosas consequências produtivas, faz e ajuda a fazer realidades; é participar da contínua prática de artesanar (crafting ). O enactar e a prática nunca param e as realidades dependem de seu contínuo artesanato - uma combinação de pessoas, técnicas, textos, arranjos, fenômenos naturais, que são todos também enactados (LAW, 2004LAW, John; MOL A. Embodied Action, Enacted Bodies: the example of hypoglycaemia. Body & Society,v. 10, n. 2-3, p.43-62, 2004.). Mol (2002MOL, A. The body multiple: ontology of medical practice. Durham: Duke University Press, 2002., p. 44) entende que "se algo é real esse algo é enactado", assim, não se pode falar de uma solidez reificada ou de um encerramento. Se as coisas parecem sólidas, prévias, independentes, definidas e únicas é porque talvez estejam sendo enactadas e reenactadas nas práticas que são contínuas e múltiplas (LAW, 2004LAW, John; MOL A. Embodied Action, Enacted Bodies: the example of hypoglycaemia. Body & Society,v. 10, n. 2-3, p.43-62, 2004.).

Isso fornece aos nossos objetos de estudo, de acordo com Mol (2002MOL, A. The body multiple: ontology of medical practice. Durham: Duke University Press, 2002., p. 43), "um presente complexo", um presente no qual suas identidades são frágeis e podem ser diferentes entre os diferentes locais; um objeto múltiplo que é enactado diferentemente enquanto é estendido a narrativas de pesquisas específicas (MOL, 1999MOL, A. Ontological politics. A word and some questions. In: LAW, J.; HASSARD, J. (Eds.). Actor network theory and after. Oxford: Blackwell, 1999. 74-89 p.). Conforme Law (2004LAW, John; MOL A. Embodied Action, Enacted Bodies: the example of hypoglycaemia. Body & Society,v. 10, n. 2-3, p.43-62, 2004.), essa ideia não se refere a distintas representações, mas à multiplicidade. Para compreender a multiplicidade, é preciso estar atento ao "trabalho de artesanato" implícito na prática. Entretanto, Mol (2002)MOL, A. The body multiple: ontology of medical practice. Durham: Duke University Press, 2002. chama a atenção para não sermos capturados pela enganosa situação de explicar a realidade pelas práticas e crenças. Realidades são produzidas nas/em práticas, são produzidas e existem nas relações.

De acordo com Law (2004LAW, John; MOL A. Embodied Action, Enacted Bodies: the example of hypoglycaemia. Body & Society,v. 10, n. 2-3, p.43-62, 2004.), muitas práticas, e as realidades que elas enactam, são paralelas, alternativas, colaterais, são fluxos de atividades que não andam juntos. Práticas diferentes produzem objetos diferentes e não versões conflituosas do mesmo objeto; práticas também podem criar objetos compostos e podem ser localizadas em locais diferentes. Para o autor, se quisermos tratar de práticas, iremos descobrir a multiplicidade. Multiplicidade, não pluralismo, pois não se trata de uma realidade fragmentada, mas implica diferentes realidades sobrepostas, interferindo uma na outra (LAW, 2004LAW, John; MOL A. Embodied Action, Enacted Bodies: the example of hypoglycaemia. Body & Society,v. 10, n. 2-3, p.43-62, 2004.).

Mol (2002MOL, A. The body multiple: ontology of medical practice. Durham: Duke University Press, 2002.) propõe um retorno à realidade, tal qual ela é enactada na prática, em suas praticalidades, materialidades e associações. Como há diversas formas de enactar a doença, por exemplo, há também várias doenças, múltiplas realidades. Para a autora, o conhecimento participa da realidade, não é exterior a ela - como uma afirmação sobre a verdadeira realidade - por isso, em vez de representarmos objetos previamente determinados, compreendemos suas relações, processo que envolve transformações e interferências.

Realidades são enactadas nas práticas. Diferentes "objetos" são enactados em diferentes práticas, embora recebam o mesmo nome. Focando as práticas, em vez de grupos, pessoas ou coisas, evita-se assumir que há uma ordem fundamentadora prévia. As práticas geram as ordens - os ordenamentos, os conhecimentos - que se tornam um efeito performativo, constitutivo e relacional das práticas (LAW e LIEN, 2013LAW, J.; LIEN, M. Slippery: field notes on empirical ontology. Social Studies of Science, v. 43, n. 3, p. 363-378, 2013.). Ao tratar de multiplicidade, Law e Lien (2013)LAW, J.; LIEN, M. Slippery: field notes on empirical ontology. Social Studies of Science, v. 43, n. 3, p. 363-378, 2013. apontam que diferentes conhecimentos são enactados em diferentes práticas e o ordenamento dessas práticas é uma coreografia precária e incerta, que enacta as diferenças, as separações e as qualidades que definem cada humano e não-humano envolvido (LAW e LIEN, 2013LAW, J.; LIEN, M. Slippery: field notes on empirical ontology. Social Studies of Science, v. 43, n. 3, p. 363-378, 2013.).

Assim, não haveria, então, por exemplo, um conhecimento organizacional por trás das práticas. Práticas são feitas e refeitas - como em uma coreografia. A coreografia precisa ser sustentada e não há ordenamento de base anterior que evite o caos. Um objeto, como o conhecimento organizacional, torna-se um efeito das coreografias que mudam. Muda de forma entre práticas, é fluido e essa fluidez é essencial para a sobrevivência (LAW e LIEN, 2013LAW, J.; LIEN, M. Slippery: field notes on empirical ontology. Social Studies of Science, v. 43, n. 3, p. 363-378, 2013.).

Como a flor e a erva daninha, uma implica a outra. Essas relações são feitas nas práticas. Na multiplicidade, segundo Law e Singleton (2005LAW, J.; SINGLETON, V. Object lessons. Organization, v. 12, n. 3, p. 331-355, 2005.), sempre haverá um "outro" - otherness4 4 Otherness : qualidade ou estado de ser outro ou diferente. Na sociologia, a ideia de otherness é central na análise de como as identidades majoritárias e as minoritárias são construídas (ZEVALLOS, 2015). . Nesse sentido, Cooper (1986COOPER, R. Organization/Disorganization. Information Science Information, v. 25, n. 2, p. 299-335, 1986.) fala de organização/desorganização, entendendo a organização não como uma ordem e uma diferenciação já estabilizada, mas que será captada em seu estado desordenado e contrário de desorganização, um implica o outro. Existem práticas que separam - não é uma única prática - e essa alteridade (otherness ) é o jogo que os objetos topologicamente múltiplos fazem (LAW e SINGLETON, 2005LAW, J.; SINGLETON, V. Object lessons. Organization, v. 12, n. 3, p. 331-355, 2005.), e aqui não estamos falando de translações que fracassam. Pode-se, então, pensar: por que não dizer que as translações não fracassam, no lugar de usar outra noção - enactament ? A resposta pode estar no entendimento da multiplicidade - da realidade múltipla - e do processo que a fluidez impõe, ao invés da divisão entre sucesso e fracasso.

A coreografia pode ser algo ensaiado, mas também improvisado e alterado durante a execução. Pode-se ensaiar mil vezes, sempre existe a possibilidade de não sair conforme combinado. Se usarmos a comparação com a dança, mesmo que os bailarinos façam exatamente igual ao ensaio, no momento da apresentação, pelo fato de existir um público assistindo, já não será igual ao ensaio. Porém, isso não é fracasso. Uma prática é compreendida como uma coreografia que tece as relações e enacta objetos - enacta actantes. Se pensarmos de maneira ontológica-empírica, descobriremos diferenças e multiplicidade, já que as coreografias são incertas (LAW e LIEN, 2013LAW, J.; LIEN, M. Slippery: field notes on empirical ontology. Social Studies of Science, v. 43, n. 3, p. 363-378, 2013.).

O termo enactar possibilita tratar de diferenças e multiplicidades que acontecem "durante, depois e no processo" em que as realidades são enactadas e, assim, colidem, colaboram, dependem, enquanto a translação pode tratar de fracasso. Além disso, na translação existe um resultado que pode ser um movimento, o qual, porém, não é mais translação. Na noção de enactment , a ideia de processo contínuo, fluido, ininterrupto e que inclui é mais "forte" e presente.

Na TAR, como usualmente tratada (antes de ser pensada como TAR e depois), a atenção está voltada para uma realidade escolhida, suas lutas, seus sucessos e fracassos, jogando para baixo a multiplicação de seus "outros" sombrios. A preocupação é mostrar que o que está aí - o que deu certo - é um efeito de práticas mais ou menos precárias, de relações contingentes e heterogêneas, em vez de produtos ou expressões de um fundamento ordenador geral. O preço disso, porém, segundo Law e Lien (2013)LAW, J.; LIEN, M. Slippery: field notes on empirical ontology. Social Studies of Science, v. 43, n. 3, p. 363-378, 2013., é participar dos processos predominantes do "othering " (da alteridade/otherness ) e perder de vista o não visto e o anômalo das práticas generativas.

A noção de enact nos propõe olhar para as terras sombrias de alteridade de tudo o que é enactado, que sustenta o processo e forma o coletivo. Se algo existe, é enactado, é porque um "outro" (alteridade/otherness ) também é enactado. Um implica o outro: um é, o outro não, e todos são... todos participam do processo. Não é o fracasso da translação, mas a multiplicidade do objeto enactado (LAW e LIEN, 2013LAW, J.; LIEN, M. Slippery: field notes on empirical ontology. Social Studies of Science, v. 43, n. 3, p. 363-378, 2013.).

Isso nos remete a afirmação de Law (2004LAW, John; MOL A. Embodied Action, Enacted Bodies: the example of hypoglycaemia. Body & Society,v. 10, n. 2-3, p.43-62, 2004.) de que, se o mundo é complexo e confuso, então, algumas vezes, teremos que desistir de simplicidades. Se quisermos pensar sobre "as bagunças" da realidade, então, precisamos ensinar a nós mesmos a pensar, a praticar, a relatar e conhecer novas formas, usando métodos não usuais ou não conhecidos nas ciências sociais (LAW, 2004LAW, John; MOL A. Embodied Action, Enacted Bodies: the example of hypoglycaemia. Body & Society,v. 10, n. 2-3, p.43-62, 2004.). Uma dessas formas que o autor nos apresenta é por meio de um texto fluido, sem a rigidez da linguagem e estrutura acadêmica, com as quais geralmente trabalhamos; uma descrição em que o método, a análise e a teoria se misturam e as conclusões não são necessariamente fechadas. Temos um exemplo disso no próximo tópico.

Exemplo de estudo com a noção de enactment

Em 2001, uma grave doença viral atingiu os rebanhos de ovelhas do Reino Unido, o que exigiu uma política severa do governo para erradicar a doença como o extermínio desses animais, pois, assim, matariam o vírus. A partir de um estudo realizado sobre a epidemia e as ações para acabar com a doença, Law e Mol (2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.) buscam contribuir para desfazer uma característica comum do dualismo agência-estrutura que é a distinção entre ter controle e ser controlado, "uma ovelha exerce controle? Ou ela é simplesmente conduzida? A resposta, de acordo com o estudo, não cabe nessa divisão" (LAW e MOL, 2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p., p. 57).

Pela semiótica material - que dá conta da performatividade, do enactar - Law e Mol (2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.) consultam documentos e comunicados oficiais do governo e de entidades sanitárias, pesquisas científicas em diversas áreas e entrevistas com criadores de ovelhas para discutir a noção de actante-enactado (actor-enacted ). Assim, os autores afirmam que entidades proporcionam umas às outras suas existências, elas enactam umas às outras. Um actante não age sozinho; agir e ser enactado ocorrem juntos; além disso, um actante-enactado não está no controle, agir não é controlar. A ovelha que aparece no estudo de Law e Mol (2008) está na encruzilhada de diversas práticas, na qual cada uma enacta a ovelha de forma diferente e enacta uma ovelha diferente. O estudo apresenta quatro versões de ovelhas.

A ovelha do veterinário é um hospedeiro potencial para a doença (chamada de FMD - foot and mouth disease ), entretanto, era difícil de saber se a ovelha estava infectada ou não, uma vez que dependia também da atenção do fazendeiro, embora ambos, veterinário e fazendeiro, pudessem examinar a ovelha e não encontrar nada de estranho. A FMD é difícil de diagnosticar, pois os sintomas são semelhantes aos de outras doenças. Sendo assim, na prática veterinária, o teste de laboratório é de extrema importância, porém, demora quatro dias para ficar pronto. Existe um teste mais rápido, mas pouco confiável. Entretanto, naquele momento da doença, em que a disseminação estava sendo muito rápida, a prática veterinária restringiu-se à inspeção clínica e, quando havia suspeita de infecção, o abate do animal era imediatamente ordenado pelo veterinário. Embora existissem duas formas de diagnosticar a doença, a clínica e a laboratorial, elas, entretanto, não levavam necessariamente à mesma conclusão (LAW e MOL, 2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.).

Na epidemiologia, a ovelha era enactada de modo diferente, como um conjunto localizado geograficamente, e a probabilidade de infecção era dada a distância, com um cálculo que envolvia uma série de heterogeneidades: animais suscetíveis à infecção, duração do período de infecção, número de animais, extensão da fazenda e até dados meteorológicos. A política governamental era, então, de que toda ovelha, dentro de um limite de 3 km de onde havia premissas de infecção, deveria ser exterminada, pois os cálculos prediziam que havia considerável risco de infecção naquela área. Para essas ovelhas, o extermínio viria sem diagnóstico laboratorial e muito menos clínico, tornando a prática veterinária irrelevante (LAW e MOL, 2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.).

Havia também questões econômicas envolvidas, de acordo com Law e Mol (2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.), a compra e a venda de ovelhas, mesmo sadias, diminuíram devido à restrição de movimentação (nenhum transporte de ovelhas poderia ser feito sem licença), com isso o preço de mercado caiu e os fazendeiros, depois de muitos anos, tiveram problemas econômicos. O governo britânico instituiu, então, uma compensação em dinheiro para cada ovelha exterminada, o que foi de extrema importância para o enactment econômico da ovelha, em março de 2001, no Reino Unido, fazendo com que, se a ovelha fosse enactada economicamente, seu abate pudesse ser considerado algo bom (LAW e MOL, 2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.).

Contudo, em uma fazenda, uma ovelha não é enactada como um indivíduo único com um valor econômico, mas é também membro de um rebanho, e isso, conforme Law e Mol (2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.), altera totalmente as condições para o extermínio, pois existe uma espécie de orgulho na história da criação de rebanhos que envolve relações duradouras de cuidado. Uma das práticas da fazenda é tomar conta do rebanho e esse cuidado é inseparável da geografia, da topografia e da meteorologia, como, por exemplo, subir e descer os vales da região. Em março de 2001, os rebanhos não podiam, porém, ser deslocados e com isso não havia pasto suficiente o que prejudicava também a saúde do rebanho. As práticas da fazenda enactavam as ovelhas como animais ligados ao lugar, ao tempo, ao sexo e à idade. O rebanho tinha mais valor que um único indivíduo (LAW e MOL, 2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.).

Sendo assim, Law e Mol (2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.) encontraram uma ovelha múltipla, pois em cada prática uma ovelha era "escorregadiamente" enactada de uma forma diferente. Essa multiplicidade não é pluralidade, pois existem complexas e intrincadas relações entre as várias versões da ovelha, nas quais incluem umas e excluem outras versões. O rebanho da fazenda requer cuidado, porém, a ovelha enactada como entidade econômica tem mais valor morta que viva. Cálculos econômicos e epidemiológicos aparecem em planilhas similares e ambos são levados em consideração para a política governamental.

Law e Mol (2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.) afirmam que a ovelha é enactada de diferentes formas, é múltipla, mas também são diferentes formas que estão juntas, entretanto, dizer que "são enactadas" não significa que sejam passivas. A ovelha enactada também age e, sendo enactada em diferentes formas, também age de diferentes formas. Agir e ser enactado estão juntos, dessa maneira, a ação pode ser vista como um evento fluido e pouco tem relação com estar no controle. "Para fazer diferença, uma ovelha não precisa ser uma estrategista" (LAW e MOL, 2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p., p. 58).

No caso da ovelha da prática veterinária, o fato de ser difícil estabelecer se uma ovelha está hospedando o vírus, ou não, é resultado de várias ações em conjunto - a doença, os fazendeiros, os veterinários e a ovelha, todos fazem diferença no resultado e atribuir todas as agências a um único ator é perder o ponto (LAW e MOL, 2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.).

No modelo epidemiológico, as ovelhas não agem sozinhas, elas precisam de alguém para levá-las até o local onde são feitos os cálculos, ou não. Para os fazendeiros a política de extermínio era exagerada e desnecessária e, por isso, muitos deles passaram a esconder seus rebanhos e evitar contato com os oficiais do governo. Aqui, as ovelhas agiam por meio de outros actantes e assim não eram consideradas em alguns cálculos (LAW e MOL, 2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.).

Economicamente enactada, a ovelha tem um preço, que não depende somente da ovelha, mas do mercado. Em março de 2001, muitos atores/fatores faziam parte da rede: consumidores, regulação internacional, política europeia, taxas de câmbio, abates. Não se trata de dizer que esses fatores determinam o preço, mas que as práticas fluem umas nas outras de formas imprevisíveis. Naquele momento, uma carcaça tinha valor no mercado.

A prática das fazendas ainda enactavam as ovelhas como animais que precisavam de cuidados. Afirmava-se que um rebanho precisava de, no mínimo, cinco anos para se tornar conhecido o suficiente, se reconhecer e se manter a salvo. Além disso, a própria paisagem do local, na qual os rebanhos eram mantidos e cuidados, fazia parte do imaginário romântico inglês que estava sob ameaça, no ano de 2001.

Law e Mol (2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.) afirmam que, para falar das ovelhas, foi preciso não somente localizá-las na Inglaterra, na região de Cúmbria, em março de 2001, mas também, e principalmente, diversas práticas tiveram de ser examinadas. Para conhecer o que é uma ovelha, as práticas precisaram ser exploradas, e algumas foram exploradas, poderiam ser outras, pois a realidade de uma entidade é infinita como um fractal: se você magnetizar um fragmento, você descobre uma imagem tão complexa quanto a primeira e assim ocorre com qualquer fragmento.

Então, uma ovelha enactada não existe por si só e nem age sozinha, a ação se move como um fluido viscoso, e isso não é dizer que o actante-enactado é determinado pelo ambiente, pois o enactar e o agir estão cheios de surpresas, a diferença que um actante faz é imprevisível, o que um ator-enactado faz é indeterminado, uma vez que é complexo. Coisas boas e más acontecem, estão misturadas e são ambivalentes (LAW e MOL, 2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p.).

Para Law e Mol (2008LAW, J.; MOL, A. The actor-enacted: Cumbrian sheep in 2001. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 57-78 p., p. 74), "um ator é um momento de indeterminação que gera eventos e situações {...} mais interessante do que o fato de que as coisas podem agir é o que elas fazem {...} o ponto não é quem/o que está agindo, mas o que está acontecendo, o que os atores fazem e o quanto são criativos? {...} de onde vem esse rastro e para onde nos leva".

O estudo busca destacar que não se trata de uma sequência de ações, mas que "o agir e o tornar-se" estão constituindo-se o tempo todo de diversas formas diferentes, e que fluem umas às outras. Embora o texto ainda apresente o termo "rede", a noção se aproxima mais da teia de Ingold (2008INGOLD, T. When ANT meets SPIDER: social theory for arthropods. In: KNAPPETT, C.; MALAFOURIS, L. Material agency: towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, 2008. 209-216 p.), que enacta relações e actantes e que se constitui à medida que a ação acontece. A tentativa é não somente escapar da noção de fracasso no controle das entidades, que a translação apresenta, mas trabalhar no incerto, no complexo e no múltiplo e destacar que as coisas podem ser de outra forma, que o objeto é múltiplo, que as ovelhas são múltiplas.

Explorando diferentes práticas, Law e Mol descrevem, e assim, nos permitem visualizar como os actantes tornam-se o que são e agem, como os actantes envolvidos enactam realidades e os momentos em que essas se encontram, se chocam, se complementam, se relacionam. Ao descrever as práticas, os autores "seguiram as ovelhas", poderiam ter seguido outro actante e teriam contado outras histórias. Aqui a TAR é tanto uma perspectiva de análise quanto metodológica, porém, a maior contribuição do artigo está em conseguir, mesmo que momentaneamente, capturar a multiplicidade e torná-la compreensível ao leitor com o auxílio da noção de enactment.

Abrindo possibilidades

As pesquisas em Administração ao utilizar a TAR podem contribuir para que a área amplie as possibilidades de pesquisa além da ênfase funcional. Isso, porém, faz parte de um movimento que apresenta a abordagem processual das organizações como alternativa para ampliação do foco de análise das pesquisas (CZARNIAWSKA, 2004CZARNIAWSKA, B. On time, space, and action nets. Organization, v. 11, n. 6, p. 773-791, 2004.; 2010CZARNIAWSKA, B. Going back to go forward: on studying organizing in action nets. In: HERNES, T.; MAITLIS, S. (Eds.). Process, sensemaking & organizing: perspectives on process organization studies. New York: Oxford University Press, 2010. 140-160 p.; 2013CZARNIAWSKA, B. Organizations as obstacles to organizing. In: ROBICHAUD, D.; COOREN, F. (Eds.). Organization and organizing: materiality, agency and discourse. New York: Routledge, 2013. 3-22 p. ). Nesse sentido, o organizing é compreendido como processos ou práticas de organização que observam de que modo as organizações acontecem, como verbos e resultado, tendo em autores como Robert Cooper um referencial importante (CAVALCANTI, 2012CAVALCANTI, M. F. R. O grau zero da organização: diálogos entre Deleuze e Robert Cooper.Dissertação (Mestrado em Administração) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2012.). A organização como processo baseia-se em uma ontologia do movimento que destaca as interações e relações.

A noção de processo dentro da TAR é inicialmente explicitada na discussão do conceito de translação que significa deslocar objetivos, interesses, dispositivos, seres humanos; além de ter um significado geométrico de transposição de um lugar para outro. As cadeias de translação referem-se ao trabalho pelo qual os atores modificam e deslocam seus vários e contraditórios interesses (LATOUR, 2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.).

No exemplo apresentado, o trabalho infantil, o conceito de translação é tratado principalmente como atribuição de significados - trabalho infantil como algo intolerável - e também como transposição de um local para outro - atos normativos da OIT aplicados em contexto nacional - mesmo que o estudo considere as modificações e os ajustes necessários para tal. Translação também aparece como uma espécie de associação entre entidades (diversas organizações), que podem ser de um nível macro (internacional) para um nível micro (nacional) ou vice-versa; podendo ser fraca ou forte.

Assim, de acordo com o caso empírico, "transladar" é "pôr em prática algo que foi criado em discurso". Nesse sentido, transladar também é espalhar e fazer agir, não apenas comunicar a estratégia, mas igualmente fazer com que se torne uma ação efetiva - alteração na legislação trabalhista e criação de um selo empresarial.

Podemos dizer que a translação apresenta uma sequência de ações que vão trazer uma nova formação ou uma nova ação. O objeto de análise pode mudar dependendo da translação que ocorrer ou dos atores que forem seguidos, mas é sempre único. O processo de translação dá sentido a tudo, após ser identificado, a caixa-preta é aberta.

Na translação, o conceito de "processo" é interpretado como uma sequência de sucessivos estágios complexos, estruturados por distintas fases - agora isso, agora aquilo; uma complexidade que possui certa coerência temporal e de unidade. Além disso, o processo tem uma estrutura, um formato genérico formal e, em virtude desse aspecto, todo processo concreto é equipado com alguma forma (SEIBT, 2012SEIBT, J. Process philosophy, 2012. Disponível em:<Disponível em:http://www.plato.stanford.edu/archives/win2012/entries/process-philosophy/ >. Acesso em: 26 out. 2013.
http://www.plato.stanford.edu/archives/w...
).

Contudo, o conceito de translação é criticado, e entre as "revisões" feitas na TAR, que vem a ser conhecida como TAR e Depois, surge o conceito de enactment que está relacionado à performance. Enactment (aqui traduzido como enactar) refere-se ao processo que possui consequências produtivas, que faz realidades e sugere que atividades acontecem deixando os atores vagos. O conceito de multiplicidade e alteridade são essenciais para a compreensão do enactment , pois entende-se que a realidade é múltipla, e nessa multiplicidade sempre haverá um outro (LAW, 2004LAW, John; MOL A. Embodied Action, Enacted Bodies: the example of hypoglycaemia. Body & Society,v. 10, n. 2-3, p.43-62, 2004.; 2007; LAW e LIEN, 2013LAW, J.; LIEN, M. Slippery: field notes on empirical ontology. Social Studies of Science, v. 43, n. 3, p. 363-378, 2013.; MOL, 2002MOL, A. The body multiple: ontology of medical practice. Durham: Duke University Press, 2002.).

No estudo apresentado sobre a noção de enactment , os autores descrevem as diferentes realidades que coexistem, colidem, colaboram e interferem umas as outras, relatam as práticas que enactam objetos múltiplos que sustentam o processo. A ovelha que está na encruzilhada de diversas práticas: do veterinário na qual o animal é hospedeiro de uma doença; da epidemiologia em que cálculos eram determinantes; da economia na qual a ovelha valia mais morta que viva; e do fazendeiro na qual a ovelha era um indivíduo único e também parte de um rebanho. Porém, as ovelhas existiam em relação às outras e não eram passivas. Para conhecer o objeto, as práticas que o enacta precisam ser exploradas. O estudo destaca que não se trata de uma sequência de ações, mas que "o agir e o tornar-se" estão constituindo-se o tempo todo de diversas formas diferentes, e que as práticas fluem umas às outras.

As noções apresentadas de translação e enactment são utilizadas, dentro da TAR, para falar de processo, porém, existem diferenças que precisam ser consideradas. Ambas são noções norteadoras que possibilitam trabalhar com as relações e com a lógica processual, de formas distintas.

O conceito de translação trata do predominante e enfatiza a compreensão de como as redes de relações e os objetos tornam-se "estáveis", sem levar em conta, consequentemente, uma série de outros arranjos, como elas se modificam, por exemplo, e também a alteridade. Por outro lado, o conceito de enactar nos auxilia compreender como as coisas fazem e são feitas; trata do múltiplo. Dizer que algo é enactado não significa nada, é preciso mostrar o "como" e "o quê" está acontecendo, repercutindo em nossos atuais modos de pesquisar.

Enactar trabalha com a multiplicidade e a fluidez, e isso tudo tem relação com outra ideia de processo, na qual, de acordo com Rescher (1996RESCHER, N. Process metaphysics: an introduction to process philosophy. Albany, NY: State University of New York Press, 1996. , p. 2), "o processo tem primazia sobre as coisas", isto é, a substância é subordinada ao processo: as coisas são simplesmente constelações de processos, "o processo tem prioridade sobre a substância". As coisas estão sempre subordinadas ao processo, porque o processo engendra, determina e caracteriza o que existe (RESCHER, 1996RESCHER, N. Process metaphysics: an introduction to process philosophy. Albany, NY: State University of New York Press, 1996. ).

A questão é que, geralmente, nas pesquisas em Administração, buscamos por formas já estruturadas de organizações, e, além disso, por dinâmicas mais ou menos previsíveis, em vez de considerarmos que estão em movimento, em fluxo. Da mesma forma que buscamos métodos de pesquisa e análise previamente estruturados e com protocolos pouco flexíveis.

Assim, realizar pesquisas do ponto de vista do enactar, não se trata de querer capturar o momento mais exato ou ser mais fiel à realidade exatamente como ela ocorre, mas de ter como pressuposto uma determinada ideia de processo e compreender que enactar está relacionado ao "tornar-se" ao mesmo tempo que outros actantes também tornam-se. Nesse ponto, a noção de enactment nos possibilita compreender que não se trata de dar certo ou não (sucesso ou fracasso), mas da "produção" de realidades múltiplas, situação de que a "translação" não dá conta.

A existência é compreendida em termos de "processo" e não de "coisas", em termos de mudança em vez de estabilidades fixas. Mudanças de todos os tipos é a característica universal e predominante do real, o que existe não é apenas originado ou sustentado por processos, mas continuamente e inexoravelmente caracterizado por eles. A existência (e o ser) é dinâmica, e tudo o que caracteriza a realidade está continuamente sendo e tornando-se", porém, ao pensarmos em termos de processo, não se pode negar que há aspectos da realidade temporariamente estáveis e recorrentes (SEIBT, 2012SEIBT, J. Process philosophy, 2012. Disponível em:<Disponível em:http://www.plato.stanford.edu/archives/win2012/entries/process-philosophy/ >. Acesso em: 26 out. 2013.
http://www.plato.stanford.edu/archives/w...
).

Dessa forma, problematizar um objeto de estudo, na área da Administração em especial nos EO, diante dos pressupostos apresentados e à escolha de noções norteadoras, como o enactment , traz a possibilidade de reconhecer que as ordens estabelecidas não são inevitáveis e podem existir de outras maneiras, já que não existirá uma ordem fundamentadora prévia.

A noção de enactment coloca o processo, o fluxo como aquilo para onde o pesquisador irá direcionar sua atenção ao realizar suas descrições, sabendo que existirão sempre áreas de sombra. E não haverá, a priori , a definição exata do que será destacado - os actantes e a ação - tudo e todos são relevantes, mesmo que, em alguns momentos, algo possa prevalecer, uma vez que, segundo Mol (2002MOL, A. The body multiple: ontology of medical practice. Durham: Duke University Press, 2002.), um objeto múltiplo é enactado de diversas formas e em diferentes locais.

Isso está de acordo com o desenvolvimento proposto pela abordagem da TAR e Depois (LAW e HASSARD, 1999LAW, J.; HASSARD, J. (Eds.). ANT and after. Oxford: Blackwell/The Sociological Review, 1999.; ALCADIPANI e HASSARD, 2010ALCADIPANI, R.; HASSARD, J. Actor-network theory, organizations and critique: towards a politics of organizing. Organization, v. 17, n. 4, p. 419-35, 2010.), de incluir discussões de cunho mais crítico que não assumem um repertório predefinido de como as coisas são ou como deveriam funcionar. Os estudos em Administração estariam atentos em "como estão acontecendo, como tornam-se" seus objetos de estudo em suas mais diversas relações, atravessamentos, diferenças e alteridades; em concordância aos elementos de: desnaturalização (as coisas podem ser diferentes), reflexividade (envolvendo reflexões sobre suas posições epistemológicas, ontológicas e metodológicas) e intenção não performativa (negação de que a criação de conhecimento é guiada por questões de eficiência e eficácia) dos estudos críticos em Administração apontados por Fournier e Grey (2000FOURNIER, V.; GREY, C. At the critical moment: conditions and prospects for critical management studies. Human Relations, v. 53, n. 1, p. 7-32, 2000.).

Assim também, como referido por Cavalcanti e Alcadipani (2013CAVALCANTI, M. F. R.; ALCADIPANI, R. Organizações como processos e a teoria ator-rede: a contribuição de John Law para os estudos organizacionais. Cad. EBAPE.BR, v. 11, n. 4, p. 556-568, 2013.), no que diz respeito aos EO, ver a organização como processo, ressalta que é por meio de sua fluidez e plasticidade que ela melhor exerce poder e adquire robustez. Ao compreender a gestão e a organização, a partir de bases processuais, entenderemos que a prescrição é sempre algo incompleto, inacabado e em constante mudança e formação. A noção de enactment pode ajudar a lidar com as incertezas da abordagem processual, além de auxiliar a ter sempre em mente que, ao descrever e, assim, alegar que algo é real nas ciências, estamos ajudando a fazer a realidade social mais ou menos real.

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  • 1
    O conceito de simetria é adaptado do "programa forte" de David Bloor (1976 apud LATOUR e WOOLGAR, 1997).
  • 2
    Engajar/alistar e controlar - isso é necessário para construir a caixa-preta (um fato científico, uma verdade) e também é parte do processo de translação (LATOUR, 2000).
  • 3
    A maioria dos exemplos dados por Annemarie Mol estão relacionados à medicina por ser um campo de estudo ao qual a autora se dedica.
  • 4
    Otherness : qualidade ou estado de ser outro ou diferente. Na sociologia, a ideia de otherness é central na análise de como as identidades majoritárias e as minoritárias são construídas (ZEVALLOS, 2015ZEVALLOS, Z. What is otherness? Disponível em: <Disponível em: http://www.othersociologist.com/otherness-resources/ >. Acesso em: 19 jul. 2015s.d.
    http://www.othersociologist.com/othernes...
    ).
  • *
    Patricia Kinast De Camillis - Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGA/UFRGS); Discente no curso de Doutorado em Administração no PPGA/UFRGS. E-mail: patriciadecamillis@gmail.com
  • **
    Claudia Simone Antonello - Doutora em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGA/UFRGS); Professora Adjunta no PPGA/UFRG. E-mail: Claudia.antonello@ufrgs.br

Publication Dates

  • Publication in this collection
    Mar 2016

History

  • Received
    08 Aug 2014
  • Accepted
    22 June 2015
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