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Ressocialização, trabalho e resistência: mulheres encarceradas e a produção do sujeito delinquente

Resocialización, trabajo y resistencia: mujeres encarceladas y la producción del sujeto delincuente

Resumo

Nos últimos anos, o acelerado crescimento da população carcerária brasileira desperta atenção para as políticas públicas voltadas à recuperação e ressocialização de apenados. Assim, adotando o conceito de dispositivo como norteador, este artigo analisa as práticas prisionais relacionadas à constituição do sujeito delinquente e as formas de resistência a essa constituição por mulheres encarceradas que participam do programa de ressocialização pelo trabalho. Foram entrevistadas 36 internas de uma penitenciária feminina localizada na Região Metropolitana da Grande Vitória. Os dados, produzidos por meio de entrevistas, foram submetidos à análise do discurso proposta por Michel Foucault, enfocando as práticas, funções econômicas e políticas manifestas nos discursos das presas e como elas atuam na constituição subjetiva e identitária dessas mulheres.

Palavras-chave:
Mulheres; Prisão; Ressocialização; Resistência; Dispositivo

Resumen

El crecimiento acelerado de la población carcelaria brasileña en los últimos años despierta atención a las políticas públicas dirigidas a la recuperación y resocialización de los presidiarios. Así, el objetivo de este artículo es analizar las prácticas penitenciarias relacionadas con la constitución del sujeto delincuente y las formas de resistencia a esta constitución por mujeres encarceladas que participan en el programa de resocialización por el trabajo, recurriendo al concepto de dispositivo como principal orientador de este análisis. Para ello se entrevistó a 36 internas de una determinada penitenciaría femenina. Los datos, producidos por medio de entrevistas, se sometieron al análisis de discurso desarrollado por Michel Foucault, buscando con ello analizar las prácticas, funciones económicas y políticas manifestadas en los discursos de las presas y cómo ellas actúan en la constitución subjetiva y de la identidad de dichas mujeres.

Palabras clave:
Dispositivo; Resocialización; Mujeres; Prisión; Resistencia

Abstract

The accelerated growth of the Brazilian prison population in recent years arouses attention to public policies aimed at recovery and rehabilitation of inmates. The objective of this article is to analyze prison practices related to constitution of the subjectivity and the forms of resistance to this constitution by incarcerated women who participate in the rehabilitation program, using the concept of dispositive as a guide for this analysis. Interviews were carried out with 36 inmates in a Women’s Penitentiary enrolled in the labor rehabilitation program. The data were produced through interviews and the study used the discourse analysis developed by Michel Foucault, seeking to analyze the practices and the economic and political functions manifest in the discourses of the incarcerated women and how these functions act in their subjective and identity construction.

Keywords:
Dispositive; Resocialization; Women; Prison; Resistance

INTRODUÇÃO

No Brasil, uma das grandes questões da temática segurança pública em regiões metropolitanas é a ressocialização de sujeitos em conflito com a lei nos espaços prisionais, apesar deste tema específico nem sempre ser tratado com a devida atenção pelos tomadores de decisões governamentais (FELTRAN, 2012FELTRAN, G. S. Governo que produz crime, crime que produz governo: o dispositivo de gestão do homicídio em São Paulo (1992-2011). Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 6, n. 2, p. 232-255, 2012.; LIMA, 2018LIMA, R. S. Violence and public safety as a democratic simulacrum in Brazil. International Journal of Criminology and Sociology, n. 7, p. 159-172, 2018.; LIMA, BUENO e MINGARDI, 2016LIMA, R. S.; BUENO,S; MINGARDI, G. Estado, polícias e segurança pública no Brasil. Revista Direito GV, v. 12, n. 1, p. 49-85, 2016.; LIMA, SINHORETTO e BUENO, 2015LIMA, R. S.; SINHORETTO, J.; BUENO S. A gestão da vida e da segurança pública no Brasil. Sociedade e Estado, v. 30, n. 1, p. 123-144, 2015.; ZALUAR, 2007ZALUAR, A. Democracia inacabada: o fracasso da segurança pública. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, p. 31-49, 2007.). Exatamente com essa finalidade, a Secretaria de Justiça do Estado do Espírito Santo desenvolveu o projeto denominado “Maria Marias”, cujo intuito é ofertar cursos profissionais e oportunidades de trabalho para mulheres. Para tanto, esse processo de construção subjetiva pelo trabalho requer que as apenadas sejam compelidas a se identificar em discursos ofertados que fazem circular relações de poder, para que possam tornar-se sujeitos vivíveis (BROWN e TOYOKI, 2013BROWN, A. D.; TOYOKI, S. Identity work and legitimacy. Organization Studies, v. 34, n. 7, p. 875-896, 2013.), fazendo com que as subjetividades produzidas sejam uma expressão do poder. Entretanto, é uma expressão de poder não determinística, ou seja, uma expressão de poder em que se considera a possibilidade de resistência e agência do sujeito (BROWN e LEWIS, 2011BROWN, A. D.; LEWIS, M. Identities, discipline and routines. Organization Studies, v. 32, n. 7, p. 871-896, 2011.).

Assim, este artigo analisa os dispositivos de poder relacionados à constituição do sujeito delinquente e as possíveis formas de resistência a essa estratégia. Para tanto, examinou-se o programa de ressocialização pelo trabalho de mulheres encarceradas, buscando entender a ação e as estratégias políticas dos dispositivos disciplinares e biopolíticos nos processos de construção do sujeito delinquente, bem como formas de resistência a tais dispositivos.

A análise dos dispositivos e suas formas de resistência possibilita entender a organização prisional como um processo contínuo de constante construção e desconstrução, sempre inacabado, em movimento, ao invés de uma entidade fixa, previsível e com existência determinada a priori (SOUZA, COSTA e PEREIRA, 2015SOUZA, E. M.; COSTA, A. S. M.; PEREIRA, S. J. N. A organização (in)corporada: ontologia organizacional, poder e corpo em evidência. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, p. 727-742, 2015.). Portanto, ao mesmo tempo que o Estado intenta gerir e promover ações que buscam a ressocialização pelo trabalho, as práticas no contexto prisional escapam e fogem a esse controle, fazendo com que a prisão seja vista como um processo constante e inacabado de organizing, onde identidades são construídas por diversas práticas discursivas e relações de poder (REEDY, KING e COUPLAND, 2016REEDY, P.; KING, D.; COUPLAND. Organizing for Individuation: Alternative Organizing, Politics and New Identities. Organization Studies, v. 37, n. 11, p. 1553-1573, 2016.).

Este artigo adquire relevância ao procurar romper com a tendência dos estudos organizacionais utilizarem os conceitos sobre poder em Michel Foucault como significando apenas repressão, limitação e dominação (WEISKOPF e LOACKER, 2006WEISKOPF, R.; LOACKER, B. “A snake’s coils are even more intricate than a mole’s burrow”: individualization and subjectivation in post-disciplinary regimes of work. Management Revue, v. 17, n. 4,p. 395-419, 2006.), onde as possibilidades de resistência são negligenciadas. Além disso, também busca preencher uma lacuna na área organizacional em relação ao uso do conceito de dispositivo proposto por Foucault, principalmente na análise dos processos de organizing (RAFFNSØE, 2008RAFFNSØE, S. Qu’est-ce qu’un dispositif? L’analytique sociale de Michel Foucault. Canadian Journal for Continental Philosophy, v. 12, n. 1, p. 44-66, 2008.; RAFFNSØE, GUDMAND-HOYER e THANING, 2016RAFFNSØE, S.; GUDMAND-HOYER, M.; THANING, M. S. Foucault’s dispositive: the perspicacity of dispositive analytics in organizational research. Organization, v. 23, n. 2, p. 272-298, 2016.). Por fim, existem poucos estudos na área de administração (BROWN e TOYOKI, 2013BROWN, A. D.; TOYOKI, S. Identity work and legitimacy. Organization Studies, v. 34, n. 7, p. 875-896, 2013.; COSTA e BRATKOWSKI, 2007COSTA, S. G.; BRATKOWSKI, P. L. S. Paradoxos do trabalho prisional na era do capitalismo flexível: o caso do Detran-RS. Revista de Administração Contemporânea, v. 11, n. 3, p. 127-147, 2007.; LEMOS, MAZZILLI e KLERING, 1998LEMOS, A. M.; MAZZILLI, C.; KLERING, L. R. Análise do trabalho prisional: um estudo exploratório. Revista de Administração Contemporânea, v. 2, n. 3, p. 129-149, 1998.; ROCHA, LIMA, FERRAZ et al., 2013ROCHA, V. F. T. et al. A inserção do egresso prisional no mercado de trabalho cearense. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, v. 7, n. 4, p. 185-207, 2013.; SILVA e SARAIVA, 2013SILVA, C. L. O.; SARAIVA, L. A. S. Lugares, discursos e subjetividades nas organizações: o caso de uma prisão. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 383-401, 2013., 2016SILVA, C. L. O.; SARAIVA, L. A. S. Alienation, segregation and resocialization: meanings of prison labor. Revista de Administração USP, v. 51, n. 4, p. 366-376, 2016.; TOYOKI e BROWN, 2013TOYOKI, S.; BROWN, A. D. Stigma, identity and power: managing stigmatized identities through discourse. Human Relations, v. 67, n. 6, p. 715-737, 2013.) que analisam prisões, principalmente estudos qualitativos (JEWKES, 2012JEWKES, Y. Autoethnography and emotion as intellectual resources: doing prison research differently. Qualitative Inquiry, v. 18, n. 1, p. 63-75, 2012.), rompendo com a lógica funcionalista pela qual organização é definida apenas como significando empresa capitalista.

DISPOSITIVOS DISCIPLINARES E BIOPOLÍTICOS: A TRANSFORMAÇÃO DO INDIVÍDUO EM SUJEITO

A prisão é um espaço de produção subjetiva (BROWN e TOYOKI, 2013BROWN, A. D.; TOYOKI, S. Identity work and legitimacy. Organization Studies, v. 34, n. 7, p. 875-896, 2013.; SILVA e SARAIVA, 2013SILVA, B. F. A.; BEATO FILHO, C. C. Ecologia social do medo: avaliando a associação entre contexto de bairro. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 30, Supl., p. 155-170, 2013., 2016SILVA, C. L. O.; SARAIVA, L. A. S. Alienation, segregation and resocialization: meanings of prison labor. Revista de Administração USP, v. 51, n. 4, p. 366-376, 2016.; TOYOKI e BROWN, 2013TOYOKI, S.; BROWN, A. D. Stigma, identity and power: managing stigmatized identities through discourse. Human Relations, v. 67, n. 6, p. 715-737, 2013.) que intenta ligar o indivíduo a determinada identidade, constituindo-o como sujeito. Os processos de subjetivação operam e circulam por meio de dispositivos de poder. O dispositivo articula a história de tecnologias sociais inter-relacionadas que são construídas para organizar a forma como nos relacionamos em sociedade, constituindo uma forma crucial de análise social das condições do organizing e dos processos organizacionais (RAFFNSØE, GUDMAND-HOYER e THANING, 2016RAFFNSØE, S.; GUDMAND-HOYER, M.; THANING, M. S. Foucault’s dispositive: the perspicacity of dispositive analytics in organizational research. Organization, v. 23, n. 2, p. 272-298, 2016.). É crucial porque contribui para desvelar o inerente vínculo proposto pelo organizing (práticas de organizar ou práticas organizativas) entre mudança, reordenamento, ação e fluxo contínuo de interações entre sujeitos. Ou seja, compreender o organizing é afastar-se da ideia de uma organização como algo ordenado, fixo e estável (um substantivo), assumindo-a como o resultado de algo sempre em movimento, um verbo, que só existe por meio da ação (e interpretação) humana (TSOUKAS e CHIA, 2002TSOUKAS, H.; CHIA, R. On organizational becoming: rethinking organizational change. Organization Science, v. 13, n. 5, p. 567-582, 2002.; DUARTE e ALCADIPANI, 2016DUARTE, M. F.; ALCADIPANI, R. Contribuições do organizar (organizing) para os estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, v. 23, n. 76, p. 57-72, 2016.).

Desse modo, conectando instituições, culturas, arquiteturas, cores, ideias, crenças, identidades e subjetividade (CONNELLAN, 2013CONNELLAN, K. The psychic life of white: power and space. Organization Studies, v. 34, n. 10, p. 1529-1549, 2013.), o dispositivo é formado por um conjunto

[...] heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. o dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos (foucault, 1979FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979., p. 244).

Assim, ao buscar entender como esses elementos se inter-relacionam, Michel FoucaultFOUCAULT, M. A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In: MOTTA, M. B(Org.). Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 264-287. não faz uma distinção entre campos discursivos e não discursivos e nem os trata como dicotômicos, privilegiando analisar os modos como os elementos do dispositivo se interconectam, pois, o dispositivo tem sempre uma natureza relacional (RAFFNSØE, GUDMAND-HOYER e THANING, 2016RAFFNSØE, S.; GUDMAND-HOYER, M.; THANING, M. S. Foucault’s dispositive: the perspicacity of dispositive analytics in organizational research. Organization, v. 23, n. 2, p. 272-298, 2016.).

Dispositivos não são estruturas determinísticas de poder e seus objetivos estratégicos nem sempre são atingidos, fato que rompe com a dicotomia poder e liberdade, pois o poder não é somente algo negativo, restritivo e repressor da agência humana, mas principalmente produtor de formas de existência subjetiva (WEISKOPF e LOACKER, 2006WEISKOPF, R.; LOACKER, B. “A snake’s coils are even more intricate than a mole’s burrow”: individualization and subjectivation in post-disciplinary regimes of work. Management Revue, v. 17, n. 4,p. 395-419, 2006.). Portanto, o dispositivo quebra com o dualismo estrutura/agência, propiciando o surgimento de “uma abordagem ‘ambos-e’ que permite uma demonstração de como elementos de uma oposição binária aparecem em suas inter-relações como parte da mesma correlação” (RAFFNSØE, GUDMAND-HOYER e THANING, 2016RAFFNSØE, S.; GUDMAND-HOYER, M.; THANING, M. S. Foucault’s dispositive: the perspicacity of dispositive analytics in organizational research. Organization, v. 23, n. 2, p. 272-298, 2016., p. 275), interconectando poder e resistência. Assim, apesar de formado por instâncias individuais, coletivas e institucionais o sujeito não é determinado por nenhuma delas (SOUZA, SOUZA e SILVA, 2013SOUZA, E. M.; SOUZA, S. P.; SILVA, A. R. L. Pós-estruturalismo e os estudos críticos de gestão: da busca pela emancipação à constituição do sujeito. Revista de Administração Contemporânea, v. 17, n. 2, p. 198-217, 2013.), pois “onde há poder há resistência” (FOUCAULT, 1988FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988. v. 1., p. 91). O poder nunca se encontra em condição de exterioridade à resistência, e vice-versa, demonstrando o caráter estritamente relacional do poder no pensamento foucaultiano (SOUZA, JUNQUILHO, MACHADO et al., 2006SOUZA, E. M. et al. A analítica de Foucault e suas implicações nos estudos organizacionais sobre poder. Organizações & Sociedade, v. 13, n. 36, p. 13-25, 2006.). Portanto, o poder não é um “fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras” (FOUCAULT, 1979FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979., p. 183). O dispositivo possibilita analisar como objetos, práticas e ações vêm à existência e são naturalizados por meio da interação entre os dispositivos.

Foucault (2008)FOUCAULT, M. Segurança, território, população: curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008. diferencia três dispositivos que atuam de modo interconectado em nossa sociedade: dispositivo legal, dispositivo disciplinar e dispositivo de segurança/defesa social (biopolítica). O dispositivo legal atua como tecnologia social proibitiva codificada, que estabelece uma ordem que deve ser seguida por todos os sujeitos e suportada por punições, ou seja, o dispositivo legal codifica e proíbe, mas atua somente após determinada ação indesejada ser efetuada, não agindo na prevenção das ações indesejadas. O dispositivo disciplinar, ao invés de negar e proibir, intenta produzir um indivíduo economicamente útil e politicamente dócil. As relações de poder disciplinares são positivas no sentido de que atuam na produção de sujeitos, ao invés de negá-los. Portanto, “o poder disciplinar não destrói o indivíduo; ao contrário, ele o fabrica” (MACHADO, 1979MACHADO, R. Introdução: por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p. vii-xxii., p. XX). O dispositivo disciplinar é preventivo e produtivo, buscando evitar que o indesejável ocorra antes de seu acontecimento e, para cumprir tal intento, fabrica o novo, produz algo como desejável. O dispositivo de segurança atua condutivamente, objetivando facilitar a autorregulação de uma população (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, M. Segurança, território, população: curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008.). Ele não é desenhado para distinguir entre o desejável e o indesejável nem é capaz de remover (dispositivo legal) ou de aperfeiçoar (dispositivo disciplinar) o indesejável, estabelecendo apenas uma prontidão constante para que se consiga prever os potenciais riscos para a sociedade.

Apesar das distinções lógicas entre os dispositivos, eles coexistem entre si, interconectam-se e compartilham materiais comuns de aplicação, como o criminoso. Segundo Foucault (2008)FOUCAULT, M. Segurança, território, população: curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008., o dispositivo disciplinar estabelece sobre o criminoso um conjunto de supervisões, controles e inspeções constantes que, mesmo antes do criminoso cometer um crime, possibilita identificar se ele, individualmente, irá ou não cometer o crime novamente. Já o dispositivo de seguridade está preocupado em regular uma população e não um indivíduo, ele busca predizer estatisticamente o número de criminosos em certo momento e seus prováveis eventos, custos e riscos para a população. Previsões estatísticas sobre as tendências de uma população e o peso econômico dos custos e riscos para implementar ações são as principais lógicas do dispositivo de seguridade (RAFFNSØE, GUDMAND-HOYER e THANING, 2016RAFFNSØE, S.; GUDMAND-HOYER, M.; THANING, M. S. Foucault’s dispositive: the perspicacity of dispositive analytics in organizational research. Organization, v. 23, n. 2, p. 272-298, 2016.; WEISKOPF e MUNRO, 2012WEISKOPF, R.; MUNRO,II. Management of human capital: discipline, security and controlled circulation in HRM. Organization, v. 19, n. 6, p. 685-702, 2012.).

Os dispositivos criam categorias e hierarquias identitárias nos/pelos jogos de verdade, “afinal de contas, somos julgados, condenados, classificados, obrigados a tarefas, destinados a uma certa maneira de viver ou a uma certa maneira de morrer, em função de discursos verdadeiros, que trazem consigo efeitos específicos de poder” (FOUCAULT, 1999FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999., p. 29). O sujeito não tem existência a priori em relação às categorias produzidas nos/pelos jogos de verdade, pelo contrário, são os jogos de verdade que constituem os indivíduos como sujeitos. Além disso, o sistema de classificação e as categorias constituídas nesses jogos de verdade trazem consigo todo um sistema de punição e recompensa que “[...] lhes fixa a sua identidade, lhes impõe uma lei de verdade que lhes é necessário reconhecer e que os outros devem reconhecer neles” (DREYFUS e RABINOW, 1995DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995., p. 302). Entretanto, esse processo traz um paradoxo, pois se tornar sujeito sempre abre a possibilidade de resistência que, antagonicamente, só pode ser exercida ao se submeter ao mesmo poder que o constitui como sujeito (BUTLER, 1997BUTLER, J. The psychic life of power: theories in subjection. Palo Alto: Stanford University Press, 1997.). Por isso, o discurso é formativo do sujeito e não causa ou origem do sujeito (FOUCAULT, 2010bFOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010a.).

O sujeito formado pelo discurso não é um sujeito universal, mas um sujeito descentrado e fragmentado (SOUZA, SOUZA e SILVA, 2013SOUZA, E. M.; SOUZA, S. P.; SILVA, A. R. L. Pós-estruturalismo e os estudos críticos de gestão: da busca pela emancipação à constituição do sujeito. Revista de Administração Contemporânea, v. 17, n. 2, p. 198-217, 2013.) produzido em um duplo movimento no qual, ao mesmo tempo, o sujeito é produção e efeito. O conceito de dispositivo permite exatamente analisar esses processos de produção e efeito, evidenciando as dificuldades de manter a ordem e o controle, pois ao romper a dicotomia estrutura/agência possibilita a análise tanto do poder quanto das formas de resistência a esse poder, evidenciando a possibilidade de que sempre haverá o risco do sujeito não obedecer o controle e a ordem (RAFFNSØE, GUDMAND-HOYER e THANING, 2016RAFFNSØE, S.; GUDMAND-HOYER, M.; THANING, M. S. Foucault’s dispositive: the perspicacity of dispositive analytics in organizational research. Organization, v. 23, n. 2, p. 272-298, 2016.), estabelecendo uma mediação entre controle e agência para além do controle (RAFFNSØE, 2013RAFFNSØE, S. Beyond rule, trust and power as capacities. Journal of Political Power, v. 6, n. 2, p. 241-260, 2013.), possibilitando a análise de processos sociais complexos de organizing.

PRISÃO E TRABALHO

Manicômios, conventos, academias militares e prisões são exemplos de instituições totais. Instituições totais são locais de moradia e trabalho em que um grande número de indivíduos são separados da sociedade para viver, por certo período de tempo, uma vida fechada e formalmente administrada (GOFFMAN, 1961GOFFMAN, E. Asylums: essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Doubleday Anchor, 1961.). A instituição total prisão é considerada o espaço onde o indivíduo que se encontra desviado das regras morais, sociais e legais de determinada sociedade pode ser ressocializado. Busca-se, por meio da pedagogia prisional, a reconstituição do indivíduo e a recuperação de sua vontade para o trabalho. A prisão “recolocá-lo-á por força num sistema de interesses em que o trabalho será mais vantajoso que a preguiça, formará em torno dele uma pequena sociedade reduzida, simplificada e coercitiva [...]: quem quer viver tem que trabalhar” (FOUCAULT, 2010aFOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010a., p. 100). Nesse sentido, as políticas de ressocialização pelo trabalho são jogos complexos de inclusão e exclusão produzidos nas malhas dos discursos legais que visam à produção de sujeitos de determinado tipo, constituindo políticas públicas de domesticação social do sujeito considerado anormal, produzindo o anormal como um sujeito falho e incorrigível, servindo, também, para definir e estabelecer as fronteiras do que é ser normal. O grande projeto político-educativo da modernidade é exatamente a transformação dos indivíduos em sujeitos por meio de uma série de estratégias que visam a prevenir e corrigir os sujeitos incorrigíveis (LASTA e HILLESHEIM, 2014LASTA, L. L.; HILLESHEIM, B. Políticas de inclusão escolar: produção da anormalidade. Psicologia & Sociedade, v. 26, p. 140-149, 2014. Edição especial.). Entretanto, paradoxalmente, o “[...] que define o indivíduo a ser corrigido, portanto, é que ele é incorrigível” (FOUCAULT, 2001FOUCAULT, M. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 73).

No contexto prisional brasileiro, grupos criminosos têm assumido esse papel do Estado, fazendo com que as prisões sejam, de fato, administradas pelo mundo do crime - ocorre um espraiamento desses grupos criminosos tanto dentro do sistema prisional quanto fora dele (FELTRAN, 2010FELTRAN, G. S. The management of violence on the periphery of São Paulo: a normative apparatus repertoire in the “PCC era”. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, v. 7, n. 2, p. 109-134, 2010.; MANSO e DIAS, 2017MANSO, B. P.; DIAS, C. N. PCC, sistema prisional e gestão do novo mundo do crime no Brasil. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 11, n. 2, p. 10-29, 2017.). A prisão, além de atuar na produção de um sujeito obediente tanto das normas e regras constituídas pelo Estado quanto das regras e normas estabelecidas pelo mundo do crime, é um local de formação de um saber sobre esse sujeito. Para modificar as almas dos detentos é necessário conhecer o perigo que o preso oferece, classificá-lo, fazer anotações, conhecê-lo. Surge todo um saber que tem por objetivo gerir as pessoas, um saber individualizante que não tem como objeto o crime, mas o comportamento diário do apenado, para, desse modo, medir o perigo que o criminoso oferece para a sociedade, pois a disciplina busca evitar que o indesejável ocorra oferecendo algo para ser desejado pelos criminosos: o sujeito trabalhador politicamente dócil e útil. Isso significa que tal sujeito poderá continuar sendo violento, fato, aliás, que justificaria ainda mais a atuação do Estado sobre ele. O que esse sujeito não pode fazer para ser considerado dócil é tornar-se politicamente perigoso, ameaçando o sistema. Sociologicamente, a violência é definida como a situação de interação que causa “[...] danos a uma ou mais pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais” (MICHAUD, 1989MICHAUD, Y. A violência. São Paulo: Ática, 1989., p. 11). No contexto brasileiro, a violência se instalou no tecido social de tal forma que ela tem afetado a vida de homens e mulheres em qualquer condição social, econômica e política (BITTAR, 2008BITTAR, E. C. B. Violência e realidade brasileira: civilização ou barbárie? Revista Katálysis, v. 11, n. 2, p. 214-224, 2008.), sendo que são múltiplas as causas dessa violência generalizada e enraizada na sociedade brasileira. Nesse sentido, as causas da violência não podem ser unicamente atribuídas às condições socioeconômicas, políticas e culturais de modo isolado, mas devem ser entendidas a partir da natureza de nossa organização social e suas configurações (PORTO, 2002PORTO, M. S. G. Violência e meios de comunicação de massa na sociedade contemporânea. Sociologias, v. 4, n. 8, p. 152-171, 2002.).

Nesse processo disciplinar do sujeito delinquente também ocorre a mortificação do eu. O criminoso chega à prisão com uma concepção de si estabelecida em sua realidade e rotina doméstica. O encarceramento promove a perda de tais concepções por meio de “[...] uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado” (GOFFMAN, 1961GOFFMAN, E. Asylums: essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Doubleday Anchor, 1961., p. 24), mutilando o indivíduo de seus papéis e rotinas anteriores com o objetivo de romper com os papéis que o indivíduo desempenhava em sua vida doméstica, procurando anular a cultura apreendida em sua vida doméstica. Com isso, o encarcerado é codificado como um objeto a ser encaixado na máquina administrativa, buscando produzir um sujeito obediente por meio de constantes exames de obediência em relação à nova rotina e às regras da prisão (GOFFMAN, 1961GOFFMAN, E. Asylums: essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Doubleday Anchor, 1961.), sendo inclusive recorrente o uso de abusos físicos e violência por parte dos agentes penitenciários e policiais militares (LEMOS, MAZZILLI e KLERING, 1998LEMOS, A. M.; MAZZILLI, C.; KLERING, L. R. Análise do trabalho prisional: um estudo exploratório. Revista de Administração Contemporânea, v. 2, n. 3, p. 129-149, 1998.).

Entretanto, nesse processo de construção do eu, os prisioneiros não são sujeitos passivos, mas coautores e resistem para não se tornar zumbis institucionais (TOYOKI e BROWN, 2013BROWN, A. D.; TOYOKI, S. Identity work and legitimacy. Organization Studies, v. 34, n. 7, p. 875-896, 2013.). Identidades estigmatizadas de delinquentes são reforçadas pelo regime prisional, buscando padronizar rigidamente suas atividades diárias, colocando-os constantemente em uma relação tóxica com outros prisioneiros e guardas, mantendo e reforçando suas identidades como estigmatizadas (TOYOKI e BROWN, 2013TOYOKI, S.; BROWN, A. D. Stigma, identity and power: managing stigmatized identities through discourse. Human Relations, v. 67, n. 6, p. 715-737, 2013.). Relações de gênero também permeiam o processo de ressocialização pelo trabalho, produzindo outras formas de estigmatização, pois as atividades comumente destinadas às presas são de costura, limpeza e produção de artesanato (SILVA e SARAIVA, 2016SILVA, C. L. O.; SARAIVA, L. A. S. Alienation, segregation and resocialization: meanings of prison labor. Revista de Administração USP, v. 51, n. 4, p. 366-376, 2016.; ROCHA, LIMA, FERRAZ et al., 2013ROCHA, V. F. T. et al. A inserção do egresso prisional no mercado de trabalho cearense. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, v. 7, n. 4, p. 185-207, 2013.), atividades laborais estritamente relacionadas ao cuidar, reproduzindo estereótipos sociais que consideram trabalhos adequados e apropriados para as condenadas somente os que mantêm relação direta com as atividades domésticas e do cuidar.

Mesmo com o atual aumento e crescimento do número de mulheres infratoras, as mulheres representam uma parcela pequena da população carcerária, se comparadas à população carcerária masculina. O crescimento da população carcerária feminina tem maior relação com a dinâmica do tráfico de drogas do que com a disposição das mulheres para cometer as diversas formas de crimes praticados por homens (FRANÇA, 2014FRANÇA, M. H. O. Criminalidade e prisão feminina: uma análise da questão de gênero. Revista Ártemis, v. 18, n. 1, p. 212-227, 2014.). Entretanto, apesar desse fato, o atendimento disponibilizado na prisão às mulheres encarceradas é praticamente o mesmo destinado aos homens, não contemplando suas particularidades. Elas são tratadas com indiferença, não usufruindo de modo equitativo na prisão do atendimento dispensado aos homens, fazendo com que o processo de ressocialização de mulheres apenadas seja ainda mais complexo (FRANÇA, 2014FRANÇA, M. H. O. Criminalidade e prisão feminina: uma análise da questão de gênero. Revista Ártemis, v. 18, n. 1, p. 212-227, 2014.). Nesse sentido, a prisão se torna apenas mais um elo das diversas formas de violência vivenciadas pelas mulheres na sociedade (SOARES e ILGENFRITZ, 2002SOARES, B. M.; ILGENFRITZ, I. Prisioneiras: vida e violência atrás das grades. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.; FRANÇA, 2014FRANÇA, M. H. O. Criminalidade e prisão feminina: uma análise da questão de gênero. Revista Ártemis, v. 18, n. 1, p. 212-227, 2014.).

O encarceramento de mulheres tem impacto direto nos arranjos familiares, desmantelando a estrutura familiar, processo este que produz nas mulheres efeitos diferentes em comparação aos homens. Além disso, os homens com os quais as mulheres mantêm relações familiares e afetivas exercem influência na incitação delas ao crime, pois as mulheres são levadas a esse mundo exatamente para manter sua função de cuidadora, em uma tentativa de preservar e salvaguardar suas relações afetivas (STEFFENSMEIER e ALLAN, 1996STEFFENSMEIER, D.; ALLAN, E. Gender and crime: toward a gendered theory of female offending. Annual Review of Sociology, v. 22,p. 459-487, 1996.). Assim, a ressocialização de mulheres é organizada em torno de valores familiares, principalmente com o ensino e execução de atividades domésticas, como corte e costura, crochê, tricô, culinária, artesanato, dentre outros (FRANÇA, 2014FRANÇA, M. H. O. Criminalidade e prisão feminina: uma análise da questão de gênero. Revista Ártemis, v. 18, n. 1, p. 212-227, 2014.), representando os papéis e lugares destinados às mulheres na sociedade como um todo (BARCINSKY, 2009BARCINSKY, M. Centralidade de gênero no processo de construção da identidade de mulheres envolvidas na rede do tráfico de drogas. Ciência & Saúde Coletiva, v. 14, n. 5, p. 1843-1853, 2009.).

Nesse processo de ressocialização, a disciplina produz identidades estigmatizadas, requerendo que o sujeito gerencie, o tempo todo, sua identidade estigmatizada de delinquente, o que demonstra o quanto tal identidade é frágil, contraditória e antagônica (CLARKE, BROWN e HOPE-HAILEY, 2009CLARKE, C.; BROWN, A. D.; HOPE-HAILEY, V. Working identities? Antagonistic discursive resources and managerial identity. Human Relations, v. 62, n. 3, p. 323-352, 2009.; TOYOKI e BROWN, 2013TOYOKI, S.; BROWN, A. D. Stigma, identity and power: managing stigmatized identities through discourse. Human Relations, v. 67, n. 6, p. 715-737, 2013.), permitindo microprocessos de resistência pelos quais identidades estigmatizadas podem ser abraçadas, apropriadas, modificadas, rejeitadas e adaptadas pelos presos (THORNBORROW e BROWN, 2009THORNBORROW, T.; BROWN, A. D. ‘Being regimented’: aspiration, discipline and identity work in the British parachute regiment. Organization Studies, v. 30, n. 4, p. 355-376, 2009.). Identidades estigmatizadas são efeitos do poder e podem marginalizar um indivíduo, desqualificando uma pessoa e impossibilitando sua plena aceitação social (TOYOKI e BROWN, 2013TOYOKI, S.; BROWN, A. D. Stigma, identity and power: managing stigmatized identities through discourse. Human Relations, v. 67, n. 6, p. 715-737, 2013.), o que produzindo sujeitos vistos sempre como diferentes de “nós”, culpados e suspeitos. Por isso, a prisão constitui o sujeito delinquente (FOUCAULT, 1979FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.), ou seja, por meio da prisão, o criminoso se transforma em delinquente (FOUCAULT, 2010aFOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010a., 2010cFOUCAULT, M. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H.; RABINOW, P. (Ed.). Michel Foucault: uma trajetória filosófica - para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010b. p. 231-249.; FONSECA, 2011FONSECA, M. A. Michel Foucault e a constituição do sujeito. São Paulo: Educ, 2011.). Uma vez libertos, a maioria dos ex-presidiários não consegue encontrar trabalho formal facilmente e acaba na informalidade, devido a preconceitos que sofrem quando revelam sua condição de ex-detentos (ROCHA, LIMA, FERRAZ et al., 2013ROCHA, V. F. T. et al. A inserção do egresso prisional no mercado de trabalho cearense. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, v. 7, n. 4, p. 185-207, 2013.; SERON, 2010SERON, P. C. Egressos do sistema prisional: contribuições do trabalho e da família no processo de (re)inserção social. In: JORNADA INTERNACIONAL DE PRÁTICAS CLÍNICAS NO CAMPO SOCIAL, 1., 2010, Maringá. Anais... Maringá, PR: Universidade Estadual de Maringá, 2010.).

Se a prisão falha aparentemente na regeneração dos indivíduos, seu fracasso afirma seu sucesso, pois gera na sociedade uma constante sensação de insegurança que acaba justificando sua existência e permitindo um aumento do controle do Estado sobre toda a população (FOUCAULT, 2010aFOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010a., 2010cFOUCAULT, M. Estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010c.). O constante sentimento de medo e insegurança da população brasileira (BEATO FILHO, PEIXOTO e ANDRADE, 2004BEATO, FILHO C. C.; PEIXOTO, B. T.; ANDRADE, M. V. Crime, oportunidade e vitimização. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 19, n. 55, p. 73-90, 2004.; SILVA e BEATO FILHO, 2013SILVA, B. F. A.; BEATO FILHO, C. C. Ecologia social do medo: avaliando a associação entre contexto de bairro. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 30, Supl., p. 155-170, 2013.) é utilizado para justificar a existência e a atuação violenta da polícia para com todos os sujeitos que se manifestam contra o Estado, demonstrando a estreita relação entre instituições totais e o dispositivo biopolítico de segurança (RAFFNSØE, GUDMAND-HOYER e THANING, 2016RAFFNSØE, S.; GUDMAND-HOYER, M.; THANING, M. S. Foucault’s dispositive: the perspicacity of dispositive analytics in organizational research. Organization, v. 23, n. 2, p. 272-298, 2016.). O sucesso se dá mediante o uso da ameaça de criminalidade, como subterfúgio para que o Estado aumente o controle sobre a sociedade (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, M. Segurança, penalidade e prisão. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.). Além disso, existe uma relação de conivência entre delinquentes e polícia, um sistema “no qual os papéis são confundidos, como em um círculo. Um alcaguete é algo além de um policial-delinquente ou de um delinquente-policial?” (FOUCAULT, 2010cFOUCAULT, M. Estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010c., p. 157).

As análises dos dados produzidos demonstrarão que os programas de ressocialização pelo trabalho procuram construir uma identidade laboral nas presas, mas produzem uma identidade laboral frágil, manifestando aspectos intrínsecos do organizing - acerca de suas práticas e interpretações do que estão fazendo (BROWN e TOYOKI, 2013BROWN, A. D.; TOYOKI, S. Identity work and legitimacy. Organization Studies, v. 34, n. 7, p. 875-896, 2013.). A constante aplicação de mecanismos disciplinares demonstra que as presas nunca se renderão completamente a esses mecanismos (SEWELL, 2008SEWELL, G. Discipline. In: CLEGG, S. R.; BAILEY, J. R. (Ed.). International encyclopedia of organization studies. Thousand Oaks, CA: SAGE, 2008. p. 386-388.), fazendo com que qualquer processo de ressocialização prisional se torne limitado quando utiliza somente a coerção como modo de correção e produção identitária. Principalmente porque as presas somente aceitarão e validarão o regime estabelecido pelos gestores da prisão se suas subjugações não forem totais e completas. A presença na prisão de violência física, racismo, sexismo e ineficiência da Justiça abre caminho para elementos deslegitimizadores da ressocialização (MATHEUS, 1999MATHEUS, R. Doing time: an introduction to sociology of imprisonment. Basingstoke: Macmillan, 1999.) e somente punir a presa faz com que a ressocialização seja percebida apenas como sofrimento, não estabelecendo uma relação positiva entre ressocialização e prazer (LEMOS, MAZZILLI e KLERING, 1998LEMOS, A. M.; MAZZILLI, C.; KLERING, L. R. Análise do trabalho prisional: um estudo exploratório. Revista de Administração Contemporânea, v. 2, n. 3, p. 129-149, 1998.).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para a produção dos dados da pesquisa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com as detentas de uma penitenciária feminina localizada na Região Metropolitana da Grande Vitória. Essa penitenciária feminina foi fundada em 2010, com a proposta de oferecer um novo modelo de gestão prisional para o Estado do Espírito Santo. Assim, pelo fato da penitenciária ser considerada um novo modelo de gestão e aplicar novas técnicas de ressocialização junto às presas, ela foi selecionada como lócus da pesquisa. Antes de realizar as entrevistas, foram feitas visitas prévias do presídio com o objetivo de conhecer seu funcionamento e sua rotina diária, possibilitando uma interação direta com as presas. Elas foram selecionadas pela direção do presídio, totalizando 36 entrevistas, sendo 14 com internas do regime semiaberto e 22 com internas do regime fechado. A primeira e segunda partes do roteiro de entrevista tiveram por finalidade produzir dados sobre os aspectos pessoais, familiares e profissionais. O terceiro bloco abordou aspectos relacionados à trajetória no mundo do crime, à realidade prisional e à participação nos programas de ressocialização. Todas as entrevistas foram gravadas com autorização prévia e transcritas, com vistas a facilitar a análise dos dados. Para evitar a identificação das internas e considerando o nome do projeto (Maria Marias), que contempla ofertas de cursos e oportunidades de trabalho para as internas da referida unidade prisional, todas as presas entrevistadas tiveram seus nomes substituídos aleatoriamente pelo nome de Marias que se destacaram na história mundial. Das 36 Marias entrevistadas, 27 têm baixa escolarização (cursaram no máximo até a 8ª série do Ensino Fundamental) e apenas 3 Marias nunca tinham trabalhado antes da prisão, mas exerciam serviços domésticos dentro da própria casa. O principal crime cometido pelas Marias foi o tráfico de entorpecentes, sendo parte delas condenadas por associação ao tráfico.

Os dados produzidos foram submetidos à análise do discurso proposta por Michel Foucault, cuja abordagem não é fundamentada nos métodos da linguística, não é sinônimo de fala e não busca um sentido oculto dos enunciados. O que se procura evidenciar é a função que se pode atribuir ao dito (p. ex., textos escritos e comunicações orais) e ao não dito (p. ex., práticas sociais, arquitetura de um prédio e técnicas de gestão). Para analisar o não dito do discurso, Foucault (2003)FOUCAULT, M. Diálogo sobre o poder. In: MOTTA, M. B (Org.). Estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 253-266. desenvolveu o conceito de dispositivo. Para o autor, o dispositivo é heterogêneo e engloba práticas discursivas e não discursivas, incorporando em sua análise comunicações, textos, leis, normas, instituições, espaço, arquitetura, práticas administrativas, moralidade. O dispositivo busca analisar como as práticas sociais (pois todo discurso é uma prática) organizam uma realidade social, produzindo e organizando sujeitos, sem, contudo, considerar o sujeito a origem dessas práticas.

Desse modo, analisaram-se os dispositivos disciplinares e biopolíticos relacionados ao programa de ressocialização pelo trabalho de mulheres encarceradas, enfocando as estratégias políticas desses dispositivos manifestas nas práticas do contexto estudado. Posteriormente, analisam-se as formas de resistência das presas à construção da identidade delinquente e, consequentemente, as punições a tais tipos de resistência.

OS JOGOS DE VERDADE E A CONSTRUÇÃO DO DELINQUENTE: O PEIXE QUE ME VENDERAM

A análise dos dispositivos de poder disciplinar e biopolítico possibilita verificar o constante e inacabado processo de construção e desconstrução das identidades, revelando o processo de organizing e sua relação com a produção identitária. Os parágrafos a seguir buscam entender as tecnologias sociais que atuam de modo inter-relacionado com o intuito de organizar as relações no ambiente prisional e entender como os elementos disciplinares e de segurança se inter-relacionam, demonstrando a natureza relacional entre os dispositivos.

A prisão feminina foi inaugurada em 2010, apresentando boa disposição físico-espacial e bom estado de conservação, sendo gerenciada por uma diretora. Apesar de tratada como uma única unidade prisional, ela é composta por duas penitenciárias: uma destinada às internas do regime fechado (324 vagas) e outra às internas do regime semiaberto (112 vagas). Existe toda uma rotina que as presas devem cumprir e a ocupação completa do tempo diário das apenadas tem estreita relação com a disciplina: a otimização do tempo é uma técnica disciplinar que objetiva maximizar o uso do tempo, regulamentando e decompondo a atividade de modo anátomo-cronológico, articulando o corpo-objeto (FOUCAULT, 2010aFOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010a.), transformando cada interna em uma peça coordenada da máquina prisional (GOFFMAN, 1961GOFFMAN, E. Asylums: essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Doubleday Anchor, 1961.).

A produção do sujeito delinquente tem seu início com o encarceramento no sistema prisional. As presas reconhecem que a identidade delinquente produzida pelo/no sistema prisional as marcará:

Eu tô com um pouco de medo, né, porque quatro anos aqui dentro, aí quase cinco anos, mas não é medo de voltar [a cometer crime], porque isso tá apagado [...]. Eu [...] tenho esse medo da sociedade me ver como uma, uma presidiária, porque a gente fica marcada, querendo ou não a gente, isso é uma coisa que a gente carrega (Maria do Céu).

O medo que as presas têm de ser reconhecidas como delinquentes após ser libertadas age em sua subjetivação como delinquentes por meio do reconhecimento pelos outros de sua condição de ex-detenta, reforçando sua auto identificação como delinquente (FOUCAULT, 1979FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.; DREYFUS e RABINOW, 1995DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.), ou seja, as presas têm de, ao mesmo tempo, reconhecer em si mesmas a delinquência e ser reconhecidas pelos outros como delinquentes para que nesse processo se constituam efetivamente como delinquentes. Os jogos de verdade atuam na subjetivação das presas, fazendo com que determinadas características e atributos ajam como uma lei da verdade reconhecida por elas e pelos outros, ligando-as à identidade delinquente (BUTLER, 1997BUTLER, J. The psychic life of power: theories in subjection. Palo Alto: Stanford University Press, 1997.), circulando práticas cotidianas em torno dessa identidade (FONSECA, 2011FONSECA, M. A. Michel Foucault e a constituição do sujeito. São Paulo: Educ, 2011.).

O dispositivo legal, ao codificar e descrever o que é proibido, define quem é o sujeito que precisa ser ressocializado (RAFFNSØE, GUDMAND-HOYER e THANING, 2016RAFFNSØE, S.; GUDMAND-HOYER, M.; THANING, M. S. Foucault’s dispositive: the perspicacity of dispositive analytics in organizational research. Organization, v. 23, n. 2, p. 272-298, 2016.). O sujeito criminoso, ao ser preso, torna-se sujeito delinquente. Transformado em delinquente, será classificado e reconhecido como um sujeito anormal, falho e incorrigível (FOUCAULT, 2001FOUCAULT, M. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001.; LASTA e HILLESHEIM, 2014LASTA, L. L.; HILLESHEIM, B. Políticas de inclusão escolar: produção da anormalidade. Psicologia & Sociedade, v. 26, p. 140-149, 2014. Edição especial.). Desse modo, a ressocialização pelo trabalho produz um grande paradoxo: ao definir quem é o indivíduo que deve ser ressocializado, marca-o como possuindo uma identidade delinquente; ao marcá-lo como delinquente, torna-o incorrigível e moralmente falho. O processo pelo qual o sujeito é constantemente compelido a se identificar e a ser identificado como delinquente se mostra presente quando Maria do Céu afirma que:

Se lá no balcão tiver um assalto, ah, você é ex-presidiária, você que deu a pista. Até andar dentro do ônibus, dentro do ônibus acontece alguma coisa e como você é ex-presidiária vão falar que a culpa é sua.

As mulheres delinquentes são submetidas às disciplinas da prisão, porém, ao ser submetidas às disciplinas durante a ressocialização, elas são marcadas/identificadas como incorrigíveis e, portanto, sempre propensas ao crime, produzindo uma constante sensação de insegurança na sociedade. Tal sensação de insegurança estabelece uma prontidão constante, com o intuito de prever potenciais riscos para a sociedade, fazendo funcionar toda uma lógica securitária sobre a população, servindo para justificar a atuação policial generalizada do Estado, estabelecendo uma prontidão estatística constante para que se consiga prever os potenciais riscos para a sociedade, exemplificando a natureza relacional dos dispositivos disciplinar e de segurança, o que demonstra a interconexão entre os dispositivos disciplinar e biopolítico, bem como sua atuação conjunta em um mesmo material de aplicação: mulheres encarceradas (RAFFNSØE, GUDMAND-HOYER e THANING, 2016RAFFNSØE, S.; GUDMAND-HOYER, M.; THANING, M. S. Foucault’s dispositive: the perspicacity of dispositive analytics in organizational research. Organization, v. 23, n. 2, p. 272-298, 2016.).

Assim, afirmar que a prisão produz delinquentes não significa apenas afirmar que a prisão profissionaliza, reincide e aumenta a criminalidade, mas, também afirmar que após sua libertação o egresso sempre será visto, classificado, identificado e tratado como delinquente (ROCHA, LIMA, FERRAZ et al., 2013ROCHA, V. F. T. et al. A inserção do egresso prisional no mercado de trabalho cearense. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, v. 7, n. 4, p. 185-207, 2013.; SERON, 2010SERON, P. C. Egressos do sistema prisional: contribuições do trabalho e da família no processo de (re)inserção social. In: JORNADA INTERNACIONAL DE PRÁTICAS CLÍNICAS NO CAMPO SOCIAL, 1., 2010, Maringá. Anais... Maringá, PR: Universidade Estadual de Maringá, 2010.). Enfim, a prisão “falha” não somente por não diminuir a criminalidade, mas por incluir e marcar determinados sujeitos como eternamente delinquentes, como se tivessem uma propensão “nata e natural” ao crime, produzindo uma identidade estigmatizada, um efeito do poder que os marginaliza, constrói sujeitos culpados, suspeitos e uma relação binária “nós/eles” (CLARKE, BROWN e HOPE-HAILEY, 2009CLARKE, C.; BROWN, A. D.; HOPE-HAILEY, V. Working identities? Antagonistic discursive resources and managerial identity. Human Relations, v. 62, n. 3, p. 323-352, 2009.; THORNBORROW e BROWN, 2009THORNBORROW, T.; BROWN, A. D. ‘Being regimented’: aspiration, discipline and identity work in the British parachute regiment. Organization Studies, v. 30, n. 4, p. 355-376, 2009.; TOYOKI e BROWN, 2013TOYOKI, S.; BROWN, A. D. Stigma, identity and power: managing stigmatized identities through discourse. Human Relations, v. 67, n. 6, p. 715-737, 2013.). Contudo, essa “falha” constitui seu sucesso político, pois é por meio dela que se produz um sentimento generalizado e constante de insegurança na sociedade - que autoriza o Estado a usar a violência e a força policial (FOUCAULT, 2012FOUCAULT, M. Segurança, penalidade e prisão. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.).

O processo de internalização da identidade delinquente é construído por meio de avaliações realizadas a cada três meses por funcionários do presídio e objetiva classificar a presa em função de seu comportamento diário, manifestando a lógica preventiva do dispositivo disciplinar, pois as avaliações e observações constantes das presas buscam prever e evitar que o indesejável aconteça antes de sua ocorrência. Segundo as presas, o uso de pulseiras:

É o método também que tem aqui, né, é o método individualizador, que assim, a gente é avaliado. Assim, individualmente, entendeu? Cada um com seu comportamento e tal. Aí a gente vai tendo alguns benefícios com isso (Maria Eugênia).

As pulseiras agem como punição ou recompensa, pois, de acordo com a cor da pulseira, a presa tem o direito de exercer atividades laborais, frequentar cursos profissionalizantes, ser alfabetizada e ocupar determinado espaço no presídio:

Essas pulseiras são um método de classificação individual. A pulseirinha verde é a segunda fase; a azul é a terceira; e a vermelha é quarta fase. Cada um chega num nível e são avaliados pelos técnicos do presídio, agente, chefe de segurança, diretora, assistente social, psicóloga, o pessoal da saúde (Maria Tomásia).

A pulseira verde é a pulseira que dá direito a fazer cursos, [...]. A pulseira azul dá o direito de trabalhar - que é a que eu estava [...]. Eu tô passando o que passaram pra nós, se eles estão vendendo o peixe, eu estou vendendo o peixe que eles me venderam - a pulseira vermelha, no caso, a diretora tem a obrigação de mandar um ofício pra juíza dizendo que aquela interna ela já está ressocializada [...] se a juíza achar cabível que ela tem o direito de ganhar o semiaberto, a juíza dá o semiaberto pra ela (Maria Curie).

As pulseiras distribuem as presas em determinado espaço (FOUCAULT, 2010aFOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010a.) em função do perigo que elas oferecem, sendo necessário para isso conhecê-la e classificá-la, um exame disciplinar que gera um saber sobre ela, inter-relacionando diferentes tecnologias sociais (exame, avaliação, curso profissionalizante, escola, espaço, cor pulseira, trabalho, liberdade e identidade) por meio de processos de organizing, ou seja, por meio das práticas (e interpretações cotidianas) de organizar, estabelecendo uma rede entre elementos ditos e não ditos (FOUCAULT, 1979FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999.), declarando o caráter relacional entre os elementos que compõem o dispositivo disciplinar. O objetivo é afirmar que somente sendo dóceis e úteis as presas serão libertas:

Elas significam que você tá tendo uma boa conduta, porque se você passou de fase, é porque você tá tendo uma boa conduta, aí você troca de pulseirinha (Maria Cristina).

As pulseiras conferem inteligibilidade aos jogos de verdade, fazendo com que as presas busquem ter o comportamento atribuído a uma cor, ou seja, a ressocialização adquire visibilidade e materialidade nas pulseiras utilizadas:

Graças a Deus, eu já tô na pulseira azul: terceira fase. [...] Isso aqui é a primeira coisa que eu vejo de ressocialização, de fitinha de ressocialização e de fase, é aqui que eu vejo (Maria Augusta).

Maria Curie já chegou a usar a pulseira azul, contudo, devido ao seu mau comportamento, foi rebaixada para a pulseira verde e não pode mais trabalhar nas empresas que atuam dentro do presídio. Bom comportamento, por outro lado, é ser dócil, submissa aos agentes da prisão, não ser violenta e não resistir às ações realizadas pelos agentes - denominadas procedimentos:

Se você é uma presa que o agente fala “procedimento”, e você é uma presa que fala “não vou ficar”, “senhora não quero”. Você tem que falar “procedimento, tudo bem”, você sai tranquila, uma presa que se comporta, que se respeita, porque pra você ter respeito, primeiro você precisa se respeitar. Aqui você está numa unidade que tem regras, como todo lugar [...]. Então, aqui tudo tem limites, tudo tem regra. Então, aqui você vai ter que aprender a respeitar os limites (Maria Tomásia).

Desse modo, procedimentos visam a romper com as rotinas domésticas prévias, produzindo uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanação do eu para destruir a concepção que as presas têm de si, transformando-as em objetos que devem ser encaixados na máquina administrativa, mortificando-as para afastá-las de papéis anteriores que desempenhavam e produzindo um sujeito obediente por meio de uma série de procedimentos, avaliações e exames de obediência à nova rotina e às normas (GOFFMAN, 1961GOFFMAN, E. Asylums: essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Doubleday Anchor, 1961.), bem como intenta produzir um sujeito útil economicamente. Nesse contexto, ter bom comportamento se transforma em sinônimo de ressocialização:

Assim que a gente tá [...] caminhando na ressocialização e assim a gente cumpre as normas do presídio. É boa conduta (Maria Eugênia).

A pessoa que tem bom comportamento, é a pessoa que tá andando dentro do procedimento da unidade (Maria Leopoldina).

Entretanto, toda relação de poder já traz consigo formas de resistência que fazem parte e estão presentes na subjetivação das presas (BUTLER, 1997BUTLER, J. The psychic life of power: theories in subjection. Palo Alto: Stanford University Press, 1997.; FOUCAULT, 1979FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979., 2004FOUCAULT, M. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988. v. 1.). Assim, algumas questões emergem:

  • Quais são as formas de resistência no contexto estudado?

  • O que acontece com as presas que manifestam resistência à subjetivação como delinquentes?

Para respondê-las, o próximo tópico analisa as formas de resistência e as punições às presidiárias.

FORMAS DE RESISTÊNCIA E PUNIÇÕES

Dispositivos são processos de organizing e, por mais que o processo de ressocialização pelo trabalho objetive gerir, controlar e tornar previsíveis atitudes, comportamentos, pensamentos e ações das apenadas, sempre haverá espaço para resistência (RAFFNSØE, GUDMAND-HOYER e THANING, 2016RAFFNSØE, S.; GUDMAND-HOYER, M.; THANING, M. S. Foucault’s dispositive: the perspicacity of dispositive analytics in organizational research. Organization, v. 23, n. 2, p. 272-298, 2016.). Assim, apesar das estratégias empregadas no processo de ressocialização pelo trabalho visarem à construção de um sujeito obediente, politicamente dócil e economicamente útil, isso não significa que o processo esteja livre de resistência nem que o objetivo seja alcançado.

Resistências são consideradas insubordinações pelos agentes e funcionários do presídio, sendo registradas no PAD (Processo Administrativo Disciplinar). A forma mais comum de resistência das presas é não obedecer aos agentes da prisão. E, apesar da maioria das presas ser punida por gritar e discutir com os agentes, essa não é a única forma de resistência apresentada por elas:

É, uma falta. Brigar, discutir com agente, uma falta de respeito assim, entendeu? Passar coisas pras outras celas, eles falam assim que é fazer correr, né. Fazer qualquer coisa, assim, que não está no padrão da unidade, aí nós vamos pra lá (Maria Quitéria).

“Ir pra lá” significa ter seu nome registrado no PAD:

[...] as punições deles é por pouca coisa... você não pode levar um pouquinho de creme pro banho de sol, que você assina um PAD; você não pode ficar sem blusa dentro da cela, você não pode: tudo é PAD. [...] quebrar regras... você não pode gritar na janela, você não pode gritar na portinhola, isso tudo é regras (Maria Lacerda).

As punições visam a combater as resistências e variam em função da falta cometida, sendo as mais usuais isolamento, aumento do tempo de permanência no regime fechado e não trabalhar nas empresas do presídio. O tipo de punição varia de acordo com a falta cometida, como permanência no regime fechado ou isolamento. Por meio do isolamento, por exemplo, pretende-se limitar o campo de possibilidades de resistência por parte das presas, pois toda resistência traz consigo novas possibilidades de existência que, de certa forma, põem em xeque e em perigo a identidade delinquente ofertada: ser dócil e útil (LASTA e HILLESHEIM, 2014LASTA, L. L.; HILLESHEIM, B. Políticas de inclusão escolar: produção da anormalidade. Psicologia & Sociedade, v. 26, p. 140-149, 2014. Edição especial.).

A punição mais temida é o aumento do tempo de permanência das presas no regime fechado, que pode ocorrer de forma direta ou indireta. A forma direta ocorre quando o juiz declara que a presa não poderá ser liberada para o regime semiaberto, pois terá de ficar mais tempo no regime fechado. A forma indireta ocorre quando a presa é proibida de exercer atividades laborais, já que a cada três dias trabalhados diminui um dia da pena, redução está denominada remição:

Eu já era pra ter ido pro semiaberto, mas como aconteceu isso tudo comigo, aí existe o PAD, que é o processo administrativo, que é a disciplina. Então, eu fiquei negativa, fiquei marcada por má conduta. Aí o semiaberto ele tá vencido desde 14 de dezembro de 2011, vai fazer um ano agora em dezembro que eu tô com o semiaberto há um ano vencido na tranca (Maria Beatriz).

A necessidade de constante controle disciplinar sobre as presas revela exatamente a instabilidade e indeterminabilidade do poder, evidenciando o não determinismo e a incompletude dos dispositivos de poder (SEWELL, 2008SEWELL, G. Discipline. In: CLEGG, S. R.; BAILEY, J. R. (Ed.). International encyclopedia of organization studies. Thousand Oaks, CA: SAGE, 2008. p. 386-388.), pois todo dispositivo traz consigo espaços para microprocessos de resistência, espaços de resistência pelos quais as identidades delinquentes são modificadas ou rejeitadas pelas presas (THORNBORROW e BROWN, 2009THORNBORROW, T.; BROWN, A. D. ‘Being regimented’: aspiration, discipline and identity work in the British parachute regiment. Organization Studies, v. 30, n. 4, p. 355-376, 2009.), demonstrando o quanto identidades estigmatizadas são frágeis, contraditórias e até antagônicas (CLARKE, BROWN e HOPE-HAILEY, 2009CLARKE, C.; BROWN, A. D.; HOPE-HAILEY, V. Working identities? Antagonistic discursive resources and managerial identity. Human Relations, v. 62, n. 3, p. 323-352, 2009.; TOYOKI e BROWN, 2013TOYOKI, S.; BROWN, A. D. Stigma, identity and power: managing stigmatized identities through discourse. Human Relations, v. 67, n. 6, p. 715-737, 2013.). Essa constatação explica porque a produção de uma identidade laboral nas presas é algo frágil, sendo que a presença dessa fragilidade não é algo acidental, indesejado ou um elemento externo e estranho às relações de poder estabelecidas, mas um aspecto intrínseco que faz parte do próprio processo de organizing (BROWN e TOYOKI, 2013TOYOKI, S.; BROWN, A. D. Stigma, identity and power: managing stigmatized identities through discourse. Human Relations, v. 67, n. 6, p. 715-737, 2013.). A estabilidade, predicabilidade, aceitabilidade das rotinas e normas da prisão e a produção de identidade laboral nas presas sempre é frágil.

O PAD é mais do que apenas um relatório que contém informações sobre as más condutas das presas. É em torno dele que vantagens e punições são estabelecidas, com o intuito de coibir formas de resistência, conduzindo as presas em direção aos benefícios que podem receber caso aceitem e identifiquem-se com a identidade delinquente ofertada. Entretanto, essa não é a única forma de disciplina e punição para coibir resistências. Outras formas não estão previstas no dispositivo legal ou em regras formais da prisão, como a violência física, a coação e a humilhação pública. Essas formas de punição desvalorizam e estigmatizam a identidade prévia das presas (TOYOKI e BROWN, 2013BROWN, A. D.; TOYOKI, S. Identity work and legitimacy. Organization Studies, v. 34, n. 7, p. 875-896, 2013.), mortificando o eu (GOFFMAN, 1961GOFFMAN, E. Asylums: essays on the social situation of mental patients and other inmates. New York: Doubleday Anchor, 1961.).

[...] eu disse pra ela [agente] que eu já estava de saco cheio de procedimento, de mão pra trás e cabeça baixa, que eu não iria ficar; as agentes saíram todas da base, gritaram comigo e mandaram eu voltar novamente; aí eu voltei e elas vieram com a algema de pé e a algema de mão; eu entrei na íntima. Quando eu entrei na sala íntima, elas queriam que eu saísse de costas pra elas me tirarem no procedimento do carrinho. É um procedimento que te tira de cabeça no chão, arrasta sua cabeça no chão, coloca as suas mãos para trás, e geralmente desloca isso aqui [ela aponta para o ombro]. [...] É assim: pega os meus braços aqui com toda a força e joga pra trás, aí coloca as minhas duas mãos aqui [as mãos delas estavam acima da cabeça]. Aqui, assim, pra trás. Muitas presas já tiveram isso aqui deslocado, até clavícula quebrada. E o rosto [...] seu rosto é arrastado no chão (Maria Curie).

O enunciado acima demonstra os antagonismos internos do processo de ressocialização e a relação de conivência e troca de papéis entre quem é delinquente e quem é agente da lei, transformando os agentes penitenciários em delinquentes (FOUCAULT, 2010cFOUCAULT, M. Estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010c.). Portanto, a identidade estigmatizada de delinquente é reforçada o tempo todo pelos agentes por meio de uma relação tóxica entre os agentes penitenciários e as presas, manifesta na violência e no abuso físico praticado pelos agentes penitenciários (LEMOS, MAZZILLI e KLERING, 1998LEMOS, A. M.; MAZZILLI, C.; KLERING, L. R. Análise do trabalho prisional: um estudo exploratório. Revista de Administração Contemporânea, v. 2, n. 3, p. 129-149, 1998.; TOYOKI e BROWN, 2013BROWN, A. D.; TOYOKI, S. Identity work and legitimacy. Organization Studies, v. 34, n. 7, p. 875-896, 2013.). Enquanto que, por um lado, a prisão põe cartazes na cela com regras que proíbem gritos, humilhações, coações e violência contra as demais presas, por outro lado os agentes praticam contra as presas esses atos considerados inadequados e proibidos. O antagonismo presente nas práticas cotidianas do presídio reforça a ideia de que para alguém se impor e ser respeitado deve praticar coação e violência física. Tal antagonismo faz com que muitas delas não acreditem no processo de ressocialização:

Às vezes é diferente do que a gente pensa. Aliás, é diferente! Por exemplo: você vai no intuito de mudança, né? Às vezes não acontece a mudança, bate a neurose, eu não sei. E às vezes você vai pro projeto [ressocialização] achando que é uma coisa e você vê que é outra. Igual, a gente tá num lugar que é de ressocialização. Um agente vai e mostra pra gente o contrário! (Maria Firmina).

A violência deve ser entendida, aqui, como um problema sociológico em que ocorre uma interação que produz “[...] danos a uma ou mais pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais” (MICHAUD, 1989MICHAUD, Y. A violência. São Paulo: Ática, 1989., p. 11). A violência está tão enraizada na sociedade brasileira que atinge a todos (BITTAR, 2008BITTAR, E. C. B. Violência e realidade brasileira: civilização ou barbárie? Revista Katálysis, v. 11, n. 2, p. 214-224, 2008.), fazendo com que ela seja naturalizada na sociedade. Portanto, não se pode afirmar que os agentes são a origem e os produtores desse antagonismo. Esses discursos apenas demonstram e manifestam as próprias contradições que fundamentam o dia a dia da sociedade brasileira por meio da nossa forma de organização social e suas configurações (PORTO, 2002PORTO, M. S. G. Violência e meios de comunicação de massa na sociedade contemporânea. Sociologias, v. 4, n. 8, p. 152-171, 2002.), fazendo com que sejamos uma sociedade que, independente da classe social e condição econômica do sujeito, naturaliza a cultura da violência (BITTAR, 2008BITTAR, E. C. B. Violência e realidade brasileira: civilização ou barbárie? Revista Katálysis, v. 11, n. 2, p. 214-224, 2008.), fazendo com que a violência esteja em todo o tecido social e seja praticada e naturalizada nos campos de futebol, nas discussões de trânsito, na violência contra homossexuais, no bullying acadêmico em defesa de teses, no feminicídio, nas agressões verbais e físicas que ocorrem todos os dias nas escolas, na violência policial em manifestações pacíficas ou em chacinas praticadas por policiais. A violência, as coações e humilhações praticadas dentro do presídio apenas manifestam a institucionalização de tais práticas na sociedade brasileira.

Essa constatação possibilita considerar a violência no contexto brasileiro um elemento formador tanto do dispositivo disciplinar quanto do dispositivo de seguridade (as formas como a violência opera em cada um deles e os objetivos estratégicos que pretende alcançar são específicos e relacionados às lógicas de cada dispositivo). Trata-se de prática social naturalizada que circula em toda sociedade, presente e legitimada nas práticas disciplinares das prisões, escolas e fábricas na busca pela constituição de determinado tipo de sujeito, bem como nas práticas de segurança biopolítica praticada pela polícia com vistas à regulação da população delinquente.

CONCLUSÃO

Sobre o caráter relacional dos dispositivos disciplinar e de segurança, observaram-se três formas de relacionamento: a) apesar de terem diferentes lógicas de funcionamento, os dispositivos disciplinar e de segurança agem de forma relacional e conjunta sobre as presas, mas de modo não hierárquico; b) os elementos ditos (regras do presídio, leis, comunicados) e não ditos (espaços, tempo, pulseiras, violência) que formam e fazem parte de cada dispositivo se relacionam entre si; e c) um dispositivo somente obtém sucesso em sua empreitada se estabelecer uma relação com os indivíduos que intenciona transformar em sujeitos, sendo que concomitantemente é afetado e afeta essa relação. Assim, o uso dos dispositivos como forma de análise das relações de poder possibilitou entender a dinâmica dos processos de organizing no presídio estudado, demonstrando as dificuldades de manter o pleno controle, permitindo, ao mesmo tempo, a análise tanto das estratégias de poder quanto de suas formas de resistência, rompendo com a dicotomia estrutura/agência.

A observação empírica corrobora o argumento foucaultiano de que a ressocialização pelo trabalho produz um sujeito delinquente e, ao produzi-lo, estigmatiza esse sujeito como sendo incorrigível. Nesse sentido, forma a identidade delinquente ao buscar constituir um sujeito politicamente dócil e economicamente útil, mas que o delinquente carrega consigo um perigo constante, que é sua propensão a realizar atos considerados criminosos. Essa eterna propensão ao crime ocorre somente com sua passagem pelo sistema carcerário. Assim, a prisão produz, marca e estereotipa suas identidades. Por isso, mesmo com a implementação do projeto de ressocialização pelo trabalho, ainda existem grandes obstáculos para que as egressas consigam um emprego formal após sua libertação, contribuindo com o círculo vicioso que as torna ainda mais propensas a voltar ao crime. Além disso, esse processo de formação do criminoso em delinquente não é livre de resistências - que buscam negar, modificar ou reapropriar a identidade delinquente.

Verifica-se que o processo de mortificação do eu ocorre por constantes humilhações, violências e degradações a que as presas estão sujeitas, dificultando que as presas vejam a prisão como um espaço legítimo de ressocialização. O processo de ressocialização somente irá funcionar de modo eficaz se as presas considerarem a prisão um espaço legítimo. A utilização dessas formas de coerção na produção identitária das presas faz com que se estabeleça nelas uma identidade frágil e contraditória, pois sem o estabelecimento de uma relação positiva das presas com o processo de constituição do sujeito não se atinge a ressocialização. As instituições totais atuam como faróis para todos os membros da sociedade, ao dar visibilidade às formas de existência subjetiva que são valorizadas e hegemônicas em determinado tempo e espaço, possibilitando perceber a capilaridade das relações de poder que fazem circular jogos de verdade em certa época histórica. Portanto, as instituições totais necessitam ser estudadas pela área de administração de modo mais consistente e pontual. Questões sobre como essas instituições atuam na produção de diferenças e hierarquias sociais relacionadas a identidades sexuais, de gênero, de classe e de raça, bem como as estratégias políticas e as funções sociais exercidas por elas são pontos que merecem ser explorados em futuras pesquisas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2017
  • Aceito
    18 Dez 2018
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