Acessibilidade / Reportar erro

Reflexões acerca do consumo verde e sustentável na sociedade contemporânea

Reflexiones sobre el consumo verde y sostenible en la sociedad contemporánea

Resumo

Este artigo apresenta reflexões acerca das inter-relações entre os conceitos de consumo verde e consumo sustentável. Tendo como pano de fundo um discurso ambiental amplamente disseminado em nossa sociedade, bem como a centralidade do consumo nesse mesmo universo, percebe-se a existência de dois modelos totalmente opostos no que diz respeito às formas de pensar e agir. Enquanto o primeiro se configura como um padrão de consumo imposto pelo próprio capitalismo que, essencialmente, ressignifica suas práticas e adota um discurso até certo ponto conveniente para seus propósitos, o segundo se posiciona de modo crítico e aposta em uma lógica essencialmente transformadora. Nossas reflexões não constituem uma visão abrangente ou definitiva. Trata-se de um exercício que parte de leitura interdisciplinar dos principais pontos indicados na literatura pertinente. Assim, os textos selecionados para a confecção deste estudo não servem como uma revisão sistemática acerca do tema, mas como inspiradores de uma busca para melhor compreender a questão do consumo em nossa sociedade contemporânea. Os pontos de convergência e divergência nos textos selecionados são devidamente apontados, com vistas a traçar um caminho para a compreensão da natureza do consumo, especialmente o sustentável.

Palavras-chave:
Crise ambiental; Consumo sustentável; Consumo verde; Consumo do simbólico

Resumen

El presente ensayo tiene por objetivo principal realizar algunas reflexiones acerca de las interrelaciones entre los conceptos de consumo verde y consumo sostenible. Teniendo como telón de fondo un discurso ambiental ampliamente diseminado en nuestra sociedad, así como la constatación de una centralidad del consumo en ese mismo universo, se puede percibir la existencia de dos modelos totalmente opuestos en lo que se refiere a las formas de pensar y actuar. Mientras que el primero se configura como un modelo de consumo impuesto por el propio capitalismo, que esencialmente resignifica sus prácticas y adopta un discurso que le es, hasta cierto punto, conveniente, el segundo se posiciona de una manera crítica y apuesta en una lógica esencialmente transformadora. Esta reflexión no se trata, sin embargo, de una visión completa o definitiva acerca de la temática. Es, tan sólo, un ejercicio que parte de una lectura interdisciplinaria de los principales puntos señalados en la literatura pertinente. Así, los textos escogidos para la confección de este trabajo sirven, no como una revisión sistemática sobre el tema sino, como inspiradores para una búsqueda para comprender mejor la cuestión del consumo en nuestra sociedad contemporánea. Los puntos de convergencia y divergencia en los textos escogidos serán debidamente indicados con vistas a trazar un camino hacia la comprensión de la naturaleza del consumo y, especialmente del consumo sostenible.

Palabras clave:
Crisis ambiental; Consumo sostenible; Consumo verde; Consumo simbólico

Abstract

The main objective of this essay is to reflect on the interrelations between the concepts of green consumption and sustainable consumption. Having in mind the existence of a widely disseminated environmental discourse in society, as well as the centrality of consumption in this same universe, one can perceive the existence of two opposite models concerning the forms of thinking and acting. While the former is configured as a model of consumption imposed by capitalism itself, and essentially resigns its practices and adopts a discourse that is to some extent convenient, the latter positions itself in a critical way and counts on essentially transformative logic. This reflection, however, does not deal with a comprehensive or definitive view on the subject. It is an exercise that starts from an interdisciplinary reading about the main points shownin the literature. Thus, the texts chosen for the preparation of this work serve not as a systematic review on the subject but, as it were, as inspirers of a reflection that seeks to better understand the issue of consumption in our contemporary society. The points of convergence and divergence in the chosen texts will be duly pointed out in the sense of drawing a path that highlights the understanding of the nature of consumption, especially sustainable consumption.

Keywords:
Sustainable Consumption; Green Consumption; Environmental crisis; Symbolic Consumption

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta reflexões acerca das inter-relações entre os conceitos de consumo verde e consumo sustentável. Tendo como pano de fundo um discurso ambiental amplamente disseminado em nossa sociedade, bem como a centralidade do consumo nesse mesmo universo, percebe-se a existência de dois modelos totalmente opostos no que diz respeito às formas de pensar e agir. Enquanto o primeiro se configura como um padrão de consumo imposto pelo próprio capitalismo que, essencialmente, ressignifica suas práticas e adota um discurso até certo ponto conveniente para seus propósitos, o segundo se posiciona de modo crítico e aposta em uma lógica essencialmente transformadora.

No entanto, nossas reflexões não constituem uma visão abrangente ou definitiva acerca do tema. Trata-se de um exercício que parte de leitura interdisciplinar dos principais pontos indicados na literatura pertinente. Assim, os textos selecionados para a confecção deste estudo não servem como uma revisão sistemática acerca do tema, mas como inspiradores de uma busca para melhor compreender a questão do consumo em nossa sociedade contemporânea. Os pontos de convergência e divergência nos textos selecionados são devidamente apontados, com vistas a traçar um caminho para a compreensão da natureza do consumo, especialmente o sustentável.

Este breve estudo segue uma trilha. Além da introdução, apresentamos uma discussão teórica acerca das relações entre os processos de produção, comércio e consumo. Em seguida discutimos aspectos relacionados à natureza do consumo do simbólico e suas relações com o a sociedade contemporânea. Então, discutimos as principais diferenças entre os conceitos de consumo verde e consumo sustentável. Por fim, apresentamos nossa conclusão.

PRODUÇÃO, COMÉRCIO E CONSUMO

Atualmente, vivemos em uma sociedade pode ser caracterizada como altamente consumista, tanto no que diz respeito aos seus mais variados produtos/itens quanto aos seus diversos espaços. Tal realidade diz respeito ao fato de que estamos inseridos em um sistema econômico capitalista, que busca o lucro - por meio de diversas estratégias e setores de atuação.

Desse modo, caminhamos sobre uma tríade indissociável, pautada, essencialmente, nos processos de produção, comércio e consumo, que, desde os primórdios da humanidade, tem estabelecendo estreitas relações. No que diz respeito ao comércio, em especial, Cleps (2004CLEPS, G. D. G. O comércio e a cidade: novas territorialidades urbanas. Sociedade & Natureza, v. 16, n. 30, p. 117-132, 2004., p. 120) aponta que:

O comércio, entendido como uma função urbana na qual as mercadorias são trocadas, tem sua origem ligada à própria história da humanidade. Ele surgiu e se desenvolveu do momento em que passou a existir um excedente de produção, fruto do desenvolvimento das forças produtivas, que levou ao sistema de trocas. Assim, o aperfeiçoamento efetuado nos meios de produção, gerado pelo aprimoramento de novas técnicas, aumentou a produção e, consequentemente, intensificou a atividade comercial.

De acordo com a autora, a origem do comércio assume papel de destaque na história, pois decorre da estreita relação estabelecida entre os processos de produção, comércio e consumo, mediada por outras necessidades.

Cabe destacar que, nesse contexto, o consumo dos indivíduos era mediado por necessidades primitivas, ou seja, a troca de produtos de primeira necessidade (como os alimentícios). Outro ponto importante é o fato de que a comercialização não partia do estabelecimento de um valor de troca, mas de um valor de uso antes do capitalismo se estruturar como sistema econômico.

Com o passar do tempo, em diferentes países e regiões, muitas transformações ocorreram e o modo como a produção, o comércio e o consumo são tratados pela sociedade foi mudando, sobretudo com base no desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias.

Embora as discussões sobre consumo se concentrem no período contemporâneo, diante de sua intensificação e das mudanças em seus conteúdos (BOURDIN, 2005BOURDIN, A. La métropole des individus. Paris: Aube, 2005.), vale ressaltar que, ao longo da história, o consumo assumiu papel extremamente relevante na sociedade. Nesse sentido, Vargas (2015VARGAS, C. B. Sustentabilidade e consumo consciente: a percepção da evolução do modo de consumir e como isso pode afetar a gestão nos próximos anos. In: AMOSTRA DE INICIAÇÃO CIENTIFICA, PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO, 15., 2015, Caxias do Sul. Anais... Caxias do Sul, RS: Universidade de Caxias do Sul, 2015. , p. 3) destaca que:

A sociedade humana tem sua base de crescimento no consumo, se fazendo presente de diversas formas no decorrer da história. Primeiramente era consumo de sobrevivência, colhendo, caçando, pescando, apenas aquilo que era necessário para a manutenção da vida. Com os avanços tecnológicos, a invenção da moeda como ordenação do mercado, a Revolução Industrial, o consumo foi se modificando até se tornar mandatário do crescimento econômico, sendo baseado em necessidades utópicas, na busca pela felicidade universal.

O consumo, portanto, passou a ter papel central na sociedade a partir do aperfeiçoamento das técnicas e do desenvolvimento da economia capitalista. Mostra-se necessário compreender que os avanços tecnológicos introduzidos pelas revoluções industriais provocaram significativas mudanças na vida social dos indivíduos, pois possibilitaram o surgimento de tempo destinado ao lazer - o qual se tornou cada vez mais associado com o tempo destinado ao consumo, como apresenta Cleps (2004CLEPS, G. D. G. O comércio e a cidade: novas territorialidades urbanas. Sociedade & Natureza, v. 16, n. 30, p. 117-132, 2004., p. 125):

As novas formas tecnológicas, altamente sofisticadas, possibilitaram e incrementaram o tempo do ócio. Ao necessitar de menos mão de obra e, ao mesmo tempo, reduzir a possibilidade de exploração da mais-valia do trabalhador, o tempo do ócio passa a ser fundamental para a reprodução e acumulação de capital. Neste sentido, os meios de comunicação à propaganda e a publicidade, bem como a divulgação de novas ideias, passaram a ter grande influência no contexto socioeconômico atual, suscitando o surgimento da sociedade de consumo.

Deve-se destacar, ainda, a ideia de que, não totalmente dissociado dos desenvolvimentos tecnológicos, o recrudescimento da divisão social do trabalho, decorrente dos processos de revolução industrial e consequente urbanização, possibilitou o surgimento de classes sociais dissociadas do universo produtivo, mas que estariam diretamente relacionadas com o universo do consumo. Tal realidade, apontada por Durkheim (1999DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999. ), torna clara a centralidade do consumo em classes ou grupos sociais - trata-se de elemento definidor de sua identidade e, por que não dizer, de seus gostos (BOURDIEU, 2011BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2011.).

Segundo McCracken (2003)MCCRACKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003., a história da revolução no consumo apresenta contornos importantes no final do século XVIII, na medida em que passa a adquirir presença mais ativa e formal, tornando-se elemento central do palco histórico. Para o autor, aspectos como o surgimento de novos mercadores (“profissionais de marketing”), bem como de toda uma nova mídia de comunicação, fez com que o número de bens disponíveis para o consumo se ampliasse consideravelmente, sendo possível adquiri-los, cada vez mais, em diversos estabelecimentos comerciais. Tal realidade levou McCracken (2003)MCCRACKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. a apontar que no final do século XIX a revolução no consumo já estava consolidada como um fato social permanente, tendo, inclusive, seu próprio lócus institucional (as lojas de departamento).

Nesse sentido, para Baudrillard (1972BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos, 1972.) e Lefebvre (1991LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991.), no tocante à contemporaneidade, as relações entre produção, comércio e consumo poderiam ser requalificadas na constituição da chamada “sociedade de consumo”. Esta é caracterizada muito mais pelo desejo de consumir determinado produto do que pela necessidade de obtê-lo, ou seja, o ato de consumir iria muito além da compra de itens estritamente necessários para a sobrevivência do indivíduo. Desse modo, o consumo se torna elemento central na vida das pessoas. Ortigoza (2010ORTIGOZA, S. A. G. Paisagens do consumo. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.), ao estudar as práticas de consumo da sociedade contemporânea, destaca o fato de que consumimos não apenas devido à necessidade, mas para satisfazer um desejo que, às vezes, torna-se incontrolável diante das lógicas criadas pelo capital para fortalecer e intensificar o ritmo de consumo.

Assim, ora é este desejo, ora esta necessidade de consumir dos indivíduos que dinamiza e fortalece os setores de produção e comércio, ampliando suas formas de atuação com a diversificação de produtos e a divulgação massiva de propagandas, sempre visando a criar novas “necessidades”.

Quanto a esse aspecto, Padilha (2006PADILHA, V. Shopping Center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006., p. 85) destaca: “o consumo encontra-se determinado tanto por um complexo processo constitutivo dos desejos humanos quanto pela lógica de produção, ou seja, pela lógica do lucro”.

Portanto, no capitalismo, os processos de produção, comércio e consumo são os caminhos que devem ser trilhados e aperfeiçoados em busca do lucro. Já para o indivíduo, o consumo de certos produtos vai muito além do produto em si - busca o que ele significa, representa, ou seja, aos valores que se agregam ao produto sob o ponto de vista subjetivo. Tal ponto, aliás, constitui aspecto essencial na próxima seção, qual seja, a compreensão do conceito de consumo do simbólico, bem como sua importância na sociedade contemporânea.

O CONSUMO DO SIMBÓLICO

Diversos autores têm-se debruçado sobre o comportamento denominado consumo do simbólico (LEVY, 1957LEVY, S. J. Symbols for sale. ‎Harvard Business Review, 1957.; ROOK, 1985ROOK, D. W. The ritual dimension of consumer behavior. Journal of Consumer Research, v. 12, n. 3, p. 251-264, 1985.; MCCRACKEN, 1986MCCRACKEN, G. Culture and consumption: a theoretical account of the structure and movement of the cultural meaning of consumer goods. Journal of Consumer Research, n. 13, p. 71-84, 1986.; SCHOUTEN, 1991SCHOUTEN, J. W. Selves in transition: symbolic consumption in personal rites of passage and identity. Journal of Consumer Research, v. 17, n. 4, p. 412-425, 1991.; GAINER, 1995GAINER, B. Ritual and relationships: interpersonal influences on shared consumption. Journal of Business Research, v. 32, n. 3, p. 253-260, 1995.; GRUBB e GRATHWOHL, 1967GRUBB, E. L.; GRATHWOHL, H. L. Consumer self-concept, symbolism and market behavior: a theoretical approach. Journal of Marketing, v. 31, n. 4, p. 22-27, 1967.). De acordo com Rocha e Rocha (2007ROCHA, A.; ROCHA, E. Paradigma interpretativo nos estudos de consumo: retrospectiva, reflexões e uma agenda de pesquisas para o Brasil. Revista de Administração de Empresas, v. 47, n. 1, p. 71-80, 2007., p. 72), para tais estudos, “[...] todo ato de consumo é visto como impregnado de significado simbólico, sendo o lócus em que se reafirmam, entre outras questões, identidade, pertencimento, hierarquia, status e poder”. Nesse sentido, para os autores, os significados se sobreporiam às dimensões funcional, material e econômica do consumo.

Corroborando tal perspectiva, Willems (2013WILLEMS, E. Consumo simbólico. Plural: Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, v. 20, n. 1, p. 141-144, 2013., p. 141) afirma que:

À primeira vista, o consumo parece ser um fenômeno exclusivamente econô­mico, relacionado com a satisfação de necessidades, em grande parte biológicas. Um exame mais acurado, no entanto, revela o condicionamento cultural do consumo: a quantidade e qualidade dos bens consumidos, a maneira de consumi-los, mas, sobretudo, as associações que se ligam a determinadas formas de consumo apontam dependências culturais.

De acordo com o autor, pode-se compreender que as formas de consumir estão muito relacionadas, essencialmente, com os aspectos culturais e que o consumo do simbólico poderia, então, ser mediado a partir desse aspecto, ou seja, a partir de uma dimensão cultural.

Segundo Sarreta (2012SARRETA, C. R. L. Algumas reflexões do poder simbólico em relação ao consumo na globalização. Perspectiva, v. 36, n. 134, p. 19-29, 2012., p. 24):

O consumo pode ser definido como um ideal que vai além da relação com os objetos e com os indivíduos, prolongando-se para todos os registros históricos e culturais. A lógica não é pautada pela presença, ela está no imaginário do ser humano. Nesse sentido, o ato de consumir é um ato de satisfação, de realização de desejos que produzem intensas sensações. Os bens simbólicos de natureza cultural podem ser, por exemplo, o cinema, a música e o teatro, enquanto outros são as mercadorias (físicas).

Nessa perspectiva, o ato de consumir estaria relacionado, sobretudo, com a satisfação, a realização e as sensações que os bens simbólicos provocariam e expirariam nos indivíduos.

Cruz (2008CRUZ, R. C. O consumo a partir da lógica do consumidor: usando arcabouço das representações sociais. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 32., 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Anpad, 2008., p. 1), por sua vez, apresenta a seguinte concepção:

Entendendo o consumo como uma dimensão do relacionamento social, enfatiza-se que consumir não se resume a comprar, desfrutar o produto e descartá-lo, mas está também atrelado a um processamento de informações que associa significados sócio-relacionais ao produto comercializado. O comprador ao procurar um determinado produto está buscando uma solução para sua necessidade e crê que determinado produto possa satisfazer essa necessidade. Essa satisfação está vinculada à relação entre as expectativas criadas e o desempenho percebido, sendo que consumidores baseiam suas expectativas não só em atributos funcionais do produto e em considerações econômicas de custeio, mas também em identidade social e normas de conduta social que o incluem.

Ainda de acordo com a autora, evidencia-se o forte simbolismo que os produtos carregam em si, assim como a questão da compra de tais símbolos por meio desses produtos. É inegável que o marketing tem ampla contribuição em relação à venda dos símbolos por meio dos produtos. Nesse sentido, como mostra McCracken (2003)MCCRACKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003., foi por meio do marketing e de seus profissionais que o consumo se tornou o elemento norteador e principal definidor da sociedade moderna. Tal realidade, agora já totalmente consolidada, mostra-se extremamente relevante na medida em que desloca a categoria trabalho como o elemento principal de nossa sociedade, possibilitando a compreensão da estratificação social a partir do consumo.

Retomando a questão do simbolismo representado por meio dos produtos, Nogueira, Silva, Lima et al. (2014NOGUEIRA, L. S. C. et al. Consumo do simbólico e identidade da marca: um estudo de caso sobre a nova estratégia de produtos da Havaianas. In: SIMPÓSIO DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO E TECNOLOGIA, 11., 2015, Resende. Anais... Resende, RJ: Associação Educacional Dom Bosco, 2014. , p. 2), apontam que:

Os incentivos e impulsos dados ao consumidor para a compra por meio da simbologia podem ser representados desde o material ao imaterial, exemplo que vai da disposição de um produto em loja, até o valor que este mesmo produto, agregado ao símbolo, ou seja, o que ele representa ao indivíduo consumidor, o que impulsiona ao indivíduo seja no estilo ou influenciado pelo ambiente, cultura, seja por desejo pessoal ou influencia social. Entender o comportamento do consumidor, bem como análise e estudo direcionados à marca, podem contribuir para o desenvolvimento de uma ação de marketing consistente.

Para McCracken (1986)MCCRACKEN, G. Culture and consumption: a theoretical account of the structure and movement of the cultural meaning of consumer goods. Journal of Consumer Research, n. 13, p. 71-84, 1986., no entanto, uma grande limitação desses estudos estaria pautada, exatamente, na falha de observar que tais significados estão em constante fluxo. Para o autor, tais significados seguem uma trajetória que se inicia no que ele denomina mundo culturalmente constituído, perpassam os produtos consumidos (por meio do uso da propaganda e da moda) e culminam nos indivíduos que consomem (mediados por rituais de posse, de troca, de arrumação e de despojamento) - que se apropriam desses significados para definir questões como identidade, posição no espaço social, pertencimento a grupos, status, entre muitas outras.

Segundo o autor, o mundo culturalmente constituído seria a fonte original dos significados que residem nos bens de consumo. Ele é representado pela experiência do dia a dia por meio da qual outro mundo, o dos fenômenos, volta-se aos sentidos do indivíduo, totalmente moldados pelas crenças e pelos pressupostos de sua cultura, determinando as coordenadas da ação social e da atividade produtiva (MCCRACKEN, 1986MCCRACKEN, G. Culture and consumption: a theoretical account of the structure and movement of the cultural meaning of consumer goods. Journal of Consumer Research, n. 13, p. 71-84, 1986.). Dentre as categorias culturais presentes nesta análise, despontam: o tempo; o espaço; e a criação coletiva humana (distinções de classe, status, gênero, idade e ocupação). Tais categorias culturais seriam importantes na medida em que determinam como o mundo vivido é segmentado em partes coerentes, formando um todo organizado.

Há que se destacar, também, nesse mundo culturalmente constituído, a existência de princípios culturais (valores, crenças e ideias) que determinam como as categorias culturais são organizadas, avaliadas e construídas. Nesse sentido, determinada roupa relacionada com expressões como “refinada” e “delicada” poderia ser associada com mulheres de classe alta. Do mesmo modo, uma música relacionada com uma expressão como “vulgar” poderia ser associada, em nossa sociedade, com grupos sociais precarizados ou marginalizados.

Para McCracken (1986)MCCRACKEN, G. Culture and consumption: a theoretical account of the structure and movement of the cultural meaning of consumer goods. Journal of Consumer Research, n. 13, p. 71-84, 1986., o significado presente nesse mundo culturalmente constituído é transferido para os bens de consumo por meio de dois instrumentos: as instituições da publicidade; e o sistema da moda. Nota-se, no entanto, um caráter relacional nesses dois universos, na medida em que o primeiro transfere significado para o segundo, enquanto o segundo também influencia o primeiro.

Por fim, o significado seria transferido dos bens de consumo para os consumidores por meio de rituais. De acordo com McCracken (1986)MCCRACKEN, G. Culture and consumption: a theoretical account of the structure and movement of the cultural meaning of consumer goods. Journal of Consumer Research, n. 13, p. 71-84, 1986., ritual seria um tipo de ação social voltada à manipulação de um significado cultural para propósitos de comunicação e categorização individual e coletiva. Seria, assim, uma oportunidade para afirmar, evocar, ordenar ou revisar os símbolos convencionais e os significados da ordem cultural. Para Rook (1985ROOK, D. W. The ritual dimension of consumer behavior. Journal of Consumer Research, v. 12, n. 3, p. 251-264, 1985.), o termo ritual se refere a um tipo de atividade simbólica expressiva, construída por múltiplos comportamentos que ocorrem em sequência fixa e episódica, e tende a se repetir ao longo do tempo. Ainda para o autor, o comportamento ritual é dramaticamente “escrito” e “encenado” com formalidade, seriedade e intensidade.

Normalmente associados à ideia de passagem (p. ex., a festa de 15 anos, que sinaliza o fim da infância e a entrada na vida adulta, ou o trote de calouros nas universidades), os rituais se encontram presentes na sociedade moderna em suas mais diversas facetas. Pode-se citar como exemplos: a) rituais de mídia; b) rituais patrióticos (hasteamento de bandeira ou canto do hino nacional); c) rituais religiosos (procissões, batismo, casamento etc.); d) rituais de troca de presentes (aniversário, natal etc.); e) preparação e consumo de comida, entre outros. Para Rook (1985ROOK, D. W. The ritual dimension of consumer behavior. Journal of Consumer Research, v. 12, n. 3, p. 251-264, 1985.), um aspecto extremamente negligenciado é a ideia de que tais rituais, normalmente, envolvem a troca extensiva de bens e produtos que são consumidos nas mais diversas ocasiões.

De acordo com McCracken (1986)MCCRACKEN, G. Culture and consumption: a theoretical account of the structure and movement of the cultural meaning of consumer goods. Journal of Consumer Research, n. 13, p. 71-84, 1986., existiriam 4 tipos de rituais que transmitem o significado dos bens de consumo para os indivíduos: a) rituais de troca; b) rituais de posse; c) rituais de arrumação; e d) rituais de despojamento. Para o autor, os rituais de troca seriam utilizados para direcionar a permuta de bens carregados de certas propriedades significativas para indivíduos que se mostram, segundo o doador do presente, “necessitados” de tais propriedades. Nesse sentido, a mulher que recebe um tipo particular de vestido de presente de aniversário é, também, recipiente de um conceito particular do que os agentes entendem acerca de ser mulher (significado). Os rituais de posse seriam empreendidos pelo dono de um bem a fim de estabelecer acesso às suas propriedades significativas. Como exemplo desse tipo de ritual se pode indicar as ações que os indivíduos estabelecem no sentido de personalizar bens adquiridos ou ganhos. Os rituais de arrumação seriam usados para efetivar a transferência contínua de propriedades perecíveis que se desvanecem quando de posse do consumidor. Por fim, os rituais de despojamento seriam utilizados para esvaziar o significado dos bens, a fim de evitar sua perda de significado ou o contágio de seu significado.

Segundo Rook (1985ROOK, D. W. The ritual dimension of consumer behavior. Journal of Consumer Research, v. 12, n. 3, p. 251-264, 1985.), existiriam 4 elementos relacionados à experiência ritualística: a) artefatos ritualísticos; b) roteiro do ritual; c) papéis na performance ritualística; e d) plateia que assiste e participa do ritual. No que diz respeito aos artefatos ritualísticos, estes poderiam ser compreendidos como produtos que acompanham ou são consumidos no decorrer do ritual (p. ex., velas, comidas, bebidas, joias etc.). O roteiro do ritual teria a função de guiar o uso dos vários artefatos ritualísticos; o roteiro identificaria não somente os artefatos, mas a sequência e a forma como devem ser utilizados. Convêm destacar, ainda, que o roteiro do ritual é executado por uma série de papéis (p. ex., o padre em uma cerimônia de casamento). Por fim, faz parte do ritual a plateia, que o assiste e dele participa. Nesse contexto, soma-se a complexidade que envolve o consumo, determinadas preocupações decorrentes de demandas específicas ou momentâneas. Atualmente, por exemplo, a disseminação de um discurso ambiental tem repercutido em diversos setores da sociedade, com implicações fundamentais no âmbito do consumo. Tendo tal perspectiva em mente, aprofundamos no tópico seguinte a questão do consumo sustentável, sob uma perspectiva essencialmente crítica.

CONSUMO SUSTENTÁVEL E CONSUMO VERDE

Falar sobre consumo sustentável leva, necessariamente, à discussão da questão ambiental, visto que ele é apresentado como um “modelo”, ou melhor, como uma forma de consumo cujo ideal é a conservação do meio ambiente.

Nesse sentido, a questão ambiental, na atualidade, vive um debate diante do consumo, ou seja, quanto aos padrões de consumo da sociedade contemporânea, que, por sua vez, acabam pressionando e sobrecarregando o uso dos recursos naturais. Desse modo, hoje, o foco da crise ambiental estaria baseado nos padrões sociais de consumo (PORTILHO, 2005PORTILHO, F. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 1-12, 2005.).

Cabe ressaltar, no entanto, que, ao longo de toda a discussão sobre a questão ambiental, o foco da crise nem sempre foi o mesmo. Então, mostra-se relevante a retomada desse histórico para compreender quando o consumo sustentável entrou em cena no campo das discussões ambientais.

Segundo Portilho (2005PORTILHO, F. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 1-12, 2005., p. 2),

[...] o poder político das nações industrializadas e de alguns grupos científicos manteve, até a década de 1970, uma definição estreita da questão ambiental. Até então, a crise era atribuída ao crescimento demográfico, principalmente nos países em desenvolvimento, que provocariam uma grande pressão humana sobre os recursos naturais do planeta.

Ainda de acordo com a autora, em um primeiro momento, o foco da crise recaía sobre o crescimento demográfico dos países em desenvolvimento, que, na realidade, ameaçava o ritmo de produção dos países mais industrializados.

Posteriormente, sobretudo após a Conferência de Estocolmo, de 1972, tornou-se explícito, por parte dos países em desenvolvimento, que os principais responsáveis pela crise ambiental eram os países industrializados, em especial devido ao seu ritmo de produção (PORTILHO, 2005PORTILHO, F. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 1-12, 2005.). Nesse contexto, o foco da crise saiu do crescimento demográfico dos países em desenvolvimento e voltou-se à produção dos países desenvolvidos e industrializados. Havia, por assim dizer, um cenário de disputa em relação aos culpados pela crise ambiental.

A partir de então, a questão ambiental entrou, definitivamente, em pauta nas discussões mundiais, tanto por parte de ações dos governos como dos ambientalistas e empresários, que acabaram apropriando-se do discurso ambiental como forma de incrementar seus produtos e serviços.

Com a realização da Conferência Rio-92 houve uma nova mudança de paradigma em torno da crise ambiental, pois novas discussões foram levadas em consideração, como a questão do estilo de vida, as práticas de consumo, os problemas ambientais globais, entre outros. Verifica-se, então, uma mudança na perspectiva da crise, uma vez que o foco da produção se direciona para o consumo (PORTILHO, 2005PORTILHO, F. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 1-12, 2005.).

Diante dessa nova abordagem da crise ambiental, Valentim, Faveri, Kroetz et al. (2012VALENTIM, I. et al. Responsabilidade socioambiental pelo consumo consciente. In: SIMPÓSIO DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO E TECNOLOGIA, 9., 2012, Resende. Anais... Resende, RJ: Associação Educacional Dom Bosco, 2012. , p. 1) argumentam que “[...] o agravamento da crise ambiental deu-se justamente diante da globalização e do incentivo ao consumo”; nesse sentido, os autores apontam que “para que se possa falar em menor impacto ou consumo sustentável, necessário será transformar radicalmente o modo de vida contemporâneo”.

Sob essa perspectiva, Portilho (2005PORTILHO, F. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 1-12, 2005., p. 3) caminha em direção à seguinte concepção:

A questão do impacto ambiental do consumo foi definida inicialmente nos limites da noção de “consumo verde”, concentrando-se um pouco mais tarde no chamado “consumo sustentável”. O surgimento da ideia de um consumo verde e, portanto, de um consumidor verde, só foi possível, basicamente, a partir da conjunção de três fatores inter-relacionados: o advento, a partir da década de 1970, do ambientalismo público; a “ambientalização” do setor empresarial, a partir dos anos 1980; e a emergência, a partir da década de 1990, da preocupação com o impacto ambiental de estilos de vida e consumo das sociedades afluentes. A partir da combinação desses três fatores, especialistas, autoridades, políticos e organizações ambientalistas começaram a considerar o papel e a co-responsabilidade dos indivíduos comuns, em suas tarefas cotidianas, para a crise ambiental.

Pode-se compreender que, em um primeiro momento, a questão do impacto ambiental do consumo foi definida a partir dos limites do denominado consumo verde para, posteriormente, avançar em direção ao que seria o consumo sustentável. No que diz respeito ao conceito de consumo sustentável, Silva (2009SILVA, M. B. O. O direito à qualidade de vida e o consumo sustentável como indicador da qualidade de vida. Revista do Curso de Direito da FSG, n. 5, p. 113-124, 2009., p. 118) afirma que:

Passou a ser construído a partir do termo “desenvolvimento sustentável”, divulgado pela Agenda 21, documento que traz as principais ações a serem tomadas pelos governos para aliar a necessidade de crescimento dos países com a manutenção do equilíbrio do meio ambiente. Entre os temas principais desse documento está a necessidade de mudanças de padrões de consumo, levando à conclusão de que, ou se alteram os padrões de consumo, ou não haverá recursos naturais para garantir o direito das pessoas a uma vida saudável.

De acordo com Portilho (2015)ROCHA, A.; ROCHA, E. Paradigma interpretativo nos estudos de consumo: retrospectiva, reflexões e uma agenda de pesquisas para o Brasil. Revista de Administração de Empresas, v. 47, n. 1, p. 71-80, 2007., na discussão sobre o consumo verde se observa que ele avançou sobre a conjunção de três fatores básicos: o ambientalismo público (década de 1970); a ambientalização do setor empresarial (década de 1980); e a preocupação do impacto ambiental de estilos de vida e consumo das sociedades (década de 1990). Assim, foi a partir da combinação de tais fatores que se tornou explícito o papel e a corresponsabilidade dos indivíduos comuns em suas tarefas cotidianas na crise ambiental.

Pode-se dizer que esse foi um modelo de consumo que buscou envolver a esfera pública, a esfera empresarial e a sociedade. Com base nele, toda a responsabilidade ambiental se direcionou para a sociedade, tentando atingir, especificamente, a figura do indivíduo. Assim, aquele que praticasse o consumo verde seria denominado consumidor verde. Para Portilho (2005PORTILHO, F. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 1-12, 2005., p. 3), o consumidor verde é definido:

Como aquele que, além da variável qualidade/preço, inclui em seu “poder de escolha”, a variável ambiental, preferindo produtos que não agridam ou sejam percebidos como não agressivos ao meio ambiente. Dessa forma, o movimento de consumo verde enfatizou a habilidade dos consumidores agirem em conjunto, trocando uma marca X por uma marca Y, ou mesmo parando de comprar um determinado produto, para que os produtores percebessem as mudanças na demanda. As ações e as escolhas individuais motivadas por preocupações ambientais passaram a ser vistas como essenciais, e o consumidor como o responsável, através de suas demandas e escolhas cotidianas, por mudanças nas matrizes energéticas e tecnológicas do sistema de produção.

É importante dizer que, além do estabelecimento de um modelo de consumo, criou-se um estereótipo de consumidor e um padrão de produto específico que deveria ser consumido. O consumidor verde, com seu poder de escolha, acabou caindo em uma grande armadilha - a partir da qual se faz uma das principais críticas ao consumo verde:

O consumo verde atacaria somente uma parte da equação, a tecnologia, e não os processos de produção e distribuição, além da cultura do consumo propriamente dita. A estratégia de consumo verde pode ser analisada, ainda, como uma espécie de transferência da atividade regulatória em dois aspectos: do Estado para o mercado, através de mecanismos de auto-regulação; e do Estado e do mercado para o cidadão, através de suas escolhas de consumo. Assim, ambos - governos e empresas - encorajariam a responsabilidade individual, implícita ou explicitamente, através de referências ao poder do consumidor, ao “bom cidadão” ou à valorização da contribuição pessoal de cada um, transferindo a responsabilidade para um único lado da equação: o indivíduo (PORTILHO, 2005PORTILHO, F. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 1-12, 2005., p. 3).

Além do consumo verde atingir apenas a dimensão tecnológica, ele também confere toda a responsabilidade ambiental ao indivíduo (como ressaltado). Ao não considerar toda a equação, isso pode ser considerado um dos principais entraves enfrentados pelos teóricos.

Outra crítica relacionada ao consumo verde faz referência ao limite de acesso aos produtos verdes, pois eles têm um valor de custo mais alto, cabendo, então, o acesso a eles a uma pequena e restrita parcela da sociedade (DIAS e MOURA, 2007DIAS, S. L. F. G.; MOURA, C. Consumo sustentável: muito além do consumo verde. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 31., 2007, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Anpad, 2007.).

Diante disso, o consumo verde começa a perder espaço para o consumo sustentável, que, por sua vez, passa a propor ações tanto de caráter individual como coletivo, a partir da interligação entre produção e consumo, buscado alcançar um campo mais abrangente de ação - como apresenta a Figura 1.

Figura 1
Abrangência do consumo “verde” e do consumo sustentável

Sob essa perspectiva mais abrangente do consumo sustentável, “[...] o meio ambiente deixou de ser relacionado apenas a uma questão de como usamos os recursos (os padrões), para também estar vinculado à preocupação com o quanto usamos (os níveis); portanto, um problema de acesso, distribuição e justiça” (PORTILHO, 2005PORTILHO, F. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 1-12, 2005., p. 4). O consumo sustentável parte, assim, do princípio fundamental de que todas as partes da equação devem ser levadas em consideração.

Quanto ao direcionamento da responsabilidade ambiental, vale dizer que:

Se, pelas propostas de consumo verde, o consumidor era o principal agente de transformação − pois, como já foi visto, suas demandas estimulariam a modernização ecológica das indústrias − com a perspectiva do consumo sustentável, essa questão assume contornos mais complexos. Se era possível dizer “eu sou um consumidor verde”, já não faz sentido afirmar “eu sou um consumidor sustentável”. Como já foi dito antes, a ideia de consumo sustentável não se resume a mudanças no comportamento do indivíduo. Também não se limita a mudanças no design de produtos ou na forma de prestação de um serviço para atender a esse novo nicho de mercado. É verdade que não deixa de destacar o papel do consumidor, mas o faz priorizando suas ações, individuais ou coletivas, como práticas políticas (PORTILHO, 2005PORTILHO, F. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 1-12, 2005., p. 4-5).

Não se trata mais de uma responsabilidade ambiental de base somente individual, mas, também, coletiva - não apenas com mudanças nos formatos dos produtos e dos serviços para atingir um grupo específico, mas na quantidade em que consumimos determinados produtos e recursos, buscando atingir toda a equação, e não apenas uma parte dela, como no consumo verde.

Sobre esses aspectos, Cooper (2002COOPER, R. The designing experience: the role of design and designers in the 21 century. Cornwall: Ashgate Publishing, 2002.) apresenta uma proposta analítica (Quadro 1) exposta em Dias e Moura (2007DIAS, S. L. F. G.; MOURA, C. Consumo sustentável: muito além do consumo verde. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 31., 2007, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Anpad, 2007., p. 7).

Quadro 1
Abordagens do consumo “verde” e do consumo sustentável

Pode-se observar, a partir dos dois modelos de consumo, que eles são totalmente opostos no que diz respeito às formas de pensar e agir. Principalmente no posicionamento diante do modelo de consumo imposto pelo capitalismo, no qual o consumo verde acaba sendo conveniente para seus propósitos, incentivando o consumidor a trocar um produto por outro, enquanto o consumo sustentável procura, de certa forma, posicionar-se mais criticamente em relação a esse modelo, associando o consumo ao estritamente necessário.

Por fim, embora reconheçamos o consumo sustentável como um avanço em relação ao consumo verde e, acima de tudo, como um modelo de contribuição teórica mais crítico em relação aos padrões de produção e consumo impostos pelo capitalismo à sociedade contemporânea, ele não deve ser visto como uma solução mágica para a crise ambiental mundial. Há que se destacar, no entanto, que o consumo sustentável constitui um avanço importante que precisa, necessariamente, ser levado em conta.

CONCLUSÃO

Diante do exposto ao longo deste artigo, percebe-se, de fato, a existência de estreita relação entre os processos de produção, comércio e consumo, na qual um gera rebatimentos tanto de ordem direta ou indireta sobre o outro. Portanto, trata-se de processos totalmente interligados diante dessa nova “sociedade de consumo”.

No que diz respeito ao consumo do simbólico, este se realiza no campo das várias dimensões: a econômica, a social e a cultural. De modo geral, o consumo do simbólico envolve a compra de determinado produto pelo indivíduo por meio dos significados que ele representa.

No que se refere ao consumo sustentável e ao consumo verde, constatou-se que, apesar de serem termos que abrangem o leque geral das discussões da questão ambiental, são totalmente diferentes e opostos do ponto de vista teórico. Nesse sentido, enquanto o consumo verde prioriza apenas partes da equação em seu modelo, como a questão da tecnologia utilizada na parte produtiva e a responsabilidade ambiental de caráter individual, o consumo sustentável, porém, já parte de um campo de visão e ação mais abrangente, considerando todas as partes da equação, as ações individuais e coletivas, bem como a mudança na produção e na forma de consumo.

De qualquer forma, embora as preocupações com a questão ambiental e a sustentabilidade estejam presentes na agenda de determinados setores, ressalta-se que o consumo, hoje, apresenta-se como elemento central na sociedade, em um contexto no qual se consome muito mais do que se necessita para satisfazer desejos que sustentam as lógicas de fortalecimento da economia capitalista.

REFERÊNCIAS

  • BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos, 1972.
  • BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2011.
  • BOURDIN, A. La métropole des individus. Paris: Aube, 2005.
  • CLEPS, G. D. G. O comércio e a cidade: novas territorialidades urbanas. Sociedade & Natureza, v. 16, n. 30, p. 117-132, 2004.
  • COOPER, R. The designing experience: the role of design and designers in the 21 century. Cornwall: Ashgate Publishing, 2002.
  • CRUZ, R. C. O consumo a partir da lógica do consumidor: usando arcabouço das representações sociais. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 32., 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Anpad, 2008.
  • DIAS, S. L. F. G.; MOURA, C. Consumo sustentável: muito além do consumo verde. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 31., 2007, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Anpad, 2007.
  • DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
  • GAINER, B. Ritual and relationships: interpersonal influences on shared consumption. Journal of Business Research, v. 32, n. 3, p. 253-260, 1995.
  • GRUBB, E. L.; GRATHWOHL, H. L. Consumer self-concept, symbolism and market behavior: a theoretical approach. Journal of Marketing, v. 31, n. 4, p. 22-27, 1967.
  • LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991.
  • LEVY, S. J. Symbols for sale. ‎Harvard Business Review, 1957.
  • MCCRACKEN, G. Culture and consumption: a theoretical account of the structure and movement of the cultural meaning of consumer goods. Journal of Consumer Research, n. 13, p. 71-84, 1986.
  • MCCRACKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.
  • NOGUEIRA, L. S. C. et al. Consumo do simbólico e identidade da marca: um estudo de caso sobre a nova estratégia de produtos da Havaianas. In: SIMPÓSIO DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO E TECNOLOGIA, 11., 2015, Resende. Anais... Resende, RJ: Associação Educacional Dom Bosco, 2014.
  • ORTIGOZA, S. A. G. Paisagens do consumo. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
  • PADILHA, V. Shopping Center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006.
  • PORTILHO, F. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 1-12, 2005.
  • ROCHA, A.; ROCHA, E. Paradigma interpretativo nos estudos de consumo: retrospectiva, reflexões e uma agenda de pesquisas para o Brasil. Revista de Administração de Empresas, v. 47, n. 1, p. 71-80, 2007.
  • ROOK, D. W. The ritual dimension of consumer behavior. Journal of Consumer Research, v. 12, n. 3, p. 251-264, 1985.
  • SARRETA, C. R. L. Algumas reflexões do poder simbólico em relação ao consumo na globalização. Perspectiva, v. 36, n. 134, p. 19-29, 2012.
  • SCHOUTEN, J. W. Selves in transition: symbolic consumption in personal rites of passage and identity. Journal of Consumer Research, v. 17, n. 4, p. 412-425, 1991.
  • SILVA, M. B. O. O direito à qualidade de vida e o consumo sustentável como indicador da qualidade de vida. Revista do Curso de Direito da FSG, n. 5, p. 113-124, 2009.
  • VALENTIM, I. et al. Responsabilidade socioambiental pelo consumo consciente. In: SIMPÓSIO DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO E TECNOLOGIA, 9., 2012, Resende. Anais... Resende, RJ: Associação Educacional Dom Bosco, 2012.
  • VARGAS, C. B. Sustentabilidade e consumo consciente: a percepção da evolução do modo de consumir e como isso pode afetar a gestão nos próximos anos. In: AMOSTRA DE INICIAÇÃO CIENTIFICA, PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO, 15., 2015, Caxias do Sul. Anais... Caxias do Sul, RS: Universidade de Caxias do Sul, 2015.
  • WILLEMS, E. Consumo simbólico. Plural: Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, v. 20, n. 1, p. 141-144, 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2017
  • Aceito
    17 Dez 2018
Fundação Getulio Vargas, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rua Jornalista Orlando Dantas, 30 - sala 107, 22231-010 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel.: (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernosebape@fgv.br