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Discurso gerencial no controle de docentes em instituições de Ensino Superior privadas: uma análise crítica

Discurso gerencial en el control de docentes en instituciones de enseñanza superior privadas: un análisis crítico

Resumo

Este estudo tem por objetivo analisar o discurso gerencial no controle de docentes em instituições de Ensino Superior (IES) privadas. Pretende-se verificar características do poder gerencialista e indivíduos que influenciam a produção do discurso gerencial, apreender os mecanismos de sua promoção nas organizações pesquisadas, além de compreender como os gerentes simbolizam e subjetivam o papel gerencial exercido no âmbito da ideologia gerencialista das IES. Desenvolveu-se pesquisa qualitativa e exploratório-descritiva, baseada em estudo com 12 gerentes de 3 IES privadas realizado em 1 cidade de Minas Gerais. A entrevista foi utilizada como técnica de coleta de dados, a partir de roteiro semiestruturado e em profundidade. Para a análise de dados, adotou-se a Análise Crítica do Discurso (ACD), inspirada nas asserções teórico-metodológicas de Fairclough (2016), junto com o modo de análise indutivo sob a perspectiva da Sociologia Clínica (SC). Os resultados revelaram que o discurso gerencial é perpassado por características do poder gerencialista no domínio ideológico, cultural, político, econômico e psicológico no controle dos docentes. É produzido pelos gerentes com influência de proprietários/conselho/direção executiva. Observou-se que os gerentes têm necessidade de promover o discurso utilizando, principalmente, mecanismos de mediação. Constatou-se que os gerentes subjetivaram e simbolizaram o trabalho e as IES de modo positivo a fim de promovê-los apenas sob a ótica do prazer. Entretanto, logo em seguida, questionados acerca das condições de trabalho, revelaram que trabalham em um contexto permeado pela ideologia gerencialista.

Palavras-chave:
Discurso Gerencial; Ideologia Gerencialista; Ensino Superior Privado; Controle de Docentes; Sentidos do Trabalho

Resumen

Este estudio tiene como objetivo analizar el discurso gerencial en el control de docentes en Instituciones de Enseñanza Superior privadas (IES). Se pretende verificar las características del poder gerencialista y de individuos que influyen en la producción del discurso gerencial, aprehender los mecanismos de su promoción en las organizaciones investigadas, además de comprender cómo los gerentes simbolizan y subjetivan el papel gerencial ejercido en el ámbito de la ideología gerencialista de las IES. Se desarrolló una investigación cualitativa y exploratoria-descriptiva, basada en un estudio con 12 gerentes de 3 IES privadas en una ciudad del estado de Minas Gerais. La entrevista se utilizó como técnica de recolección de datos, a partir de un guión semiestructurado y en profundidad. Para el análisis de datos se adoptó el Análisis Crítico del Discurso, inspirado en las aserciones teórico-metodológicas de Fairclough (2016) junto con el modo de análisis inductivo bajo la perspectiva de la Sociología Clínica. Los resultados revelaron que el discurso gerencial está permeado por características del poder gerencialista en el dominio ideológico, cultural, político, económico y psicológico en el control de los docentes. Es producido por los gerentes con influencia de los propietarios/junta directiva/dirección ejecutiva. Se observó que los gerentes tienen necesidad de promover el discurso utilizando, principalmente, mecanismos de mediación. Se constató que los gerentes subjetivaron y simbolizaron el trabajo y las IES de forma positiva a fin de promoverlas solamente bajo la óptica del placer. Sin embargo, al ser cuestionados sobre de las condiciones de trabajo, revelaron que trabajan en un contexto impregnado por la ideología gerencialista.

Palabras clave:
Discurso gerencial; Ideología gerencialista; Enseñanza superior privada; Control de docentes; Sentidos del trabajo

Abstract

This study aims to analyze the managerial discourse used to control professors in private higher education institutions (HEIs). The aim is to verify the characteristics of the managerial power and individuals that influence the production of the managerial discourse, apprehend the mechanisms of the promotion of the discourse in the researched organizations, and to understand how the managers symbolize the managerial role operated within the managerialist ideology in the HEI and make it subjective. A qualitative and exploratory-descriptive research was carried out based on a study with twelve managers of three private HEI in a city located in the state of Minas Gerais, Brazil. The data was collected through interview, based on a semi-structured and in-depth script. The analysis of data was based on the Critical Discourse Analysis inspired by the theoretical-methodological assertions by Fairclough (2016) together with the mode of inductive analysis under the perspective of the Clinical Sociology. The results revealed that the managerial discourse used to control professors is permeated by characteristics of managerial power in the ideological, cultural, political, economic and psychological domain. It is produced by the managers with the influence of the owners/board of directors/executive director. It was observed that the managers need to promote the discourse using mainly mechanisms of mediation. Managers subjectivized and symbolized the work and the institution positively in order to promote them based on a point of view of pleasure. Then, shortly afterward when questioned about working conditions, they revealed that they work in a context permeated by the managerialist ideology.

Keywords:
Management discourse; Managerialist Ideology; Private Higher Education; Professor Control; Work Meanings

INTRODUÇÃO

O Ensino Superior brasileiro passou por expressivas mudanças a partir dos anos 1990, principalmente quanto à expansão quantitativa de instituições de Ensino Superior (IES) privadas (MARTINS, 2013MARTINS, C. B. Reconfiguring Higher Education in Brazil: the participation of private institutions. Análise Social, v. 208, n. 48, p. 622-658, 2013.). Quanto mais se expande, mais aumenta sua subordinação ao capital e seu valor de troca, assim como aumenta a competição entre as IES (SEVERINO, 2009SEVERINO, A. J. Expansão do Ensino Superior: contextos, desafios, possibilidades. Revista da Avaliação da Educação Superior, v. 14, n. 2, p. 253-266, 2009.). Solidifica-se seu caráter mercantil, instituindo novos modos de organização e controle do trabalho na busca por produtividade, envolvendo discentes e docentes em um novo quadro disciplinar (BRUNO, 2011BRUNO, L. Educação e desenvolvimento econômico no Brasil. Revista Brasileira de Educação, v. 16, n. 48, p. 545-562, 2011.).

Em virtude disso, o discurso produzido e promovido pelos gerentes é a forma como canalizam a energia dos docentes para a execução dos objetivos da IES (PAGÈS, BONETTI, GAULEJAC et al., 1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas , 1987.). A intenção dos gerentes é fortalecer o comprometimento e o vínculo dos docentes com a IES, a fim de beneficiar a si próprios (garantindo empregabilidade) e a IES (a conquistar produtividade e lucratividade) (FARIA e MENEGHETTI, 2007bFARIA, J. H.; MENEGHETTI, F. K. Discursos organizacionais. In: FARIA, J. H. (Org.). Análise crítica das teorias e práticas organizacionais. São Paulo: Atlas, 2007b. p. 119-141.). Para fazer essa lógica funcionar no âmbito da ideologia gerencialista, trabalham sob pressão com avaliação à base de índices (TONON e GRISCI, 2015TONON, L.; GRISCI, C. L. I. Gestão gerencialista e estilos de vida de executivos. Revista de Administração Mackenzie, v. 16, n. 1, p. 15-39, 2015.). Em nome da rentabilidade e da competividade, sacrificam a subjetividade e todas as suas qualidades (DEJOURS, 2004DEJOURS, C. Subjetividade, trabalho e ação. Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 27-34, 2004.). A racionalidade instrumental assume papel primordial (SIQUEIRA, 2009SIQUEIRA, M. V. S. Gestão de pessoas e discurso organizacional: crítica à relação indivíduo-empresa nas organizações contemporâneas. Curitiba: Juruá Editora, 2009.). Como efeito, a tendência é o comprometimento da saúde física e psíquica desses indivíduos (DEJOURS, 2004DEJOURS, C. Subjetividade, trabalho e ação. Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 27-34, 2004.).

Diante disso, é imprescindível a crítica ao discurso gerencial, elaborado por todos aqueles que lidam com pessoas (gerentes do campus/unidade, de recursos humanos, de pesquisa, coordenadores de cursos) nas IES. Fundamentando-se em pesquisa qualitativa e exploratório-descritiva, este artigo tem por objetivo analisar o discurso gerencial no controle de docentes em IES. Pretende-se verificar características do poder gerencialista e indivíduos que influenciam a produção do discurso gerencial, apreender os mecanismos de sua promoção nas organizações pesquisadas, além de compreender como os gerentes simbolizam e subjetivam o papel gerencial exercido no âmbito da ideologia gerencialista nas IES.

Procurou-se afastar da abordagem funcionalista para executar a Análise Crítica do Discurso (ACD) a partir das asserções teórico-metodológicas de Fairclough (2016FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: UnB, 2016.), a fim de clarificar a relação entre gerentes e docentes com suas instituições, instigar mudança, afetar a ordem do discurso societário, melhorar as condições de trabalho e prevenir doenças (físicas e psíquicas) no ambiente das IES. Assim, este estudo constitui referência para estudos no campo, inclusive em termos das escolhas metodológicas.

Após esta introdução, apresenta-se a fundamentação teórica, seguida pelos procedimentos metodológicos e pela análise dos resultados à luz da ACD. Para concluir, apresentamos as considerações finais.

DISCURSO GERENCIAL E MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL NAS ORGANIZAÇÕES

O discurso gerencial nas organizações é construído para servir a uma propaganda, que deseja uma ação contínua e repetitiva do trabalhador, com o fim de eufemizar o real do trabalho (DEJOURS, 2006DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. 7. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.). Seja esse discurso dito (falado ou escrito), não dito (oculto, implícito, subtendido, imaginário, simbólico) (FARIA e MENEGHETTI, 2007bFARIA, J. H.; MENEGHETTI, F. K. Discursos organizacionais. In: FARIA, J. H. (Org.). Análise crítica das teorias e práticas organizacionais. São Paulo: Atlas, 2007b. p. 119-141.), manipulado, impuro e distorcido (DEJOURS, 2006). Compreende-se que todo discurso esconde uma rede simbólica de relações de dominação ideológica e de poder (FARIA e MENEGHETTI, 2007b), para fins de controle social (MOTTA, 1993MOTTA, F. P. Controle social nas organizações. Revista de Administração de Empresas, v. 33, n. 5, p. 68-87, 1993.).

Para Motta (1993MOTTA, F. P. Controle social nas organizações. Revista de Administração de Empresas, v. 33, n. 5, p. 68-87, 1993.), esse controle social envolve poder, autoridade e seu universo está na base da essência das próprias organizações, a partir dos padrões culturais institucionalizados pelos dirigentes e pela elite da empresa. Fleming e Spicer (2014FLEMING, P.; SPICE, A. Power in management and organization science. The Academy of Management Annals, v. 8, n. 1, p. 237-298, 2014.) compreenderam o poder como a capacidade de influenciar outros atores a partir de interesses políticos. Sem ele, a organização seria incapaz de funcionar.

Greckhamer (2010GRECKHAMER, T. The stretch of strategic management discourse: a critical analysis. Organization Studies, v. 31, n. 7, p. 841-871, 2010.) afirmou que os discursos organizacionais estratégicos são performativos ao promulgar certas realidades, bem como ao estabelecer critérios de verdade. De modo que fazem com que essa realidade pareça inevitável e natural. Pode-se dizer que as IES utilizam inúmeros discursos a seu favor (SIQUEIRA, 2009SIQUEIRA, M. V. S. Gestão de pessoas e discurso organizacional: crítica à relação indivíduo-empresa nas organizações contemporâneas. Curitiba: Juruá Editora, 2009.), “sob o perfil (ou a máscara) de organização pragmática, idealista, onipresente ou boa samaritana” (IRIGARAY, CUNHA e HARTEN, 2016IRIGARAY, H. A. R.; CUNHA, G. X.; HARTEN, B. A. Missão organizacional: o que a análise crítica do discurso revela? Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 920-933, 2016., p. 931). A imaginação dos docentes se torna o principal objetivo da gestão (GAULEJAC, 2014GAULEJAC, V. Pour une sociologie clinique du travail. La Nouvelle Revue du Travail, n. 4, 2014.). Logo, “o objeto de controle tende a se deslocar do corpo para a psique” (GAULEJAC, 2007GRECKHAMER, T. The stretch of strategic management discourse: a critical analysis. Organization Studies, v. 31, n. 7, p. 841-871, 2010., p. 124).

É importante compreender que, em Pagès, Bonetti, Gaulejac et al. (1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas , 1987.), a produção do discurso dos gerentes pode perpassar os domínios econômico (vantagens concedidas), político (conformidade aos princípios e autonomia controlada), ideológico (legitimação das práticas gerenciais e ocultação dos objetivos de lucro, dominação e controle) e psicológico (gestão de afetos a favor da dominação da organização sobre o aparelho psíquico do indivíduo) nas IES. Além disso, em nível cultural, quando há fusão de valores culturais da IES com os valores dos indivíduos (SIQUEIRA, 2009SIQUEIRA, M. V. S. Gestão de pessoas e discurso organizacional: crítica à relação indivíduo-empresa nas organizações contemporâneas. Curitiba: Juruá Editora, 2009.). Esses domínios são considerados níveis de mediação pluridimensionais das políticas de recursos humanos em contraposição à canalização da energia dos docentes, favorecendo a servidão voluntária e a livre adesão aos ideais propostos (PAGÈS, BONETTI, GAULEJAC et al., 1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas , 1987.).

Os mecanismos de promoção - de manipulação - desse discurso, ou seja, de controle, são inúmeros para captar os docentes. Alvesson e Willmott (2002ALVESSON, M.; WILLMOTT, H. Identity regulation as organizational control: producing the appropriate individual. Journal of Management Studies, v. 3, n. 5, p. 619-644, 2002.) consideram a regulação da identidade como uma modalidade cada vez mais importante do controle organizacional. Enriquez (2001ENRIQUEZ, E. Instituições, poder e “desconhecimento”. In: ARAÚJO, J. N.; CARRETEIRO, T. C. (Org.). Cenários sociais e abordagem clínica. Belo Horizonte: Fumec, 2001. p. 49-74.) clarifica alguns mecanismos como a “identificação”, que viabiliza que cada membro da IES se sinta membro dela; o “recalcamento”, que é uma tentativa da IES não deixar emergir certos desejos que podem provocar rupturas com ela; a “repressão”, que se instala quando o recalcamento não é suficiente em grupos que são autores do mal que circula; a “negação” como modo de regulação social quando as coisas são vistas, mas são negadas embora a realidade as afirme.

O mecanismo de identificação total ou expressão de confiança - por meio do amor - apresenta-se de dois modos: fascínio e sedução (ENRIQUEZ, 1990ENRIQUEZ, E. Da horda ao Estado: psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.). O fascínio é próximo da hipnose, “o que está em jogo é a possibilidade que os homens têm de se perderem em um ser e de nele se encontrarem” (ENRIQUEZ, 1990, p. 286, grifo do autor). Assim, “na sedução, o que está em jogo é outra coisa. A sedução reside na aparência e no jogo das aparências” (ENRIQUEZ, 1990, p. 286).

Eckman (2013ECKMAN, S. Fantasies about work as limitless potential: how managers and employees seduce each other through dynamics of mutual recognition. Human Relations, v. 66, n. 9, p. 1159-1181, 2013.) afirmou que as práticas de gestão e de gestão de recursos humanos exploram efeitos sedutores de dominação da subjetividade - tecnologias “emocionais”, vocabulários e tendências, mas também disciplinadores, das fantasias (do desejo, identificação e anseio de formação da identidade). Portanto, por meio desses mecanismos, as IES “conseguem impor de maneira sutil a sua cultura e dominar o inconsciente do indivíduo” (SIQUEIRA, 2009SIQUEIRA, M. V. S. Gestão de pessoas e discurso organizacional: crítica à relação indivíduo-empresa nas organizações contemporâneas. Curitiba: Juruá Editora, 2009., p. 83).

Ao considerar essa sutil influência dos comportamentos, Onuma, Zwick e Brito (2015ONUMA, F. M. S.; ZWICK, E.; BRITO, M. J. Ideologia gerencialista, poder e gestão de pessoas na administração pública e privada: uma interpretação sob a ótica da análise crítica do discurso. Revista de Ciências da Administração, v. 17, n. 42, p. 106-120, 2015.) afirmaram que ela é, de fato, o melhor modo de exercer poder e assegurar a obediência ao sistema capitalista. Também há sutil influência na expressão de confiança nas relações de trabalho entre gerentes e docentes, observada por Zanini e Migueles (2014ZANINI, M. T. F.; MIGUELES, C. P. O papel mediador entre confiança e desempenho organizacional. Revista de Administração, v. 49, n. 1, p. 45-58, 2014.) como mediadora do desempenho em uma perspectiva econômica.

Ademais, permanece o controle organizacional (pela máquina burocrática) dos resultados (incentivo à competição econômica), a saturação (um só texto repetido indefinidamente) e a dissuasão (instalação de um aparelho de intervenção) (ENRIQUEZ, 1990ENRIQUEZ, E. Da horda ao Estado: psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.). Nesse sentido, Tragtenberg (1979TRAGTENBERG, M. Administração, poder e ideologia. In: REZENDE, A. M. (Org.). Iniciação teórica e prática às ciências da educação. Petrópolis: Vozes, 1979. p. 165-192.) afirma que a “administração escolar” não mais é do que aplicação à escola do sistema administrativo e de uma prática teorizada por Taylor (1980TAYLOR, F. Princípios da administração científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1980.), tendo em vista que os professores são tratados como “trabalhadores produtivos” (BRUNO, 2011BRUNO, L. Educação e desenvolvimento econômico no Brasil. Revista Brasileira de Educação, v. 16, n. 48, p. 545-562, 2011.).

IDEOLOGIA GERENCIALISTA E SUBJETIVIDADE

O ambiente organizacional contemporâneo é marcado pela intensificação da ideologia “gerencialista” (GAULEJAC, 2007GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007.), que utiliza os discursos de eficiência e eficácia, a fim de criar uma falsa neutralidade da gestão (TONON e GRISCI, 2015TONON, L.; GRISCI, C. L. I. Gestão gerencialista e estilos de vida de executivos. Revista de Administração Mackenzie, v. 16, n. 1, p. 15-39, 2015.). Esse modelo introduz a instabilidade, a ruptura, a precariedade e a insegurança nas relações de trabalho entre docentes e gerentes. Contempla-se o surgimento de novas formas de trabalho (horistas) para docentes (MANCEBO, SILVA JUNIOR, LÉDA, 2016MANCEBO, D.; SILVA JUNIOR, J. R.; LÉDA, D. B. O trabalho nas instituições de Educação Superior. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 32, n. 3, p. 739-757, 2016.), assim como novas formas de gestão (GAULEJAC, 2007GRECKHAMER, T. The stretch of strategic management discourse: a critical analysis. Organization Studies, v. 31, n. 7, p. 841-871, 2010.).

Essa ideologia tende a incentivar o desempenho, a qualidade, a eficácia e a competição (GAULEJAC, 2007GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007.). Exige-se um novo perfil profissional de docente, mais flexível, polivalente, adaptativo e reativo a uma rotina de não exclusividade nas IES (GAULEJAC, 2007GRECKHAMER, T. The stretch of strategic management discourse: a critical analysis. Organization Studies, v. 31, n. 7, p. 841-871, 2010.). Como capital humano, os docentes são medidos quantitativamente a partir do rendimento (produção científica) e acompanhados pelos gerentes “para avaliar seu trabalho, registrar suas aspirações e suas queixas” (PAGÈS, BONETTI, GAULEJAC et al., 1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas , 1987., p. 100). Tornam-se responsáveis por sua realização e carreira a partir da propagação do imaginário do sucesso (GAULEJAC, 2007GRECKHAMER, T. The stretch of strategic management discourse: a critical analysis. Organization Studies, v. 31, n. 7, p. 841-871, 2010.), que tem a busca da excelência e superação como fatores primordiais (FREITAS, 2000FREITAS, M. E. Contexto social e imaginário organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas, v. 40, n. 2, p. 6-15, 2000.). Desse modo, são praticamente forçados ao individualismo, com efeito poderoso na quebra dos coletivos de trabalho, na cooperação e na solidariedade (DEJOURS e DERANTY, 2010DEJOURS, C.; DERANTY, J-P. The centrality of work. Critical Horizons, v. 11, n. 2, p. 167-180, 2010.).

A IES tende a se apresentar como a melhor IES para se trabalhar (SIQUEIRA, 2009SIQUEIRA, M. V. S. Gestão de pessoas e discurso organizacional: crítica à relação indivíduo-empresa nas organizações contemporâneas. Curitiba: Juruá Editora, 2009.), como responsável por uma “missão nobre” (FREITAS, 2000FREITAS, M. E. Contexto social e imaginário organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas, v. 40, n. 2, p. 6-15, 2000.), a fim de seduzir e sequestrar docentes e gerentes, a ponto de perderem-se de si (FARIA e MENEGHETTI, 2007aFARIA, J. H.; MENEGHETTI, F. K. Sequestro da subjetividade. In: FARIA, J. H. (Org.). Análise crítica das teorias e práticas organizacionais. São Paulo: Atlas, 2007a. p. 45-67.), entregando-se de corpo e alma aos seus requisitos não por dinheiro, já que falar em lucro/dinheiro é um tabu, que “faz com que as empresas se distanciem de aspectos reais e objetivos e fortaleçam suas dimensões simbólicas e afetivas” (IRIGARAY, CUNHA e HARTEN, 2016IRIGARAY, H. A. R.; CUNHA, G. X.; HARTEN, B. A. Missão organizacional: o que a análise crítica do discurso revela? Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 920-933, 2016., p. 931).

Diante dessas tendências gerencialistas, “o esgotamento profissional, o estresse, o sofrimento no trabalho se banalizam” (GAULEJAC, 2007GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007., p. 32). Como resultado disso, inúmeras implicações (conflitos, problemas, pressões e sofrimentos) afetam os indivíduos que exercem o papel gerencial em IES, por ser alvos da glamourização do mundo executivo (TONON e GRISCI, 2015TONON, L.; GRISCI, C. L. I. Gestão gerencialista e estilos de vida de executivos. Revista de Administração Mackenzie, v. 16, n. 1, p. 15-39, 2015.).

Nesse sentido, McCabe (2014)MCCABE, D. Light in the darkness? Managers in the back office of a Kafkaesque bank. Organization Studies, v. 35, n. 2, p. 255-278, 2014. afirmam que o lado negro das organizações se tornou uma característica integral da vida cotidiana delas, que tendem a representar os gerentes como pessoas que exercem poder sobre os funcionários, vistos como vítimas. Por outro lado, reforça que é importante identificar que gerentes também são vítimas de um regime de trabalho falho e contraditório, ou seja, do “lado negro”.

Afinal, a gestão é executada por pessoas, com suas histórias, desejos, aspirações, angústias, família e emoções (GAULEJAC, 2014GAULEJAC, V. Pour une sociologie clinique du travail. La Nouvelle Revue du Travail, n. 4, 2014.). Ao passo que a dimensão subjetiva do trabalho em suas vidas interfere na construção intelectual, na descoberta de si e em relação ao que fazem (LHUILIER, 2005LHUILIER, D. Trabalho. In: BARUS-MICHEL, J.; ENRIQUEZ, E.; LÉVY, A. Dicionário de psicossociologia. Lisboa: Climepsi, 2005. p. 210-219.). Ardoino e Barus-Michel (2005ARDOINO, J.; BARUS-MICHEL, J. Sujeito. In: BARUS-MICHEL, J.; ENRIQUEZ, E.; LÉVY, A. Dicionário de psicossociologia. Lisboa: Climepsi, 2005. p. 203-209., p. 204) mencionam que “a subjectividade é um atributo natural do sujeito mas não o esgota, são estados de consciência, uma ‘vivência’ em que os afectos e o imaginário são largamente preponderantes, à custa da objectividade”. Desse modo, o trabalho leva os gerentes a criar, manifestar e reconhecer sua singularidade por meio de suas práticas (LHUILIER, 2005LHUILIER, D. Trabalho. In: BARUS-MICHEL, J.; ENRIQUEZ, E.; LÉVY, A. Dicionário de psicossociologia. Lisboa: Climepsi, 2005. p. 210-219.).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa e exploratória-descritiva, baseada em um estudo com 12 gerentes de 3 IES privadas (4 gerentes em cada IES) em uma cidade de Minas Gerais. Foram 7 mulheres e 5 homens, codificados, para fins de análise, como: Entrevistado(a) 01, Entrevistado(a) 02 [...] Entrevistado(a) 12.

A maioria dos gerentes se encontra na faixa etária entre 40 e 49 anos, tem a especialização como maior titulação acadêmica e seu tempo de trabalho varia de 10 a 19 anos na IES, mas de 1 a 9 anos no exercício do cargo de gerente. Observou-se que a maioria deles teve experiências como docente e como gerente antes de assumir o papel gerencial na atual IES pesquisada. O tempo total das entrevistas foi de 11 horas e 54 minutos.

A cidade escolhida possui população aproximada de 400 mil habitantes. Apresenta-se como um importante centro universitário da região, dada a diversidade de cursos, nas mais diferentes áreas de atuação, atraindo estudantes de várias partes do país. A cidade é sede da oferta de Ensino Superior tanto da rede estadual e federal quanto da iniciativa privada. Nesse contexto, a escolha das 3 IES foi realizada de modo intencional, por ofertarem uma maior quantidade de cursos presenciais aprovados pelo Ministério da Educação (MEC), o que sinaliza uma possível competição por docentes e discentes. Essas 3 IES têm fins lucrativos, oferecem mais de 15 cursos (presenciais), têm mais de 5 mil alunos e mais de 500 trabalhadores.

A entrevista foi utilizada como técnica de coleta de dados, a partir de roteiro semiestruturado e em profundidade. A transcrição das entrevistas foi integral (ipsis litteris), realizada com apoio de um programa computacional gratuito, o Express Scribe Transcription. Para a análise de dados, pontos críticos das falas dos gerentes, adotou-se a ACD, inspirada nas asserções teórico-metodológicas de Fairclough (2016FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: UnB, 2016.), junto com o modo de análise indutivo sob a perspectiva da Sociologia Clínica (SC). Esta consiste em ouvir os sujeitos em suas dimensões afetivas e sociais, a fim de desvendar os determinismos nos comportamentos, principalmente relacionados ao mundo do trabalho (GAULEJAC, 2014GAULEJAC, V. Pour une sociologie clinique du travail. La Nouvelle Revue du Travail, n. 4, 2014.).

A originalidade da abordagem de Fairclough (2005FAIRCLOUGH, N. Discourse analysis in organization studies: the case for critical realism. Organization Studies, v. 26, n. 6, p. 915-939, 2005.; 2016), que determinou a escolha da ACD para esta pesquisa, está em considerar o discurso tanto moldado pela estrutura social quanto constitutivo da estrutura social, a favor da concepção de organização como uma realização interativa do discurso gerencial. Desse modo, a ACD deve ser orientada de modo tridimensional, pois qualquer “evento discursivo (isto é, qualquer exemplo de discurso) é considerado simultaneamente como um texto, um exemplo de prática discursiva e um exemplo de prática social” (FAIRCLOUGH, 2016FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: UnB, 2016., p. 22). Quanto à análise textual, que também pode ser denominada descrição, 4 critérios foram priorizados com base nesse autor, com o intuito de identificar possíveis estruturas ideológicas do discurso:

  1. Vocabulário: análise da escolha do vocabulário, do sentido das palavras e de metáforas;

  2. Gramática: análise de transitividade (direta, indireta), das vozes (ativas, passivas), do grau de nominalização (conversão de processos em nomes), das modalidades (relação de afinidade entre produtores e proposições);

  3. Coesão: análise de repetições, ênfases dadas, uso de sinônimos (significado de um campo semântico comum), uso de conjunções (portanto, entretanto, mas...), uso de mecanismos de referência e substituição (pronome, artigo...);

  4. Estrutura textual: análise da maneira e ordem em que os elementos ou episódios são combinados.

Já na dimensão de análise da prática discursiva, que envolve a concepção de “texto” e “interação”, 3 critérios foram priorizados com base no mesmo autor, na intenção de identificar pistas e recursos utilizados pelos gerentes para interpretar as realidades sociais:

  1. Força dos enunciados (relaciona-se também com a análise textual): ato(s) de fala (dar uma ordem, fazer uma pergunta, ameaçar, prometer), polidez (estratégias de amenização dos atos de fala), éthos (comportamento/construção do eu);

  2. Coerência dos textos (relaciona-se também à análise textual): inferir relações de sentido do texto como um todo à luz de funções ideológicas de coerência;

  3. Intertextualidade: identificação do que o discurso pode assimilar, contradizer, ecoar ironicamente e assim por diante, a partir das relações que o texto estabelece com outros.

Por fim, buscou-se avaliar, com base em Fairclough (2016FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: UnB, 2016.), a análise da prática social, que cuida das circunstâncias organizacionais do evento discursivo, ou seja:

  1. Como as práticas sociais constroem e são construídas pelas práticas discursivas a partir de elementos da vida social dos gerentes;

  2. De que modo o texto (discurso dos gerentes professados nas entrevistas) se reveste de ideologias, controle e poder;

  3. Quais são os efeitos sociais que os textos sugerem.

Ressalta-se que foi dada maior ênfase à análise da prática discursiva e da prática social (FAIRCLOUGH, 2016FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: UnB, 2016.). Os resultados foram analisados a partir de 3 categorias: produção do discurso, promoção do discurso, simbologia e subjetivação do trabalho pelos gerentes.

ANÁLISE DA PRODUÇÃO DO DISCURSO

A categoria análise da produção do discurso buscou indicação de influência de características do poder gerencialista nos domínios econômico, político, ideológico, psicológico (PAGÈS, BONETTI, GAULEJAC et al., 1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas , 1987.) e cultural (GAULEJAC, 2007GRECKHAMER, T. The stretch of strategic management discourse: a critical analysis. Organization Studies, v. 31, n. 7, p. 841-871, 2010.) nas formações discursivas dos gerentes das IES. Também analisou a indicação de influência de outros indivíduos nessa produção.

Dado que o “momento de contratação” é o primeiro contato estabelecido por meio do discurso entre gerentes e docentes, inicia-se a discussão dessa seção com a seguinte produção discursiva:

[...] no momento de contratação, eu falo com cada professor que eu contratei, e foram todos, eu falo “olha, neste momento quem está te contratando sou EU, a partir de agora quem se demite é VOCÊ. Então, eu não vou te demitir por um motivo qualquer, eu só vou te demitir se você fizer por onde, se você não for um bom professor, se você não tiver dedicação, não tiver compromisso, não sou eu que tô te demitindo, é você que tá saindo. Então, na verdade, eu só tenho a função de te admitir, a demissão, na verdade, é apenas uma comunicação pelo seu mal feito. Não sou eu que vou te demitir” (Entrevistado 07).

O Entrevistado 07 narra sua prática social a partir do gênero conversacional, utilizando um vocabulário informal, a fim de estabelecer relações sociais de parceria e confiabilidade com o futuro docente no momento de contratação, omitindo a dominação e submissão a partir da influência sutil sobre o comportamento (ONUMA, ZWICK e BRITO, 2015ONUMA, F. M. S.; ZWICK, E.; BRITO, M. J. Ideologia gerencialista, poder e gestão de pessoas na administração pública e privada: uma interpretação sob a ótica da análise crítica do discurso. Revista de Ciências da Administração, v. 17, n. 42, p. 106-120, 2015.). Age assim por ter consciência de que a confiança é essencial para o desempenho (ZANINI e MIGUELES, 2014ZANINI, M. T. F.; MIGUELES, C. P. O papel mediador entre confiança e desempenho organizacional. Revista de Administração, v. 49, n. 1, p. 45-58, 2014.), entendida, aqui, como propagadora do poder gerencialista nas IES. A força de seu enunciado para alcançar o imaginário do(a) docente está na promessa de contratação - “quem está te contratando sou EU” - e na promessa de não demitir o(a) docente - “eu não vou te demitir”. Exige-se do(a) docente: “fazer por onde”, “ser bom”, “ter dedicação” e “ter compromisso”. O individualismo (DEJOURS e DERANTY, 2010DEJOURS, C.; DERANTY, J-P. The centrality of work. Critical Horizons, v. 11, n. 2, p. 167-180, 2010.) e o culto à excelência e ao desempenho (FREITAS, 2000FREITAS, M. E. Contexto social e imaginário organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas, v. 40, n. 2, p. 6-15, 2000.) são características do poder gerencialista propagadas por meio da responsabilização única e exclusiva do docente quanto à sua permanência e carreira na IES (GAULEJAC, 2007GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007.) - “a partir de agora quem se demite é VOCÊ”. Desse modo, o gerente se anula quanto ao papel gerencial de demissão e ameniza a ameaça do desemprego com a expressão “apenas uma comunicação pelo seu mal feito” (MANCEBO, SILVA JUNIOR e LÉDA, 2016MANCEBO, D.; SILVA JUNIOR, J. R.; LÉDA, D. B. O trabalho nas instituições de Educação Superior. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 32, n. 3, p. 739-757, 2016.). Como resultado, o éthos gerencialista em seu comportamento é forte e só reforça sua posição de comando na IES (MOTTA, 1993MOTTA, F. P. Controle social nas organizações. Revista de Administração de Empresas, v. 33, n. 5, p. 68-87, 1993.). Esse tipo de discurso gerencial tende, por meio da ênfase na causalidade - “se você não” - a envolver o(a) docente em servidão voluntária à organização e à livre adesão ao que é proposto no momento da contratação (PAGÈS, BONETTI, GAULEJAC et al., 1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas , 1987.). Desse modo, percebe-se uma relação ideológica e de poder no discurso, que tem como efeito social a culpabilização do docente pela não realização do “contrato” de trabalho (FARIA e MENEGHETTI, 2007bFARIA, J. H.; MENEGHETTI, F. K. Discursos organizacionais. In: FARIA, J. H. (Org.). Análise crítica das teorias e práticas organizacionais. São Paulo: Atlas, 2007b. p. 119-141.).

Essa prática social dos gerentes também é sinalizada nesta fala:

[...] ele não é visto como fiscalizado, né? na verdade, eu tento agir como, “olha, cê é parceiro do curso, eu preciso de você, se você não cumpriu os outros todos vão fazer a mesma coisa, e, aí, eu vou falar o quê? Aí, todo mundo vai ser penalizado” (Entrevistada 05).

O pronome “ele” substitui a figura docente nessa passagem, que “não é visto como fiscalizado” e “é parceiro do curso”. Na verdade, “fiscalizado” vem do verbo fiscalizar, equivalente a vigiar (nominalização como recurso discursivo) e “parceiro” coloca o(a) docente como cúmplice do(a) gerente. Isto é, uma expressão de confiança sutil para mobilização do desempenho (ZANINI e MIGUELES, 2014ZANINI, M. T. F.; MIGUELES, C. P. O papel mediador entre confiança e desempenho organizacional. Revista de Administração, v. 49, n. 1, p. 45-58, 2014.). É uma estratégia de naturalização ideológica da ideia da inexistência do controle do trabalho docente (BRUNO, 2011BRUNO, L. Educação e desenvolvimento econômico no Brasil. Revista Brasileira de Educação, v. 16, n. 48, p. 545-562, 2011.), a fim de persuadi-lo a ser um “modelo” para os outros na IES (FREITAS, 2000FREITAS, M. E. Contexto social e imaginário organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas, v. 40, n. 2, p. 6-15, 2000.), uma vez que, sob efeito da causalidade e da combinação de episódios nessa estrutura textual, se ele “não cumpriu”, como resultado, “os outros todos vão fazer a mesma coisa” e “aí, todo mundo vai ser penalizado”. Como efeito social, há responsabilização individual do(a) docente quanto ao comportamento e desempenho coletivo na IES (DEJOURS e DERANTY, 2010DEJOURS, C.; DERANTY, J-P. The centrality of work. Critical Horizons, v. 11, n. 2, p. 167-180, 2010.).

Semelhante a isso, o Entrevistado 01 afirma que a cultura da IES deverá servir de “bíblia” (PAGÈS, BONETTI, GAULEJAC et al., 1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas , 1987.) para os docentes, “de forma tão natural” que eles começam a agir do modo que os gerentes desejam, “sem forçar, SEM MANUAL”, acreditando que seja a “única forma que existe de fato de fazer”, de modo que “ninguém precisa ficar atrás dele”, pois “a gente sabe que ele vai fazer o melhor”. A escolha do vocabulário (“natural” e “única forma”) reforça a naturalização ideológica da construção de uma realidade que parece ser inevitável na IES (GRECKHAMER, 2010GRECKHAMER, T. The stretch of strategic management discourse: a critical analysis. Organization Studies, v. 31, n. 7, p. 841-871, 2010.) para o controle psíquico (GAULEJAC, 2007GRECKHAMER, T. The stretch of strategic management discourse: a critical analysis. Organization Studies, v. 31, n. 7, p. 841-871, 2010.). Aqui, propõe-se uma cultura de autonomia controlada (PAGÈS, BONETTI, GAULEJAC et al., 1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas , 1987.), de modo que os docentes precisam fazer o melhor sempre (FREITAS, 2000FREITAS, M. E. Contexto social e imaginário organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas, v. 40, n. 2, p. 6-15, 2000.). O éthos gerencialista pode ser percebido na modalidade assertiva do discurso (FAIRCLOUGH, 2016FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: UnB, 2016.), quando o Entrevistado 01 diz: “a gente sabe que ele vai fazer o melhor”. A crença, aqui, é sinônimo de poder e interesse político (FLEMING e SPICER, 2014FLEMING, P.; SPICE, A. Power in management and organization science. The Academy of Management Annals, v. 8, n. 1, p. 237-298, 2014.).

O cunho social (função educativa/formativa da IES) e a responsabilidade social da IES apareceram nas estratégias discursivas na intenção de simbolizar o trabalho como “uma missão nobre” (FREITAS, 2000FREITAS, M. E. Contexto social e imaginário organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas, v. 40, n. 2, p. 6-15, 2000.), como expresso nestas falas:

[...] éhhh como se (re)lembrasse pra nós, professores e diretores, que a gente tem essa missão, que tem essa função dentro da instituição e “o que somos”, né? “o que estamos formando?”, “o que estamos é é montando”, “o que nós estamos esperando lá fora?” (Entrevistada 03).

[...] o comprometimento é em função daquilo que ele entende como benefício organizacional, como política de responsabilidade social, são nessas linhas que a gente tenta captar esse docente (Entrevistada 05).

Possivelmente, ocultam-se na fala da Entrevistada 03 os proprietários da IES - sujeitos - que, intertextualmente, têm sua voz manifestada por meio de atos da fala que ecoam a “missão” e a “função” nobre que os “professores e diretores” têm “dentro da instituição” (FREITAS, 2000FREITAS, M. E. Contexto social e imaginário organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas, v. 40, n. 2, p. 6-15, 2000.). O vocabulário escolhido para isso é cheio de expressões como “o que somos”, “estamos formando”, “montando”, “esperando lá fora”, simbolizando, assim, estratégias de sedução, fascinação (ENRIQUEZ, 1990ENRIQUEZ, E. Da horda ao Estado: psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.) e mobilização psicológica da imaginação dos indivíduos (GAULEJAC, 2007GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007.). O discurso gerencial explora os efeitos sedutores de dominação da subjetividade e das fantasias dos indivíduos (ECKMAN, 2013ECKMAN, S. Fantasies about work as limitless potential: how managers and employees seduce each other through dynamics of mutual recognition. Human Relations, v. 66, n. 9, p. 1159-1181, 2013.). Já a Entrevistada 05 buscou intertextualmente na matemática uma “função” - metáfora - diretamente proporcional entre “política de responsabilidade social” e “comprometimento”, ou seja, quanto maior for o “benefício organizacional” proporcionado como “política de responsabilidade social” pela IES, maior tende a ser o comprometimento dos docentes em prol do trabalho. O controle por meio do amor (ENRIQUEZ, 1990) e a proposta de um projeto social comum (GAULEJAC, 2007) estão nas entrelinhas dessas produções, que foram manipuladas de modo impuro e distorcido (DEJOURS, 2006DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. 7. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.).

Foram percebidas inúmeras vantagens concedidas para captar o(a) docente, a partir da criação de mecanismos de mediação (de recompensas), como postulado por Pagès, Bonetti, Gaulejac et al. (1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas , 1987.), expressos por meio de sinônimos (“incentivos”, “ajuda”, “atender”) no discurso gerencial. Por exemplo:

[...] tudo às vezes em relação ao docente é diferenciado (Entrevistada 08).

[...] muita gente fez faculdade aqui sem pagar um real (Entrevistada 10).

[...] tem incentivos de participação em eventos externos (Entrevistada 05).

[...] ajuda pra cursos de especialização (Entrevistado 01).

[...] éhhh na realidaaadeee tudo que é POOOSSÍÍÍVEL e que é pedido pelos nossos docentes, a gente procura atender, sabe? Éhhh então, pequenos detalhes, né? (Entrevistado 01).

Nesta última fala, “pequenos” adjetiva “detalhes”, que, na verdade, não são de pouca importância, mas reverberam a intensidade das estratégias de mediação.

Constatou-se a influência de proprietários/conselho/direção executiva (por meio de mecanismos de substituição, como os pronomes “ele” e “eles”) na produção discursiva dos gerentes a partir das tarefas que solicitam. “Ordem na casa” (Entrevistado 02), “resolver algumas coisas” (Entrevistada 05), “passar informação de algum comando, de alguma instrução que já foi determinada” (Entrevistada 03), “eles encaminham, qual é a diretriz que ele quer, o indicador que ele quer” (Entrevistada 05), são alguns desses comandos. “Ordem”, “instrução”, “diretriz” e “indicador” são vocábulos anunciadores dos princípios administrativos que ainda regem as IES (TRAGTENBERG, 1979TRAGTENBERG, M. Administração, poder e ideologia. In: REZENDE, A. M. (Org.). Iniciação teórica e prática às ciências da educação. Petrópolis: Vozes, 1979. p. 165-192.). Efeitos sociais do controle organizacional, burocrático e de resultados sobre os gerentes (ENRIQUEZ, 1990ENRIQUEZ, E. Da horda ao Estado: psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.).

Não é nada distante, é MUIIIITO próximo, é muito próximo da gente” (Entrevistada 03) e “os funcionários eles dando feedback, eu apresentando feedback, mostrando em reuniões” (Entrevistado 09) são formações discursivas que indicaram por meio do tom de voz (“MUIIIITO”), da locução (“próximo da”) e da ordem dos eventos (estrutura textual do Entrevistado 09), o vínculo entre gerentes e proprietários/conselho/direção executiva. Expressão social de dominação ideológica e poder (FARIA e MENEGHETTI, 2007bFARIA, J. H.; MENEGHETTI, F. K. Discursos organizacionais. In: FARIA, J. H. (Org.). Análise crítica das teorias e práticas organizacionais. São Paulo: Atlas, 2007b. p. 119-141.), principalmente no acompanhamento do trabalho docente (eufemizado na fala como “funcionários”) por parte dos gerentes (PAGÈS, BONETTI, GAULEJAC et al., 1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas , 1987.). Aqui, fecha-se o ciclo de controle social, dos proprietários sobre os gerentes e dos gerentes sobre os docentes (MOTTA, 1993MOTTA, F. P. Controle social nas organizações. Revista de Administração de Empresas, v. 33, n. 5, p. 68-87, 1993.), rememorando que o lado negro das organizações está posto para ambas as partes (MCCABE, 2014MCCABE, D. Light in the darkness? Managers in the back office of a Kafkaesque bank. Organization Studies, v. 35, n. 2, p. 255-278, 2014.).

ANÁLISE DA PROMOÇÃO DO DISCURSO

Essa categoria de análise buscou apreender os mecanismos, como, identificação, recalcamento, repressão, negação (ENRIQUEZ, 2001ENRIQUEZ, E. Instituições, poder e “desconhecimento”. In: ARAÚJO, J. N.; CARRETEIRO, T. C. (Org.). Cenários sociais e abordagem clínica. Belo Horizonte: Fumec, 2001. p. 49-74.) e de mediação (PAGÈS, BONETTI, GAULEJAC et al., 1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas , 1987.) nas formações discursivas dos gerentes, a fim de influenciar o comportamento individual e coletivo dos docentes na IES. Desse modo, inicia-se esta discussão com a seguinte fala:

[...] ele PASSA a ser, ele PASSA a ser dá empresa, entendeu? Então, ele NÃO ESTÁ na empresa, ele É a empresa, não é? E é o que talvez, né? Faz ele viver tanto tempo aqui dentro (Entrevistado 01).

O Entrevistado 01 adota um tom de voz forte quando pronuncia as palavras “PASSA” e “NÃO ESTÁ”, enfatizando seu argumento principal - o docente “É a empresa”. Pode-se dizer, a partir do contexto da entrevista, que o pronome “ele” está substituindo o sujeito “docente”. O verbo “passar”, conjugado no presente do indicativo, dá ideia de ir de um lugar para o outro, de mover-se. Nesse caso, passar de “estar” para “ser” confere identidade organizacional ao docente, personificado como empresa - “ele É a empresa, não é?”. O modo como utiliza a palavra “talvez” é o recurso para se aproximar da subjetividade para não deixar claro que a fusão da identidade (e de valores culturais) do(a) docente com a IES é requisito-chave para sua permanência (SIQUEIRA, 2009SIQUEIRA, M. V. S. Gestão de pessoas e discurso organizacional: crítica à relação indivíduo-empresa nas organizações contemporâneas. Curitiba: Juruá Editora, 2009.). Descortina-se, aqui, como efeito social, a regulação da identidade (ALVESSON e WILLMOTT, 2002ALVESSON, M.; WILLMOTT, H. Identity regulation as organizational control: producing the appropriate individual. Journal of Management Studies, v. 3, n. 5, p. 619-644, 2002.).

Essa busca da identificação subjetiva do indivíduo é reforçada na promoção discursiva pelo ideal de perfeição (endeusamento) da IES (GAULEJAC, 2007GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007.). Há gerente que professa o discurso “das melhores empresas para se trabalhar” (SIQUEIRA, 2009SIQUEIRA, M. V. S. Gestão de pessoas e discurso organizacional: crítica à relação indivíduo-empresa nas organizações contemporâneas. Curitiba: Juruá Editora, 2009.), apresentando a IES como “modelo pro Brasil” (Entrevistado 09). Já a Entrevistada 10 expõe que tem “orgulho de trabalhar aqui, por ver essa instituição do tamanho que ela está”. Em muitas falas, aparece em primeiro plano a valorização do nome da IES e da marca institucional como algo importante para a “boa imagem, e eles têm orgulho, né? de constar no currículo que trabalha na [nome da IES]” (Entrevistada 11), “então, as pessoas querem ir pra lá. As pessoas querem a marca, ‘eu quero ser filho da [nome da IES]’, né?” (Entrevistado 07). Como dito por Gaulejac (2007GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007.), o ideal gerencialista propõe que o nome da empresa inspire “questões como ‘orgulho e confiança’”.

Por outro lado, há promoção discursiva para não deixar emergir certos desejos que podem provocar ruptura com a IES (ENRIQUEZ, 2001ENRIQUEZ, E. Instituições, poder e “desconhecimento”. In: ARAÚJO, J. N.; CARRETEIRO, T. C. (Org.). Cenários sociais e abordagem clínica. Belo Horizonte: Fumec, 2001. p. 49-74.), como a seguir:

[...] em tudo na vida é 70% de bom senso e 30% de técnica, sabe? Em qualquer coisa, até numa cirurgia. Então, se a gente usa esse bom senso, sabe a hora de puxar, sabe a hora de soltar as cordas, você vai mantendo o equilíbrio, né? (Entrevistado 01).

O Entrevistado 01 descreve metaforicamente o recalcamento como um “puxar” e “soltar as cordas”, ainda denomina isso como “bom senso” para manter o “controle” organizacional - termo ocultado na palavra “equilíbrio”. Desse modo, o éthos gerencialista mostra sua força para não ter de usá-la, como um modo de controle por dissuasão, a fim de evitar transgressões e manter a ordem na IES (ENRIQUEZ, 1990ENRIQUEZ, E. Da horda ao Estado: psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990., 2001). Exemplo claro da falsa neutralidade da gestão (TONON e GRISCI, 2015TONON, L.; GRISCI, C. L. I. Gestão gerencialista e estilos de vida de executivos. Revista de Administração Mackenzie, v. 16, n. 1, p. 15-39, 2015.).

A repressão na promoção do discurso aos docentes que não se comportam dentro do esperado, do que é repetido indefinidamente na IES, apareceu de modo atenuado, personificando a IES como “mãe”, sob o perfil (ou a máscara) de “boa samaritana” (IRIGARAY, CUNHA, HARTEN, 2016IRIGARAY, H. A. R.; CUNHA, G. X.; HARTEN, B. A. Missão organizacional: o que a análise crítica do discurso revela? Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 920-933, 2016., p. 931).

Eu falo que aqui, que a [nome da IES], ela éhhh muitooo mãe assim, a gente procura tratar, né? Num é só com professor, não, até com funcionário, “vamos remanejar?”, “vamos tentar dessa forma?”, “vamos tentar dessa”, chama pra conversar, aí, quando não conseguimos mais nenhuma alternativa, é hora da dispensa, né? (Entrevistada 03).

Nota-se que o plural, utilizado e enfatizado na repetição de “vamos”, indica uma decisão coletiva ou uma tentativa de afastamento da gerente da responsabilidade da demissão, uma vez que narra (“eu falo que aqui”) o processo de controle por saturação - efeito social sugerido - sobre a realidade da IES (ENRIQUEZ, 1990ENRIQUEZ, E. Da horda ao Estado: psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990., 2001).

A negação na promoção discursiva dos gerentes é uma fuga da realidade na busca exclusiva do prazer. Confirmou-se nas falas a negação de dificuldades e desafios no cotidiano de trabalho, de modo a encobrir as possíveis desordens, concordando com o que Greckhamer (2010GRECKHAMER, T. The stretch of strategic management discourse: a critical analysis. Organization Studies, v. 31, n. 7, p. 841-871, 2010.) afirmou sobre os discursos serem performativos para promulgar certas realidades, como, por exemplo:

[...] éhhhh a faculdade, éhhh assim, eu num consigo enxergar nem aonde melhorar, sabe? A não ser que você criar supérfluo (Entrevistado 07).

[...] no geral, as condições de trabalho são muito boas, tudo aqui é muito bem cuidado (Entrevistada 12).

Nessas formações discursivas, fecha-se a cortina para não enxergar o real do trabalho (DEJOURS, 2006DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. 7. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.):

Eu num posso falar assim IDEAIS, mas são muito próximas de ideais, né? (Entrevistado 02).

Este último exemplo mostra que o gerente não é firme em seu argumento, por mais que utilize um tom de voz forte (“IDEAIS”). Ele admite a existência de contradição nas condições de trabalho por meio de uma conjunção adversativa “mas” (ENRIQUEZ, 1990ENRIQUEZ, E. Da horda ao Estado: psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990., 2001).

Verificou-se na promoção discursiva dos gerentes a necessidade de mediar privilégios para conquistar engajamento dos docentes. Para exemplificar:

[...] tá aqui o recurso, tá aqui toda condição pra você fazer isso. Então, o cara faz diferente, né? (Entrevistado 07).

[...] se o professor publicar 2 artigos que seja numa revista B5, ele tem 2 mil (Entrevistado 04).

[...] você não tem como cobrar de um professor se você não paga direito (Entrevistado 01).

[...] e eu acho que aí entra, né? A visão da direção do negócio, né? Que é se eu não der condições, eu não posso exigir uma condição espetacular de algo (Entrevistado 04).

Esse tipo de discurso é característico da concessão de privilégios em detrimento da dedicação ao trabalho, remetendo aos processos de mediação de toda ordem (PAGÈS, BONETTI, GAULEJAC et al.,1987PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas , 1987.) como modo de garantir o controle social dentro das IES (MOTTA, 1993MOTTA, F. P. Controle social nas organizações. Revista de Administração de Empresas, v. 33, n. 5, p. 68-87, 1993.), já que os docentes são considerados, aqui, trabalhadores produtivos (BRUNO, 2011BRUNO, L. Educação e desenvolvimento econômico no Brasil. Revista Brasileira de Educação, v. 16, n. 48, p. 545-562, 2011.) e, possivelmente, medidos pela quantidade de produtos que conseguem entregar (GAULEJAC, 2007).

ANÁLISE DA SIMBOLOGIA E SUBJETIVAÇÃO DO TRABALHO PELOS GERENTES

Essa categoria de análise buscou formações discursivas que indicavam aspectos simbólicos - atribuição de sentido em uma palavra - relacionados ao trabalho e à IES. Também buscou compreender como os gerentes subjetivaram o trabalho, o papel gerencial e as condições nas quais trabalham.

Nas falas, a simbologia percebida no uso dos adjetivos (em sua maioria) foi positiva, tanto em relação ao trabalho quanto à instituição pelos gerentes, como modo de valorização em detrimento de revelarem que trabalham em um contexto permeado pela ideologia gerencialista nas IES. Quanto ao trabalho, simbolizaram em uma palavra como: “excelente” (Entrevistado 01), “essencial” (Entrevistado 02), “qualidade, é eu até colocaria uma palavra ao invés de qualidade, kaizen” (Entrevistado 09) e “inovador” (Entrevistada 12). Quanto à instituição: “ótima” (Entrevistado 01), “propulsora” (Entrevistada 05), “espetacular” (Entrevistado 07), “organização de sucesso” (Entrevistada 10) e “é uma empresa de excelência” (Entrevistada 06). Efeito social da glamourização do mundo executivo (TONON e GRISCI, 2015TONON, L.; GRISCI, C. L. I. Gestão gerencialista e estilos de vida de executivos. Revista de Administração Mackenzie, v. 16, n. 1, p. 15-39, 2015.).

Ora o trabalho ajuda a “construir a vida” (Entrevistada 11) e “escapar da loucura” (Entrevistada 11), assim como é sinônimo de “libertação” (Entrevistada 05). Ora, a importância está no “reconhecimento recebido da instituição e/ou das pessoas” pelo trabalho exercido (Entrevistada 03), o que faz os gerentes se sentirem sujeitos ativos. Também há momentos em que “você não vê a vida passando, você não envelhece” por estar trabalhando (Entrevistado 01). Como existem, ainda, momentos nos quais o trabalho permite “atuar na vida dessas pessoas” (Entrevistado 01). O trabalho também é escape para o “ninho vazio” (Entrevistada 06), como também energia para os que “amam” trabalhar, ou melhor, são workaholics - viciados em trabalho (Entrevistado 07). Essas formações discursivas compõem o universo paradoxal do trabalho (GAULEJAC, 2007GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007.), além de manifestarem a singularidade dos gerentes (LHUILIER, 2005LHUILIER, D. Trabalho. In: BARUS-MICHEL, J.; ENRIQUEZ, E.; LÉVY, A. Dicionário de psicossociologia. Lisboa: Climepsi, 2005. p. 210-219.).

O papel gerencial foi subjetivado como expressão de flexibilidade, polivalência, adaptabilidade e reatividade (GAULEJAC, 2007GAULEJAC, V. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007.). Como exemplo:

[...] a questão de você gerenciar uma empresa deste tamanho, né? Te toma um tempo louco, porque se você tem que ficar atento, muitas vezes você tá, parece que tá sem fazer nada, mas cê tá ligado o tempo inteiro em pequenos detalhes, porque quando chega já num grau de organização que nós temos hoje, você fica regulando pequenos detalhes o tempo todo, porque a instituição já está pronta (Entrevistado 01).

Esta fala expressa o quanto esse gerente se doa à organização. Afinal, o trabalho gerencial consiste em controlar o “tempo inteiro em pequenos detalhes”. Isso exige do gerente inúmeras habilidades e disponibilidade “o todo tempo” em favor das necessidades das IES. O modo como narra suas atividades anuncia seu estilo particular de ser gerente, de “ficar atento”, de estar “ligado”, de controlar “pequenos detalhes”. Quando o entrevistado fala que “fica regulando pequenos detalhes o tempo todo”, ele também faz gestos como se estivesse regulando parafusos, rememorando intertextualmente como o trabalho era realizado nas fábricas (TAYLOR, 1980TAYLOR, F. Princípios da administração científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1980.).

Nesse momento, as narrativas sobre as condições de trabalho revelaram que os gerentes trabalham sob pressão e levam trabalho para casa, além de terem dificuldade para se desligar. Como exemplo:

[...] a gente costuma levar muito trabalho pra casa na cabeça, né? Sem contar que eu já levei até trabalho mesmo pra fazer, mas hoje eu consigo sair daqui e me desligar mais. A não ser que é uma coisinha assim “nossa, eu tenho isso pra resolver, nossa, tenho” (Entrevistada 11).

Nesta fala, a Entrevistada 11 utiliza a palavra “costuma”, que tem o sentido de repetição, para informar que leva “muito trabalho pra casa na cabeça”. Isso significa que seu tempo com a família se torna reduzido, devido ao seu pensamento continuar conectado ao trabalho. A gerente utiliza um elemento de coesão - “a não ser que” - para ligar as orações, na intenção de excluir algo que disse anteriormente, ou seja, na verdade, ela não consegue se desligar tanto do trabalho, pois aparece “uma coisinha assim”, que a faz refletir e expressar sua voz na narrativa - intertextualidade - “nossa, eu tenho isso pra resolver, nossa, tenho”. A repetição da interjeição “nossa” ratifica o quanto se preocupa com o trabalho que tem a fazer.

Contraditoriamente, os gerentes tendem a naturalizar essas condições como inerentes ao cargo, conforme esta fala:

[...] a pressão, ela é inerente, né? [pausa] que se faz, né? Acho que quanto maior o cargo, há tendência de ter mais pressão, mas ela é uma pressão controlada e é normal (Entrevistado 04).

Por parte dos gerentes, isso pode ser entendido como uma “normalidade”, uma “banalização do mal”, dos gerentes que “se tornam zelosos colaboradores de um sistema que funciona mediante a organização regulada, acordada e deliberada da mentira e da injustiça” (DEJOURS, 2006DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. 7. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006., p. 76).

O efeito social disso pode ser observado nesta fala:

[...] é IMPOSSIVEL você ter sucesso profissional e pessoal, sucesso. Você ser BEM profissionalmente e ser BEM no âmbito pessoal, você consegue. Agora, sucesso cê só consegue em um ou em outro, não tem jeito. Inclusive, deu esse problema na minha família, eu me considero um workaholic e amo o que eu faço e, na verdade, infelizmente, eu não consegui éhhh continuar com minha família, hoje eu tenho meus filhos, separei tem [x] dias (Entrevistado 07).

Neste trecho, o Entrevistado 07 afirma em tom de voz forte que “é IMPOSSIVEL você ter sucesso profissional e pessoal” e repete, ainda, a palavra “sucesso” ao final da oração, para ratificar que o que é impossível é o “sucesso” em ambos. Considera-se “um workaholic” e ama o que faz. Essa gíria em inglês - workaholic - quer dizer que a pessoa é viciada em trabalho, mas logo justifica seu vício com o amor - “amo o que eu faço”. Por isso, não conseguiu continuar com a família, mas sim com o trabalho. A partir da diferenciação que faz entre “ter sucesso” e “ser BEM” profissionalmente, pode-se dizer que o Entrevistado 07 deu lugar à excelência em sua carreira (FREITAS, 2000FREITAS, M. E. Contexto social e imaginário organizacional moderno. Revista de Administração de Empresas, v. 40, n. 2, p. 6-15, 2000.). Os efeitos disso foram sentidos em sua vida pessoal e social. Portanto, concorda-se com Dejours e Deranty (2010DEJOURS, C.; DERANTY, J-P. The centrality of work. Critical Horizons, v. 11, n. 2, p. 167-180, 2010.) quando afirmam que o trabalho não só gera prazer, mas também sofrimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo foi analisado e interpretado, à luz da ACD, o discurso gerencial de 12 gerentes no controle de docentes em 3 IES privadas, clarificando que a produção do discurso gerencial é perpassada por características do poder gerencialista no domínio ideológico, cultural, político, psicológico e econômico, sob influência de proprietários/conselho/direção executiva.

Os mecanismos de promoção discursiva estão na força “mítica e ideológica” - da mediação - para mobilizar o psicológico dos docentes, alimentando o imaginário do sucesso e responsabilizando-os por suas conquistas. Para além de ser visto como um(a) parceiro(a), o(a) docente foi considerado(a) um exemplo de trabalho para os outros, devido a agir em conformidade com a cultura da IES sob princípios da autonomia controlada e vigilância, como modo de legitimar o controle, o domínio e o poder nessas IES. Ressalta-se que esse controle social foi articulado em seu processo, objetivo e subjetivo, na intenção de envolvê-los em todas as suas dimensões.

Constatou-se que os gerentes subjetivaram e simbolizaram o trabalho e as IES de modo positivo a fim de promovê-los apenas sob a ótica do prazer. Entretanto, logo em seguida, revelaram que trabalham em um contexto permeado pela ideologia gerencialista. Foi possível revelar o lado negro das organizações não apenas para os docentes, mas também para os gerentes.

A principal contribuição deste estudo consiste na disseminação de um novo olhar, crítico, do discurso gerencial, em IES privadas, que, muitas vezes, procura-se ocultar. Espera-se que esta pesquisa estimule a reflexão de gerentes e docentes, uma vez que o caminho assertivo para dar início à mudança é a reflexão (FAIRCLOUCH, 2016FAIRCLOUGH, N. Discourse analysis in organization studies: the case for critical realism. Organization Studies, v. 26, n. 6, p. 915-939, 2005.). Acredita-se que o protocolo utilizado para a ACD também poderá tornar-se um exemplo para a realização de futuras pesquisas. Ademais, propõe-se como agenda de pesquisa uma análise de como as relações de parceria e confiança podem ser mediadoras e propagadoras da ideologia gerencialista nas IES, sob o enfoque da ACD.

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  • O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES)- Código de Financiamento 001

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2017
  • Aceito
    12 Jun 2018
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