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Cartografia das controvérsias na arena pública da corrupção eleitoral no Brasil

Cartography of disputes in the public arena of electoral corruption in Brazil

Cartografía de las controversias en la arena pública de la corrupción electoral en Brasil

Resumo

Este artigo explora o debate na arena pública da corrupção eleitoral no Brasil, sob o prisma da sociologia pragmática, buscando mapear e desdobrar suas principais controvérsias. Adotando os postulados da Teoria do Ator-Rede (LATOUR, 2007; 2012; 2014), buscamos compreender como a arena pública da corrupção eleitoral se (re) configura ao longo do tempo e como esse problema público é visto, interpretado e quais soluções são propostas. Trata-se, portanto, de visualizar a “balística”, ou seja, a trajetória não linear do problema público ao longo do tempo (CHATEAURAYNAUD, 2011). Para tanto, usamos como enfoque metodológico a “cartografia de controvérsias” (VENTURINI, 2010; 2012, VENTURINI, RICCI e MAURI et al., 2015), analisando a arena pública em três campos: político (por meio do levantamento de notícias do jornal Folha de São Paulo), científico (em pesquisa nas bases de dados) e técnico-legal (com o exame das leis mais importantes referentes à matéria). O mapeamento teve como ponto de partida o ano de 1988, marco da abertura democrática no Brasil, e foi feito até 2014, permitindo identificar os principais atores-rede porta-vozes do problema público, suas declarações, os temas das controvérsias que emergem no debate e as visões de mundo elaboradas ao longo do tempo sobre o problema público. Com isso, ilustramos o processo de configuração (CEFAÏ, 1996) ou, ainda, de translação (LATOUR, 2012) que vive o problema público e influencia sua definição, as formas de interpretá-lo e também de enfrentá-lo.

Palavras-chave:
Arena pública; Cartografia das controvérsias; Corrupção eleitoral

Abstract

This article explores the debate in the public arena of electoral corruption in Brazil, from a pragmatic sociology perspective, to map and unfold its main disputes. Through the approach of the Actor-Network Theory (LATOUR, 2007; 2012; 2014), we seek to grasp how the public arena of electoral corruption (re)sets over time and how this public issue is seen, interpreted, and which solutions multiple actors propose. Therefore, we provide a “ballistic” view, i.e. the nonlinear route of a public issue addressed over time (CHATEAURAYNAUD, 2011). This study is based on the methodological approach of the “cartography of disputes” (VENTURINI, 2010; 2012 and VENTURINI, RICCI, MAURI et al., 2015). In addition, we analyze the public arena in three fields: political (through newspaper articles published in Folha de São Paulo), scientific (by searching academic databases), and technical-legal (examining the most significant laws on the subject). The timeframe of the mapping was from 1988, the milestone of the Brazilian democratic opening, and goes until 2014. This allowed identifying the main actors-network, who are spokespersons for the public issue, their statements, the themes of disputes arising in the debate, and the worldviews built over time about the public issue. Thus, we illustrate the setting process (CEFAÏ, 1996) or, the translation process (LATOUR, 2012) that the public issue has gone through, which influences its definition and the ways in which it is interpreted and faced.

Keywords:
Public arena; Cartography of disputes; Electoral corruption

Resumen

Este artículo explora el debate en la arena pública de la corrupción electoral en Brasil, desde la perspectiva de la sociología pragmática, buscando identificar sus principales controversias. Utilizando los postulados de la Teoría del Actor-Red (LATOUR, 2007, 2012 y 2014), tratamos de entender cómo el problema público de la corrupción electoral se (re) configura con el tiempo, cómo es interpretado y cómo se proponen soluciones para ello. Se trata de comprender la trayectoria no lineal o la “balística” del problema público (CHATEAURAYNAUD, 2011). Para ello, utilizamos como enfoque metodológico la “cartografía de las controversias” (VENTURINI, 2007, 2009 y 2010), efectuando el análisis de la escena pública en tres campos: político (a través de la encuesta de noticias del diario Folha de São Paulo), científico (mediante la búsqueda en las bases de datos) y técnico-legal (con el examen de las leyes más importantes sobre la materia). El mapeo, que tuvo como punto de partida el año 1988 - marco de la apertura democrática en Brasil - se extendió hasta el año 2014 y permitió identificar los principales “actores-red”, voceros del problema público, sus declaraciones, los temas de controversia que surgen en el debate y las visiones de mundo sobre la cuestión de la corrupción electoral. Así, se ilustra el proceso de “configuración” (CEFAÏ, 1996) o incluso de “traducción” (LATOUR, 2012) del problema público, que influye en su definición y en las formas de interpretarlo y enfrentarlo.

Palabras-clave:
Arena pública; Cartografía de controversias; Corrupción electoral

Introdução

Nas últimas décadas, percebemos a emergência de um campo que pode ser denominado sociologia política da ação pública que propicia importantes reflexões sobre a recomposição do Estado. Como destacam Lascoumes e Le Galès (2011LASCOUMES, P.; LE GALÈS, P. Sociologie de l’action publique. Paris: Armand Colin, 2011.), os estudos que compõem esse campo são marcados por três rupturas fundamentais: 1) ruptura com o voluntarismo político - que enfatiza as decisões dos “homens políticos”, principalmente eleitos e burocratas - dando maior atenção aos processos de ação pública; 2) ruptura com a visão unitária do Estado, concentrando-se nos diversos grupos profissionais, redes de atores e escalas que configuram a ação pública; e 3) ruptura com a visão racionalista das políticas públicas - que as analisa de uma concepção linear e evolucionista - focalizando “o rio acima e o rio abaixo” e os processos contraditórios de gestão das políticas. Nessa perspectiva, “as não decisões, as cenas invisíveis, os atores escondidos são tão importantes na ação pública quanto os gestos visíveis e colocados em cena” (LASCOUMES e LE GALÈS, 2011LASCOUMES, P.; LE GALÈS, P. Sociologie de l’action publique. Paris: Armand Colin, 2011., p. 17). De modo geral, podemos afirmar que esses estudos se concentram na análise da ação pública como ação coletiva (DURAN e THOENIG, 1996DURAN, P.; THOENIG, J.-C. L’État et la gestion publique territoriale. Revue Française de Science Politique, v. 46, n. 4, p. 580-623 1996a. ; LECA, MULLER, MAJONE et al., 1996LECA, J. et al. Enjeux, controverses et tendances de l’analyse des politiques publiques. Revue Française de Science Politique, v. 46, n. 1, p. 96-133, 1996.; MILANI, 2008MILANI, C. R. S. O princípio da participação social na gestão de políticas públicas locais: uma análise de experiências latino-americanas e européias. Rev. Adm. Pública, v. 42, n. 3, p. 551-579, 2008. ; CEFAÏ, 2007CEFAÏ, D. Porquoi se mobilise-t-on? Les théories de l’action collective. Paris: Découverte, 2007. ), da qual participam atores governamentais e não governamentais. Trata-se de examinar as articulações entre as regulações institucionais e as regulações políticas, entre o que é e não é governado pelas políticas públicas.

Neste conjunto mais amplo de estudos, nos inspiramos aqui naqueles que se interessam em examinar os problemas públicos a partir de uma abordagem pragmatista (CEFAÏ e TERZI, 2012CEFAÏ, D.; TERZI, C. L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes, 2012.; CHATEAURAYNAUD, 2011CHATEAURAYNAUD, F. Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique. Paris:Petra, 2011.), tendo como fundamento o trabalho precursor de Dewey (1927DEWEY, J. The public and its problems. New York: Holt, 1927.)1 1 Tratamos aqui da obra seminal O público e seus problemas, em que o autor ressalta a importância dos públicos e seu engajamento na resolução dos problemas e na formação do Estado democrático. Para Dewey (1927), a formação do Estado democrático é um processo experimental que resulta da habilidade de identificar problemas públicos, de se mobilizar em torno deles e de procurar soluções. . Tal abordagem focaliza os processos de construção de um problema público, de mobilização em torno dele e de sua definição e interpretação ao longo do tempo. Buscam descrever o movimento de “configuração” dos problemas públicos, tendo em vista que na ação pública a definição da agenda é um aspecto central. Esses estudos se destacam por desnaturalizar os problemas públicos, mostrando que esses têm “uma história que os modulam e os orientam de forma determinante para a ação pública” (LASCOUMES e LE GALÈS, 2011LASCOUMES, P.; LE GALÈS, P. Sociologie de l’action publique. Paris: Armand Colin, 2011., p. 67).

Tal processo de configuração não é linear, mas composto por diversas rupturas, como demonstra Chateuraynaud (2011)CHATEAURAYNAUD, F. Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique. Paris:Petra, 2011., autor que examina a “balística” dos problemas públicos, ou seja, sua trajetória (como de um projétil) ao longo do tempo. No seu trabalho, o autor busca religar as diferentes escalas e dimensões onde se dão os desafios públicos, considerando que esses têm momentos de emergência, de controvérsias e polêmicas, de mobilização e de regulação. Nesse sentido, as formas como um determinado problema público é visto, interpretado e mesmo como diferentes públicos se mobilizam em torno dele mudam, consideravelmente, no tempo e conforme a escala espacial de análise.

Acreditamos que tais abordagens sejam frutíferas para compreender como se constrói ao longo do tempo o significado do problema da corrupção eleitoral no Brasil. Isso porque, assim como defendem Filgueiras (2008FILGUEIRAS, F. Corrupção, democracia e legitimidade. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008.; 2009FILGUEIRAS, F. A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre normas e prática social. Opinião Pública, Campinas, v. 15, n. 2, p. 238-421, novembro 2009.) e Avritzer e Filgueiras (2011AVRITZER, L.; FILGUEIRAS, F. Corrupção e controles democráticos no Brasil. Brasília, DF: CEPAL/IPEA, 2011.), procuramos interpretar o fenômeno da corrupção eleitoral para além das perspectivas funcionalista e economicista, ou, ainda, tentando escapar de uma visão naturalizadora e normativa, tradicionalmente empregada pelos estudos do campo2 2 Filgueiras (2008) destaca que, embora a corrupção seja um tema central da nossa vida política, não há no Brasil uma produção científica robusta e própria sobre o fenômeno. O corpus teórico sobre a corrupção que usamos é tributário dos países anglo-saxões e, sobretudo, dos Estados Unidos e relativamente recente. Como sintetizam Avritzer e Filgueiras (2011), até a década de 1970, o campo de estudos sobre a corrupção foi dominado por uma perspectiva funcionalista que analisa a corrupção como um fenômeno ligado a práticas patrimonialistas e clientelistas e que têm também a função de criar canais informais de relacionamento entre elites econômicas e políticas. Tal abordagem aproxima-se de uma visão naturalista e moralista em relação à corrupção - ainda hoje muito presente na literatura internacional, na análise de especialistas sobre o tema e na opinião pública - que associa o fenômeno da corrupção a aspectos históricos e culturais e também ao déficit institucional dos países do Sul. Já a partir da década de 1980, predomina nos estudos do campo uma perspectiva amparada nos preceitos da economia neoclássica, que interpreta a corrupção como um fenômeno derivado da busca de maximização dos ganhos pelos atores políticos (rent-seeking), compreendendo-a como algo custoso e prejudicial ao processo de desenvolvimento. Para maior aprofundamento dessas perspectivas e autores representativos, ver Filgueiras (2008 e 2009) e Avritzer e Filgueiras, (2011). . Como afirmam esses autores:

O conceito de corrupção não se reduz apenas a seus aspectos econômicos, uma vez que deve ser analisado como um fenômeno político. Como tal fenômeno, o conceito de corrupção tem uma natureza flexível e plástica, porque é um conceito normativamente dependente (FILGUEIRAS, 2008FILGUEIRAS, F. Corrupção, democracia e legitimidade. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008.). Por ser um conceito normativamente dependente, ele está relacionado à disputa sobre a interpretação das regras e dos princípios que estruturam a vida pública e, por consequência, apontam o que é e o que não é corrupção. Essa disputa ocorre em diferentes campos, como é o caso do campo da representação política, o campo jurídico, o mercado e a mídia. Esses campos absorvem perspectivas sociais, culturais, políticas e econômicas para o entendimento das regras e dos princípios e promovem uma compreensão da corrupção conforme essa disputa por valores. Essa disputa ocorre, sobretudo, em torno sentidos e dos significados da ação política e em torno do modo como se pode enquadrar diferentes casos como corrupção (AVRITZER e FILGUEIRAS, 2011AVRITZER, L.; FILGUEIRAS, F. Corrupção e controles democráticos no Brasil. Brasília, DF: CEPAL/IPEA, 2011., p. 12).

Essa leitura do conceito permite uma nova interpretação para a construção dos problemas e dos interesses públicos, os quais deixam de ser vistos como monopólio do governo ou, ainda, como constructos metafísicos abstratos. Para além de uma interpretação meramente normativa, tal perspectiva centra-se na constituição (movimento) dos interesses e seus efeitos (consequências) e não apenas na estabilização destes. Portanto, não há, nessa concepção, uma neutralidade de posições quando os atores se mobilizam e buscam resolver os problemas públicos. O interesse público não precede a ação, mas resulta dela e é construído por meio de embates, conflitos e controvérsias entre diversas posições.

Para entender esse processo, observar a emergência e as transformações na “arena pública” da corrupção eleitoral brasileira torna-se central. Arena pública é aqui entendida como um espaço de confrontação entre diferentes posições a respeito de um problema público que se esforçam por interpretá-lo e estabilizá-lo (CEFAÏ, 2002CEFAÏ, D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatiste. In: CEFAÏ, D. (Org.). L’Héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. [S.l.]: L’Aube, 2002. 51-82 p.). Para esse autor, as arenas públicas são lugares de confronto, de ajuste recíproco e de ordenamento de comportamentos. Nelas os públicos podem ser compostos por atores individuais, organizacionais e institucionais, os quais se comprometem num esforço coletivo de definição e gestão de “situações problemáticas”. Uma arena não é um espaço de consensos, mas um patchwork de maneiras de julgar, de ver o mundo e de existir. Nesses locais os atores enfrentam em seu cotidiano situações de prova, por meio das quais definem o que é verdadeiro, direito, justo e legítimo. As experiências de prova (épreuve) transformam, simultaneamente, a situação que é submetida à comprovação (colocando em xeque o que é tido como dado) e também os sujeitos a ela submetidos (suas posições e identidades) (BARTHE, DAMIEN, HEURTIN et al., 2013BARTHE, Y. et al. Pragmatic sociology: a user’s guide. Politix, Revue des sciences sociales du politique, v. 26, n. 103, p. 175-204, 2013.; MORAES e ANDION, 2017ANDION, C; RONCONI, L; MORAES, R.L; GONSALVES, A.K.R; SERAFIM, L.B.D.S. Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista, Revista de Administracão Pública, v. 51 n. 3, p 369-387, 2017.).

Portanto, uma arena pública não é um espaço-tempo uniforme e envolve um conjunto de cenários públicos, cada um deles podendo ser submetido a uma série de análises de situações (CEFAÏ, 2002CEFAÏ, D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatiste. In: CEFAÏ, D. (Org.). L’Héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. [S.l.]: L’Aube, 2002. 51-82 p.). Tais cenários são compostos por micro e macro-arenas públicas, que se influenciam mutuamente, envolvendo diferentes escalas de análise. Como defende Chateuraynaud (2011)CHATEAURAYNAUD, F. Argumenter dans un champ de forces. Essai de balistique sociologique. Paris:Petra, 2011., as arenas públicas são verdadeiros laboratórios de práticas da ação política que devem ser acompanhados e observados, numa perspectiva longitudinal e multiescalar.

Mas, como operacionalizar isso em termos de pesquisa? A dinâmica e o caráter processual desses espaços dificultam muitas vezes a sua análise. Porém, algumas pistas têm sido dadas por autores que fazem o mapeamento de controvérsias, como Latour (2007LATOUR, B. Turning around politics: a note on Gerard de Vries’ paper. Social Studies of Science, v. 37, n. 1, p. 811-820, 2007.; 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Ed. UFBA, 2012.; 2014LATOUR, B. Course: scientific humanities. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.sciencespo >. Acesso em: 1º maio 2014.
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), Venturini (2010VENTURINI, T. Diving in magma: how to explore controversies with actor network theory. Public Understanding of Science, v. 19, n. 3, p. 258-273, 2010. ; 2012VENTURINI, T. Building on faults: how to represent controversies with digital methods. Public Understanding of Science, v. 21, n. 7, p. 796- 812, 2012.) e Venturini, Ricci, Mauri et al. (2015)VENTURINI, T. et al. Designing controversies and their publics. Design Issues, v. 31, n. 3, 2015 (no prelo).. Neste artigo nos inspiramos no trabalho desses autores para mapear as controvérsias na arena pública da corrupção eleitoral brasileira. Procuramos adaptar a metodologia desses autores, que trabalham, sobretudo, no campo da ciência e da tecnologia, para a análise da trajetória do problema público da corrupção eleitoral. Os resultados são apresentados a seguir, em três tópicos complementares. Primeiro, apresentamos os parâmetros teóricos e metodológicos que nortearam este estudo exploratório. Em seguida, apresentamos os achados da pesquisa e sua análise e, por último, nas considerações finais, examinamos a trajetória do problema público e suas consequências.

Mapeando controvérsias na arena pública da corrupção eleitoral no Brasil: aspectos teóricos e metodológicos

Venturini (2010VENTURINI, T. Diving in magma: how to explore controversies with actor network theory. Public Understanding of Science, v. 19, n. 3, p. 258-273, 2010. ) define a cartografia das controvérsias como o exercício de elaborar artesanalmente dispositivos para observar e descrever o debate social. Criada e aplicada por Bruno Latour, na década de 1990 - em seus trabalhos ligados à Teoria do Ator-Rede (TAR) no âmbito técnico-científico - o uso da metodologia se expandiu nos últimos anos, sendo aplicada também em outros domínios, por exemplo, o da sociologia política, inclusive com a criação e o emprego de softwares específicos. Venturini (2010), ex-aluno do Bruno Latour, afirma que, apesar da metodologia ser atualmente adotada e desenvolvida em várias universidades no mundo inteiro, sendo considerada um método completo de pesquisa, ainda há pouca documentação sobre sua prática.

Em tal sentido, levando em conta as recomendações teóricas e metodológicas do próprio Venturini (2010VENTURINI, T. Diving in magma: how to explore controversies with actor network theory. Public Understanding of Science, v. 19, n. 3, p. 258-273, 2010. ; 2012) e de Latour (2007LATOUR, B. Turning around politics: a note on Gerard de Vries’ paper. Social Studies of Science, v. 37, n. 1, p. 811-820, 2007.; 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Ed. UFBA, 2012.; 2014LATOUR, B. Course: scientific humanities. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.sciencespo >. Acesso em: 1º maio 2014.
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), além dos debates sobre essas, sintetizadas no Quadro 1, a seguir, buscamos, neste estudo exploratório, aplicar a cartografia das controvérsias na análise da arena pública da corrupção eleitoral no Brasil.

A noção de controvérsias aqui será aplicada para entender a configuração do problema público ao longo do tempo. Como destacam Lascoumes e Le Galès (2011LASCOUMES, P.; LE GALÈS, P. Sociologie de l’action publique. Paris: Armand Colin, 2011.), inspirados na tradição de Dewey, um problema só se torna público quando se transforma em objeto de atenção, isto é, de disputa, e diferentes posições se confrontam para caracterizá-lo e agir sobre ele. As controvérsias são vistas, então, como “situações nas quais os atores discordam (ou concordam em discordar)” (VENTURINI, 2010VENTURINI, T. Diving in magma: how to explore controversies with actor network theory. Public Understanding of Science, v. 19, n. 3, p. 258-273, 2010. , p. 4), as quais precedem os compromissos. Como destaca o mesmo autor: as “controvérsias começam quando os atores descobrem que não podem ignorar um ao outro e acabam quando os atores buscam construir sólidos compromissos para viver juntos”.

Consideramos que mapear e acompanhar o desdobramento das principais controvérsias expressas pelos principais porta-vozes da corrupção eleitoral no Brasil é importante para compreender como esse problema público é visto, se configura e assume significado ao longo do tempo. Essa leitura se torna essencial se entendemos que a noção de corrupção eleitoral, como problema público, não é dada a priori, mas construída nesses embates, em diferentes campos, como já abordado. Para tanto, fazemos aqui um mapeamento exploratório em três campos: político, científico e técnico-legal (LATOUR, 2014LATOUR, B. Course: scientific humanities. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.sciencespo >. Acesso em: 1º maio 2014.
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). Ao mapear esses campos, elaboramos uma narrativa da trajetória do problema público da corrupção eleitoral no Brasil em quatro décadas: fim do decênio de 1980 (1988-1989)3 3 Na década de 1980, o recorte foram apenas os anos 1988 e 1989, uma vez que o ponto de partida para a descrição da trajetória da arena da corrupção eleitoral no Brasil foi a promulgação da mais recente Constituição Federal, sendo assim, o ano de 1988. , 1990 (1990-1999), 2000 (2000-2009) e início de 2010 (2010-2014).

Quadro 1
Características e cuidados na cartografia das controvérsias

No campo político, partimos do recenseamento das notícias veiculadas no jornal Folha de São Paulo ® , considerado o jornal de maior circulação do Brasil (ANJ, 2014ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS - ANJ. Os jornais do Brasil com maior circulação. Disponível em: <Disponível em: http://www.anj.org.br/maiores-jornais-do-brasil >. Acesso em: 23 set. 2014.
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) e cujo acervo digital (Acervo Folha® )4 4 4 O Acervo Folha® é um acervo digital que reúne todas as manchetes digitalizadas desde 1921. Essa plataforma ainda propicia ao leitor a possibilidade de pesquisar assuntos específicos e permite delimitar o período de publicações sobre qualquer assunto pesquisado. Disponível em: <http://www.acervo.folha.com.br>. Acesso em: 12 dez. 2015. está disponível para acesso gratuito. Tomamos como marco inicial 1988, momento crucial da abertura democrática e da criação de dispositivos e canais de participação da sociedade civil na esfera pública. A busca de notícias se deu da seguinte forma: usamos a palavra exata “corrupção eleitoral”, entre os períodos de 01/01/1988 até 11/09/2014. No total, foram encontradas 80 reportagens (Anexo 1) no veículo escolhido.

No campo científico, foram levantados artigos publicados sobre o tema nas bases Scientific Electronic Library Online (SciELO® ), Online Library Search da Elton Bryson Stephens Company EBSCO® e Anais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Anpad® ) na área de ciências sociais. Assim como o mapeamento político, o período pesquisado foi de 1988 a 2014 e foram procurados artigos em língua portuguesa, publicados no Brasil, usando o termo “corrupção eleitoral”, sendo identificados doze artigos científicos (Anexo 2) com essas características nesse período.

Já no campo técnico-legal, foram consideradas as principais leis que regem o assunto no país. Nesse caso, procuramos analisar a regulação anterior à Constituição Federal de 1988, a fim de examinar os dispositivos legais já existentes sobre corrupção eleitoral. Foram também mapeadas outras referências legais no tratamento da corrupção eleitoral, a partir da década de 1990, a exemplo da Lei das Inelegibilidades, da Lei Complementar n. 64, de 1990 (BRASIL, 1990BRASIL. Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, 1990. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm >. Acesso em: 5 set. 2014.
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), da Lei das Eleições (Lei n. 9.504, de 1997) e da Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096, de 1995). A partir do fim da década de 1990, foram examinadas as leis criadas por iniciativa popular, como a Lei da Compra de Votos (Lei n. 9.840, de 1999BRASIL. Lei 9.840, de 25 de setembro de 1999, 1999. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9840.htm >. Acesso em: 1 set. 2014.
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) e a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135, de 2010) e também as recentes propostas de reforma política, em particular o Projeto de Lei de Iniciativa Popular n. 6.316, de 2013. Assim como nos mapeamentos político e científico, os dispositivos legais citados são tratados por década na narrativa apresentada a seguir.

Com base em Venturini (2010VENTURINI, T. Diving in magma: how to explore controversies with actor network theory. Public Understanding of Science, v. 19, n. 3, p. 258-273, 2010. ), a análise dos referidos documentos foi feita no software Microsoft Excel, buscando identificar as declarações principais, os atores-rede dessas declarações, além dos principais temas de controvérsias e as visões de mundo expressas sobre o problema público. Como afirma o autor, as sentenças são sempre parte de uma intrincada rede de seres humanos, artefatos, leis e entidades metafísicas, entre outros. Observar controvérsias consiste em buscar compreender essa intrincada dinâmica do social de atar e desatar nós numa espécie de “work-net”. Com o uso do software AutoCad, foram então elaboradas figuras representando essas redes de atores e de controvérsias.

Como resultado, chegamos a um inventário dos públicos (indivíduos, organizações, instituições) que se mobilizam em torno do problema nos campos político, científico e técnico-legal. Além de mapear a rede de atores e suas declarações, buscamos compreender os temas em disputa no debate e as visões de mundo (cosmoses), ou seja, o significado que atribuem ao problema público (VENTURINI, 2010VENTURINI, T. Diving in magma: how to explore controversies with actor network theory. Public Understanding of Science, v. 19, n. 3, p. 258-273, 2010. ; LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Ed. UFBA, 2012.). Para além de mapear os atores e as controvérsias, a análise buscou, assim, evidenciar como o problema público da corrupção eleitoral e as respostas que lhe são dadas vão se redefinindo, ao longo do tempo, assumindo novos contornos e se ressignificando, mediante processos de translação. Com isso, alguns compromissos ou “caixas-pretas” são evidenciados, mostrando que o “interesse público”, como afirma Latour (2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Ed. UFBA, 2012.), é construído árdua e coletivamente.

A arena pública da corrupção eleitoral no Brasil: atores-rede, declarações, temas de controvérsias e visões do problema público

A análise das reportagens do jornal Folha de São Paulo permite afirmar que ocorre uma ampliação do debate e do interesse pela corrupção eleitoral nos últimos anos, evidenciado pelo aumento do número de notícias encontradas em cada década. Do fim do decênio de 1980 até o fim do de 1990, mapeamos 27 notícias, ao passo que entre 2000 e 2010 foram encontradas 53. Apesar de a pesquisa considerar apenas cinco anos da década de 2010, o montante de notícias encontrado é expressivo, com vinte publicações (até 11/09/2014).

No âmbito técnico-legal, destacamos a importante transformação no quadro institucional legal, depois da reabertura democrática, com a criação do dispositivo da lei de iniciativa popular, previsto no art. 14 da Constituição Federal de 1988. Até a década de 1990, a principal referência legal era o Código Eleitoral, promulgado em 1965, que previa a compra de votos como prática de corrupção eleitoral. A primeira lei de iniciativa popular, a Lei da Compra de Votos (Lei n. 9.840) acrescentou dispositivos na Lei das Eleições, coibindo a compra de votos e o uso eleitoral da máquina administrativa. Indo além do Código Eleitoral, que previa apenas quatro anos de reclusão e multa, a inovação da Lei n. 9.840 foi a sanção, por meio de cassação do candidato que praticasse a captação ilícita de sufrágio ou o uso da máquina administrativa para campanhas eleitorais.

Com o enriquecimento do debate sobre a corrupção eleitoral, foi criado, em 2008, o projeto de lei que atingiria a vida pregressa do candidato, impedindo sua candidatura, caso o político já tivesse sido condenado. O dispositivo teve respaldo na Lei de Inelegibilidades (BRASIL, 1990BRASIL. Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, 1990. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm >. Acesso em: 5 set. 2014.
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). Propondo condições de Inelegibilidade, o candidato nessas condições estaria impedido de concorrer a um cargo eletivo por oito anos. O projeto de lei, que conseguiu obter 1,6 milhão de assinaturas por iniciativa popular, tornou-se a Lei Complementar n. 135, de 2010, conhecida como a Lei da Ficha Limpa. Observa-se, assim, que cada novo dispositivo legal parece se apoiar nos anteriores, buscando preencher as lacunas existentes.

Atualmente, um dos principais temas de controvérsia no âmbito técnico-legal refere-se à reforma no sistema político. Nessa seara se insere o Projeto de Lei n. 6.316, de 2013, de iniciativa popular, pautado em quatro itens: proibição do financiamento de campanha por empresas; eleições proporcionais em dois turnos; paridade de gênero na política; e fortalecimento dos mecanismos de democracia direta.

Quanto aos artigos científicos analisados entre 1988 e 2014, dez foram encontrados, nas bases SciELO® e EBSCO® , na área de ciências sociais. Nas buscas referentes nos Anais da Anpad foram encontrados apenas dois artigos, um publicado no evento Encontro de Administração Pública da ANPAD (EnAPG), em 2010, e outro no Encontro da ANPAD (EnANPAD), em 2012.

Entre 1988 e 1989, não foi localizado nenhum artigo científico referente ao tema. Na década de 1990, apenas um artigo foi publicado, em 1991. Na década de 2000, mapeamos dois artigos, um publicado um em 2003 e um em 2009. Entre 2010 e 2014, atinge-se o ápice de publicações científicas sobre o tema, encontrando-se nove artigos. Evidencia-se, portanto, que houve uma ampliação do debate científico sobre o tema nos últimos anos, demonstrando maior interesse em se estudar o fenômeno dos pesquisadores brasileiros. Porém, tal debate ainda parece menos intenso que o debate político.

O periódico científico em que mais se publica sobre o tema, de acordo com esta pesquisa, é Opinião Pública, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), revista que registra seis publicações. Em segundo lugar, destacam-se os Anais da Anapd, com duas publicações. Em seguida aparecem outros quatro periódicos, com uma publicação em cada um: Physis: Revista de Saúde Coletiva; Revista de Administração Pública (RAP); Revista de Administração Contemporânea (RAC); e Pensamento e Realidade. Analisando as seções dessas revistas, podemos afirmar que grande parte dos estudos é feita em Ciências Sociais (6) e Ciências Sociais Aplicadas (5), contemplando ainda áreas temáticas da Administração e da Administração Pública.

Quanto às instituições ligadas aos autores, as duas universidades que representam o maior número de publicações sobre o tema são: Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal da Bahia (UFBA), com três publicações cada uma. Em seguida, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com dois artigos publicados e, por fim, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e a Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE) aparecem com uma publicação cada um. Quanto à natureza dos estudos, onze são estudos de caso e só um artigo é um ensaio teórico.

A seguir, será apresentado o mapeamento do debate na arena pública, partindo de uma narrativa delimitada por décadas. Tal narrativa foi elaborada tendo como ponto de partida o mapeamento político (feito com base nas notícias), o qual se apresentou mais robusto, sendo acompanhada por aspectos relevantes levantados no âmbito científico e técnico-legal.

Anos 1988-1989: denúncias e escândalos de corrupção eleitoral

As sete reportagens publicadas sobre o tema da corrupção eleitoral no jornal Folha de São Paulo nesse fim da década de 1980, referem-se aos sintomas da corrupção eleitoral. A primeira reportagem encontrada mostra o então senador, Fernando Henrique Cardoso (Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB-SP)), criticando o que considerava corrupção eleitoral pelo governo federal, quando estava ocorrendo o Congresso Constituinte. Em sua fala, expressa claramente: “Vários deputados declararam que ganharam concessão de TV e rádio a troco de voto e isto é corrupção eleitoral” (CARDOSO, 1988CARDOSO, F. H. Governo faz ‘corrupção eleitoral’. Folha de S. Paulo, 27 jan. 1988.). Outra reportagem, intitulada “Corrupção Eleitoral”, o então diretor de redação da Folha de São Paulo, destaca as práticas de corrupção eleitoral naquela época, condenando o abuso do poder econômico e criticando a legislação e a falta de controle do poder público sobre o processo eleitoral (CESAR, 1988CESAR, O. Corrupção eleitoral. Folha de S. Paulo, 17 fev. 1988.).

As demais reportagens têm conotação parecida às das já citadas. Todas tratam de denúncias feitas pelos próprios políticos a seus adversários. Como em Freitas (1988FREITAS, J. CPI da Corrupção. Folha de S. Paulo, 29 mar. 1988.), em que o deputado José Lourenço (PMDB) acusa Paulo Mincarone (Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)), alegando que ele praticou corrupção eleitoral, ao aliciar votos em troca de passagens e estadas parlamentares. O Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a coligação Partido Socialista Brasileiro (PSB) - Partido Democrático Trabalhista (PDT) - Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) - Partido Comunista do Brasil (PC do B) denunciaram a corrupção eleitoral em Aracaju-SE praticada pelo governo do estado para beneficiar o candidato Lauro Maia, da coligação Partido da Frente Liberal (PFL) - Partido Liberal (PL) - PMDB - Partido Jovem (PJ). A denúncia solicitava que se aferisse se o governo estava distribuindo alimentos nos bairros periféricos. E em Freitas (1988)FREITAS, J. CPI da Corrupção. Folha de S. Paulo, 29 mar. 1988., um grupo do PMDB foi acusado de aliciar votos convencionais com promessas de emprego e vantagens no governo.

No âmbito acadêmico, não foi encontrado nenhum artigo científico sobre o tema entre 1988 e 1989.

A paisagem da arena pública nesse período envolve cenas em que os políticos (e seus partidos) fazem denúncias sobre as práticas de corrupção eleitoral “dos outros” políticos e, com isso, se valem dessa oportunidade para acusar e denegrir a imagem de seus adversários, gerando escândalos, como um instrumento de disputa de poder.

Conforme expresso na Figura 1, a seguir, entre os atores-rede porta-vozes no debate nesse período se destacam os políticos e seus partidos. Foram mapeados políticos denunciantes e denunciados. Além desses, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aparece em uma reportagem e os jornalistas/comentaristas em duas reportagens. Entre os não humanos mapeados destacam-se as peças usadas como provas nas denúncias (dossiê, fotografias de atos corruptos e cédulas de papel que identificam a letra do votante usadas para coação).

Figura 1
Porta-vozes da corrupção eleitoral (1988-1989)

Os temas principais de controvérsias, conforme a Figura 2 5 5 O design das figuras aqui apresentadas foi baseado em Venturini (2010). É importante destacar que a mandala proposta por esse autor sobre as controvérsias foi adaptada aqui. Na nova representação, as categorias de análise do debate da arena pública da corrupção eleitoral são: as visões do problema público; os temas de controvérsias; as principais sentenças declaradas; e as caixas-pretas geradas pela estabilização de controvérsias, conforme apresentado na legenda. , giram em torno das denúncias e dos escândalos, que, segundo Boltanski e Thévenot (1999BOLTANSKI, L.; THÉVENOT, L. The sociology of critical capacity. European Journal of Social Theory, v. 2, n. 3, p. 359-377, 1999.), se caracterizam por discussões em que acusações e queixas são trocadas, assumindo um caráter mais privado. Além disso, há também acusações caracterizadas pelo envolvimento de situações de provas (não humanos) como dossiês e Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), entre outros, e que entram no domínio público. Denúncias e escândalos ainda estarão em debate nas próximas décadas, entretanto perderão sua centralidade ao longo do tempo, como veremos adiante.

Figura 2
A arena pública da corrupção eleitoral e suas controvérsias (1988 e 1989)

Nos escândalos, o que se percebe é uma personalização do debate da corrupção eleitoral em torno de casos que são divulgados pelo jornal. Com base em Lascoumes e Le Galès (2011LASCOUMES, P.; LE GALÈS, P. Sociologie de l’action publique. Paris: Armand Colin, 2011.), podemos afirmar que a profusão de escândalos e denúncias parece chamar a atenção para o problema da corrupção eleitoral, que se torna “público”. Entretanto, não se evidencia ainda uma categorização do problema, já que não há um debate e uma preocupação explícitos com suas causas, tampouco com os possíveis mecanismos para o seu combate. Além disso, a diversidade dos públicos que discutem o problema é restrita, já que os atores da sociedade civil parecem ausentes do debate.

A compreensão do problema público da corrupção eleitoral (visão de mundo predominante) parece assumir uma conotação paliativa, já que não se relaciona com agentes, medidas ou instrumentos de controle e punição quanto às práticas de corrupção eleitoral

Anos 1990: ampliação da arena e início da configuração do problema público

A composição da arena pública da corrupção eleitoral no início da década de 1990 ainda é semelhante ao período anterior. As notícias nos primeiros cinco anos dessa década referem-se principalmente a escândalos e denúncias. Porém, a diferença é que se encontram aqui notícias sobre investigações e condenações, envolvendo políticos praticantes de corrupção eleitoral. Tais reportagens somam dez ocorrências, representando 50% das notícias da década de 1990. Além das denúncias/acusações feitas pelos próprios políticos, outros públicos se mobilizam em torno do problema da corrupção eleitoral, como juízes, promotores e representantes dos órgãos de controle, a exemplo dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e da Polícia Federal (PF).

Segundo Rodrigues (1994RODRIGUES, F. Candidato é denunciado por crime eleitoral. Folha de S. Paulo, 7 ago. 1994.), o procurador regional eleitoral de São Paulo, Antônio Carlos Mendes, instaurou um inquérito judicial de corrupção eleitoral na Corregedoria Regional Eleitoral para apurar a denúncia de que o Partido Trabalhista Reformador (PTR) estaria apoiando a candidatura de Luiz Antônio Fleury Filho, sem fazer parte da coligação PMDB-Partido Liberal (PL) - Partido da Frente Liberal (PFL). Outra reportagem aponta o candidato Paulo Loureiro, do Partido da Reconstrução Nacional (PRN), ao governo de Espírito Santo, indiciado pela PF, por prática de corrupção eleitoral, ao comprar parte do horário político, em 1990 (GONÇALVES, 1990GONÇALVES, M. A. PF indicia candidato do PRN por corrupção. Folha de S. Paulo, 23 set. 1990.). Outro exemplo é a condenação, pelo juiz José Pedro Nóbrega, do TRE de Curitiba, do vereador Jales Oswaldo Soler (PMDB) a um ano e dois meses de prisão por corrupção eleitoral (NASSIF, 1991NASSIF, L. Vereador é condenado por corrupção eleitoral. Folha de S. Paulo, 9 ago. 1991. ). Essas notícias evidenciam como o controle judicial começa a ser noticiado pela mídia nesse período, com as denúncias levando a investigações e condenações e a um crescente reconhecimento das diversas práticas intituladas como corrupção eleitoral, denotando um processo de interpretação do problema-público.

Outro aspecto a ressaltar é a menção explícita numa reportagem quanto à legislação de combate à corrupção eleitoral. A notícia diz respeito ao então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, do Partido Democrata Social (PDS), e a alegação de que estava distribuindo cestas básicas em sua campanha eleitoral. A reportagem menciona o art. 299, do Código Eleitoral (Lei n. 4.737, de 1965BRASIL. Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965, 1965. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737.htm >. Acesso em: 1 set. 2014.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
)6 6 O primeiro dispositivo legal que aponta a corrupção eleitoral como crime é o Código Eleitoral, previsto na Lei n. 4.737, de 1965. Nessa lei, a compra de votos é classificada como corrupção eleitoral no art. 299: “Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”. O Código prevê a pena de reclusão de até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa (BRASIL, 1965). .

Outra menção à legislação anticorrupção eleitoral também foi citada na notícia que relata denúncia de um promotor contra o deputado José Carlos Tonin (PMDB), acusado de receber doações para sua campanha da prefeitura da cidade (RODRIGUES, 1994RODRIGUES, F. Candidato é denunciado por crime eleitoral. Folha de S. Paulo, 7 ago. 1994.). Diferentemente da década anterior, essas reportagens já se referem à legislação quando abordam as denúncias, mostrando para o leitor que tais condutas inadequadas dos políticos nas campanhas eleitorais podem e devem ser punidas, com base na lei.

Representando apenas duas reportagens desta década, surge outro tema controverso que enfoca mais as causas estruturais da corrupção eleitoral, abordando o financiamento de campanhas. José Dirceu, deputado federal em exercício em 1992DIRCEU, J. Quem paga a conta? Folha de S. Paulo, 25 jun. 1992. , pelo PT, afirma que uma medida indispensável para pôr o fim à corrupção eleitoral seria a adoção do financiamento público de campanha (DIRCEU, 1992DIRCEU, J. Quem paga a conta? Folha de S. Paulo, 25 jun. 1992. ). Esse debate aparece também em outra notícia, já em 1998, quando o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, propõe uma ampla reforma política e o voto distrital misto. De acordo com a reportagem de Vaz (1998VAZ, L. Tucano quer promover ampla reforma política. Folha de S. Paulo, 4 set. 1998.), nessa concepção se qualifica a cláusula de barreiras (para eliminar os partidos de aluguel), a fidelidade partidária e o financiamento público de campanhas eleitorais. Fernando Henrique afirma que esse tipo de financiamento irá igualar todos os candidatos e evitar a ação de quem compra votos. Aqui já aparece uma visão da corrupção eleitoral como um problema cujas causas devem ser discutidas para além das eleições e cujas respostas estão ligadas a uma reforma mais ampla do sistema político.

A questão da ineficiência das leis vigentes é outro tema de contenda nesse período. Como dito, desde 1965 a compra de votos é considerada crime de corrupção eleitoral. Porém, contesta-se muito a eficiência da Lei n. 4.737, de 1965, e de sua aplicabilidade. Cintra (1998)CINTRA, D. Combatendo a corrupção eleitoral. Folha de S. Paulo, 1 out. 1998. alega que sua celeridade é questionável e explicita que não é possível uma sanção imediata por infração eleitoral no Código Eleitoral e uma condenação criminal definitiva só viria depois de anos, encontrando o candidato já possivelmente eleito e empossado.

Observa-se então que pelo menos duas novas concepções do problema emergem: uma primeira que vê a corrupção eleitoral como fruto da ineficiência dos sistemas de controles e punições e outra que o associa a aspectos mais estruturais dos sistemas eleitoral e político. Com base em Avritzer e Filgueiras (2011AVRITZER, L.; FILGUEIRAS, F. Corrupção e controles democráticos no Brasil. Brasília, DF: CEPAL/IPEA, 2011.), podemos afirmar que a primeira está mais ligada a uma concepção mais moralista da corrupção e apoia-se numa lógica de criminalização para sua resolução. Já a segunda, refere-se a uma reflexão sobre a questão dos controles democráticos. A ampliação desse debate parece levar a um questionamento dos dispositivos legais em vigor até então. Isso se produz num contexto de ampliação e diversificação da arena pública, com a entrada de novos atores-rede que parecem contribuir para a categorização e a edificação do sentido da corrupção eleitoral.

A partir da segunda metade da década de 1990, atores-rede representando a sociedade civil passam a ter uma forte representação no debate político, aparecendo em oito reportagens da década. Em 1998, dom Luciano Mendes de Almeida, colunista do jornal, relata brevemente sua atuação na 36ª Assembleia Geral dos Bispos Católicos do Brasil, organizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Segundo Almeida (1998a)ALMEIDA, L. M. Dez dias em Itaici. Folha de S. Paulo, 25 abr. 1998a. , essa Assembleia ajudou na análise da conjuntura social brasileira, amplamente debatida por membros dos organismos da CNBB. Depois dessa discussão, ele relata que foi elaborado um texto em que se explicitavam quais seriam os próximos desafios que deveriam enfrentar:

Propuseram-se cinco pistas para a reflexão e indicação de soluções: 1) romper a idolatria do dinheiro e a submissão incondicional ao modelo econômico neoliberal; 2) evitar o desastre que se prepara com a assinatura do AMI (Acordo Multilateral de Investimentos), que afirma a precedência do capitalismo mundial contra o interesse público e a soberania dos povos; 3) contribuir para formar, à luz da fé, a consciência política e democrática dos leigos; 4) vencer a corrupção eleitoral; 5) empenhar-se frente ao desemprego crescente para que a reforma agrária seja prioridade nacional (ALMEIDA, 1998aALMEIDA, L. M. Dez dias em Itaici. Folha de S. Paulo, 25 abr. 1998a. ).

Ainda em 1998, fruto das discussões desta 36ª Assembleia, ocorrida naquele ano, e também da Campanha da Fraternidade com o tema “Fraternidade e Política”, feita em 1996, as causas da corrupção eleitoral foram mapeadas pela Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP). Como relata Hummes (1998HUMMES, C. Corrupção eleitoral é mapeada. Folha de S. Paulo, 28 abr. 1998. ), foram enviados questionários para todas as dioceses do país. A pesquisa identificou, por exemplo, que entre os 99 municípios da Região Norte que responderam ao questionário, os candidatos de 57 municípios distribuíram cestas básicas, dinheiro ou outro tipo de ajuda a eleitores. Ainda na Região Norte, em 32 municípios os católicos responderam que a maioria dos candidatos fez distribuição de cestas ou de dinheiro em troca de voto. Os resultados da pesquisa foram apresentados aos bispos pelo ex-procurador da República, Aristides Junqueira, integrante da CBJP. Com base nos resultados da pesquisa, a comissão propôs à CNBB um projeto de lei de iniciativa popular cujo objetivo seria acelerar a tramitação do julgamento de casos de corrupção eleitoral. O Projeto de Lei n. 1.517, de 1999, propunha uma nova redação ao art. 41 da Lei das Eleições (Lei n. 9.504, de 1997).

Evidencia-se, então, nas reportagens analisadas, a mobilização da sociedade civil, com o protagonismo da Igreja católica, em prol desse projeto de lei de iniciativa popular. O mesmo colunista que relatou a 36ª Conferência da CNBB, anuncia a comemoração da data de 7 de Setembro, convidando a sociedade civil a se mobilizar neste sentido:

O dia 7 de Setembro será ocasião de vários eventos, que expressam o anseio de vida e esperança. À luz da fé em Deus, o desejo de “mais vida” traduz uma atitude de súplica confiante. Em muitos lugares o dia 7 será oportunidade de recolher assinaturas para o projeto popular de combate à corrupção eleitoral e garantia de maior liberdade no exercício do voto (ALMEIDA, 1998bALMEIDA, L. Grito dos excluídos. Folha de S. Paulo, 5 set. 1998b.).

Apesar de a Igreja desempenhar relevante papel nesse período, observamos que, na elaboração do projeto de lei, os especialistas em Direito também contribuíram. Dyrceu Cintra, colunista, juiz de direito em São Paulo e presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia em 1998, reconstitui como foi o processo de elaboração do projeto de lei:

A Comissão Brasileira Justiça e Paz, ligada à CNBB, preocupada com esses problemas, sob a liderança de Francisco Whitaker, incansável professor de cidadania e educação política, reuniu operadores do Direito para estudar modificações na lei eleitoral. Tal grupo, de que fiz parte, com o ex-procurador-geral da República Aristides Junqueira e o procurador eleitoral do Ceará, José Gerin Cavalcanti, considerou que um início de reforma, sem necessidade de mudar a redação do art. 73, e fazer o mesmo com os atos de doação, oferta ou promessa de vantagem a eleitor, considerados captação ilícita de sufrágio pela nova redação que se sugere para o art. 41 da Lei 9.504/1997. São sanções tipicamente eleitorais, sem prejuízo do tratamento de cada caso, a seu tempo, no âmbito criminal (crime eleitoral) ou no político (sanção de inelegibilidade por abuso de poder). Das discussões nasceu a ideia de um projeto de lei de iniciativa popular, que foi elaborado e está em fase de coleta de assinaturas (CINTRA, 1998CINTRA, D. Combatendo a corrupção eleitoral. Folha de S. Paulo, 1 out. 1998.).

No ano seguinte, 1999, as mobilizações para a coleta de assinatura para a aprovação do Projeto de Lei n. 1.517, de 1999, de “combate à corrupção” se intensificaram. Maior atenção a essa mobilização ocorreu diante de um escândalo de corrupção de grande repercussão: a CPI sobre a “Máfia da Propina”, ou a “Máfia dos Fiscais”. Segundo Blanco (1999BLANCO, A. Devassa estimula movimentos pela cidadania do paulistano. Folha de S. Paulo, 4 abr. 1999.), “as investigações policiais e a CPI sobre a máfia da propina, dependendo do seu desfecho, podem mudar a atitude dos paulistanos”. A reportagem ainda afirma que nos movimentos organizados esse despertar para a cidadania estava em fase de ação, mencionando o projeto de lei e a fase de coleta de assinaturas. O movimento então ganhou impulso em São Paulo e as igrejas de todo o estado conseguiram recolher, até o fim de março de 1999, 400 mil assinaturas.

Em uma última reportagem, em 24/07/1999, afirmava-se que a coleta de assinaturas tinha seu prazo final naquele dia e que a proposta já tinha aproximadamente 1 milhão de assinaturas (FRANCISCO, 1999aFRANCISCO, L. Iniciativa importante. Folha de S. Paulo, 24 jul. 1999a.). Por fim, em 15 de setembro daquele ano, as assinaturas atingiram sua meta (1,06 milhão) e foram entregues ao Congresso7 7 De acordo com o § 2º do art. 61 da Constituição Federal, a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara de Deputados de projeto de lei subscrito, no mínimo por 1% do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos que 3/10% dos eleitores de cada um deles. Por sua proposição não acarretar alterações na Constituição, é um projeto de lei ordinária, classificada como uma lei típica, aprovada pela maioria dos parlamentares da Câmara de Deputados e do Senado Federal durante a votação (BRASIL, 2014). . Alegava-se na reportagem de Francisco (1999b)FRANSCISCO, L. Iniciativa popular. Folha de S. Paulo, 15 set. 1999b., que “o projeto de lei de combate à corrupção precisa ser votado já na Câmara de Deputados para que o Senado aprecie até o fim de setembro. Senão, não valerá para as eleições de 2000”. O projeto de lei tornou-se a Lei n. 9.840, de 1999 (intitulada Lei da Compra de Votos) e foi sancionada em 28/09/1999 (BRASIL, 1999BRASIL. Lei 9.840, de 25 de setembro de 1999, 1999. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9840.htm >. Acesso em: 1 set. 2014.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
).

Quanto ao campo científico, nesta década, apenas um artigo foi encontrado nas bases pesquisadas. O texto de autoria de Luz (1991LUZ, M. T. Notas sobre as políticas de saúde no Brasil de “Transição Democrática” - anos 80. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 1, n. 1, p. 77-96, 1991. ) consiste em um estudo de caso sobre as políticas de saúde no Brasil, durante a transição democrática na década de 1980. A corrupção eleitoral não é o centro da análise do texto e é apenas citada como um dos sintomas de um problema estrutural que prejudica a democracia e impede o investimento em políticas públicas efetivas para a área da saúde. A corrupção eleitoral é definida como sinônimo de “clientelismo, curralismo eleitoral, financiamento de candidatos favoráveis a lobbies, etc.” (Luz, 1991LUZ, M. T. Notas sobre as políticas de saúde no Brasil de “Transição Democrática” - anos 80. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 1, n. 1, p. 77-96, 1991. , p. 84). Percebemos então que, enquanto no campo político o debate se expande, principalmente a partir da segunda metade da década 1990, reconfigurando o sentido do problema público da corrupção eleitoral, no campo científico o tema é tratado ainda de forma muito genérica e sem uma configuração precisa.

Na década de 1990, percebemos uma publicização da corrupção eleitoral, que passa a ser reconhecida na mídia como uma questão pública e também se configuram concepções sobre esse problema e suas causas. Como afirmam Lascoumes e Le Galès (2011LASCOUMES, P.; LE GALÈS, P. Sociologie de l’action publique. Paris: Armand Colin, 2011.) e Cefaï e Terzi (2012CEFAÏ, D.; TERZI, C. L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes, 2012.), a corrupção eleitoral começa a se constituir em problema público, por meio de um processo de categorização, que estabelece algumas das dimensões pertinentes desse dilema.

A partir da metade da década, é perceptível uma mudança na dramaturgia da arena pública da corrupção eleitoral no Brasil (CEFAÏ, 2002CEFAÏ, D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatiste. In: CEFAÏ, D. (Org.). L’Héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. [S.l.]: L’Aube, 2002. 51-82 p.), como se ilustra na Figura 3.

Figura 3
Porta-vozes da corrupção eleitoral (década de 1990)

Outros coletivos, que provêm de meios distintos além do dos políticos, aparecem na arena e se tornam representativos, agindo como “comunidades epistêmicas” (HASS, 1992HASS, P. Introduction: epistemic communities and international policy coordination. International Organization, v. 46, n. 1, p. 1-35, 1992. ), ou seja, como grupos significativos que ajudam a construir o significado do problema público. Destacam-se como porta-vozes os agentes de controle da corrupção eleitoral (do Ministério Público, da Justiça Eleitoral, do Supremo Tribunal Eleitoral, do TRE de São Paulo, da Corregedoria Regional Eleitoral, da Receita Federal e da Polícia Federal).

Observamos também a emergência de atores-rede ligados à sociedade civil, como os representantes da CNBB e da CBJP, que se associam aos operadores do direito e atuam como mobilizadores dos cidadãos, por meio das pastorais. É importante destacar que a Igreja nesse momento se coloca como porta-voz da sociedade civil e desempenha um papel importante na mobilização para a causa do combate à corrupção eleitoral, assim como em outras causas sociais pós-abertura democrática no Brasil (LANDIM, 2002LANDIM, L. Experiência militante: histórias das assim chamadas ONGS. Revue Lusotopie, v. 9, n. 1, p. 215-239, 2002.). Também aparecem no debate, em menor proporção, servidores públicos (denunciados e denunciantes) e jornalistas/comentaristas.

Quanto aos não humanos, percebemos a ampliação dos tipos de objetos usados como provas de atos de corrupção eleitoral, com o uso dos meios digitais (fotos, recibos, notas fiscais frias, internet)8 8 É importante ressaltar aqui a relevância dos objetos digitais como provas de atos de corrupção e a mudança que provocam nas práticas de fiscalização dos ilícitos, permitindo que, a qualquer momento, qualquer pessoa produza provas de corrupção, o que modifica muito a cena da arena pública. . Observamos também o aparecimento de novas leis que regem a matéria. Destaca-se o surgimento de um novo marco legal representado pela Lei n. 9.840, de 1999, de Compra de Votos, proveniente de iniciativa popular, que incorpora e estabiliza controvérsias do debate na arena pública, apresentando mudanças em resposta a problemas identificados, como necessidade de celeridade no processo de cassação de políticos corruptos e incorporação de mecanismos que garantissem efetiva punição.

Desse modo, o debate público, além de ter um papel ativo na configuração do problema (e de suas dimensões constitutivas), parece incidir também na construção de mecanismos que promovam a estabilização das controvérsias, dando base para que soluções do problema sejam pensadas e concebidas, como é o caso da Lei de Compra de Votos. Percebe-se, assim, como consequência, que os dispositivos legais ligados à matéria se ampliam.

A cena do fim da década de 1990 é então distinta daquela da década anterior, cujo tratamento da corrupção eleitoral estava associado principalmente a escândalos e denúncias. Além da visão paliativa, tratada no decênio de 1980, percebemos agora a introdução de novas visões do problema no debate, incluindo a importância da punição da corrupção eleitoral (por meio de investigação e condenação) e também a prevenção do problema (relacionada à busca de informações sobre este e também ao debate sobre suas causas). Percebe-se também o início de uma discussão sobre a necessidade de mudanças estruturais para o combate da corrupção eleitoral (como problemas na legislação e nos sistemas eleitoral e político), que se relaciona mais com a questão dos controles democráticos, conforme levantam Avritzer e Filgueiras (2011AVRITZER, L.; FILGUEIRAS, F. Corrupção e controles democráticos no Brasil. Brasília, DF: CEPAL/IPEA, 2011.). Esse debate se aprofundará na década de 2000, como veremos adiante. Ocorre então um claro desdobramento das controvérsias como expresso a seguir na Figura 4.

Figura 4
A arena pública da corrupção eleitoral e suas controvérsias (década de 1990)

Década de 2000: ampliação do debate sobre as causas e as formas de prevenção do problema público

A Lei n. 9.840 de 1999 (Lei da Compra de Votos) teve grande repercussão no jornal Folha de São Paulo no decênio de 2000. Das 34 reportagens encontradas sobre corrupção eleitoral no período, verificamos que 23 delas debatiam a referida lei e suas repercussões. A primeira reportagem encontrada trata da Campanha da Fraternidade de 2000, cujo tema é “Dignidade humana e paz” e o lema “Novo milênio sem exclusão”. Almeida (2000ALMEIDA, L. Igrejas criticam política econômica. Folha de S. Paulo, 9 mar. 2000.) afirma que essa campanha da CNBB objetivava criticar a política econômica vigente. Aprovada e sancionada a Lei n. 9.840, de 1999, reconheceu-se a necessidade de fiscalizar a campanha eleitoral, com a finalidade de um controle social da lei da compra de votos. De acordo com Camargo (2000CAMARGO, C. Movimento pretende fiscalizar campanha. Folha de S. Paulo, 10 jul. 2000. ), a Faculdade de Direito e a Pastoral Universitária da PUC-Campinas, com o apoio de mais quatro entidades, promoveram um movimento suprapartidário para fiscalizar as campanhas eleitorais. Esse coletivo dará origem ao primeiro comitê do Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE), criado em 2006. Percebemos aqui a mobilização dos atores da arena em torno da criação de canais e instrumentos de controle social, para garantir a aplicação da lei.

A intenção manifesta nas reportagens é pôr em prática a lei que proíbe a compra de votos. Participaram da iniciativa a subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDHS), o Conselho Arquidiocesano de Leigos e Leigas (CDL) e o Centro Universitário Poveda, de Campinas (SP). Além da fiscalização da aplicação da lei, esses comitês criados tinham como finalidade desenvolver atividades educativas sobre a importância do voto. Calafiori (2000CALAFIORI, L. Comitê recebe 4 denúncias em 11 dias. Folha de S. Paulo, 19 jul. 2000. ), em outra reportagem, relatou que em onze dias depois de sua criação, o primeiro “Comitê 9.840”, inaugurado em Campinas, em 08/07/2000, já tinha recebido quatro notícias de tentativas de compra de votos em trocas de doações de bens materiais, protocoladas na Justiça Federal.

Em outra matéria, de autoria de Oliveira (2000OLIVEIRA, E. Justiça faz comício pró-conscientização. Folha de S. Paulo, 22 ago. 2000.), o promotor de Justiça Sandro Porfahl Bíscaro e a juíza Rosa da Silva Duarte, ambos da 75ª Zona Eleitoral de Riachão (MA) e o juiz eleitoral Márlon Jacinto Reis, da comarca de Alto Parnaíba, defendem a mudança na cultura da corrupção eleitoral que marca o período de campanha dos candidatos. Sob o mote “Voto não tem preço, tem consequências”, eles percorreram pequenos municípios do estado do Maranhão, distribuindo materiais, promovendo seminários e comícios em praça pública para conscientizar a população de que a troca do voto por qualquer bem oferecido pelo candidato representa crime eleitoral. Essa campanha é uma parceria entre a CNBB e a OAB do Maranhão. Segundo Oliveira (2000)OLIVEIRA, E. Justiça faz comício pró-conscientização. Folha de S. Paulo, 22 ago. 2000., o promotor Sandro pretendia atrair a população e setores organizados - como sindicatos e associações - para todos comporem juntos um comitê local em prol da fiscalização da lei, no estado do Maranhão.

Em 2002, noticia-se na mídia pesquisada a primeira punição com o respaldo da Lei n. 9.840. Pela reportagem de Dantas (2002)DANTAS, I. Deputado é preso por compra de votos. Folha de S. Paulo, 24 out. 2002. , o deputado federal Ronivon Santiago (Partido Progressista do Brasil, PPB-AC) foi preso por cadastrar e pagar R$ 100,00 a seus eleitores. Ele foi réu de uma ação penal por corrupção eleitoral e de ação civil que pedia a cassação de seus direitos políticos. Em 2004, de acordo com Bragon (2004BRAGON, R. Corrupção eleitoral leva 72 prefeitos do país à cassação. Folha de S. Paulo, 2 maio 2004.), os Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) já haviam cassado 72 prefeitos por corrupção eleitoral. O levantamento foi feito pelo próprio jornal, em 26 TRE, e a principal causa dessas cassações foi caracterizada pela oferta de dinheiro, troca de mercadorias, benefícios ou promessa de emprego em troca do voto. Esses números sobre as sanções, de acordo com a lei da compra de votos, foram crescendo significativamente.

Em reportagem sobre o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Souza (2007SOUZA, L. Desde 2000, 623 políticos foram cassados no país. Folha de S. Paulo, 5 out. 2007.) afirma que os “Comitês 9840”, levantaram 1.349 processos recebidos nos TRES e que 421 políticos tiveram seu mandato cassado desde 2000. Nesse mesmo ano, uma atualização do levantamento, mostrou que 623 políticos, entre governadores, prefeitos e parlamentares, além de suplentes e vices, tiveram seu mandato cassado.

Tratando-se do MCCE, o movimento se torna um ator presente no debate sobre a corrupção eleitoral, a partir de 2006, citado pela primeira vez numa reportagem como uma organização sem fins lucrativos formada por diversas entidades jurídicas (GUIBO, 2006GUIBO, F. Câmara decide rever projeto. Folha de S. Paulo, 15 set. 2006.). O MCCE foi mencionado como um órgão que reunia 35 entidades, dando-se destaque à CNBB e à OAB (SALOMON, 2008SALOMON, M. Entidades querem impedir candidaturas. Folha de S. Paulo, 10 abr. 2008.). Segundo a notícia, o movimento pressionou a Câmara dos Deputados a rever um projeto que tornaria mais branda a lei da compra de votos.

Com início em 2008, a campanha da Ficha Limpa, coordenada pelo MCCE, é tratada por oito reportagens veiculadas no fim da década de 2000. Fruto dos debates intensos na 46ª Assembleia Geral da CNBB, o MCCE iniciou, em abril de 2008, a coleta de 1,2 milhão de assinaturas para um novo projeto de combate à corrupção eleitoral. Diferentemente da lei que pune a compra de votos, o novo projeto de lei visava a atingir a vida pregressa do candidato. Segundo Salomon (2008SALOMON, M. Entidades querem impedir candidaturas. Folha de S. Paulo, 10 abr. 2008.), o projeto tentava impedir a candidatura de pessoas com antecedentes criminais graves ou que já tivessem renunciado ao mandato para evitar a cassação.

Em reportagem de Seligman (2008SELIGMAN, F. TSE quer tornar públicas ‘fichas sujas’ de candidatos. Folha de S. Paulo, 17 jun. 2008.), o projeto já contava com a adesão do presidente do TSE à época, Carlos Ayres Britto, que prometeu tornar públicas, já para as eleições daquele ano, as informações dos candidatos, os quais ele intitula “ficha suja”. A lei, que não tinha um “nome”, começou a ser referida no noticiário como a “lei que proíba a candidatura dos políticos fichas sujas”, como apontado em reportagem escrita por Christofoletti (2008CHRISTOFOLETTI, L. CNBB quer que Supremo proíba candidatura de “fichas sujas”. Folha de S. Paulo, 5 ago. 2008.). Nessa reportagem o MCCE e a CNBB divulgaram uma carta defendendo que o Supremo Tribunal Federal (STF) deveria considerar a proibição das candidaturas dos “fichas sujas”. Naquele evento, uma ação foi protocolada no STF pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para levar em pauta a discussão sobre essa possível lei, que mudaria o teor da Lei n. 64, de 1990, a chamada Lei de Inelegibilidades (BRASIL, 1990BRASIL. Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, 1990. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm >. Acesso em: 5 set. 2014.
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), dando mais celeridade aos processos referentes à matéria.

Diante de tal atuação da AMB, que tornava públicos os chamados “fichas sujas”, nota-se uma preocupação nesse período com a transparência e a accountability nas informações referentes às eleições no Brasil.

De acordo com as reportagens, a CNBB desempenhou importante papel na sensibilização da sociedade civil para coletar assinaturas ao projeto de lei contra os “fichas sujas”. No início de 2009, o órgão lançou a campanha que ataca a prática do “rouba, mas faz”, cujo argumento é cessar a indiferença em relação à corrupção na política. Como relatou uma das coordenadoras do abaixo assinado, cujo intuito era coletar 1,5 milhão de assinaturas, a organização já havia alcançado 800 mil (FERREIRA, 2009FERREIRA, F. Campanha da CNBB ataca prática do ‘rouba, mas faz’. Folha de S. Paulo, 12 jan. 2009. ).

No fim de 2009, como noticiado pelo jornal, o MCCE levaria a Brasília, no Dia Internacional Contra a Corrupção (09/12/2009), as 1,5 milhão de assinaturas coletadas para aprovação do Projeto de Lei n. 518, de 2009, no Congresso Nacional (LO PRETE, 2009LO PRETE, R. Ficha Limpa. Folha de S. Paulo, 5 dez. 2009. ).

Na reportagem de Cabral (2009)CABRAL, M. C. Câmara adia ‘ficha suja’ para 2010. Folha de S. Paulo, 9 dez. 2009. descreve-se que, no mesmo evento, integrantes do MCCE fizeram um ato na Câmara de Deputados, ao protocolar as assinaturas coletadas, para pressionar a votação o mais rápido possível, a fim de, se aprovada, a lei começasse a valer para as eleições de 2010. Porém, ao abordar o tema, o então presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), afirmou que a votação seria adiada para 2010. Segundo Temer, o parlamento estava concentrado em outras propostas e em fevereiro de 2010 colocaria a questão em pauta. Dessa forma, não querendo correr riscos de postergarem a votação, o MCCE admitiu flexibilizar a proposta original. Ou seja, como relatado em reportagem de Iglesias (2009IGLESIAS, S. Frente tenta agilizar veto aos ‘fichas sujas’. Folha de S. Paulo, 10 dez. 2009. ), o movimento pediu à Câmara, então, para agilizar os possíveis vetos à proposta original de projeto de lei para que a votação ocorresse ainda naquele ano. Porém, como última reportagem referente à década de 2000, a votação foi adiada para 2010.

Apesar do grande número de notícias que tratam das leis de iniciativa popular no jornal Folha de S. Paulo, o financiamento de campanhas eleitorais, ainda que de forma tímida, também esteve presente no debate na década de 2000. Do total de 34 reportagens analisadas no período, apenas três estavam diretamente relacionadas à discussão sobre o financiamento das campanhas. Todas as reportagens relacionadas ao tema são do caderno “Opinião” da Folha. Os colunistas que escreveram sobre os financiamentos foram Eduardo Andrade, professor de Economia do Ibmec São Paulo; Sepúlveda Pertence, presidente do TSE (1999-2004); e Oded Grajew, então presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, indicando que o tema ainda era tratado por um conjunto restrito de especialistas.

No campo acadêmico, foram encontrados apenas dois artigos no período, o que denota que o debate científico sobre o tema ainda não é pujante nessa década. O primeiro artigo, de autoria de Speck (2003SPECK, B. A compra de votos: uma observação empírica. Opinião Pública, v. 9, n. 1, p. 148-169, 2003.), aborda o fenômeno da compra de votos. O trabalho apresenta dados de um levantamento empírico feito mediante pesquisa de opinião, depois das eleições municipais de 2000. O autor afirma que a manipulação das eleições populares foi prática comum na transição para os regimes de democracia representativa. Mesmo com o aparato legal que pune a prática de compra de votos, o autor mostra que essa conduta ainda é uma realidade nas eleições brasileiras, caracterizadas por intensa negociação de bens materiais, favores administrativos e promessa de cargos.

Em outro artigo científico mapeado, esse tema é tratado por meio de um estudo teórico sobre accountability.Pinho e Sacramento (2009PINHO, J. A. G.; SACRAMENTO, A. R. S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Rev. Adm. Pública, v. 43, n. 6, p. 1343-1368, 2009. ) definem esse fenômeno como uma estratégia para responder a expectativas ou à obrigação de uma pessoa ou um grupo de prestar contas de sua conduta diante de uma responsabilidade assumida por outrem. Nesse sentido, os autores destacam o papel da sociedade civil na promoção de controle social, um dos mecanismos de accountability. Em especial, citam a atuação do MCCE na criação da Lei da Compra de Votos e na mobilização que estava ocorrendo no ano da publicação sobre a Lei da Ficha Limpa. Os autores ressaltam que essas ações promovidas pelo movimento mostram elevada convergência com a cobrança da accountability.

Em relação aos atores-rede porta-vozes do problema nesta década, de acordo com a Figura 5, observa-se ainda a presença dos políticos, principalmente os acusados e os condenados, em razão dos relatos de cassações (uma novidade da década). Os agentes de controle também aparecem com citação de representantes da Justiça Eleitoral, do TSE, do TRE e do STF.

Quanto à sociedade civil, percebe-se a diversificação dos atores participantes na arena. Além das entidades ligadas à Igreja católica (CNBB, CBJP e CDL), destaca-se a presença da OAB, de centros universitários, da AMB, do MCCE, da Transparência Brasil e do Instituto Ethos no debate. Vários representantes do Legislativo também estão presentes, com destaque para a Frente Parlamentar de Combate à Corrupção, denotando que o problema também é alvo de debate no Congresso.

Figura 5
Porta-vozes da corrupção eleitoral (década de 2000)

Além dos humanos porta-vozes do problema público, é importante citar os não humanos, que desempenham um papel de mediadores das associações (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Ed. UFBA, 2012.). Os mais citados são as leis - Lei das Inelegibilidades, Lei da Compra de Votos e Projeto de Lei da Ficha Limpa -, destacando-se o papel das duas últimas (ambas resultado de iniciativas populares), para a revitalização da primeira, resultando em diversos efeitos na arena pública.

Além das leis, outros objetos refletem a mudança na visão do problema público e nas práticas para responder a esse, incluindo as cartilhas sobre voto consciente, a pesquisa sobre compra de votos nos municípios, feita pela Transparência Brasil, a carta manifesto sobre o Projeto de Lei da Ficha Limpa, a lista dos fichas sujas divulgada na internet pela AMB e as assinaturas protocoladas no fim da década. Tais objetos se referem menos a “provas de corrupção”, como anteriormente, e se colocam como mediadores de processos de informação, educação e publicização do tema, o que nos parece interessante destacar. Como afirma Cefaï (2002CEFAÏ, D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatiste. In: CEFAÏ, D. (Org.). L’Héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. [S.l.]: L’Aube, 2002. 51-82 p.), os objetos também desempenham um papel na construção de dispositivos de prova e legitimação do problema público na arena. Eles são indícios de que parece ocorrer na década de 2000 uma migração de uma visão predominantemente denunciatória, evidente nos anos 1980, para uma visão de mobilização, controle social e regulação da corrupção eleitoral.

De fato, quando examinamos as visões predominantes sobre o problema público (Figura 6), a concepção paliativa se parece menos expressiva no debate nessa década. Apenas duas denúncias aparecem nas reportagens, sendo uma em relação ao mau uso da máquina pública e outra sobre uma acusação de aliciamento de candidatos a vereador. Em contrapartida, o tratamento de questões relativas à punição da corrupção aparece com mais frequência, destacando-se a ampliação do número de casos de prisões e cassações, devido ao descumprimento da Lei de Compra de Votos, que começa então a surtir efeito no decênio de 2000. Percebe-se também nas notícias uma diminuição do número de investigações, o que nos leva a questionar se isso se relaciona ao aumento da celeridade nos processos referentes à matéria, devido à nova legislação.

Figura 6
A arena pública da corrupção eleitoral e suas controvérsias (década de 2000)

Percebemos também maior discussão sobre as causas do problema público. Além do debate sobre a ineficiência do sistema de controle ou das leis, presente desde a década de 1990, outros temas ligados ao controle social, à participação cidadã, à necessidade de transparência do processo eleitoral e à mobilização política aparecem, mostrando uma “reconfiguração” do problema público em torno de uma concepção mais preventiva, e não apenas punitiva desse. Podemos dizer aqui que a dimensão do controle democrático (AVRITZER e FILGUEIRAS, 2011AVRITZER, L.; FILGUEIRAS, F. Corrupção e controles democráticos no Brasil. Brasília, DF: CEPAL/IPEA, 2011.) se fortalece, ressaltando-se no debate a importância da participação cidadã no controle da corrupção eleitoral.

Em contrapartida, discussões relativas à necessidade de mudanças estruturais ligadas ao financiamento de campanhas e à importância de novos marcos legais que regulem a matéria também se destacam fazendo referência às consequências da Lei n. 9.840, de 1999, de Compra de Votos e também ao Projeto de Lei n. 518, de 2009, da Ficha Limpa.

Nessa década, além dos novos temas de controvérsias que emergem, temos evidências de “caixas-pretas” (LATOUR, 2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.) que se manifestam como desdobramento das controvérsias e resultam das translações e dos acordos (provisórios) construídos na arena. Entre estas, podemos destacar a Lei n. 9.840 de 1999 e sua aplicação, gerando cassações e prisões de políticos que promovem atos de compra de votos. Isso ocorre como resultado de um processo de mobilização para aprovação da lei, passando pela luta por sua implantação, até o controle social de sua aplicação, que teve na sociedade civil (em especial na rede formada pelo MCCE) (Moraes e Andion, 2017ANDION, C; RONCONI, L; MORAES, R.L; GONSALVES, A.K.R; SERAFIM, L.B.D.S. Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista, Revista de Administracão Pública, v. 51 n. 3, p 369-387, 2017.) os seus principais protagonistas.

Década de 2010: novas interpretações sobre o problema público

A década de 2010 tem seu início marcado pela repercussão da tramitação, aprovação e aplicação da Lei da Ficha Limpa, assuntos tratados em dez das dezenove reportagens no período. A primeira reportagem se refere ao adiamento da votação pelo presidente da Câmara dos Deputados, o deputado federal Michel Temer (PMDB-SP). O texto, publicado no Caderno “Opinião” da Folha e de autoria de Balduíno (2010BALDUÍNO, T. Ficha limpa na gaveta, suja nas eleições. Folha de S. Paulo, 14 fev. 2010. ), questiona o papel do Congresso na postergação da votação: “A gente se pergunta: A quem, afinal, esse Congresso representa? Qual a relação que esses nobres deputados têm com a sociedade civil?”.

Outro texto de opinião relativo a esse evento é de autoria da candidata à Presidência daquele ano, Marina Silva, filiada do Partido Verde (PV) na época. Ao também comentar o adiamento do início da votação, Silva (2010)SILVA, M. Plano de fuga. Folha de S. Paulo, 12 abr. 2010. alerta que “o que os parlamentares não entenderam ainda é que a proposta fala pelo sentimento da maioria da população”.

As sentenças declaradas por esses atores demonstram o apoio à aprovação da lei e indignação em relação à postergação da matéria no Parlamento. Isso se manifesta também na matéria de Struck (2010STRUCK, J. P. ‘Ficha limpa’ ficará para 2012, diz deputado. Folha de S. Paulo, 4 maio 2010.), que relata a votação do projeto de lei que teve início em 04/05/2010. No depoimento do deputado Cândido Vaccarezza (PT), na referida notícia, ele afirma que, mesmo se aprovada, a lei valeria apenas para as eleições de 2012.

Depois de aprovada na Câmara de Deputados, a tramitação do projeto da Ficha Limpa no Senado foi matéria de várias controvérsias expressas nas notícias analisadas. De acordo com a reportagem de Menezes (2010MENEZES, N. Senado aprova ficha limpa, mas aplicação gera dúvida. Folha de S. Paulo, 20 maio 2010.), na aprovação houve alteração da redação original do projeto de lei, a qual retificou os tempos verbais de cinco artigos e causou dúvidas sobre o alcance da lei para os processos atuais. Na alteração se falava em “políticos que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial ou colegiado”, em vez dos que “já tenham sido condenados”. Ainda, relatado na mesma notícia, as percepções sobre a aprovação geraram polêmica entre deputados e senadores. Em depoimento, o deputado Flávio Dino (PC do B) afirma que a mudança daria margem a novas interpretações. Já o relator do projeto do Senado, Demóstenes Torres (Democratas (DEM)), afirmou que não se poderia usar uma nova lei retroativamente para prejudicar ninguém.

Na reportagem de Iglesias (2009IGLESIAS, S. Frente tenta agilizar veto aos ‘fichas sujas’. Folha de S. Paulo, 10 dez. 2009. ), relata-se a primeira inelegibilidade de candidatura, com o respaldo da lei de Ficha Limpa, pelo TSE. A corte eleitoral considerou que a lei poderia ser aplicada retroativamente e assim impediu a candidatura de um candidato a deputado estadual do Ceará, condenado em 2006 por corrupção eleitoral.

O jornal publicou também em 2010, uma lista dos candidatos “Top Ficha Suja”, os quais já haviam sido condenados e se tornaram inelegíveis. Peixoto (2010PEIXOTO, P. Ficha-Suja Top 10. Folha de S. Paulo, 11 set. 2010.) divulgou os políticos com um vasto “currículo” de condenações.

A Lei n. 9.840, de 1999, bastante debatida na década de 2000, foi citada em apenas duas reportagens no período de 2010 a 2014. A primeira reportagem aborda os efeitos da aplicação da lei nas eleições, apontando que o Rio de Janeiro foi o recordista de cassações, atingindo 758 políticos. Esses dados foram divulgados pelo presidente do TSE-RJ, Luiz Zveiter. No país, no entanto, até 08/10/2010, foram registradas 234 cassações (BACHTOLD, 2012BACHTOLD, F. Rio tem recorde com 758 presos em eleições. Folha de S. Paulo, 8 out. 2012.). Essas duas reportagens, referentes a informações sobre os resultados gerados pela aplicação da Lei da Compra de Votos retomam um tema recorrente na década anterior: a importância da transparência e da accountability.

Um aspecto pouco debatido nos períodos anteriores começou a ganhar destaque a partir de 2012, o questionamento sobre o financiamento de campanhas eleitorais. Nove (47%) das dezenove reportagens dessa década são referentes a esse aspecto. A primeira foi uma entrevista do juiz Márlon Reis, um dos atores-rede do MCCE, sobre o financiamento de campanhas. Na entrevista, Reis (2012) REIS, M. Eleitor vota às cegas. Folha de S. Paulo, 19 set. 2012. afirmou que sem saber quem patrocina as campanhas de milhares de políticos, os brasileiros votam “às cegas” e a democracia no país fica em risco por causa da falta de transparência nas contas dos candidatos a cargos públicos. Como juiz eleitoral no estado do Maranhão, ele próprio iniciou um movimento em sua jurisdição, exigindo dos candidatos locais informações detalhadas nas prestações de contas parciais, fornecidas antes das eleições.

De forma distinta dos outros períodos, o tratamento do financiamento de campanhas começa a ser pensado na prática, relacionado à reforma política. Uma dessas intenções se manifesta na reportagem de Magalhães (2013aMAGALHÃES, V. Com Dirceu e Genoino, PT debate ação anticorrupção. Folha de S. Paulo, 13 abr. 2013a. ), que noticiou a ação conjunta da OAB e do MCCE, pedindo ao presidente do Congresso, à época Renan Calheiros (PMDB-AL), a aprovação de proposta que acabaria com o financiamento privado das campanhas eleitorais. A resposta de Renan foi a de que iria apresentar um projeto de iniciativa popular com esse teor, caso o Legislativo não modificasse o sistema vigente de doações.

A mesma pauta foi apropriada em outros lócus, como o dos partidos. O PT reuniu sua cúpula para discutir um formato de campanha publicitária pela reforma política e contra a corrupção eleitoral. O principal mote da campanha petista seria a adoção do financiamento público exclusivo de campanhas, dando fim às doações privadas. A medida foi classificada pelo presidente do PT, deputado Rui Falcão, como a melhor maneira de combater a corrupção e o abuso de poder econômico nas eleições (MAGALHÃES, 2013bMAGALHÃES, V. OAB pede a Renan o fim de doações privadas. Folha de S. Paulo, 9 abr. 2013b.).

Em outra reportagem de Magalhães (2013cMAGALHÃES, V. Pressão para plebiscito. Folha de S. Paulo, 3 jul. 2013c. ), como resultado das manifestações em junho de 2013, a presidente da República, Dilma Rousseff, propôs um plebiscito para decidir a convocação de uma Assembleia Constituinte para reformar o sistema político brasileiro. Porém, após o anúncio de Michel Temer (PMDB-SP) de que o plebiscito não valeria para a eleição de 2014, e dos questionamentos jurídicos e de críticas suscitadas no Congresso, a presidente desistiu da ideia. Por outro lado, a mandatária admitiu abrir o diálogo com o MCCE que estava prestes a divulgar um novo projeto de lei de iniciativa popular.

As posições a respeito do financiamento das campanhas eleitorais, sobretudo associada a uma reforma política, não são unânimes nos cadernos da Folha de São Paulo. Em reportagem, Samuel Pessoa (2012PESSOA, S. Financiamento público e corrupção. Folha de S. Paulo, 28 out. 2012. ), professor-pesquisador de Economia na Fundação Getulio Vargas (FGV) afirmou: “Creio que a agenda da redução da corrupção eleitoral é uma agenda de melhoria dos mecanismos de controle e de punição e não de uma reforma política”.

Outra posição, também contrária à reforma política, é de Elio Gaspari (2013GASPARI, E. O comissariado quer tungar o tronco. Folha de S. Paulo, 26 jun. 2013.), jornalista e colunista do jornal, que argumenta: “a reforma política nunca esteve na agenda da rua, ela é uma ideia do PT, que quer mudar de assunto. O que a rua contesta é a blindagem da corrupção eleitoral e administrativa”. Já uma opinião favorável à extinção do financiamento privado de campanhas é expressa por Marcus Vinicius Furtado Coêlho (2013COÊLHO, M. V. F. Em defesa da Constituição. Folha de S. Paulo, 29 dez. 2013. , grifo nosso), presidente nacional da OAB:

Com o fim das doações de empresas, o uso de recursos ilegais ficaria mais visível e o dinheiro deixaria de ser o protagonista das eleições. O problema se agrava: apenas 0,5% das empresas brasileiras concentram as doações eleitorais. São poucos os doadores e estes fazem contribuições expressivas, conseguindo manter relações próximas com os candidatos que patrocinam. A OAB também luta pela criminalização do chamado caixa dois de campanha, instituindo penas que vão de dois a oito anos de prisão. A iniciativa faz parte do texto do projeto de lei de reforma política Eleições Limpas, liderado pela Ordem, juntamente com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Com o fim das doações das empresas, o volume de dinheiro à disposição de cada partido ou candidato será consideravelmente menor, o que tornará mais visível o uso de recursos ilegais.

O aprofundamento do debate sobre o financiamento de campanhas e sobre a necessidade de uma reforma política passa a ser um tema crucial de controvérsia mais recentemente. Nesse sentido, destaca-se como um dos desdobramentos da Campanha Eleições Limpas a proposta do Projeto de Lei n. 6.316, de 2013, de iniciativa popular, sintetizada no Quadro 2.

Em 2015, graças a uma ação promovida pela OAB junto ao STF as doações de campanha feitas por empresas foram consideradas inconstitucionais. Além disso, nos últimos anos diversos projetos e propostas de reforma política vem sendo discutidos, porém ainda não foi implementada uma ampla reforma política no país como proposto pelas organizações da sociedade civil e movimentos sociais que compunham a Coalizão. Além disso, nos últimos anos diversos projetos e propostas de reforma política vem sendo discutidos, sem ter sido implementada ainda uma ampla reforma política no país como proposto pelas organizações da sociedade civil e movimentos sociais que compunham a Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas.

Quadro 2
Projeto de iniciativa popular sobre a reforma política

No campo científico, os nove artigos analisados no período de 2010 a 2014 levantam dois debates centrais acerca da corrupção eleitoral. O primeiro refere-se à atuação das Organizações da Sociedade Civil (OSC) como promotoras de accountability no combate à corrupção eleitoral. Os artigos de Sacramento (2010SACRAMENTO, A. R. S. Organizações da sociedade civil que atuam no combate à corrupção no Brasil. 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/EnAPG/enapg_2010/2010_ENAPG463.pdf >. Acesso em: 12 dez. 2015.
http://www.anpad.org.br/diversos/trabalh...
) e Sacramento e Pinho (2012)SACRAMENTO, A. R. S.; PINHO, J. A. G. Corrupção e accountability no Brasil: um olhar a partir das organizações da sociedade civil. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2012_APB331.pdf >. Acesso em: 12 dez. 2015.
http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2012_A...
, que têm conteúdos semelhantes, usam estudos multicaso para pesquisar como OSC favorecem o processo de controle social no campo da corrupção. As organizações pesquisadas foram o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade, a Transparência Brasil, a Associação Contas Abertas, a Articulação Brasileira Contra Corrupção e Impunidade (ABRACCI) e o MCCE. Seguindo a mesma linha, Doin, Dahmer e Schommer (2012DOIN, G.; DAHMER, J.; SCHOMMER, P. C. Mobilização social e coprodução do controle: o que sinalizam os processos de construção da Lei da Ficha Limpa e a rede Observatório Social do Brasil. Revista Pensamento & Realidade, v. 27, n. 2, p. 56-78, 2012. ) investigam os processos de elaboração da Lei da Ficha Limpa e a atuação dos Observatórios Sociais no Brasil, pela ótica da mobilização social e coprodução do controle9 9 Os autores consideram coprodução do controle um bem público essencial à accountability democrática, ao envolver diversos atores e instâncias da sociedade em seu processo de construção, permitindo que atores formais e informais de controle se articulem sistemicamente na produção de informações, na pressão sob os governos e no combate à corrupção (DOIN, DAHMER e SCHOMMER, 2012). .

A segunda vertente dos artigos científicos sobre a corrupção eleitoral diz respeito à percepção dos brasileiros sobre o tema. O artigo de Castro e Nunes (2014CASTRO, M. M. M.; NUNES, F. Candidatos corruptos são punidos? Accountability na eleição brasileira de 2006. Opinião Pública, v. 20, n. 1, p. 26-48, 2014.) discute os efeitos dos escândalos de corrupção do “Mensalão” e dos “Sanguessugas” na decisão do voto do eleitor brasileiro e quais impactos esses eventos tiveram na composição das cadeiras do parlamento, na eleição de 2006. Dois artigos analisam como a percepção do eleitor acerca dos escândalos, envolvendo o PT, estimulou a perda de votos da candidata Dilma Rousseff, nas eleições de 2010 (PEIXOTO e RENNÓ, 2011PEIXOTO, V.; RENNÓ, L. Mobilidade social ascendente e voto: as eleições presidenciais de 2010 no Brasil. 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/op/v17n2/a02v17n2.pdf >. Acesso em: 12 dez. 2015.
http://www.scielo.br/pdf/op/v17n2/a02v17...
; RENNÓ e ARNES, 2014RENNÓ, L.; ARNES, B. PT no purgatório: ambivalência eleitoral no primeiro turno das eleições presidenciais de 2010. Opinião Pública, v. 20, n. 1, p. 1-25, 2014.).

Outra pesquisa sobre percepção do brasileiro é feita em relação ao papel do Poder Judiciário. O artigo de Falcão e Oliveira (2012FALCÃO, J.; OLIVEIRA, F. L. Poder Judiciário e competição política: as eleições de 2010 e a lei da ficha limpa. Opinião Pública, v. 18, n. 2, p. 337-354, 2012.) discute a percepção do brasileiro sobre o Poder Judiciário, especialmente suas atribuições com a aplicação da Lei da Ficha Limpa. O estudo conclui que os dados analisados indicam uma percepção positiva do brasileiro sobre o papel do Poder Judiciário, mais especificamente da Justiça Eleitoral na aplicação da Lei da Ficha Limpa. Isso demonstra que, quando se trata de governança eleitoral, o brasileiro confia nas instituições da Justiça e reconhece a legitimidade do Poder Judiciário.

Percebe-se, então, um crescimento na produção científica sobre corrupção eleitoral no Brasil nos últimos anos, porém deve-se ressaltar ainda o gap percebido na intensidade do debate existente no âmbito acadêmico e nos campos político e legal.

Quanto aos porta-vozes observados na arena na década de 2010 (Figura 7), percebemos a forte presença de agentes de controle governamental representantes dos TSE, dos TRE e STF e também da sociedade civil, como CNBB, OAB e MCCE, o que pode ser um indício da coprodução do controle, ressaltada anteriormente. No Poder Legislativo, atores da Câmara dos Deputados e do Senado aparecem no debate, assim como representantes do Poder Executivo, a exemplo da presidente Dilma Rousseff, porta-voz da proposição do plebiscito para a reforma política.

Jornalistas/comentaristas também aparecem no debate publicizando o processo de tramitação da Lei da Ficha Limpa no Congresso, discutindo questões sobre o financiamento de campanhas eleitorais ou ainda as propostas de reforma política. Os não humanos, como mediadores (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Ed. UFBA, 2012.), estão representados pelas leis (Lei da Compra de Votos, Lei da Ficha Limpa e o novo projeto de lei sobre reforma política) e pelos objetos (as pesquisas sobre o número de cassações provocadas pela Lei da Compra de Votos e a lista sobre os fichas sujas nas eleições de 2010). Percebe-se, assim, uma evidente ampliação dos públicos que falam em nome da corrupção eleitoral no Brasil e observa-se também que alguns atores-rede se repetem a cada década, como os agentes de controle governamentais, a CNBB, a OAB e o próprio MCCE, colocando-se como protagonistas do debate.

Figura 7
Porta-vozes da corrupção eleitoral (década de 2010)

Analisando as controvérsias no decênio de 2010 (Figura 8), percebemos que a visão paliativa do problema público perde espaço nos anos 2010, já que não encontramos nenhuma referência a denúncias escândalos. Já a concepção punitiva esteve presente, ainda que de forma tímida, em comparação às décadas passadas. Apenas uma reportagem refere-se a essa visão, tratando da condenação de uma candidata a vereadora no Rio de Janeiro, por compra de votos e tráfico de drogas.

Figura 8
A arena pública da corrupção eleitoral e suas controvérsias (década de 2010)

Uma das visões do problema público mais expressiva nessa década, relaciona-se à concepção preventiva da corrupção eleitoral. Destacam-se aqui as controvérsias sobre as causas da corrupção eleitoral. Além das já discutidas, como a ineficiência das leis e do sistema de punição, outras foram acrescentadas, fruto do novo debate sobre o financiamento de campanhas eleitorais. Entre elas, estão a ineficiência do sistema de doações de campanha e a falta de transparência na prestação de contas de campanhas eleitorais.

A transparência e a accountability também são alvo de debate tanto no campo acadêmico quanto político. Destacamos nesse sentido a divulgação da lista dos “fichas sujas”, a informação sobre as cassações por compra de votos, sobre políticos que respondem a processos na Justiça por prestação de contas rejeitadas e também a divulgação dos dados sobre quanto se gasta no atual sistema de doações por empresas nas campanhas. Interessante notar que a divulgação de tais informações passa a ser uma prática recorrente nas diferentes eleições e tais listas se tornam importantes objeto de “prova” e, portanto, de legitimidade do candidato.

Ainda no que se refere à visão preventiva do problema público, que focaliza o debate sobre as suas causas e soluções, houve uma ampliação do debate sobre as práticas de controle social, relacionadas com a formação cidadã e o envolvimento da população no acompanhamento da aplicação das leis. A importância da mobilização política, também aparece nas discussões, relacionada sobretudo à pressão para aprovar a Lei da Ficha Limpa na Câmara dos Deputados e no Senado.

A necessidade de mudanças estruturais para resolução do problema da corrupção eleitoral, denota que o debate complexifica a compreensão sobre as causas do problema, relacionadas a temas de controvérsias mais “quentes” como o financiamento de campanhas e a reforma política.

Além disso, evidencia-se que as novas soluções propostas e implementadas na década de 2000 se institucionalizam. As novas leis de iniciativa popular tornam-se “caixas-pretas” (LATOUR, 2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.), promovendo importantes transformações e consequências, bem como estabilizações no aparato legal e institucional de combate à corrupção eleitoral.

Percebemos então que a arena pública da corrupção se amplia e se diversifica consideravelmente nesse período, com o alargamento dos atores-rede que são porta-vozes e se mobilizam em torno do problema público. No período analisado, emergem diversas caixas-pretas que se configuram como inovações sociais resultantes das associações, estabilizações e acordos obtidos (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Ed. UFBA, 2012.). Mas também novas e importantes controvérsias se abrem, levando a uma complexificação da arena e a uma ressignificação do que se considera corrupção eleitoral, suas causas, formas de mobilização e enfrentamento do problema público.

Considerações finais

A análise apresentada demonstra que a configuração do problema da corrupção eleitoral no Brasil passa a ocorrer, principalmente, a partir da metade da década de 1990, numa arena pública plural. Nessa, diferentes atores públicos e privados, individuais, organizacionais e institucionais, além de diferentes objetos, se articulam em rede, em um esforço coletivo de identificação, definição e controle do problema público (CEFAÏ e TERZI, 2012CEFAÏ, D.; TERZI, C. L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes, 2012.).

Nesse espaço, a definição da agenda pública não é uma tarefa apenas dos agentes estatais, já que é assumida por esses diferentes atores-rede que se colocam como porta-vozes na arena e como agentes competentes que apoiam a disseminação de informação, construção de conhecimento e também de soluções (inovações sociais) (ANDION, RONCONI, MORAES et al., 2017ANDION, C; RONCONI, L; MORAES, R.L; GONSALVES, A.K.R; SERAFIM, L.B.D.S. Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista, Revista de Administracão Pública, v. 51 n. 3, p 369-387, 2017.) em resposta ao problema da corrupção eleitoral. Esses diferentes coletivos que compõem a arena pública ajudam então a elaborar diferentes “gramáticas políticas” (BOLTANSKI e THÉVENOT, 2006BOLTANSKI, L.; THÉVENOT, L. On justification: economies of worth. Princeton/Oxford: Princeton University Press, 2006.) sobre a corrupção eleitoral, promovendo, ao longo do tempo, uma categorização desse problema público (CEFAÏ, 1996CEFAÏ, D. La construction des problèmes publics. Définitions de situations dans des arènes publiques. Reseaux, v. 75, n. 1, p. 43-66, 1996.). Ilustra-se aqui o processo de debate público e de disputa de significado (AVRITZER e FILGUEIRAS, 2011AVRITZER, L.; FILGUEIRAS, F. Corrupção e controles democráticos no Brasil. Brasília, DF: CEPAL/IPEA, 2011.) que se constitui e permite construir novas visões de mundo sobre o problema público e também produzir ações concretas para enfrentar a corrupção eleitoral.

A análise da trajetória da arena permite, claramente, evidenciar esse processo. No fim do decênio de 1980, identificamos que o problema da corrupção eleitoral se torna público, passando a ser objeto de atenção e contenda, sobretudo por meio de escândalos e de denúncias feitas pelos próprios políticos (LASCOUMES e LE GALÈS, 2011LASCOUMES, P.; LE GALÈS, P. Sociologie de l’action publique. Paris: Armand Colin, 2011.). Na década de 1990, novos públicos se mobilizam em torno do problema da corrupção eleitoral e disputam na construção de significados sobre ele. As controvérsias saem do domínio privado, ligadas a casos particulares, e passam a ser debatidas e interpretadas, aparecendo novas visões de mundo e julgamentos explícitos sobre o tema da corrupção eleitoral.

Nas décadas de 2000 e 2010, ampliam-se consideravelmente os coletivos que passam a atuar nessa arena, tornando-a mais plural. Isso se reflete nas disputas em torno das representações do problema e na sua categorização que se torna mais detalhada. Pouco a pouco, a arena se amplia e o problema assume novos contornos, passando a (re)configurar-se ao longo das décadas, como demonstram as Figuras de 2, 4, 6 e 8.

Uma concepção “paliativa” da corrupção eleitoral, predominante na década de 1980 - amparada numa visão moralista que focalizava denúncias e escândalos - passa a dividir espaço com outras visões do problema público. Inicialmente emerge uma representação “punitiva”, voltada a coibir a ação e os protagonistas da corrupção eleitoral e enfocando a criminalização dos atos de corrupção como solução. Também há lugar para uma concepção “preventiva do problema” (ligada a temas como accountability, controle social do problema público e mobilização política para combate à corrupção eleitoral). Mais recentemente, emerge um debate sobre a “necessidade de mudanças estruturais” no sistema eleitoral e político, bucando incidir nas causas mais radicais do problema como as relacionadas ao financiamento das campanhas ou à reforma do sistema político.

Podemos perceber que o problema da corrupção eleitoral, suas causas e consequências passam a adquirir diferentes sentidos, ao longo do tempo, graças às mobilizações em torno dessa arena. Como discorre Cefaï (1996CEFAÏ, D. La construction des problèmes publics. Définitions de situations dans des arènes publiques. Reseaux, v. 75, n. 1, p. 43-66, 1996.), as ações coletivas nas arenas públicas não apenas detectam o problema (identificando um gap entre o que se espera e a realidade) mas também constroem uma interpretação sobre ele: atribuindo causas, definindo responsáveis, influenciando na ação e propondo soluções.

As propostas de soluções, a emergência e a difusão de inovações sociais (ANDION, RONCONI, MORAES et al., 2017ANDION, C; RONCONI, L; MORAES, R.L; GONSALVES, A.K.R; SERAFIM, L.B.D.S. Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva pragmatista, Revista de Administracão Pública, v. 51 n. 3, p 369-387, 2017.; MORAES e ANDION, 2017MORAES, R.L.; ANDION, C. Civil Society and Social Innovation in Public Arenas in Brazil: Trajectory and Experience of the Movement Against Electoral Corruption (MCCE). Voluntas International Journal of Voluntary and Nonprofit Organizations, publicado on line em 06/04/2017.) também ficam evidentes na arena aqui analisada, principalmente a partir da década de 2000, com a emergência de “caixas-pretas” (LATOUR, 2000LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.) que são fruto da ação dos atores-rede, de sua associação, promovendo a estabilização de algumas controvérsias. Isso ocorre sobretudo com a criação de um novo marco legal, construído mediante iniciativa popular, que se forja com base nas associações, mobilizações e incidência na arena pública, sobretudo, por parte dos atores da sociedade civil.

Esperamos então que este estudo exploratório possa ter aclarado o árduo e intenso trabalho de construção do interesse público em um campo particular que é o da corrupção eleitoral. Que após a leitura deste texto, aqueles que chegaram até aqui possam enxergar, como nós, que o mapeamento das controvérsias pode ser considerado um método interessante para fazer ver e compreender a importante dinâmica desse “work-net” (trabalho em rede) de construção do “público” e dos seus “problemas”, fenômeno central para a construção do Estado democrático moderno, como já dizia John Dewey, ainda nos anos 1920.

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  • VENTURINI, T. et al. Designing controversies and their publics. Design Issues, v. 31, n. 3, 2015 (no prelo).
  • 1
    Tratamos aqui da obra seminal O público e seus problemas, em que o autor ressalta a importância dos públicos e seu engajamento na resolução dos problemas e na formação do Estado democrático. Para Dewey (1927), a formação do Estado democrático é um processo experimental que resulta da habilidade de identificar problemas públicos, de se mobilizar em torno deles e de procurar soluções.
  • 2
    Filgueiras (2008) destaca que, embora a corrupção seja um tema central da nossa vida política, não há no Brasil uma produção científica robusta e própria sobre o fenômeno. O corpus teórico sobre a corrupção que usamos é tributário dos países anglo-saxões e, sobretudo, dos Estados Unidos e relativamente recente. Como sintetizam Avritzer e Filgueiras (2011), até a década de 1970, o campo de estudos sobre a corrupção foi dominado por uma perspectiva funcionalista que analisa a corrupção como um fenômeno ligado a práticas patrimonialistas e clientelistas e que têm também a função de criar canais informais de relacionamento entre elites econômicas e políticas. Tal abordagem aproxima-se de uma visão naturalista e moralista em relação à corrupção - ainda hoje muito presente na literatura internacional, na análise de especialistas sobre o tema e na opinião pública - que associa o fenômeno da corrupção a aspectos históricos e culturais e também ao déficit institucional dos países do Sul. Já a partir da década de 1980, predomina nos estudos do campo uma perspectiva amparada nos preceitos da economia neoclássica, que interpreta a corrupção como um fenômeno derivado da busca de maximização dos ganhos pelos atores políticos (rent-seeking), compreendendo-a como algo custoso e prejudicial ao processo de desenvolvimento. Para maior aprofundamento dessas perspectivas e autores representativos, ver Filgueiras (2008 e 2009) e Avritzer e Filgueiras, (2011).
  • 3
    Na década de 1980, o recorte foram apenas os anos 1988 e 1989, uma vez que o ponto de partida para a descrição da trajetória da arena da corrupção eleitoral no Brasil foi a promulgação da mais recente Constituição Federal, sendo assim, o ano de 1988.
  • 4
    4 O Acervo Folha® é um acervo digital que reúne todas as manchetes digitalizadas desde 1921. Essa plataforma ainda propicia ao leitor a possibilidade de pesquisar assuntos específicos e permite delimitar o período de publicações sobre qualquer assunto pesquisado. Disponível em: <http://www.acervo.folha.com.br>. Acesso em: 12 dez. 2015.
  • 5
    O design das figuras aqui apresentadas foi baseado em Venturini (2010). É importante destacar que a mandala proposta por esse autor sobre as controvérsias foi adaptada aqui. Na nova representação, as categorias de análise do debate da arena pública da corrupção eleitoral são: as visões do problema público; os temas de controvérsias; as principais sentenças declaradas; e as caixas-pretas geradas pela estabilização de controvérsias, conforme apresentado na legenda.
  • 6
    O primeiro dispositivo legal que aponta a corrupção eleitoral como crime é o Código Eleitoral, previsto na Lei n. 4.737, de 1965. Nessa lei, a compra de votos é classificada como corrupção eleitoral no art. 299: “Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”. O Código prevê a pena de reclusão de até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa (BRASIL, 1965).
  • 7
    De acordo com o § 2º do art. 61 da Constituição Federal, a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara de Deputados de projeto de lei subscrito, no mínimo por 1% do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos que 3/10% dos eleitores de cada um deles. Por sua proposição não acarretar alterações na Constituição, é um projeto de lei ordinária, classificada como uma lei típica, aprovada pela maioria dos parlamentares da Câmara de Deputados e do Senado Federal durante a votação (BRASIL, 2014).
  • 8
    É importante ressaltar aqui a relevância dos objetos digitais como provas de atos de corrupção e a mudança que provocam nas práticas de fiscalização dos ilícitos, permitindo que, a qualquer momento, qualquer pessoa produza provas de corrupção, o que modifica muito a cena da arena pública.
  • 9
    Os autores consideram coprodução do controle um bem público essencial à accountability democrática, ao envolver diversos atores e instâncias da sociedade em seu processo de construção, permitindo que atores formais e informais de controle se articulem sistemicamente na produção de informações, na pressão sob os governos e no combate à corrupção (DOIN, DAHMER e SCHOMMER, 2012).

Anexo 1


Reportagens mapeadase analisadas na Folha de S. Paulo

Anexo 2


Artigos científicosmapeados e analisados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2015
  • Aceito
    03 Dez 2015
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