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O efeito das participações de empresas financeiras em não-financeiras no Brasil

El efecto de las participaciones de empresas financieras en no financieras en Brasil

Resumo

Este artigo mostra os principais resultados da pesquisa de mestrado, cujo objetivo foi o de analisar o efeito das participações, diretas ou indiretas, de bancos em empresas não-financeiras, no Brasil, o ambiente regulatório em que estas participações estão inseridas, traçando um paralelo com o ambiente regulatório norte-americano, por ser um dos mercados financeiros mais desenvolvidos no mundo, com a bolsa de valores de maior volume negociado no mundo e o pais pioneiro nas criações dos instrumentos financeiros mais sofisticados do mundo, e ainda, ter historicamente o tratamento regulatório específico em relação a estas participações. Para tanto, adotei como metodologia a pesquisa exploratória, tendo como fontes: livros, artigos, websites, leis brasileiras e norte-americanas, informações sobre os acionistas de fundos de investimentos e participações acionárias de bancos e empresas ligadas a eles, extraídas de softwares usados pelos profissionais de bancos de investimentos, entre outros. Como resultado, foi possível detectar duas grandes empresas não-financeiras, com participações e influências significativas de bancos, diretas e indiretas, e apontar os efeitos destas participações. Com isso, pretendo contribuir para a pesquisa em administração apontando as atuais falhas no modelo regulatório e propondo uma revisão geral e holística que corrija as intervenções supostamente perniciosas do mercado financeiro na economia real, sem evitar as corretas interações, que ajudam no desenvolvimento de determinados setores que não interessam à iniciativa privada.

Palavras-chave:
Holdings bancárias; Empresas de participação; Bancos; Padrão regulatório de bancos; Participação societária

Resumen

Este artículo muestra los principales resultados de la investigación de maestría, cuyo objetivo fue el de analizar el efecto de las participaciones, directas o indirectas, de bancos en empresas no financieras, en Brasil, el ambiente regulatorio en que estas participaciones están insertadas, trazando un paralelo con el entorno regulatorio norteamericano, por ser uno de los mercados financieros más desarrollados en el mundo, con la bolsa de valores de mayor volumen negociado en el mundo y el país pionero en las creaciones de los instrumentos financieros más sofisticados del mundo, y aún, históricamente, tratamiento regulatorio específico en relación con estas participaciones. Para ello, adopta como metodología la investigación exploratoria, teniendo como fuentes: libros, artículos, websites, leyes brasileñas y norteamericanas, informaciones sobre los accionistas de fondos de inversiones y participaciones accionarias de bancos y empresas ligadas a ellos, extraídas de software usado por los profesionales de bancos de inversiones, entre otros. Como resultado, fue posible detectar dos grandes empresas no financieras, con participaciones e influencias significativas de bancos, directas e indirectas, y señalar los efectos de estas participaciones. Con ello, pretendo contribuir a la investigación en administración apuntando a las actuales fallas en el modelo regulatorio y proponiendo una revisión general y holística que corrija las intervenciones supuestamente perniciosas del mercado financiero en la economía real, sin evitar las correctas interacciones, que ayudan en el desarrollo de determinados sectores que, no interesan a la iniciativa privada.

Palabras clave:
Holdings bancarios; Empresas de participación; Los bancos; Estándar regulatorio de asientos; Participación accionaria

Abstract

This article shows the main results of the master's research, whose objective was to analyze the effect of direct or indirect participations of banks in non-financial companies in Brazil, the regulatory environment in which these participations are inserted, drawing a parallel with the North American regulatory environment, as one of the most developed financial markets in the world, with the largest stock exchange traded in the world and the pioneer country in the creation of the most sophisticated financial instruments in the world, specific regulatory treatment in relation to these holdings. To do so, I adopted exploratory research as a methodology, having as sources: books, articles, websites, Brazilian and North American laws, information on the shareholders of investment funds and shareholdings of banks and companies related to them, extracted from used software by professionals of investment banks, among others. As a result, it was possible to detect two large non-financial companies, with significant holdings and influences of banks, direct and indirect, and to point out the effects of these holdings. With this in mind, I intend to contribute to the management research by pointing out the current flaws in the regulatory model and proposing a general and holistic review that corrects the supposedly pernicious interventions of the financial market in the real economy, without avoiding the correct interactions that help in the development of certain sectors that not interested in private initiative.

Keywords:
Banking Holdings; Participating companies; Banks; Regulatory standard of banks; Partner participation

INTRODUÇÃO

Conforme nos explica Kasznar (2017KASZNAR, I. K. O mercado de meios eletrônicos de pagamento no Brasil e no mundo: realidade setorial, diagnóstico, sugestões e propostas de ação estruturante dos arranjos de pagamento e do sistema financeiro. São Paulo: Editora Book Express, 2017.), ao longo de seu trabalho, para que a economia real cresça, é necessário que haja reinvestimento, ou seja, que significativa parte dos resultados de cada ano seja reinvestida em pesquisa e desenvolvimento, por exemplo, de forma que a indústria siga em seu crescimento contínuo, ampliando a sua atuação, fortalecendo o segmento de mercado em que atua, através da competição com seus pares e com isso gere uma cadeia de benefícios, como: pagamentos de maiores montantes de tributos, criação de mais postos de trabalho, desenvolvimento de infraestrutura no entorno das fábricas e nas estradas que irão escoar a produção, entre outros, que ajudará no crescimento da economia do país, de uma forma geral. De certa forma, há uma visão de que pagando menos dividendos a empresa desestimula o investidor, que não se interessará em investir na empresa, mas na verdade, na medida em que a empresa cresce por reinvestir em seu negócio, ela gera resultados crescentes, que trazem lucros cada vez mais robustos e sustentáveis e proporcionam dividendos cada vez maiores, benéficos ao investidor de longo prazo. Para que a prosperidade adequada ocorra, é importante que as empresas inseridas em cada segmento da economia tenham uma estratégia completamente voltada aos seus negócios específicos, em uma visão holística, que considere o ambiente internacional, mas as especificidades do mercado interno também, ou seja, adaptando o que disse Cyrino (2004CYRINO, A. B Transformations strategiques et reconfiguration des competences organisationnelles: une analyse des banques privees de detail au Bresil pendant la període 1986-1997. 2004. Tese (Doutorado em Administração) - HEC Ecole des Hautes Etudes Commerciales, Paris, 2004.) para este contexto, trata-se de “reconfigurar” a empresa às exigências deste segmento de mercado e não ficar fora do negócio.

Quando uma empresa financeira possui influência significativa através de participação acionária em uma empresa não-financeira, ela pode desvirtuar sua estratégia e focá-la em objetivos de curto prazo, que irão evitar reinvestimentos em detrimento de pagamentos cada vez maiores de dividendos, acima da média do mercado, de forma a saciar a vontade imediata dos investidores de curto prazo e dos especuladores.

Este artigo tem como objetivo primário averiguar se o mercado financeiro possui participações acionárias significativas em empresas não-financeiras e se essas participações auxiliam no progresso da economia nacional, ajudando a desenvolver determinados setores da economia, por exemplo, ou são prejudiciais a esta mesma economia, gerando concentração nestes mercados. As hipóteses de pesquisa foram traçadas, observando-se uma matriz de pontos positivos e negativos que as participações societárias desta natureza podem trazer, a saber:

Quadro 1
Processo de controle das empresas não-financeiras pelas empresas financeiras

As hipóteses desta pesquisa, são:

H1 Devido ao grande volume e altas margens das empresas financeiras, a participação acionária nas empresas não-financeiras representaria uma superconcentração de poderes no mercado: a produção de bens reais passa a ser dominada pelo financeiro, o segmento pode ser monopolizado, o que é potencialmente um perigo estratégico para o desenvolvimento nacional;

H2 A participação de empresas financeiras em não-financeiras afeta a estratégia de segmento que elas traçariam, para competir em seus mercados, visando retornos de curto prazo para satisfazer os acionistas, com objetivo de retornos rápidos. Isso pode causar danos ao segmento de mercado em que estão inseridas, pois uma vez que um concorrente bem-sucedido toma decisões que irão afetar de forma negativa o mercado no longo prazo, em prol de resultados de curto prazo, e outras empresas do segmento passam a segui-lo, a saúde do segmento passa a estar comprometida e consequentemente a da economia do país;

H3 Empresas não-financeiras com participações de empresas financeiras investem menos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e na manutenção e evolução da produção, como manutenção e renovação de máquinas e inovação, por exemplo, e com isso comprometem o crescimento da empresa nos médios e longo prazos.

A pesquisa visa não somente estudar a dinâmica destas participações societárias, mas identificar se há realmente aspectos negativos oriundos dela e aponta-los, caso existam. Como objetivo secundário, a pesquisa busca entender como a legislação brasileira trata essa questão e fazer um paralelo com a legislação norte-americana, que sempre teve um foco especial neste tipo de operação societária e hoje tem críticos culpando a flexibilização das leis em 1999, como nos diz Goodwin (2013GOODWIN, K. Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act of 2010. Federal Reserve History, Richmond, 22 nov.2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.federalreservehistory.org/essays/dodd_frank_act?WT.si_n=Search&WT.si_x=3 >. Acesso em: 14 jul. 2018.
https://www.federalreservehistory.org/es...
, p. 1), exatamente nestes aspectos voltados a participações societárias do mercado financeiro na economia real. Ao término, a pesquisa busca colaborar para uma visão aprofundada sobre a questão, com o intuito de contribuir para a melhora nas relações societárias entre o mercado financeiro e a economia real, gerando contribuições relevantes para o estudo da administração, no Brasil.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa exploratória de caráter documental, onde foram analisadas as estruturas societárias de todos os conglomerados financeiros dos cinco maiores bancos brasileiros, de acordo com o ranking do Banco Central do Brasil (BACEN) de 2016, conforme a figura a seguir, extraída da website do Banco Central do Brasil. A website da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no “Formulário de Referência” também foi pesquisada. O objetivo desta análise foi o de entender a composição da estrutura dos conglomerados e encontrar participações societárias de empresas pertencentes a estes conglomerados, em empresas não-financeiras, oriundas da economia real.

Figura 1
Dez maiores Bancos em Ativos 2016 - R$ Bilhões

Também foi feita a análise da composição do índice da Bolsa de Valores de São Paulo (IBOVESPA), a B³, no último dia útil de 2016. Essa seleção representa 42,433% do total do IBOVESPA na data citada. Com base nesta composição, foram selecionadas as dez mais relevantes empresas deste ranking, tirando a própria bolsa de valores, índices repetidos (PETR4 e PETR3COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. O mercado de valores mobiliários brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.portaldoinvestidor.gov.br/portaldoinvestidor/export/sites/portaldoinvestidor/publicacao/Livro/LivroTOP-CVM.pdf >. Acesso em: 20 fev. 2019.
http://www.portaldoinvestidor.gov.br/por...
, por exemplo) e empresas financeiras, sobrando apenas as dez maiores empresas brasileiras não-financeiras, de fato.

Figura 2
Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (IBOVESPA) em 28/12/2016

A pesquisa foi feita em um lapso temporal de cinco anos, entre 2012 e 2016, e foram obtidas as composições de 100% dos fundos pertencentes aos cinco maiores bancos brasileiros, deixando de fora apenas o BNDES, por não ter fundos de investimentos comercializáveis, e foram analisadas as participações totais destes bancos, indiretamente através dos fundos de investimentos, nas dez maiores empresas do IBOVESPA. Para esse trabalho, foi utilizado o sistema QUANTUM da Paramita Tecnologia Consultoria Financeira.

Além disso, foram analisadas as composições acionárias das dez maiores empresas anteriormente citadas, na busca de participações acionárias diretas ou indiretas dos cinco maiores bancos, através das informações obtidas no sistema Bloomberg da E&N Broadcast do Jornal Estadão.

A Revista Exame “Maiores MaioresMaiores e Melhores - As 1000 maiores empresas do Brasil. Revista Exame, São Paulo, 11 ago.2017. Edição Especial. e Melhores - As 1000 maiores empresas do Brasil” de agosto de 2017, foi usada como pilar principal na análise dos segmentos de mercados em que as empresas não-financeiras atuam, cuja a participação acionária de empresas financeiras era relevante. Foram utilizadas as demonstrações financeiras destas empresas, nos cinco anos citados, e os “Dados Econômicos e Financeiros” delas, obtidos na website da CVM. Desta forma, foram estudados e compreendidos os efeitos das participações das empresas financeiras nessas empresas não-financeiras.

Por último, foi feita uma pesquisa sobre a regulamentação em vigor no Brasil, que permite administrar as relações de participação societária de empresas financeiras em empresas não-financeiras e também foi realizado um estudo histórico na regulamentação análoga, nos Estados Unidos, que é um dos mercados financeiros mais desenvolvidos do mundo e, portanto, referência a ser analisada.

Figura 3
Estudos sobre as estruturas societárias e as participações de empresas financeiras em empresas não-financeiras

Mediante este estudo atendeu-se a um conjunto de perguntas que se respondem ao longo das linhas que seguem. Entre elas, se de fato seria tão alto quanto suposto normalmente pelo “consenso de mercado” o grau de influência de propriedade dos bancos, sobre outras grandes empresas brasileiras; se isto implica em mudanças nos padrões de decisão das empresas negociadas em Bolsa de Valores e se estariam mesmo os bancos atuando decisivamente em setores que não lhes são originários.

LEGISLAÇÃO

Kasznar (1990KASZNAR, I. K. Finanças internacionais para bancos e indústrias. Rio de Janeiro: Ibmec, 1990., p. 75) afirma que o fim da Segunda Guerra Mundial é o marco zero do Sistema Financeiro Nacional. O surgimento do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional deu aos Estados Unidos a oportunidade de desenvolver seu ecossistema bancário à frente dos demais países, dado seu envolvimento mais profundo. A partir desta afirmação, estudamos o arcabouço legal nos Estados Unidos, como benchmarking, e o do Brasil, buscando entender como afetam as relações de participação entre empresas financeiras e não financeiras.

Brasil

O estudo revelou que o Brasil está avançado em alguns aspectos regulatórios, em relação ao mercado financeiro, quando foi detectado que antes mesmo dos Estados Unidos, o Brasil já adotava os conceitos prudenciais emanados do Comitê de Basiléia, que Pinheiro, Savóia e Securato (2015PINHEIRO, F. A. P.; SAVÓIA, J. R. F.; SECURATO, J. R. Basileia III: Impacto para os Bancos no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, v. 26, n. 69, p. 345-361, 2015. Diponível em: < Diponível em: http://www.scielo.br/pdf/rcf/2015nahead/1808-057x-rcf-201500720.pdf >. Acesso em: 20 fev. 2019.
http://www.scielo.br/pdf/rcf/2015nahead/...
, p. 3) nos explica: “O princípio básico do Acordo de Basiléia consiste na compatibilização do capital das instituições com os riscos incorridos”. Na figuraa seguir, é possível ver um resumo destas normas e suas propostas:

Figura 4
Ambiente regulatório brasileiro

Além do ambiente macro acima demonstrado, há a Instrução CVM nº 578/2016, que determina, no caso de Fundos de Investimentos em Participações, os FIPs, que:

Art. 6º A participação do fundo no processo decisório da sociedade investida pode ocorrer: I - pela detenção de ações que integrem o respectivo bloco de controle; II - pela celebração de acordo de acionistas; ou III - pela celebração de qualquer contrato, acordo, negócio jurídico ou a adoção de outro procedimento que assegure ao fundo efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão, inclusive por meio da indicação de membros do conselho de administração (COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, 2014, grifo nosso).

Para alguns especialistas favoráveis ao mercado de capitais, como os economistas e analistas do mercado de investimento, algumas preocupações desta natureza não são pertinentes, como a de que os executivos de uma controladora financeira participem na administração de participadas não-financeiras, no caso dos FIPs, pois como diz Cardoso et al. (2017CARDOSO, A. N. D. et al. Responsabilidade dos administradores e gestores de fundos de investimento. São Paulo: VBSO Advogados, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.vbso.com.br/wp-content/uploads/2017/05/Responsabilidade-dos-Administradores-e-Gestores-de-Fundos-de-Investimento.pdf >. Acesso em: 20 fev. 2019.
http://www.vbso.com.br/wp-content/upload...
, p. 31), os administradores devem atentar às regras de abuso de voto e de abuso do poder de controle previstas na Lei das Sociedades Anônimas. No entanto, quem irá julgar se a política de curto prazo ou a de longo prazo é a mais benéfica para a empresa e seus acionistas? De certo que seria o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, mas será que este conselho estaria atuando na intensidade necessária ou estaria, assim como ocorreu nos Estados-Unidos antes da promulgação da lei Gramm-Leach-Bliley, permitindo o relaxamento a concessões como àquelas que possibilitaram a concentração ainda maior ao nosso mercado bancário? Será que a saída para evitar a concentração do mercado bancário não seria a concessão e facilidades para a entrada de bancos estrangeiros, pulverizando assim o poder dos atuais bancos nacionais? A lição norte-americana não deve ser ignorada. Vemos diariamente estampados nos jornais disputas jurídicas do CADE com empresas defendendo seus interesses, como as da CIELO e a da VALE, sendo a da CIELO em 2018 para manter suas hegemonias nos casos das "maquininhas de cartão" e a da VALE, referente à FERTECO, em 2007.

A legislação brasileira vem se desenvolvendo de forma desestruturada. Um exemplo é o que comenta Lago (2012LAGO, F. C. V. Banco Central passa a autorizar investimentos em empresas não financeiras. Migalhas, São Paulo, 13 jul. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI159530,11049-Banco+Central+passa+a+autorizar+investimentos+em+empresas >. Acesso em: 20 fev. 2019.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI1...
) sobre o avanço regulatório com a promulgação da Resolução BACEN nº 4.062/2012, que passa a permitir a participação de instituições financeiras em não financeiras com a prévia autorização deste regulador, o que não era possível até então. Acontece que esta mesma norma concede exceção e ampla liberdade as participações societárias típicas de carteiras de investimentos mantidas por empresas financeiras, feitas exclusivamente com o intuito de reforçar a livre participação e administração de fundos em empresas não financeiras, o que é uma contradição, pior estando ambos os atos na mesma norma.

Perseguir o lucro na visão do investidor de curto prazo, que no caso seria a instituição financeira, causaria um “problema de agência”, que é um dos vilões neste cenário, citado por Fontes Filho (2004FONTES FILHO, J. R. Estudo da validade de generalização das práticas de governança corporativa ao ambiente dos fundos de pensão: uma análise segundo as teorias de agência e institucional. Rio de Janeiro, 2004. Tese (Doutorado em Administração) - Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: <Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/3268/ACF20.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em: 20 fev. 2019.
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, p. 1), pois as instituições financeiras resolvem participar em instituições não-financeiras e atuar em suas administrações porque veem potencial de alavancarem o resultado dessas instituições, valorizarem suas ações e em seguida venderem essas participações, auferindo lucros consideráveis, também citado por Shleifer (2003SHLEIFER, A.; VISHNY, R. W. Stock market driven acquisitions. Journal of financial Economics, v. 70, n. 3, p. 295-311, 2003. Disponível em: <Disponível em: https://scholar.harvard.edu/files/shleifer/files/stockmarketdrivenacquisitionsf.pdf >. Acesso em:20 fev. 2019.
https://scholar.harvard.edu/files/shleif...
) e Vilarins (2016VILARINS, R. S. Políticas de salvamento e risco bancário em período de crise. 2016. Tese (Doutorado em Administração de Empresas) - Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/16626/tese_final.pdf?sequence=3&isAllowed=y >. Acesso em: 20 fev. 2019.
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). O problema é que para isso precisam atuar na administração dessas instituições agindo em prol dos interesses das instituições financeiras, mas muitas vezes, contra as melhores estratégias de médio e longo prazos para aquele segmento onde atuam, prejudicando a economia.

Há também casos em que se trata de informação privilegiada. Existe a preocupação de que um conglomerado financeiro se beneficie de informações. O chamado inside trading, explicado por Müssnich (2015MÜSSNICH, F. A. M. O insider trading no direito brasileiro. 2015. Dissertação (Mestrado em Direito da Regulação) - Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/15292/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Francisco%20M%C3%BCssnich%20%28clean%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em: Acesso em: 20 fev. 2019.
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, p. 10), que afirma que “com o insider trading, o participante do mercado negocia com base em informações ainda não divulgadas ao mercado, com intenção de obter para si ou para terceiro uma vantagem indevida”. Com isso tudo, o compliance vem ganhando cada vez mais importância na agenda corporativa brasileira. Fala-se ainda do chinese wall, que é definido como:

[...] um mecanismo preventivo por meio do qual se segregam atividades (por exemplo, as atividades financeiras de um banco das atividades do fundo gerido pelo próprio banco), de maneira a evitar “contaminações”, minimizando situações de conflito de interesses e mesmo o acesso amplo a informações relevantes não divulgadas ao mercado (MÜSSNICH, 2015MÜSSNICH, F. A. M. O insider trading no direito brasileiro. 2015. Dissertação (Mestrado em Direito da Regulação) - Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/15292/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Francisco%20M%C3%BCssnich%20%28clean%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em: Acesso em: 20 fev. 2019.
https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/...
, p. 11).

Müssnich (2015MÜSSNICH, F. A. M. O insider trading no direito brasileiro. 2015. Dissertação (Mestrado em Direito da Regulação) - Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/15292/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Francisco%20M%C3%BCssnich%20%28clean%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em: Acesso em: 20 fev. 2019.
https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/...
, p. 11) ainda complementa que “na prática, porém, o que se observa e com frequência é o questionamento “além-muros” de diversas operações, isto é, quando a instituição também possui, “do outro lado do muro”, informações privilegiadas”. O chinese wall teve origem no mercado norte-americano e rapidamente teve adesão mundial. No Brasil, a Resolução CMN nº 2.451/1997 e a Instrução CVM nº 558/2015, alterada posteriormente pelas Instruções 593/2017 e 597/2018, tratam disso. No entanto, há dúvidas sobre o cumprimento da lei no Brasil ou não existiria a necessidade de pesquisas qualificadas e bem justificadas como a de Müssnich para estudar o impacto do ilícito do insider trading no Brasil. Enfatiza-se que tais leis contam, inclusive, com inibidores tímidos, quase nulos. O foco neste estudo é única e exclusivamente associado à visão regulatória da CVM.

Essas normas, anteriormente citadas e que criam o chinese wall no Brasil, são conhecidas por serem genéricas, sem especificarem as situações nas quais é imprescindível que ocorra a segregação de funções e quais procedimentos são considerados adequados na construção de uma barreira efetiva. O que é possível extrair da norma é que elementos como: a separação física dos departamentos conflitantes, restrição de acesso a arquivos e computadores de funcionários de uma operação na outra (que podem ser empresas diferentes e devem), treinamentos de funcionários para dar-lhes consciência das consequências civis e criminais do uso de informações sigilosas, punição interna, criação e disseminação de cultura pró-sigilo, entre outros, devem estar presentes na construção de um adequado chinese wall. Um outro aspecto importante da legislação brasileira e que também dá a impressão de estar desconectada com o resto do conjunto de normas é o artigo 9º da Resolução BACENnº 2.723/2000, que determina que as participações societárias, no país, em empresas sujeitas à consolidação, implicam que seja permitido, por intermédio das instituições referidas no artigo 1º (instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BACEN), integral e irrestrito acesso do BACEN a todas as informações, dados, documentos e verificações necessárias à avaliação das operações ativas e passivas e dos riscos assumidos pelas participadas, independentemente de sua atividade operacional. Observem que com esta norma o BACEN amplia o alcance regulatório não somente as instituições financeiras e afins, mas também a qualquer outro tipo de empresa, seja ela regulada ou não pelo BACEN. A norma é positiva em afirmar que abrange todos os itens “necessários à avaliação das operações ativas e passivas e dos riscos assumidos”, mas falha quando complementa o texto dizendo que abrange somente as “participadas”, pois dessa forma o alcance fica apenas com as empresas que estão abaixo da controladora regulada pelo BACEN na estrutura societária, sem alcançar eventuais empresas de participações que estejam acima da hierarquia de empresas financeiras, que muitas vezes sequer possuem obrigatoriedade de tornar suas demonstrações financeiras e documentos, públicos, em locais pré-determinados e de fácil acesso, como a website da CVM, permitindo uma análise mais ampla pelos usuários das demonstrações financeiras em geral, como o investidor, por exemplo. Sendo que em alguns casos, essas empresas controlam bilhões de reais. A simples retirada da palavra “participadas” da norma, tornaria claro que para ser “necessária a avaliação das operações ativas e passivas” das empresas, seria devida a avaliação de operações entre as empresas reguladas pelo BACEN e suas controladoras não-financeiras também, ou seja, a regulação alcançaria a extensão societária de forma horizontal e vertical, atingindo toda a sua amplitude societária.

A Instrução CVM nº 555/2014 determina limites de concentração para os ativos que compõem os fundos de investimentos, mas não no tocante as ações, ou seja, há livre permissão em relação a concentração no tocante a este instrumento financeiro. Logicamente, há algumas exigências que a lei faz, como a de que o administrador do fundo deve deixar claro na documentação que seguirá ao cotista, de que o fundo tem livre exposição às ações e pode ter limites concentrados em determinadas empresas, por exemplo, mas nada é feito, por parte da legislação, para evitar a concentração na participação societária de fundos de investimentos em empresas não-financeiras, pelo contrário, a legislação brasileira parece permitir e as práticas comuns, pelo menos dos cinco maiores bancos brasileiros, rejeita esta facilidade e prima pelo zelo em relação ao risco que a concentração traz, operando com diluição de participações, de forma que esses bancos não possuem, pelo menos no tocante as dez maiores empresas do IBOVESPA, participações relevantes nestas empresas, que por não ser proibido, trata-se da aplicação das melhores práticas mundiais de gestão de riscos, que repele a concentração.

Por fim, a atual conjuntura da legislação brasileira em relação as participações de empresas financeiras em empresas não-financeiras precisa ser revista, em conjunto, com o objetivo de revogar essas leis existentes e criar um marco regulatório, com a visão holística de todo o sistema, pois faz sentido ter os Fundos de Investimentos de Participação com limites irrestritos na participação societária em empresas não-financeiras, por parte dos bancos de desenvolvimento, que é, por exemplo, o foco de atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como definido por Paiva (2012PAIVA, M. BNDES: um banco de história e do futuro. São Paulo: Museu da Pessoa, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/handle/1408/1785 >. Acesso em: 20 fev. 2019.
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), entre outros. A entrada destes investimentos em segmentos que não desenvolvem, pode ser uma forma de viabilizar este mercado, como foi feito pela Petrobrás há muitos anos atrás, no Governo de Getúlio Vargas, com a criação da estatal de petróleo para início da exploração no Brasil. No entanto, há de se pré-estabelecer regras que definam o momento exato em que o mercado financeiro deve sair deste segmento, por já estar maduro o suficiente e não precisar mais deste apoio que poderá passar a ser supostamente pernicioso, mantendo certa concentração no segmento, que passará a impedir seu desenvolvimento, como é o caso da empresa VALE S.A., muito positivo para a empresa, que é uma gigante, mas negativo para suas concorrentes, que não possuem a menor chance nesta disputa desigual.

Estados Unidos

Após a crise da bolsa em 1929, também conhecida como “crash” na bolsa de Nova Iorque, a sociedade norte-americana entendeu que era importante a criação de uma lei que impedisse que os fatos que ocorreram naquele episódio e levaram o país a crise, voltassem a ocorrer. Para aquela sociedade, um dos piores problemas entre os que ocasionaram a crise era a participação societária de bancos em empresas não-financeiras, como afirma Irwin (2015IRWIN, N. What is Glass-Steagall? The 82-year-old banking law that stirred the debate. The New York Times, New York, 14 out. 2015. Disponível em:<Disponível em:https://www.nytimes.com/2015/10/15/upshot/what-is-glass-steagall-the-82-year-old-banking-law-that-stirred-the-debate.html?mcubz=3 >. Acesso em: 20 fev. 2019.
https://www.nytimes.com/2015/10/15/upsho...
). A partir desta constatação, foi estudada a criação de uma lei e em seguida foi publicada a chamada lei Glass-Steagall, em 1933, que segmentava o mercado financeiro entre a parte comercial e de investimento, trazia uma forte regulamentação estadual, mas com centralização federal, e proibia a participação de conselheiros de bancos em empresas não-financeiras. No entanto, com o passar do tempo foi possível perceber que essa lei deixou brechas que permitiram a criação de empresas de participação, as chamadas holdings bancárias, fora do braço regulatório. Em 1956, foi publicada uma nova lei, a das Holdings Bancárias, que proibia a existência de holdings que tivessem participações acionárias em mais de dois bancos ao mesmo tempo.No entanto, no avanço dos anos a sociedade percebia que as brechas desta lei estavam, novamente, sendo exploradas e que também, as proibições existentes traziam problemas na competitividade dos Estados Unidos na economia global, dado que em outros países era permitido a criação de conglomerados financeiros onde bancos comerciais, de investimentos, seguradoras, empresas administradoras de cartão de créditos e outras financeiras fizessem parte do mesmo conglomerado financeiro, Mahon (2013aMAHON, J. Bank Holding Company Act of 1956. Federal Reserve History, Minneapolis, 22 nov. 2013a. Disponível em: <Disponível em: https://www.federalreservehistory.org/essays/bank_holding_company_act_of_ 1956 >. Acesso em: 14 jul. 2018.
https://www.federalreservehistory.org/es...
). A sociedade então, clamava por mudanças na legislação, de forma que os Estados Unidos pudesse tornar-se mais competitivo no cenário mundial e em 1999 foi promulgada a lei Gramm-Leach-Bliley, que revogou as duas anteriores e permitiu a criação de conglomerados financeiros, determinou um limite de tamanho para subsidiárias financeiras nestes conglomerados e restringiu o marketing cruzado entre empresas financeiras e não-financeiras do mesmo grupo, conforme Hamilton (2015HAMILTON, S. T. Deregulation and the 2007-2008 housing/debt crisis of 2007-2008 and its impact in the financial strength and vulnerability of the United States and global economy. 2015. Dissertação (Mestrado em Gestão Empresarial) - Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/15061/Sedrick.pdf?sequence=3&isAllowed=y >. Acesso em: 20 fev. 2019.
https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/...
). Em 2008, com a crise mundial, os especialistas começaram a culpar a flexibilização da lei publicada em 1999, pela crise, o que discorda White (2009WHITE, L. J. Gramm-Leach-Bliley Act of 1999: a bridge too far-or not far enough?. Suffolk UL Rev., v. 43, p. 937, 2009. Disponível em: <Disponível em: http://web-docs.stern.nyu.edu/old_web/economics/docs/workingpapers/2010/White_The%20Gramm-Leach-Bliley%20Act%20of%201999.pdf >. Acesso em: 20 fev. 2019.
http://web-docs.stern.nyu.edu/old_web/ec...
, p. 14), pois para ele trata-se de um somatório de acontecimentos e não um fato isolado. O ponto crucial é que antes mesmo da promulgação da citada lei, o Citibank havia se juntado à seguradora Travelers, formando o primeiro conglomerado financeiro, o Citigroup. O que a lei Gramm-Leach-Bliley fez foi legalizar os movimentos inevitáveis do mercado para que o governo não perdesse força, afirma Mahon (2013b)MAHON, J. Financial Services Modernization Act of 1999, Commonly Called Gramm-Leach-Bliley. Federal Reserve History, Minneapolis, 22 nov. 2013b. Disponível em: <Disponível em: https://www.federalreservehistory.org/essays/gramm_leach_bliley_act?WT.si_n=Search&WT.si_x=3 >. Acesso em 14 jul. 2018.
https://www.federalreservehistory.org/es...
e Sherman (2009SHERMAN, M. A short history of financial deregulation in the United States. Washington, DC: Center for Economic and Policy Research, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://www.rexsresources.com/uploads/6/5/2/1/6521405/dereg-timeline-2009-07.pdf >. Acesso em:20 fev. 2019.
https://www.rexsresources.com/uploads/6/...
). De fato, o congresso iniciou um debate com a sociedade em busca de respostas para a crise e em 2010, foi emitida a lei Dodd-Frank com esta finalidade, dando ainda mais poderes regulatórios ao Federal Reserve (FED), trazendo os padrões prudenciais do Comitê de Basiléia, adotados pelos bancos centrais das vinte maiores economias do mundo, o G20, na sua terceira versão, que é:

A estrutura de Basiléia III é um elemento central da resposta do Comitê de Basiléia à crise financeira global. Aborda uma série de deficiências na estrutura regulatória pré-crise e fornece uma base para um sistema bancário resiliente que ajudará a evitar o acúmulo de vulnerabilidades sistêmicas. O quadro permitirá ao sistema bancário apoiar a economia real através do ciclo econômico (BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS, 2010BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS - BIS. Basilea III. 2010. Disponível em: <Disponível em: https://www.bis.org/bcbs/basel3.htm >. Acesso em:22 jul. 2017.
https://www.bis.org/bcbs/basel3.htm...
, p. 1, tradução nossa).

A adoção desta versão, nos Estados Unidos, adaptou regras, tornando-a mais rígida, que lhe rendeu o cognome de “US BASEL III”, como explica Putnis (2016PUTNIS, J. The Banking Regulation. Londres: Law Business Research, 2016., p. 618). A lei também criou regras mais rígidas para o grande vilão da crise, os derivativos, com o estabelecimento de uma câmara de compensação. Criou o conselho de monitoramento da economia e obrigou os bancos a criarem um plano de falência, que seriam obrigados a pôr em ação em determinados casos, onde os bancos estivessem caminhando para a intervenção, de forma que a transição seria mais branda e afetaria menos a economia, como bem explica Goodwin (2013GOODWIN, K. Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act of 2010. Federal Reserve History, Richmond, 22 nov.2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.federalreservehistory.org/essays/dodd_frank_act?WT.si_n=Search&WT.si_x=3 >. Acesso em: 14 jul. 2018.
https://www.federalreservehistory.org/es...
, p. 1).

A criação de conglomerados financeiros pela lei Gramm-Leach-Bliley agravou o problema referente as empresas “Too big to fail”, ou empresas muito grandes para falir, conforme define Mcmillan (2018MCMILLAN, J. O fim dos bancos: Moeda, crédito e a revolução digital. Portfolio-Penguin, 2018., p. 106). São as empresas que, devido ao enorme tamanho, recebem uma atenção especial do governo pois em caso de falência, o efeito na economia americana seria devastador. No caso destas empresas, os especialistas alegam que o governo tem um tratamento diferenciado e acaba fazendo empréstimos subsidiados para evitar a falência, o que é injusto com o restante do mercado.

No Brasil, nos anos 2003 a 2016 instaurou-se um conceito similar, do apoio pelo BNDES às “empresas líderes por setor, campeãs de vendas”. Com dinheiro barato essas organizações se capitalizariam melhor, dependeriam menos de créditos a custo de mercado que no país são sumamente elevados e com isso cresceriam mais rapidamente, impulsionando os setores produtivos a um crescimento maior e mais rápido do Produto Interno Bruto - PIB.

O que infelizmente se constatou com frequência foi a malversação de fundos, emblematizada por empreiteiras envolvidas com os escândalos apurados na Lava-Jato e o Grupo JBS de carnes frigorificadas financiando parte da classe política.

Por estas razões, o domínio de grupos financeiros e bancários sobre grupos agrícolas, industriais, comerciais e de serviços, há de ser compreendido e corretamente levantado, para que se evitem desmandos e se adotem medidas prudenciais e de calibragem dos domínios econômicos.

Nesse contexto interno e externo, foi possível observar os movimentos feitos pelos Estados Unidos ao longo dos anos, para reforçar a regulamentação do seu mercado, com seus erros e acertos. A Figura a seguir resume bem esse quadro:

Quadro 2
Ambiente regulatório Norte-Americano

ESTUDO DE CASO

A análise feita sobre a participação dos cinco maiores bancos nas dez maiores empresas teve foco em três pilares: i) a participação indireta de empresas financeiras em não financeiras por intermédio de fundos de investimentos, ii) a participação direta de empresas financeiras em não financeiras e iii) a participação direta de empresas financeiras em não financeiras por intermédio de uma empresa holding.

Participação indireta por intermédio de fundos de investimentos

Neste estudo, foi constatado que nenhum dos cinco maiores bancos (excetuamos o BNDES por não ter nenhum fundo de investimento comercializável) possuía participação relevante, acima de cinco porcento, em uma das dez maiores empresas não-financeiras brasileiras. Apesar de não haver uma lei que proíba essa participação, os maiores bancos praticam as regras de gestão de riscos e diversificação em suas carteiras, diluindo o risco que a concentração em uma participação pode trazer, como bem define Ross, Jordan e Westerfield (2013ROSS, S.; JORDAN, B. D.; WESTERFIELD, R. W. Fundamentos de administração financeira. São Paulo: AMGH Editora, 2013., p. 436). Como o estudo foi focado nestas empresas, não é possível saber se todo o mercado financeiro pratica as mesmas técnicas, logo, um estudo adicional com o objetivo de entender se, por exemplo, bancos menores praticam a diversificação para diluição do risco, seria importante para os estudos em administração.

De fato, foi eliminado o primeiro mito de que os grandes bancos usam os fundos de investimentos para manipular as grandes empresas não-financeiras. A seguir, serão apresentadas tabelas por cada ano (2012 a 2016), com as participações societárias dos conglomerados financeiros nas dez maiores empresas não-financeiras, através do somatório das participações dos fundos ligados a esses bancos, nestas empresas (percentual total de participação societária no capital das empresas):

Tabela 1
Participação dos fundos de investimentos dos cinco maiores bancos, nas dez maiores empresas não-financeiras, no Brasil

Participação direta

Após analisar as participações das empresas financeiras nas dez maiores empresas não-financeiras, foi detectada a participação da B.B. Banco de Investimentos S.A., do Banco do Brasil, na CIELO S.A., uma empresa não-financeira do segmento de mercado eletrônico de pagamentos. Essa empresa financeira detinha 28,65% de participação societária no capital da CIELO de 2012 a 2016. Havia também a participação da Columbus Holding S.A. em percentual idêntico, no mesmo período. A Columbus Holding S.A. é uma empresa holding, não-financeira, pertencente ao grupo Bradesco, que está fora do braço regulatório do BACEN e por não ser empresa de capital aberto, também está fora do braço regulatório da CVM. Como principais características do efeito pernicioso da participação da empresa financeira na não-financeira, o estudo das demonstrações financeiras e da dinâmica do segmento de mercado que a CIELO está inserida apresentou:

  1. O mercado de meio eletrônico de pagamentos é um duopólio formado pela CIELO e pela REDE, controlada pelo Grupo Itaú. A concentração nas mãos de poucas empresas impede novos entrantes e restringir a competitividade. Além disso, há um menor recolhimento de tributos, de empregos gerados diretamente e indiretamente, pelos fornecedores dessas empresas, por exemplo, dado o número menor de empresas concorrentes;

  2. A CIELO, ao invés de ter uma política de investimentos voltada ao longo prazo, centrada no reinvestimento e crescimento de longo prazo, paga dividendos muito acima da média, que é o mínimo exigido pela Lei das Sociedades Anônimas, de 25% do lucro líquido. A CIELO pagou 50% de dividendos de 2012 a 2015 e 30% em 2016. Além disso, pagou dividendos adicionais em valores expressivos de 2012 a 2015 (não os pagou em 2016) entre R$284 milhões e R$500 milhões, em uma média de R$394 milhões ao ano;

  3. Alguns ex-executivos, de ambos os bancos, participam na administração da CIELO, como mostrado a seguir:

Quadro 3
Participação de executivos e ex-executivos das empresas financeiras controladoras na administração das não-financeiras controladas

Nas notas explicativas da CIELO, especificamente na nota de Partes Relacionadas, não havia menção quanto ao fato de executivo e ex-executivos dos controladores fazerem parte da administração atual da CIELO, como determina a norma internacional de contabilidade (IFRS), no tocante a influência significativa.

  • 4 Na Revista Exame (2017, p. 350), é possível ver que o lucro líquido ajustado da empresa foi de US$1.156,5 milhões contra US$960,5 milhões da REDE (Redecard) em 2016. O ROI anual é de 35,8% em um ano em que o CDI foi de 14%;

  • 5 Nas demonstrações financeiras de 31/12/2016 é possível ver que a empresa tinha um saldo de antecipação de recebíveis de R$574.604 mil, que remunerou em 101,96% do depósito interbancário. Acontece que esta é uma operação feita com os acionistas majoritários e que remunera de forma desigual os acionistas, pois priva os minoritários desta remuneração. Para agravar o fato, analisando a demonstração de fluxo de caixa da empresa, é possível ver um caixa operacional de R$5.129.403 mil gerado em 2016, sendo o caixa total de R$1.409.432 mil, tornando essa operação de antecipação de recebíveis, com remuneração acima do CDI, desnecessária à operação da empresa, dada a sua geração positiva de caixa operacional.

“[...] um mercado com concorrência é bem melhor e mais eficiente que um duopólio. Arraigado a um status-quo que infringe danos à competição criativa e fair-play, um duopólio dono de uma clearing house na qual sabe de todas as transações de adquirentes e facilitadores é um apelo e convite a inside information, banida e condenada por Lei, pelo CADE e pela CVM. Isto requer uma ação de justiça imediata e ágil por parte da autoridade monetária, para que as condições de mercado atuem com vistas à equidade de oportunidades para todos os membros da cadeia de suprimento.” (KASZNAR, 2017KASZNAR, I. K. O mercado de meios eletrônicos de pagamento no Brasil e no mundo: realidade setorial, diagnóstico, sugestões e propostas de ação estruturante dos arranjos de pagamento e do sistema financeiro. São Paulo: Editora Book Express, 2017., p. 125).

Mediante aos pontos expostos, pode-se entender que a participação das empresas financeiras nesta empresa não-financeira não somente é supostamente perniciosa à gestão da empresa e compromete sua continuidade no longo prazo, como traz males para o segmento de mercado, duopolizado, que cria barreiras para novos entrantes, como também para a economia do país, pois evita a geração de empregos, mais tributos pagos, entre outros.

Contudo, entenda-se o contraponto: é um direito empresarial possuir e controlar outra empresa. Logo, a concentração setorial é uma característica do mercado liberal, competitivo e capitalista. O aspecto dito pernicioso pode ser resolvido em parte que seja com melhor e maior regulação e orientação de mercado, pelo Estado, com tanto que este seja probo, ético e justo para toda a sociedade.

Participação direta através de empresa de participação do grupo (Holdings)

Nesta análise, além da participação da Columbus Holding S.A., do grupo Bradesco, na CIELO, citada no item anterior, foi detectada a participação da BRADESPAR, holding do grupo Bradesco que está, assim como a Columbus Holding, fora do braço regulatório do BACEN, mas sob o braço regulatório da CVM, por ser empresa de capital aberto. Não foi detectada outra participação relevante dos outros grupos financeiros nas dez empresas.

A BRADESPAR tem 6,5% de participação no capital da VALEPAR S.A., que por sua vez tem 33,12% de participação no capital da VALE S.A. Neste caso, identificamos que a VALE domina o monopólio no segmento de mineração no Brasil, tendo US$14.551,1 milhões de vendas líquidas em 2016, segundo a Revista Exame (2017, p. 334), contra a Salobo, que é a segunda colocada, com US$1.112,5 no mesmo período. A VALE possui 72,2% do mercado e a Salobo somente 5,5%.

Em relação a participação de membros da administração da controladora na controlada, foi atestado o seguinte:

Quadro 4
Participação de executivos e ex-executivos das empresas financeiras controladoras na administração das não-financeiras controladas

CONCLUSÕES

Este artigo teve como objetivo investigar o efeito da participação acionária dos cinco maiores bancos brasileiros, de forma direta ou indireta, nas dez maiores empresas não financeiras registradas no Índice da Bolsa de Valores brasileira (IBOVESPA).

Na análise da regulação dos Estados Unidos e traçando um paralelo com a regulação brasileira, foi possível destacar os pontos em que o Brasil apresenta avanços, como o uso, antes dos Estados Unidos, das técnicas preconizadas pelo Comitê de Basiléia, também há naturalmente alguns aspectos que precisam de melhoria em relação ao outro país, como o tratamento das holdings bancárias que estão fora do alcance regulatório atual.

É sugerido um amplo estudo sobre as leis que tratam das participações societárias de empresas financeiras em empresas não financeiras, com uma visão mais holística e integrada, bem como sobre a revogação do atual conjunto de leis e a promulgação de um marco regulatório, baseado em regras, que defina de forma clara os casos específicos em que as empresas financeiras podem ter participações societárias relevantes em empresas não financeiras.

Estes deveriam ser casos com propósitos específicos, como, por exemplo, dar liquidez a um mercado em formação ou outro que esteja seriamente abalado e ainda assim com chances de recuperação. Faz-se necessário definir as regras de tempo de permanência de um controlador majoritário cuja meta é exclusivamente o controle de cadeias de suprimento e a maximização dos retornos bancários.

As análises efetuadas nos conglomerados financeiros dos cinco maiores bancos demonstram que, ao contrário dos demais conglomerados, o Santander e o Banco do Brasil não têm, no grupo, empresas não financeiras fora do alcance do órgão regulador.

Foi constatada a participação direta de uma empresa financeira do Banco do Brasil na CIELO em parceria com uma holding não financeira do Grupo Bradesco, em que cada uma delas detinha 28,65% de participação acionária. Adicionalmente, foi detectada a participação de outra holding não financeira do grupo Bradesco, a BRADESPAR, na VALE. Essas duas constatações foram estudadas. Observaram-se vários indícios de práticas que beneficiavam o investidor de curto prazo, o especulador, em vez do investidor tradicional, sem levar em conta a dinâmica favorável ao segmento de mercado em que as empresas estavam inseridas ou ao efeito na economia nacional, como a participação de executivos e ex-executivos na administração dessas empresas e a falta de transparência na divulgação, imposta pelas normas internacionais de contabilidade (IFRS). Estas normas não foram necessariamente cumpridas integralmente em relação à influência significativa de uma organização sobre a outra ou ao pagamento de dividendos - uma vez que se deu em níveis muito superiores ao da média de mercado - e ao baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento quando comparado ao dos concorrentes do mercado. Ambas as empresas atuam em mercados exclusivos, ou seja, a VALE em um mercado em que administra um monopólio e a CIELO em um mercado duopolista, dividindo a liderança com a REDE, do grupo Itaú.

Pode-se alegar que o domínio e o controle de uma organização sobre outra faz parte dos processos de relacionamento político, institucional, produtivo e financeiro de mercado. É natural e válido que bancos queiram se expandir. Contudo, é de se indagar se não há limites para processos de conglomeração. O que beneficia um grupo de acionistas pode potencialmente prejudicar os membros de uma sociedade, de uma comunidade e, portanto, os cidadãos.

Regras do jogo e regulações bem concebidas e implementadas, promovem as boas práticas produtivas e podem gerar um resultado em que todos ganham.

Para a pesquisa em Administração, as conclusões do estudo atestam a existência de participações significativas de empresas financeiras em não financeiras e mostram a necessidade do aprimoramento do processo regulatório, de forma que seja possível dar mais equidade ao tratamento competitivo e produtivo dos segmentos em que haja a participação acionária de empresas financeiras nas empresas não financeiras.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2018
  • Aceito
    08 Fev 2019
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