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Abordagem grassroots e resistência: atualizando a concepção de desenvolvimento sustentável

Enfoque grassroots y resistencia, actualizando la concepción de desarrollo sostenible

Resumo

Em contrapartida às especificidades impositivas do modelo de produção capitalista - incluindo-se nesse modelo os meandros de arranjos produtivos que inserem o meio ambiente enquanto alinhado à versão tríplice da concepção tradicional de desenvolvimento sustentável -, tem surgido uma massa crítica de literatura focada na resistência ao modo de funcionamento do capitalismo ocidental. Em relação à teoria, economia solidária (pilar econômico), movimentos sociais (pilar social), ecologia política (pilar ambiental) e raízes culturais (pilar cultural) são aparatos importantes que não devem ficar à margem na estruturação de uma concepção alternativa do desenvolvimento sustentável. Tais aparatos são considerados elementos de resistência, visto terem fatores diferenciados quando comparados com as características tradicionais dos pilares da criticada concepção de desenvolvimento sustentável. Assim, o objetivo do presente ensaio teórico é conceber alternativas à concepção padrão do desenvolvimento sustentável, considerando aspectos da abordagem grassroots importantes para esse propósito. A contribuição é relevante tendo em vista a consideração de aspectos alternativos e complementares envolvidos na leitura da atualização conjecturada. Os prospectos do desenvolvimento grassroots têm sido usados como guia prático em ações de desenvolvimento local envolvendo comunidades menos desenvolvidas em várias partes do mundo, sem a conjectura que sinaliza para elementos conceituais que podem oferecer uma conformação alternativa à concepção do desenvolvimento sustentável. Conclui-se que a versão tradicional do desenvolvimento sustentável pode ser atualizada com elementos alternativos advindos da abordagem grassroots.

Palavras-chave:
Desenvolvimento Sustentável; Abordagem Grassroots; Resistência.

Resumen

En contrapartida a las especificidades impositivas del modelo de producción capitalista, incluyendo en dicho modelo los meandros de los arreglos productivos que encuadran al medioambiente como alineado con la versión triple de la concepción tradicional de desarrollo sostenible, ha surgido una masa crítica de literatura que enfoca la resistencia en relación con el modo de funcionamiento del capitalismo occidental. Con relación a la teoría, economía solidaria (pilar económico), movimientos sociales (pilar social), ecología política (pilar ambiental) y raíces culturales (pilar cultural) son instrumentos importantes que no deben dejarse al margen en la estructuración de una concepción alternativa de desarrollo sostenible. Tales instrumentos son considerados elementos de resistencia, por tener características diferenciadas al compararlos con las características tradicionales de los pilares de la criticada concepción de desarrollo sostenible. Así, el objetivo del presente ensayo teórico es concebir alternativas a la concepción estándar de desarrollo sostenible, considerando aspectos del enfoque grassroots significativos para este propósito. La contribución es relevante teniendo en cuenta la consideración de aspectos alternativos y complementarios involucrados en la lectura de la actualización conjeturada. Los prospectos del desarrollo grassroots se usaron como guía práctica en acciones de desarrollo local que involucraron comunidades menos desarrolladas en varias partes del mundo, sin la conjetura que apunta hacia elementos conceptuales que pueden ofrecer una conformación alternativa a la concepción de desarrollo sostenible. Se concluye que la versión tradicional de desarrollo sostenible puede actualizarse con elementos alternativos derivados del enfoque grassroots.

Palabras clave:
Desarrollo sostenible; Enfoque grassroots; Resistencia.

Abstract

A critical body of literature has emerged focusing on the spectrum of resistance against impositions engendered by the modus operandum of western capitalism, including the nuances of the productive patterns considering the environment as a device attached to the triple bottom line of the traditional view of sustainable development. Regarding the theory, solidarity economy (economic pillar), social movements (social pillar), political ecology (environmental pillar), and cultural roots (cultural pillar) are important apparatus that cannot be left behind if an alternative concept of sustainable development is to be structured. This article considers such apparatus as having elements of resistance, since they have different characteristics when compared to the standard features of the pillars that form the base of the criticized conception of sustainable development. Therefore, the main goal of this article is to conceive alternative elements to the standard concept of sustainable development, considering aspects of the grassroots approach. This study is relevant as it offers alternative and complementary elements in order to provide an understanding of the updated conjectures. The prospects of grassroots development, involving less developed communities worldwide, are being used as practical guidelines in local development actions. They have rarely been conjectured as conceptual elements to offer a new format for the conception of sustainable development. This article concludes that the traditional version of sustainable development can be upgraded with the alternative elements emerging from the grassroots approach.

Keywords:
Sustainable Development; Grassroots Approach; Resistance.

Introdução

As últimas décadas do século passado e o início do século XXI têm sido marcados por intensas transformações nas relações socioeconômicas, ambientais e culturais, resultantes de céleres mudanças nos padrões técnicos, científicos, informacionais e nas interações multifacetadas que permeiam a dinâmica das sociedades modernas. Isso, de algum modo, pode ser interpretado como nuances da atual fase do capitalismo, a vislumbrar a possibilidade do surgimento de arranjos alternativos em um intenso processo de globalização multidimensionada (BOSSLE, 2011BOSSLE, M. Comércio Justo no Brasil e a Comercialização dos Produtos do Algodão Ecológico. 2011. 118 f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011.).

No bojo desse processo, observa-se a emergência de novos encaminhamentos que o capitalismo tradicional não estaria apto a absorver (apesar de que mais recentemente as formas alternativas de produção têm se mesclado com os meandros do capitalismo de mercado tradicional) - possibilidades que embutem aspectos humanísticos, sociais, ambientais e culturais nas atividades socioeconômicas. Tal perspectiva é de importância crucial como foco de resistência às demandas por acumulação tradicional, que, muitas vezes, forja um imaginário social voltado ao consumismo material e difunde um padrão de vida socialmente insustentável, com parte substancial das populações à margem do acesso aos eventuais benefícios gerados.

A estrutura econômica do sistema capitalista tradicional caracteriza-se, no âmbito das forças produtivas, pelo emprego do capital (máquina), trabalho e tecnologia, baseando-se na propriedade privada dos meios de produção. Isso quer dizer que, a partir da Revolução Industrial, só quem tivesse acesso a um estoque de capital inicial, ou só quem o tivesse acumulado durante séculos, poderia ser proprietário dos meios de produção - um processo inicial altamente excludente.

Na procura de alternativas a estas formas universalistas e concentradoras de propriedade, renda e consumo, para tornar possível conjecturar dimensões que insiram o socioambiental, o cultural e a própria vida de seres humanos, Escobar (1995ESCOBAR, A. Encoutering development the making and unmaking of the third world. Princeton: Princeton University Press, 1995.) aponta duas direções: a resistência local, perpetrada por grupos de base, às formas dominantes de intervenção capitalista padrão; e a desconstrução do desenvolvimento econômico tradicional.

Ambas as vertentes implicam o esforço em direção à desnaturalização e desuniversalização da modernidade capitalista ocidental - o que o autor denomina de antiglobalocentrismo. Nesse caso, é necessária uma antropologia da modernidade que conduza a uma compreensão da modernidade ocidental como um fenômeno cultural e histórico específico, e isso passa necessariamente pela desuniversalização dos costumes e práticas de grande parte das atividades das sociedades modernas do Ocidente. Desuniversalização aqui tem significado restrito, sinalizando a quebra ou a adaptação de processos ocidentais que são concebidos ‘de fora para dentro’, sem a percepção de que o local deve ser o foco da intervenção, levando-se em conta costumes, crenças, cultura e o meio ambiente em nível local. Nesse ínterim, entende-se que a versão tradicional do desenvolvimento sustentável está impregnada de vieses ligados a práticas vinculadas ao capitalismo ocidental e que a consideração de elementos de abordagens alternativas, tais como os relativos à abordagem grassroots, podem ser usados para melhor conceber a versão padrão desse tipo de desenvolvimento. Da perspectiva da antropologia da modernidade, para se entender a essência da economia capitalista, deve-se criticamente atentar para a formação de suas estruturas, vendo-a como uma instituição composta de sistemas de produção, poder e significação. Estes sistemas de produção uniram-se ao final do século XVIII e propiciaram o advento da primeira revolução industrial, estando inseparavelmente ligados ao desenvolvimento do capitalismo e da modernidade ocidental atual. Devem ser vistos, assim, como formas por meio das quais os seres humanos são transformados em objetos produtivos.

Os avanços e ajustes ocorridos no capitalismo, principalmente a partir de fins do século XX, propiciaram ao sistema uma maior flexibilidade no que tange à inclusão de aspectos vitais à humanidade: o advento do desenvolvimento sustentável trouxe, de uma só vez, as perspectivas econômicas, sociais e ambientais, enaltecendo em maiúsculas que nenhuma atividade capitalista poderia ser dignificada se os três pilares básicos (econômico, social e ambiental) não fossem atendidos (BRUNDTLAND, 1987BRUNDTLAND, G. Health and the World Conference on Sustainable Development. Bulletin of the World Health Organization, v. 80, n. 9, p. 689, 1987.). E mais, gerações futuras seriam preservadas de modo a terem garantido o acesso, no mínimo, ao mesmo estoque de capital natural da geração presente.

Tendo em vista o caráter crítico que envolve o debate sobre as nuances e metamorfoses do sistema capitalista ao longo dos séculos e as novas conjecturas que se apresentam nos dias atuais, pós-concepção ‘desenvolvimento sustentável’, o presente artigo propõe revestir com elementos de resistência advindos da abordagem grassroots as esferas econômica, social e ambiental da concepção tradicional de desenvolvimento sustentável. Um quarto pilar (cultural), que já foi incorporado à literatura sobre desenvolvimento sustentável, faz também parte da análise. A visão a ser seguida é a de que a concepção tradicional, de muita importância para os prospectos do capitalismo desde fins dos anos 1980, é incompleta e ainda totalmente presa à ordem regente do capitalismo impositivo que molda o desenvolvimento econômico ocidental atual.

Diante do exposto, o objetivo do artigo é dotar a concepção do desenvolvimento sustentável de elementos alternativos ligados à abordagem grassroots, considerada aqui como contendo elementos de resistência. Para cada um de seus pilares propõe-se um modelo mais flexível se comparado ao da versão tradicional. Assim, o pilar econômico nos remete à economia solidária. A introdução da perspectiva da economia solidária no pilar econômico do desenvolvimento sustentável insere a conjectura de resistência e expande a concepção tradicional sob uma perspectiva bem mais promissora e adequada ao verdadeiro caráter econômico do desenvolvimento sustentável: igualdade, cooperação, liberdade e autogestão -, valores-chave da economia solidária. Assim, uma melhor forma de se referir a esse pilar seria intitulando-o “pilar econômico solidário” e não apenas “pilar econômico”.

Em relação ao pilar social do desenvolvimento sustentável tradicional, os movimentos sociais reivindicativos poderiam ser enaltecidos como fonte de resistência. Tal conjectura é relevante uma vez que movimentos sociais podem ser desenhados de forma a revindicar melhorias nos padrões socioeconômicos e ambientais - aspectos concebidos nos três pilares do desenvolvimento sustentável. Já no que se refere ao pilar ambiental padrão, a ecologia política poderia ser de importância ímpar como fonte de resistência. De modo mais geral, pode-se afirmar que a ecologia política embute importantes lutas e conquistas ecopolíticas, e isso poderia revestir com força de resistência o “pilar ambiental” do desenvolvimento sustentável convencional.

Em relação ao pilar cultural, inserido na literatura do desenvolvimento sustentável mais recentemente, a conotação de resistência seria introduzida via identidade local. Nesse pilar seria enfatizada a preservação do local frente ao global. Assim, identidade local poderia ser vista como uma fonte a revestir o novo “pilar cultural” com a perspectiva de resistência.

A estruturação do artigo inicia-se com o referencial teórico sobre desenvolvimento sustentável e seus três pilares, e a abordagem grassroots. Na sequência são introduzidas as mesclas dos pilares tradicionais do desenvolvimento sustentável com os elementos alternativos da abordagem grassroots. As considerações finais enfatizam os principais pontos e o alcance dos objetivos, assim como as possibilidades de estudos futuros.

Aparato Teóríco: a Concepção de Desenvolvimento Sustentável e o Desenvolvimento Grassroots

A construção do conceito de desenvolvimento é um retrato da evolução da economia global e se divide em três fases: i) a que o coloca como sinônimo de crescimento econômico; ii) a que nega a possibilidade de existir um efetivo desenvolvimento mundial; e iii) a que agrega o valor ambiental como sustentáculo desenvolvimentista, dando destaque ao desenvolvimento sustentável (MAGALHÃES e MOTA, 2012MAGALHÃES, A. C. M.; MOTTA, A. B. P. A construção do desenvolvimento sustentável. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3399,21 out. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.jus.com.br/revista/texto/22847 >. Acesso em: 31 maio 2014.
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).

Segundo Sachs (2008SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.), por tempos a ideia de desenvolvimento confundia-se com crescimento, tendo como base os fundamentos econômicos, como citado anteriormente. Entretanto, o crescimento econômico parte da premissa de que quanto maior o progresso material, maior será a melhoria dos padrões sociais de determinada população, ou seja, a elevação dos benefícios sociais seria uma consequência natural do crescimento econômico. Tem-se uma visão de desenvolvimento que privilegia a visão quantitativa do fenômeno econômico e seus impactos sociais, ao mesmo tempo que se prega o não intervencionismo estatal, bem como a capacidade dos atores econômicos de se autorregularem e de encontrarem o ponto de equilíbrio necessário à manutenção estável do cenário econômico global via forças de mercado.

Surgiram então críticas à relação direta entre crescimento e desenvolvimento, não que fosse negada a importância do primeiro para alcance do segundo. Entretanto, crescimento econômico deixa de ser entendido como um fim em si mesmo, e, também, como o único caminho para se chegar ao desenvolvimento (VEIGA, 2005VEIGA, J. E. Desenvolvimento sustentável - o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2005.).

Segundo Magalhães e Mota (2012MAGALHÃES, A. C. M.; MOTTA, A. B. P. A construção do desenvolvimento sustentável. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3399,21 out. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.jus.com.br/revista/texto/22847 >. Acesso em: 31 maio 2014.
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), a referida constatação nasce da observância do recorrente descompasso entre crescimento econômico e desenvolvimento. Nem sempre o crescimento é acompanhado por mudanças sociais. Com efeito, em cenários de rápido crescimento econômico, o desenvolvimento tem se mostrado uma exceção histórica e não a regra geral. Outro fato muito criticado em relação ao crescimento econômico é o favorecimento à alta concentração de riqueza e de renda nas mãos de poucos. Essa característica mostra-se especialmente presente em modelos econômicos que estimulam a criação de arquipélagos isolados de geração de riqueza, propiciando padrões de crescimento excludentes.

Diante dessas percepções, muitos teóricos, tais como Arrighi (1998ARRIGHI, G. A ilusão do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.) e Sen (1999SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo, Companhia das Letras, 1999.), insurgiram-se contra a idealização do desenvolvimento. Arrighi (1998)ARRIGHI, G. A ilusão do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Vozes, 1998., um dos grandes expoentes dessa corrente ceticista, concebeu o chamado “padrão trimodal” para tentar explicar como a dinâmica socioeconômica mundial poderia atingir o desenvolvimento. Sen (1999)SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. marcou a nova fase da teoria do desenvolvimento com a afirmação de que este consistiria na eliminação de tudo que limita as escolhas e as oportunidades das pessoas. Ou seja, o desenvolvimento passa a estar associado não somente ao crescimento econômico, mas aos direitos humanos fundamentais, promovendo a igualdade e maximizando os benefícios daqueles que vivem em condições de subdesenvolvimento.

Segundo Magalhães e Mota (2012MAGALHÃES, A. C. M.; MOTTA, A. B. P. A construção do desenvolvimento sustentável. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3399,21 out. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.jus.com.br/revista/texto/22847 >. Acesso em: 31 maio 2014.
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), uma das características que se sobressaem desse novo estilo de desenvolvimento é o deslocamento da visão quantitativa para uma visão qualitativa, a qual coloca em segundo plano a lógica contábil-econômica pública, para dar lugar a uma perspectiva de governança de cunho social.

Em 1990, a Organização das Nações Unidas (ONU) apresentou ao mundo um dos mais conhecidos índices de desenvolvimento: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Este índice segue a fórmula baseada na média geométrica de três subíndices: expectativa de vida, educação formal e renda per capita. Posteriormente, muitas críticas surgiram em virtude da limitação do índice proposto pela ONU, fundamentalmente tendo em vista o uso de apenas três critérios para a mensuração do desenvolvimento. Para esses críticos, outros indicadores, além dos relativos a saúde, educação e renda, poderiam se mostrar igualmente importantes, de modo a se obter uma visão mais acurada do desenvolvimento. Um dos índices alternativos de potencial consideração estaria ligado ao acesso ao meio ambiente de qualidade, um direito fundamental que toda sociedade perseguiria e que estaria associado ao equilíbrio ecológico. A introdução desse conceito inauguraria a fase do desenvolvimento sustentável (MAGALHÃES e MOTA, 2012MAGALHÃES, A. C. M.; MOTTA, A. B. P. A construção do desenvolvimento sustentável. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3399,21 out. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.jus.com.br/revista/texto/22847 >. Acesso em: 31 maio 2014.
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).

No Relatório Brundtland, tem-se expressa a definição clássica de desenvolvimento sustentável: “{...} satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades” (DINIZ e BERMANN, 2012DINIZ, E. M.; BERMANN, C. Economia Verde e Sustentabilidade. A USP e Rio+ 20. Estudos Avançados, v. 26, n. 74, p. 323-330, 2012., p. 323). O desenvolvimento econômico começa a ser repensado de uma nova forma, levando em conta a igualdade entre as gerações. Até então, o desenvolvimento econômico tinha uma óptica um pouco mais restrita e normalmente considerava os determinantes fundamentais do crescimento econômico sem levar em conta o meio ambiente. Para Sachs (2008SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.), o desenvolvimento sustentável é caracterizado pela integração das dimensões humana e ecológica, visando à dignificação de todos os seres humanos por meio da erradicação da pobreza e da realização de seus direitos fundamentais.

Analisando o desenvolvimento sustentável via diferentes visões, níveis e significados, e buscando uma visão mais ampla com o objetivo de pontuar ações e metas, Sachs (2008SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008., p. 15) definiu cinco dimensões da sustentabilidade:

i) social: fundamental por motivos tanto intrínsecos quanto instrumentais, por causa da perspectiva de disrupção social que paira de forma ameaçadora sobre muitos lugares problemáticos do nosso planeta; ii) ambiental: com duas dimensões - sistemas de sustentação da vida como provedores de recursos e como ‘recipientes’ para a disposição de resíduos; iii) territorial: relacionado à distribuição espacial dos recursos, das populações e das atividades; iv) econômic{a}: sendo a viabilidade econômica a conditio sine qua non para que as coisas aconteçam; e v) política: a governança democrática é um valor fundador e um instrumento necessário para fazer as coisas acontecerem.

De acordo com as cinco dimensões propostas por Sachs (2008SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.), daremos ênfase a seguir aos pilares econômico, social e ambiental, diretamente ligados à tríplice base do desenvolvimento sustentável, tratados por Elkington (2001ELKINGTON, J. Canibais com Garfo e Faca. São Paulo: Makron Books, 2001.) como a concepção dos três pilares do desenvolvimento sustentável tradicional. A subseção seguinte mescla a concepção tradicional do desenvolvimento sustentável com a perspectiva alternativa de desenvolvimento grassroots, considerando a perspectiva de resistência contida nessa abordagem alternativa.

Pilar econômico

Na visão convencional, o pilar econômico tem como elemento principal o crescimento econômico ou o lucro, submetendo os aspectos socioambientais a um segundo plano. A abordagem exige uma busca de sustentação econômica no longo prazo. Ao avaliar esse pilar, levando em consideração o conceito de desenvolvimento sustentável, é preciso incutir, na ideia de capital econômico, o capital humano e o capital intelectual, conceitos que, conforme Elkington (2001ELKINGTON, J. Canibais com Garfo e Faca. São Paulo: Makron Books, 2001.), foram sendo gradativamente incorporados à análise do capital econômico. Além disso, os conceitos de capital natural e social passam a ser fundamentais nas análises de desenvolvimento do pilar econômico.

A análise econômica de questões relacionadas ao meio ambiente pode se dar tanto pelo aspecto da microeconomia quanto pelo da macroeconomia. No âmbito da microeconomia, pode-se, por exemplo, verificar se a adoção de tecnologias menos poluentes ou mais eficientes é viável. Na macroeconomia, pode-se analisar a relação entre o meio ambiente e o desenvolvimento econômico, ou seja, estuda-se devidamente a questão da sustentabilidade de forma agregada. Nessa vertente, por exemplo, avalia-se a existência ou não de uma curva ambiental de Kuznets para um dado poluente.

Um dos conceitos mais recentes adicionados ao desenvolvimento sustentável é a noção de economia verde. Define-se economia verde como aquela que resulta em melhoria do bem-estar humano e na equidade social, ao mesmo tempo que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica (UNITED NATIONS apudDINIZ e BERMANN, 2012DINIZ, E. M.; BERMANN, C. Economia Verde e Sustentabilidade. A USP e Rio+ 20. Estudos Avançados, v. 26, n. 74, p. 323-330, 2012.). Ressalte-se também que o pilar econômico da versão tradicional do desenvolvimento sustentável tem base na economia ambiental, cujo propósito é combinar crescimento econômico com preservação de recursos naturais. Tal visão é restrita e bem ajustada aos preceitos do modo de produção no capitalismo vigente, no sentido de que preservação do capital natural estaria subjugada aos preceitos do crescimento econômico.

Por fim, entendemos o pilar econômico como uma proposta de equidade socioeconômica e ambiental que visa ao bem da humanidade respeitando os recursos naturais e, desse modo, fortalecendo o conceito de desenvolvimento sustentável.

Pilar social

O pilar social, segundo Sachs (2008SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.), abrange a visão de que situações sociais ruins em muitos lugares do mundo estão relacionadas ao descaso das autoridades governamentais frente à desigualdade social acumulada ao longo dos anos. Segundo Estender e Pitta (2008ESTENDER, A. C.; PITTA, T. T. M. O Conceito do desenvolvimento sustentável. Revista Terceiro Setor, v. 2, n. 1, p.22-28, 2008.), questões como desigualdade social e educacional, entre outras, não fazem parte dos conceitos de sustentabilidade atrelados a questões econômicas e ambientais. Para esses autores, o que realmente importa é que se o sistema social não estiver equalizado, isto é, não estiver progredindo equitativamente, as questões ambientais e econômicas não serão tratadas, tampouco resolvidas da maneira desejada.

O desenvolvimento sustentável, frente à sociedade, busca meios de equalizar oportunidades e riquezas, de modo a deter o crescimento econômico concentrador. A transparência proposta pelo front social da sustentabilidade proporciona uma mescla entre sociedade e organizações, engendrando possibilidades de ações redutoras das desigualdades sociais.

Pilar ambiental

Segundo Dias (2006DIAS, R. Gestão ambiental: responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Atlas, 2006.), no início da civilização, todas as estratégias desenvolvidas pelo homem para sua manutenção e sobrevivência eram passíveis de causar alterações no meio ambiente.

Com o advento da Revolução Industrial, ocorre uma série de grandes transformações no modo de produção capitalista, as atividades de produção deixam de ser artesanais para se tornarem manufaturadas. Disseminavam-se, assim, alterações nos sistemas econômicos: os processos industriais passam a utilizar grandes quantidades de energia e recursos naturais.

De acordo com Dias (2006DIAS, R. Gestão ambiental: responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Atlas, 2006.), vários foram os problemas causados pela industrialização: urbanização acelerada e não planejada, alta concentração populacional, consumo excessivo de recursos naturais não renováveis, contaminação do ar, água e solo, desmatamento, entre outros.

Os vários acidentes industriais causados pela busca desenfreada por níveis crescentes de produção e as situações em que a geração de resíduos não recebia tratamento adequado de modo a serem reabsorvidos pela natureza tornaram-se os principais problemas, cujas soluções têm ensejado a possibilidade de conscientização da população sobre situações que têm afetado o meio ambiente.

Os principais problemas ambientais que preocupam a população estão intrinsecamente ligados ao processo de produção capitalista, que afeta diretamente o meio ambiente, provocando, em muitos casos, efeitos irreversíveis ou de difícil recuperação, como citam Bernardes e Ferreira (2009BERNARDES, J. A.; FERREIRA, F. P. M. Sociedade e Natureza. In: CUNHA, S. B.; GUERRA, A. J. T. (Org.). A questão ambiental: diferentes abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 17-42., p. 28):

{...} Hoje os riscos produzidos se expandem em quase todas as dimensões da vida humana, obrigando-nos a rever a forma como agimos sobre o meio natural e as próprias relações sociais, obrigando-nos a questionar os hábitos de consumo e as formas de produção material. Muitas vezes a consciência dos riscos provocados pelas novas tecnologias no ambiente natural se torna alarmista, mas ninguém pode negar a gravidade da situação.

O desenvolvimento sustentável, nesse contexto, propõe a preservação dos recursos naturais, de forma que o crescimento considere a continuidade e sustentação dos ecossistemas. É necessário, assim, que os padrões de consumo e relacionamento levem em consideração a conservação do meio ambiente e a melhora na qualidade de vida, aspectos essenciais para a continuidade da vida humana em padrões aceitáveis.

Desenvolvimento grassroots e resistência

Segundo Escobar (1992ESCOBAR, A. Reflections on ‘Development’: Grassroots Approaches and Alternative Politics in the Third World. Futures, v. 24, n. 5, p. 411-436, 1992.), a abordagem grassroots tem como base: i) movimentos sociais locais: respostas dadas a problemas específicos por grupos de pessoas, lutas pluralísticas que podem ou não formar cadeias horizontais e/ou movimentos regionais; ii) reivindicações econômicas locais: mesmo que as motivações econômicas estejam presentes e sejam explicitamente colocadas, elas sempre são mescladas com aspectos da cultura local e anseios comunitários; iii) rejeição do conhecimento ‘expertise’ impositivo: o conhecimento de especialistas e de agências governamentais não são aceitos como guia para o modo sobre como as comunidades devem conduzir suas reivindicações e decisões.

Na procura por alternativas às formas tradicionais contidas nos pilares do desenvolvimento sustentável e atreladas ao modo de produção capitalista padrão, Escobar (1995ESCOBAR, A. Encoutering development the making and unmaking of the third world. Princeton: Princeton University Press, 1995.) aponta para duas direções complementares: a resistência local de grupos de base às formas dominantes de intervenção; a desconstrução do desenvolvimento (ESCOBAR, 1995ESCOBAR, A. Encoutering development the making and unmaking of the third world. Princeton: Princeton University Press, 1995.), tarefa que implica o esforço da desnaturalização e desuniversalização da modernidade. Para isso é necessária uma antropologia da modernidade que conduza a uma compreensão da modernidade ocidental como um fenômeno cultural e histórico específico (ESCOBAR, 1995ESCOBAR, A. Reflections on ‘Development’: Grassroots Approaches and Alternative Politics in the Third World. Futures, v. 24, n. 5, p. 411-436, 1992.).

Escobar (1995ESCOBAR, A. Encoutering development the making and unmaking of the third world. Princeton: Princeton University Press, 1995.) contribui e defende que, embora estejamos em meio à modernidade, com o capitalismo cada vez mais forte diante das mudanças trazidas nos últimos séculos, é de extrema importância que se preze pela humanidade, pelas culturas e história de cada região e pela população que a ela pertence. Em relação a movimentos de resistência que afetam organizações, Dellagnelo, Bohm e Mendonça (2014DELLAGNELO, E. H. L.; BOHM, S.; MENDONÇA, P. M. E. Organizando movimentos de resistência: contribuição da Teoria Política do Discurso. Revista de Administração de Empresas - RAEv. 54, n. 2, p. 617- 629, 2014.) enaltecem a pertinência da teoria do discurso político e dos estudos organizacionais. Segundo esses autores, a teoria do discurso político tem sido utilizada em análise de resistências e antagonismo social na esfera das organizações, explicando as nuances no que se refere à estruturação de movimentos de resistência. Essa contribuição, apesar de importante, não se coaduna com os objetivos aqui delineados, uma vez que visa analisar movimentos de resistência que afetam empresas, um sentido bem mais restrito quando comparado aos preceitos conceituais do desenvolvimento sustentável.No que diz respeito a definições de resistência, Hollander e Einwohner (2004HOLLANDER J. A.; EINWOHNER, R. L. Conceptualizing resistance. Sociological Forum, v. 19, n. 4, p. 533-554, 2004.) apontam que a variedade de usos da resistência deve levar em conta duas dimensões conceituais: resistência reconhecida e resistência intencional. Esses autores usam as duas dimensões na elaboração de uma tipologia de resistência - útil em termos do uso sociológico do conceito.

Segundo Montero (1998MONTERO, M. Paradigmas, Conceptos y Relaciones para una nueva era. Cómo pensar lãs Ciencias Sociales desde América Latina. Seminario Las Ciencias Económicas y Sociales: reflexiones de fin de siglo, Caracas: Dirección de Estudios de Postgrado/Facultad de Ciencias Económicas y Sociales/ Universidad Central de Venezuela, 20 jun., 1998.), tendo por base as muitas vozes que buscam alternativas ao modo de produção capitalista tradicional, é possível falar da existência de uma forma de interpretar o mundo e agir sobre ele, o que constitui uma episteme. Para Montero (1998)MONTERO, M. Paradigmas, Conceptos y Relaciones para una nueva era. Cómo pensar lãs Ciencias Sociales desde América Latina. Seminario Las Ciencias Económicas y Sociales: reflexiones de fin de siglo, Caracas: Dirección de Estudios de Postgrado/Facultad de Ciencias Económicas y Sociales/ Universidad Central de Venezuela, 20 jun., 1998. as ideias centrais articuladoras deste paradigma são as seguintes: i) uma concepção de comunidade e de participação, assim como de saber popular, como formas de constituição e ao mesmo tempo produção de uma episteme de relação; ii) libertação pela práxis, que pressupõe a mobilização da consciência e um sentido crítico a conduzir à desnaturalização das formas canônicas de aprender-construir-ser no mundo; iii) redefinição do papel do pesquisador social, reconhecer no “outro” a si mesmo e, portanto, o sujeito-objeto da investigação como ator social e construtor do conhecimento; iv) o caráter histórico, indeterminado, indefinido, inacabado e relativo do conhecimento, envolvendo a multiplicidade de vozes, de mundos de vida, a pluralidade epistêmica; v) perspectiva da dependência e, logo, da resistência: tensão entre minorias e maiorias e os modos alternativos do fazer-conhecer; e vi) revisão de métodos e contribuições e transformações provocadas por eles.

Tais visões alternativas de diferentes mundos nos remetem à possibilidade de vislumbrar modos de produção sustentáveis, ou seja, ligados aos preceitos do desenvolvimento sustentável, que tem como uma de suas características o aumento da qualidade de vida, principalmente para a maioria mais pobre. A sustentabilidade requer um padrão de vida dentro dos limites da natureza, ou seja, de vivência dentro da capacidade do capital natural e respeito e preservação dos ecossistemas. A versão tradicional do desenvolvimento sustentável compreende três pilares essenciais: i) econômico; ii) social; e iii) ambiental.

Neste estudo, esses três pilares (e um adicional - o pilar cultural) serão revistos e revestidos com elementos essenciais vinculados à abordagem grassroots, isto é, ênfase será dada aos preceitos da economia solidária (pilar econômico), à importância dos movimentos sociais (pilar social), à pertinência da ecologia política (pilar ambiental) e à identidade local (pilar cultural). A abordagem grassroots está totalmente enquadrada na perspectiva ‘de baixo pra cima’ de desenvolvimento. Ela é definida, segundo Escobar (1992ESCOBAR, A. Reflections on ‘Development’: Grassroots Approaches and Alternative Politics in the Third World. Futures, v. 24, n. 5, p. 411-436, 1992.), como um conjunto de suposições que enfatiza o interesse pelo conhecimento local e cultural como base para uma redefinição de representações, incluindo o aspecto crítico em relação ao conhecimento científico estabelecido, e a defesa e promoção de movimentos pluralísticos locais.

Ao usar essa conjectura de resistência da abordagem grassroots, nosso objetivo é dotar a concepção do desenvolvimento sustentável tradicional - tipificada por Willis (2005WILLIS, K. Theories and Practices of Development. New York: Routledge/USA, 2005.) como abordagem tecnocêntrica - de elementos de resistência ao globalocentrismo e, principalmente, à forma universalista que o desenvolvimento sustentável tradicional ainda traz enquanto modo de funcionamento do regime capitalista tradicional. Para esse fim, a perspectiva de resistência da abordagem grassroots será considerada por via do uso de quatro vertentes que serão mescladas, como alternativas, aos quatro respectivos pilares da concepção tradicional do desenvolvimento sustentável: i) economia grassroots-solidária (pilar econômico tradicional); movimentos grassroots-sociais (pilar social tradicional); iii) ecologia grassroots-política (pilar ambiental tradicional); e iv) cultura-identidade e grassroots-local (pilar cultural, adicionado aos três pilares tradicionais).

Segundo Veiga (2006VEIGA, J. E. Meio Ambiente & Desenvolvimento. São Paulo: Ed. Senac, 2006.), o modelo de pensamento prevalecente na ciência econômica, e embutido na concepção de desenvolvimento sustentável tradicional, sempre foi mecânico e dominado pela ideia de equilíbrio. Entretanto, essa forma de pensamento sempre ignorou a união entre os sistemas econômicos e bióticos, além de desconsiderar a existência de limites naturais e do meio ambiente em relação à expansão das atividades econômicas. Além disso, pode-se dizer que a doutrina econômica ocidental padrão, presente na concepção do desenvolvimento sustentável, não vislumbra características humanísticas (como as presentes na economia solidária), nem insere na perspectiva social os movimentos sociais reivindicatórios (como os considerados nos movimentos grassroots-locais), e tampouco aventa a conjectura da política no plano ambiental (como a presente na ecologia política). Adicionalmente, a perspectiva cultural é blindada no que diz respeito à perspectiva da identidade local.

É nesse contexto que a Figura 1 propõe uma visão alternativa mesclada à abordagem tradicional do desenvolvimento sustentável, contemplando os três pilares da concepção tradicional, e a adição do pilar cultural, citados anteriormente, com suas respectivas alternativas vinculadas à perspectiva de resistência da abordagem grassroots.

Figura 1
Desenvolvimento Sustentável e a Abordagem Grassroots (Resistência)

Dessa forma, os três pilares do desenvolvimento sustentável tradicional, mais o pilar cultural, são mesclados com as vertentes alternativas da abordagem grassroots, isto é, a economia solidaria mesclada ao pilar econômico, os movimentos sociais atrelados ao pilar social, a ecologia política mesclada ao pilar ambiental, e a identidade local mesclada ao pilar cultural. As mesclas são analisadas detalhadamente a seguir.

Mesclando os Pilares Tradicionais com a Abordagem Grassroots

O pilar econômico e a economia grassroots solidária

Economia solidária é uma forma de produção, consumo e distribuição de riqueza centrada na valorização do ser humano e não do capital. Tem base associativista-cooperativista comunitária e está voltada para a produção, consumo e comercialização de bens e serviços de modo autogerido, tendo como finalidade a reprodução ampliada da vida (PESSOA, 2008PESSOA, R. A. Formação de redes de economia solidária: o caso da Rede Abelha Ceará. 2008. 114f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Pós-Graduação em Administração de Empresas, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2008.). Os princípios e conceitos da economia solidária surgiram em meados do século XVI, com as contribuições de Claude Saint-Simon (1760-1825), que defendia a busca do bem-estar dos trabalhadores mediante a produção de coisas úteis à vida e contemplava a redistribuição da riqueza por meio das associações dos cidadãos.

Diferentes autores têm se dedicado à conceituação de economia solidária - Singer (2002SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo: Perseu Abramo, 2002.) e Mance (1999MANCE, E. A. A revolução das redes: a colaboração solidária como uma alternativa pós-capitalista à globalização atual. Petrópolis: Vozes, 1999.) são os dois principais. Singer propõe que a economia solidária seja uma estratégia possível de luta contra as desigualdades sociais e o desemprego:

A construção da economia solidária é uma destas outras estratégias. Ela aproveita a mudança nas relações de produção provocada pelo grande capital para lançar os alicerces de novas formas de organização da produção, à base de uma lógica oposta àquela que rege o mercado capitalista. Tudo leva a acreditar que a economia solidária permitirá, ao cabo de alguns anos, dar a muitos, que esperam em vão um novo emprego, a oportunidade de se reintegrar à produção por conta própria, individual ou coletivamente {...} (SINGER, 2002SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo: Perseu Abramo, 2002., p. 138).

Já de acordo com Mance (1999MANCE, E. A. A revolução das redes: a colaboração solidária como uma alternativa pós-capitalista à globalização atual. Petrópolis: Vozes, 1999.), o conceito de economia solidária vai além das questões individuais relacionadas a emprego e renda e agrega não apenas a geração de postos de trabalho, mas também uma colaboração solidária que visa à construção de sociedades pós-capitalistas em que se garanta o bem viver de todas as pessoas envolvidas:

{...} ao considerarmos a colaboração solidária como um trabalho e consumo compartilhados cujo vínculo recíproco entre as pessoas advém, primeiramente, de um sentido moral de corresponsabilidade pelo bem-viver de todos e de cada um em particular, buscando ampliar-se o máximo possível o exercício concreto da liberdade pessoal e pública, introduzimos no cerne desta definição o exercício humano da liberdade {...} (MANCE, 1999MANCE, E. A. A revolução das redes: a colaboração solidária como uma alternativa pós-capitalista à globalização atual. Petrópolis: Vozes, 1999., p. 178).

Godoy (2011GODOY, G. Rede justa trama - cadeia produtiva de algodão agroecológico: as territorialidades da economia solidária. 2011. 106 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.) relata que foi durante o capitalismo industrial moderno que emergiram as experiências e projetos de sociedade mais ligados à noção de surgimento de uma economia solidária, tais como as ideias defendidas pela ideologia associativa. Uma experiência que serve de exemplo para o debate é o caso do cooperativismo embrionário do século XVI, que inspirou a recuperação das ideias do trabalho coletivo sob o controle dos trabalhadores e que está presente na noção atual da economia solidária.

A economia solidária em diversos países do mundo surgiu diante da crise industrial, quando a máquina fazia-se presente e, em muitos casos, substituía operários. A partir do século XIX, principalmente nos países europeus e nos Estados Unidos, iniciativas criadas por trabalhadores em cooperativismo e associativismo alavancaram o surgimento e a disseminação de experiências solidárias. No Brasil, somente a partir de 1980, e ganhando força na década de 1990, a economia solidária disseminou-se, tendo como marco histórico o Encontro Brasileiro de Cultura e Socioeconomia Solidária, que teve como intuito buscar apoio e reconhecimento da sociedade e dos órgãos políticos competentes em relação aos conceitos e objetivos da referida economia como um todo (PESSOA, 2008PESSOA, R. A. Formação de redes de economia solidária: o caso da Rede Abelha Ceará. 2008. 114f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Pós-Graduação em Administração de Empresas, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2008.).

A economia solidária possui as seguintes características:

  1. cooperação: existência de interesses e objetivos comuns; união de esforços e capacidades; propriedade coletiva de bens e partilha dos resultados com responsabilidade solidária. Envolve diversos tipos de organização coletiva: empresas autogestionárias ou recuperadas (assumidas por trabalhadores); associações comunitárias de produção; redes de produção, comercialização e consumo; grupos informais produtivos de segmentos específicos (mulheres, jovens etc.); clubes de trocas etc. Na maioria dos casos, essas organizações coletivas agregam um conjunto grande de atividades individuais e familiares;

  2. autogestão: participantes das organizações exercitam as práticas participativas de autogestão dos processos de trabalho, das definições estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, da direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses. Os apoios externos, de assistência técnica e gerencial, de capacitação e assessoria, não devem substituir nem impedir o protagonismo dos verdadeiros sujeitos da ação e aplicação de seus conhecimentos específicos e localizados;

  3. a economia é a base de motivação da agregação de esforços e recursos pessoais e de outras organizações para produção, beneficiamento, crédito, comercialização e consumo. Envolve o conjunto de elementos de viabilidade econômica, permeados por critérios de eficácia e efetividade, juntamente com os aspectos culturais, sociais e ambientais;

  4. solidariedade: expressa em diferentes dimensões, tais como na justa distribuição dos resultados alcançados; nas oportunidades que levam ao desenvolvimento de capacidades e da melhoria das condições de vida dos participantes; no compromisso com um meio ambiente saudável; nas relações que se estabelecem com a comunidade local; na participação ativa nos processos de desenvolvimento sustentável de base local, territorial, regional e nacional; nas relações com movimentos sociais e populares de caráter emancipatório; na preocupação com o bem-estar dos trabalhadores e consumidores; e no respeito aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

Considerando essas características, a economia solidária sinaliza para a perspectiva de outra lógica de desenvolvimento sustentável relativa ao pilar econômico, com geração de trabalho, renda e sua distribuição, mediante um desenvolvimento econômico justo-solidário, com proteção dos ecossistemas. Os resultados econômicos, sociais, políticos e culturais são compartilhados pelos participantes, sem distinção de gênero, idade e raça. Implica a reversão da lógica dos preceitos do pilar econômico do desenvolvimento sustentável, que contempla trabalho e recursos naturais como sujeitos ao capital, em vez de considerar o ser humano na sua integralidade como sujeito e finalidade da atividade econômica. Isso não necessariamente exclui atividades de mercado, envolvimento de agentes públicos e privados, setor financeiro bem estruturado, todos inerentes ao capitalismo moderno e indispensáveis ao fortalecimento da economia solidária.

De acordo com França Filho (2004)FRANÇA FILHO, G. C. A economia solidária: uma abordagem internacional. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004., a expressão economia solidária adquire caráter de conceito científico nos anos 90. Esse autor considera o aparecimento da economia solidária, ou a sua noção, como decorrente da emergência de práticas socioeconômicas que primeiramente surgiram na Europa e estavam relacionadas às iniciativas locais. O autor entende como “prática local” aquilo que é representado pelos novos arranjos do emprego como serviço de proximidade ou serviços solidários. Outros autores, como Icaza (2004ICAZA, A. M. S. Solidariedade, autogestão e cidadania: mapeando a economia solidária no Rio Grande do Sul. Sentidos e experiências da economia solidária no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS , 2004. p. 17-54.), referindo-se à economia solidária no Brasil, ressaltam que, pelo seu caráter de se manter com poucos recursos e quase nenhum capital e por atender principalmente os setores pobres, o conceito de economia solidária deve ser entendido como um conjunto de práticas mais amplo: a economia popular.

Neste contexto, pode-se dizer que a economia solidária preconiza o entendimento do trabalho como um processo de democratização econômica, criando uma alternativa à dimensão econômica tradicional do desenvolvimento sustentável padrão. Além disso, a economia solidária possui uma finalidade multidimensional, envolvendo a dimensão social, econômica, política, ecológica e cultural. Isso porque, além da visão econômica de geração de trabalho e renda, inerente ao capitalismo moderno, as experiências da economia solidária se projetam no espaço social no qual estão inseridas, tendo como perspectiva a construção de um ambiente socialmente justo e sustentável.

Assim, pode-se dizer que a economia solidária é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso - social e politicamente correta, respeitando a cultura local e sem destruir o ambiente. Apesar do entendimento de que há nos mecanismos de mercados solidários variáveis por demais capitalistas, Castanheira e Pereira (2008CASTANHEIRA, M. E. M.; PEREIRA, J. R. Ação coletiva no âmbito da economia solidária e da autogestão. Revista Kátal, Florianópolis, v.11, 2008.) não consideram aceitável o conceito de competição quando se trata de princípios da economia solidária. Exige-se uma mudança de comportamento pautada na solidariedade, ensejando assim um desafio para a realização de uma reeducação coletiva.

Segundo Turcato (2011TURCATO, C. P. O desenvolvimento sustentável na construção do coletivo por meio das interações em redes: o caso da cadeia rede Justa Trama. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios, Programa de Pós-Graduação em Agronegócio, Porto Alegre, 2011.), a concepção da economia solidária capta perfeitamente uma perspectiva de caráter mais sustentável do referido desenvolvimento, no sentido de o pilar econômico tradicional poder ser mesclado aos preceitos da economia solidária e também por não considerar apenas a perspectiva de uma economia cujos objetivos parecem em muito destoar dos contextos mais imperativos do verdadeiro desenvolvimento sustentável, que envolveriam dimensões e pensamentos variados e mais holísticos, quando comparados à conjectura tecnocêntrica e fragmentada do pilar econômico do desenvolvimento tradicional.

De tudo que foi exposto acima, várias características da economia solidária podem ser acopladas ao pilar econômico tradicional sob a perspectiva de resistência da abordagem grassroots. Nesse ínterim, ênfase seria dada aos preceitos da economia solidária vinculados à importância do conhecimento local e cultural como base para uma redefinição das atividades produtivas, incluindo a defesa e a promoção de movimentos pluralísticos locais, as reivindicações econômicas locais mescladas com aspectos da cultura local e anseios comunitários, o respeito sócio-humanístico nas relações econômicas entre os participantes e a consciência ambiental em cada processo produtivo-distributivo envolvido nas atividades produtivas de uma verdadeira economia grassroots-solidária.

O pilar social e os movimentos grassroots sociais

A partir dos anos 1960, os movimentos sociais ganharam visibilidade na sociedade enquanto fenômenos históricos concretos. O desenvolvimento de teorias sobre o social e ações coletivas ganharam novos patamares, em universos mais amplos, conformando uma nova concepção de sociedade civil.

Segundo Gohn (2007GOHN, M. G. Teoria dos Movimentos Sociais: Paradigmas Clássicos e Contemporâneo. 6. ed. São Paulo: Editora Loyola, 2007.), as principais teorias dos movimentos sociais sobre ações coletivas na era contemporânea da globalização são as seguintes:

  1. Teoria de mobilização de recursos: os movimentos sociais são abordados como grupos de interesses. São vistos como organizações e analisados sob a ótica da burocracia de uma instituição. A mobilização de recursos é talvez a escola de pensamento não marxista mais bem estruturada, explicando os movimentos sociais não em âmbito individual, mas organizacional;

  2. Teoria da mobilização política: destaca-se o desenvolvimento do processo político, no qual o campo da cultura é reativado e a interpretação das ações coletivas é focada como processo. A ênfase passa a ser na estrutura das oportunidades políticas, no grau de organização dos grupos de mandatários, e a análise cultural é aplicada na interpretação dos discursos dos autores dos movimentos. Por fim, a teoria da mobilização política reintroduziu a psicologia social como instrumento para a compreensão dos comportamentos coletivos dos grupos sociais;

  3. Teoria dos novos movimentos sociais: esses movimentos surgem como reação às mudanças estruturais nas sociedades capitalistas ocidentais. Caracterizam-se por: valores antimodernistas, formas de ação não convencionais, constituição formada por grupos sensíveis aos resultados da modernização capitalista, novas aspirações e a satisfação de necessidades postas em risco pelas exigências da burocratização e do aumento da industrialização, que acarretaram a perda de laços tradicionais e das estruturas de lealdades existentes.

Em relação à caracterização dos movimentos sociais, Melucci (1989MELUCCI, A. Um objetivo para os movimentos sociais?Lua Nova, São Paulo, n. 17, 1989.) afirma que, nos anos 1970, estruturavam-se via ação coletiva, resultante da lógica do sistema (ênfase no contexto socioeconômico) e via motivação, cujas ações resultavam de crenças pessoais com ênfase nos papéis da ideologia e dos valores. Após os anos 1970, a conformação dos movimentos sociais passa a envolver uma abordagem estrutural sistêmica, com as mudanças no capitalismo moderno apontando o surgimento de novas formas de conflitos e novos atores.

Escobar (2010ESCOBAR, A. Latin America at a crossroads: alternative modernizations, post-liberalism, or post-development. Cultural Studies, v. 24, n. 1, p. 1-65, 2010.) identifica os novos movimentos sociais como uma contribuição para a regeneração das pessoas em seus espaços, uma forma de resistência e sobrevivência à era do capitalismo e modernismo. Defende movimentos sociais como símbolos de resistência às políticas dominantes do conhecimento e organização do mundo, buscando alguns caminhos na direção da preservação da cultura em comunidades menos favorecidas, não se submetendo ao globalocentrismo dominante.

No longo prazo, o que está em voga, no que se refere aos movimentos sociais do Terceiro Mundo, é a geração de novas formas de ver, de renovar as autodescrições culturais, possíveis via disposição das categorias sob as quais os grupos do Terceiro Mundo têm sido construídos pelas forças dominantes. É uma questão de contribuir para a regeneração ou recriação de novos espaços comunitários, trabalhando com aqueles que realmente têm sobrevivido à idade do desenvolvimento e modernidade, via resistência a ela ou criativamente se autoinsinuando ante os mecanismos do capital e da modernização. (ESCOBAR, 1992ESCOBAR, A. Reflections on ‘Development’: Grassroots Approaches and Alternative Politics in the Third World. Futures, v. 24, n. 5, p. 411-436, 1992., p. 421; tradução nossa).

Na literatura atual sobre a nova onda de movimentos sociais, as experiências concretas ligadas à perspectiva grassroots são diversas. Bebbington e Abramovay (2008BEBBINGTON, A.; ABRAMOVAY, R. Social Movements and the Dynamics of Rural Territorial Development in Latin America. World Development, v. 36, n. 12, p. 2874-2887, 2008.) enfatizam que o spectrum político da ética e do desenvolvimento grassroots tem alcançado níveis consideráveis na conjectura dos debates de movimentos sociais pró-desenvolvimento rural na América Latina. Em relação à importância do ‘local’ na abordagem grassroots, Escobar (2001ESCOBAR, A. Culture sits in places: reflections on globalism and subaltern strategies of localization. Political Geography, 20, p. 139-174, 2001.) enfatiza que mais e mais debates e lutas de movimentos sociais relativos a esse elemento estão presentes no cotidiano de resistências culturais antiglobalizantes.

Os movimentos sociais de linhagem grassroots, em meio ao capitalismo moderno, têm promovido discussões em defesa de comunidades locais, visto que continuamente moldam seus mundos por meio de ativismos políticos pluralistas, o que inclui confecções de visões, símbolos e significados alternativos, levando em conta as prerrogativas da cultura, da política e do meio ambiente onde elas estão inseridas. Apesar da existência de definições amplas e variadas de desenvolvimento sustentável e de integração e sobreposições contemplando problemas econômicos, sociais e ambientais, e sem a pretensão de tornar tais elementos sem importância, os movimentos grassroots-sociais podem ser vistos como forças de resistência a combater formas de imposição advindas de modelos que não condizem com anseios e práticas locais, uma vez que promovem a perda de identidade, de cultura e de sustentabilidade. Por essa razão, podem eles ser de suma importância para dar formato mais sustentável ao pilar social da concepção do desenvolvimento sustentável. Questões socioeconômicas, mesmo que adornadas pelos preceitos de atividades produtivas ambientalmente corretas, não são suficientemente fortes para inserir a força de resistência de movimentos sociais locais de linhagem grassroots.

O pilar ambiental e a ecologia grassroots-política

A Revolução Industrial e a crescente globalização ocorrida a partir do século XVIII têm nos alertado para as especificidades do processo de reorganização na política, ecologia e nas relações culturais e econômicas. Nesta subseção daremos ênfase à ecologia política, que embora nos ofereça ampla literatura, encontra-se fragmentada em várias disciplinas, incluindo a Geografia, Sociologia, Antropologia, Biologia e Ecologia.

Boeira (2002BOEIRA, S. L. Ecologia Política: Guerreiro Ramos e FritJof Capra. Ambiente e Sociedade - Ano V, n. 10, 1. Sem. 2002.) afirma que no Brasil debates em ecopolítica contemplam um resgate histórico dos movimentos em defesa do meio ambiente que ocorreram entre os anos de 1987 e 1992.

Em relação à perspectiva da ecologia política e suas nuances, levando em conta a abordagem grassroots, Rocheleau (2007ROCHELEAU, D. E. Political ecology in the key of policy: from chains of explanation to webs of relation. Geoforum, 39, p. 716-727, 2007.) aponta que participantes focam seus escritos em críticas sobre conteúdo e ênfase das intervenções, em vez de ações práticas. Já outros aplicam os prospectos de resultados de pesquisas observador-participante de famílias e também de pesquisas formais para implementarem práticas e técnicas de campo envolvendo campesinos e organizações não governamentais para informar sobre políticas e práticas ecologicamente corretas.

Considerando a importância da ecologia política e seus entrelaces com a abordagem grassroots, Blaikie (2012BLAIKIE, P. Should some political ecology be useful? The Inaugural Lecture for the Cultural and Political Ecology Specialty Group, Annual Meeting of the Association of American Geographers, April 2012. Geoforum, 43, p. 231-239, 2012., p. 231; tradução nossa) esclarece:

‘Deve ser útil de alguma forma a ecologia política (EP)?’ e (seria útil) rever os desafios e oportunidades aos quais se confrontam pesquisadores acadêmicos desejosos em se engajarem com formuladores de políticas, políticos, ativistas, mídia e movimentos sociais, tanto no Norte quanto no Sul do globo terrestre. Justiça ambiental nos oferece uma justificativa ética para o engajamento político, mas uma ecologia política (EP) essencialmente crítica e desafiadora pode colocar no front financiadores de pesquisa e atores nacionais e internacionais ligados às esferas da formulação de políticas. EP, especialmente a EP pós-estruturalista, é sempre mal entendida e desacreditada por muitos, tanto na academia como fora dela, e uma abordagem realista crítica seria mais bem reconhecida por muitas audiências direcionadas. Existem muitas razões para justificar a resistência a uma EP engajada, especialmente enquanto ela tem sido e continua sendo associada com ‘‘desenvolvimento”.

Com a pertinente chamada de Blaikie (2012BLAIKIE, P. Should some political ecology be useful? The Inaugural Lecture for the Cultural and Political Ecology Specialty Group, Annual Meeting of the Association of American Geographers, April 2012. Geoforum, 43, p. 231-239, 2012.) em mente, daremos ênfase a dois autores cujas ideias contribuíram para as questões da ecologia política: Ramos Filho (2005RAMOS FILHO, E. S. A Ofensiva do Capital no Campo Brasileiro e a Resistência do Campesinato. Revista Nera, v. 8, n. 6, p. 46-58,jan./jun., 2005.) e Capra (2002CAPRA, F. Conexões Ocultas. São Paulo: Editora Cultrix, 2002.). Boeira (2002BOEIRA, S. L. Ecologia Política: Guerreiro Ramos e FritJof Capra. Ambiente e Sociedade - Ano V, n. 10, 1. Sem. 2002.) traça um paralelo entre Capra (2002)CAPRA, F. Conexões Ocultas. São Paulo: Editora Cultrix, 2002. e Ramos Filho (2005)ROCHELEAU, D. E. Political ecology in the key of policy: from chains of explanation to webs of relation. Geoforum, 39, p. 716-727, 2007., baseado na crítica feita por ambos às sociedades modernas nascidas da Revolução Industrial no século XVIII. A economia é o tema que aproxima as obras destes autores, uma vez que ambos criticam a supervalorização da dimensão econômica e a expansão totalitária dos valores de mercado. Defendem a economia dual, isto é, a coexistência de sistemas de orientação mú tua, nos quais os respectivos membros produzem para si mesmos uma grande parte dos bens e serviços que diretamente consomem, bem como sistemas orientados para o lucro, nos quais os membros são detentores de empregos - o que implica em descentralização (ênfase de Capra) e delimitação (ênfase de Ramos) do espaço-tempo da vida econômica. Ambos defendem a necessidade de uma regulamentação da economia por uma política ecológica.

Diante da era da máquina, a Revolução Industrial e a globalização, já citadas anteriormente, as relações entre a tecnologia e os recursos naturais merecem atenção, e ligam os autores no que se refere à ecologia. Ambos defendem a utilização racional dos recursos não renováveis, visando reduzir os impactos ambientais. Para eles as atividades econômicas devem estar subordinadas a certas diretrizes da ecologia política, que visam ao equilíbrio dinâmico entre sociedades humanas e o meio ambiente, o qual implica o mesmo equilíbrio no interior das sociedades humanas.

Escobar (1996ESCOBAR, A. Construcion Nature: Elements for a post-structuralist political ecology. Futures, v. 28, n. 4, p. 325-343, 1996.) discute a natureza ecológica e humana, em que a relação de trabalho deve respeitar os limites e condições de ambas. Entende que o Estado deve exercer um papel fiscalizador, visando defender a vida e as condições de produção contra excessos de capitais, além de buscar o controle sobre as políticas para reestruturar as condições de produções e os ecossistemas.

O pilar cultural e a identidade grassroots local

O processo de globalização remete-nos à massificação e homogeneidade da cultura, por meio das quais muitas vezes são impostos padrões estratégicos de produção, o que leva à perda da identidade local frente ao global, que busca padronizações de comportamentos e hábitos, principalmente de consumo.

Para Escobar (2001ESCOBAR, A. Culture sits in places: reflections on globalism and subaltern strategies of localization. Political Geography, 20, p. 139-174, 2001.), é de suma importância conhecer o “lugar” sob a globalização; é preciso ter a sensibilidade para discernir as ajudas e óbices que envolvem as questões culturais e econômicas. Prevalece o fato de que o “lugar” continua a ser importante na vida de muitas pessoas. No entanto, na globalização, o lugar perdeu a visibilidade, o que trouxe algumas consequências para a nossa compreensão da cultura, do conhecimento, da natureza e da economia. As formas de resistência propostas por Escobar não implicam eliminação do espaço como um domínio de resistência e autoridade, mas sim um questionamento sobre o espaço nas análises da dinâmica da cultura, poder e economia (ESCOBAR, 2001ESCOBAR, A. Culture sits in places: reflections on globalism and subaltern strategies of localization. Political Geography, 20, p. 139-174, 2001.).

No contexto da globalização, o capitalismo é apresentado como forma inerente ao espaço e naturalmente mais forte do que as formas de economia não capitalistas (economias tradicionais e socialistas), pois apresenta uma suposta capacidade de universalizar o mercado, envolvendo a violação de outras formas não capitalistas da economia. Dentro do contexto do local, trata-se de uma invasão e imposição aos métodos capitalistas de produção, tornando estes locais subordinados ao capitalismo.

Na seara da globalização {…} só o capitalismo tem a habilidade de transbordar e invadir. O capitalismo é apresentado como inerentemente espacial e naturalmente mais forte do que as formas da economia não capitalista (economias tradicionais, economias de “Terceiro Mundo”, economias socialistas, experimentos comunais) em virtude de sua presumida capacidade para universalizar o mercado para as mercadorias capitalistas. {…} Globalização de acordo com essa nuança envolve a violação e eventual morte das “outras” formas de economias não-capitalistas. {…} Todas as formas de não-capitalismo se tornam defeituosas, violadas, decaídas, subordinadas ao capitalismo. {…} Como podemos desafiar a representação padrão da globalização como capaz de “usurpar” a vida de locais não-capitalistas, particularmente do “Terceiro Mundo”? (GIBSON-GRAHAM, 1996 apud ESCOBAR, 2001ESCOBAR, A. Culture sits in places: reflections on globalism and subaltern strategies of localization. Political Geography, 20, p. 139-174, 2001., p. 154).

Para Escobar (2001ESCOBAR, A. Culture sits in places: reflections on globalism and subaltern strategies of localization. Political Geography, 20, p. 139-174, 2001.), diante da globalização e do modo de produção capitalista, a estratégia de localização baseia-se na formação de redes e movimentos sociais, que unidas buscam a preservação de suas culturas e seus valores, não descartando o capital, mas respeitando os limites naturais e humanos de cada região. As redes não são necessariamente hierárquicas, mas podem, em alguns casos, ser descritas como auto-organizadas, não lineares e não hierárquicas.

Escobar (2001ESCOBAR, A. Culture sits in places: reflections on globalism and subaltern strategies of localization. Political Geography, 20, p. 139-174, 2001.) diferencia o pilar cultural, o quarto pilar adicionado aos três do desenvolvimento sustentável, da perspectiva que envolve identidade local. Preservação cultural e ênfase na identidade local são aspectos inter-relacionados, mas em diferentes contextos podem ser tratados separadamente, o que deve ser evitado, segundo a abordagem cultural grassroots-identidade.

Em suma, podem-se condensar os principais pontos desenvolvidos com o intuito de sinalizar que os pilares econômico, social e ambiental da versão original-tradicional do desenvolvimento sustentável podem ser mesclados com os elementos de uma abordagem alternativa (grassroots), na qual economia solidária, movimentos sociais e ecologia política tornam-se relevantes para o alcance desse propósito. Atualizar a concepção tradicional do desenvolvimento sustentável complementando-a com o aparato da abordagem grassroots é de suma importância como contribuição do presente ensaio. Ressalte-se que a contribuição principal do ensaio não se refere à novidade dos elementos da abordagem grassroots, que já foram considerados em versões mais recentes do desenvolvimento sustentável, mas sim à mescla explícita desses elementos com os pilares do desenvolvimento sustentável tradicional.

Considerações Finais

A mescla dos pilares da concepção tradicional do desenvolvimento sustentável, possível quando conjecturada sob a perspectiva alternativa da consideração dos elementos de resistência da abordagem grassroots, constitui-se a principal contribuição deste ensaio teórico. Com base na consideração desses elementos, enquanto integrados aos pilares tradicionais do desenvolvimento sustentável, concebe-se o objetivo central deste trabalho.

A concepção tradicional do pilar econômico é mesclada aos preceitos da economia solidária, ampliando a extensão de seu alcance para além das margens econômicas da sociedade, e dos processos de produção e consumo que se constituem de per si em ação transformadora dos fatores de produção, incluindo-se aí o capital natural e toda a complexidade da biodiversidade e de ecossistemas.

Equalizar a distribuição de renda, promover a equidade e reduzir as disparidades sociais compõem o quadro teórico do pilar social do desenvolvimento sustentável. Apoiado em movimentos sociais, este alicerce pode constituir-se como uma forma diferenciada de participação das pessoas em seus espaços, atentando para políticas dominantes que afetem negativamente os anseios das populações locais.

O pilar ambiental sustenta-se na preservação do meio ambiente, nas formas de produção que conservam e promovem a continuidade dos ecossistemas naturais. Para a ecologia política, vetor de resistência aliado a este pilar, as relações de trabalho devem considerar os limites da natureza ecológica e humana e o Estado deve ser o instrumento de fiscalização, evitando os excessos da lógica capitalista que ultrapassam essas limitações naturais.

Outra contribuição diz respeito à definição do desenvolvimento sustentável em relação ao seu pilar cultural. Enfatizamos a preservação da identidade local em oposição ao globalocentrismo e aos modos de produção que tentam universalizar culturas e impor padrões. Estas forças de resistência manifestam-se como meios de preservação cultural. O desenvolvimento sustentável apoia-se, assim, nos movimentos de emancipação do domínio e autoridade de sistemas econômicos naturalmente mais fortes, enquanto promove esta transformação social com afetivo apego à preservação das culturas e identidades locais. Nessa perspectiva, são essenciais a consideração e o tratamento da abordagem grassroots como fonte de elementos alternativos a uma formatação mais completa do desenvolvimento sustentável. Na seção central do ensaio, mostrou-se como as mesclas dos pilares do desenvolvimento sustentável tradicional com a economia solidária, os movimentos sociais e a ecologia política se dão e como tais mesclas são de relevância para o alcance do objetivo pretendido.

Em termos de importância para a sociedade em geral e empresas em particular, as concepções aqui desenvolvidas poderiam dar suporte a implementações ou ajustes em arranjos produtivos locais nas mais variadas áreas. Por exemplo, o arranjo produtivo ‘Justa Trama’ contempla várias das concepções aqui desenvolvidas.

Em estudos futuros, pretende-se aplicar a mescla conceitual aqui proposta a atividades capitalistas alternativas que envolvam economia solidária, movimentos sociais, ecologia política e identidade local.

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    Fonte da imagem: Elaborado pelos autores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2017

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2015
  • Aceito
    07 Jul 2017
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