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Transformações da sociedade global: propostas de leitura

Neste número teremos artigos e ensaios teóricos baseados nos trabalhos de sociólogos e filósofos que também influenciaram em muito o desenvolvimento das teorias organizacionais.

Entre eles destacamos Alberto Guerreiro Ramos, cujo estudo embasa o primeiro artigo apresentado neste número, e também Michel Foulcault, cuja obra inspira o segundo artigo desta edição, bem como a corrente do Interacionismo Simbólico (Berger e Luckmann), expressa pelo terceiro artigo. Mais um sociólogo a ser homenageado é Pierre Bourdieu, no quarto artigo deste número.

Outros artigos tratam da aplicação das teorias organizacionais também à gestão pública.

O trabalho de Alberto Guerreiro Ramos, em particular, inspirou muitos daqueles que foram fundamentais para o desenvolvimento da área de Estudos Organizacionais no Brasil. Em especial, o Prof. Dr. Fernando Cláudio Prestes Motta, que foi Professor Titular e Professor Emérito da FGV EAESP (http://www.fernandoprestesmotta.com.br/?pg=home). Também o Professor Dr. Fernando Tenório, da FGV EBAPE, em cujo período como editor dos Cadernos EBAPE.BR, publicou muitos números especiais de pesquisadores influenciados pelo trabalho de Guerreiro Ramos, além de estimular a publicação de números especiais dedicados à Filosofia e Sociologia e sua influência na Teoria das Organizações e artigos baseados em trabalhos críticos como os de Habermas.

Em recentes estudos sobre o aquecimento global e políticas para preservar o meio ambiente, permitindo maior justiça social, verificamos que muitos cientistas de outras áreas (biólogos, astrônomos, geógrafos, entre outros) propõem que o modo de comunicação entre as nações, cientistas e políticos, visando preservar o planeta, tendo em vista o interesse da Humanidade, deve privilegiar aspectos que possam ir além do mero interesse político imediato e se basear em fatos e dados científicos levando em consideração a defesa de interesses humanistas como propõe a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas. Assim, desde ações para defender a camada de ozônio do planeta, que conduziram ao Pacto de Montreal, até recentemente o Pacto de Paris, reunindo mais de 170 nações, o tipo de comunicação a existir nestes casos deve ser democrática e humanista, levando em conta os interesses que todos temos em comum, por sermos humanos, e que vai muito além de nossas diferenças.

Em se tratando de Economia, nesta edição, tendo em vista os temas apresentados, gostaríamos de recomendar a leitura de um livro de Jean Tirole, Prêmio Nobel de Economia em 2014, e que trata também das questões ligadas à Economia Digital e de outros temas como Economia e a Preservação do Meio Ambiente. Trata-se de Economics for the common good, de Tirole (2017), que traduz em linguagem mais acessível, mas científica, o trabalho do Prêmio Nobel.

Para se compreender as convergências do trabalho desses sociólogos citados no começo deste editorial, em especial de Habermas, recomendamos a leitura do livro de Tenório (2016TENÓRIO, F. G. Tem Razão A Administração? Ensaios de teoria organizacional e gestão social. 4. ed. Ijuí: Unijuí, 2016.), Tem razão a administração? Ensaios de teoria organizacional e gestão social.

Tendo em vista as convergências deste tipo de pensamento com o pensamento dos editores da revista, recomendamos o site do grupo de pesquisa Transformare (www.transformare.adm.br).

O artigo 1, “Os “pontos cegos” das teorias organizacionais segundo Guerreiro Ramos”, de Susana Iglesias Webering, baseia-se em dois livros de Alberto Guerreiro Ramos, Administração e contexto brasileiro e A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações, e tem por objetivo apresentar os principais aspectos das teorias organizacionais analisados pelo autor.

O artigo 2, “Noções de sujeito e poder em leituras foucaultianas e sua influência nos estudos de organizações e gestão de pessoas”, de Magno Geraldo de Aquino, traz uma reflexão sobre a noção de sujeito e poder caracterizada por Michel Foucault (1926-1984), considerando suas três fases intelectuais e suas possibilidades nos estudos de organizações e gestão de pessoas. Argumenta-se que os modos como o sujeito foi caracterizado em suas fases intelectuais reflete os modos como o indivíduo fora gerido nas organizações, bem como aponta o potencial que a abordagem foucaultiana oferece às análises sobre os sujeitos e as relações de poder nas organizações.

O artigo 3, “A semiótica do compartilhamento de conhecimento tácito: um estudo sob a perspectiva do interacionismo simbólico”, de Lilian Aparecida Pasquini Miguel e Silvio Popadiuk, tem como proposta um modelo teórico integrado, combinando os constructos Polany e Peirce - conhecimento tácito e semiótica, respectivamente, sob a perspectiva interacionista simbólica, visando compreender como os signos se manifestam na qualidade de mediadores no processo de compartilhamento tácito do conhecimento entre os membros de uma organização cooperativa.

O artigo 4, “Entre consensos e discordâncias: estratégias de legitimação no campo burocrático do Estado em ação nas favelas”, de Vanessa Brulon e Alketa Peci, apresenta uma análise das estratégias de legitimação utilizadas pelos agentes do campo do Estado em ação nas favelas, com vistas a trazer luz às disputas no campo. Com base na perspectiva teórica de Pierre Bourdieu, em uma pesquisa de campo de inspiração etnográfica realizada em duas favelas cariocas, foi possível investigar, por meio de análise retórica, o discurso dos agentes do campo, buscando acessar as estratégias de legitimação por eles utilizadas.

O artigo 5, “Casais dual career e suas inclinações frente à relação trabalho e família: uma visão sobre o cenário brasileiro”, de Heliani Berlato, Thais Fernandes e Daielly Melina Nassif Mantovani, tem como pauta explorar a base de dados proveniente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a fim de investigar a maneira como casais sob a ótica da dual career se inclinam diante das demandas da casa e do trabalho.

O artigo 6, “Governança territorial e inovação social nos processos de desenvolvimento regional em territórios de mineração: um modelo teórico em construção”, de Paula Pessoa de Castro Gentil, Liliane de Oliveira Guimarães, Denise de Castro Pereira, Alexandre Magno Diniz e Ivan Beck Ckagnazaroff, mostra que há uma grave contradição entre os apregoados benefícios econômicos gerados nas localidades onde se instala e onde subsiste historicamente a indústria extrativa mineral e os resultados registrados em estudos, que apontam sérios problemas e consequências negativas decorrentes da sua questionável forma de gestão e relacionamento com o ambiente local, o que tem ampliado a vulnerabilidade socioeconômica e ambiental dos territórios, nas dimensões locais e regionais.

O artigo 7, “Recursos destinados à educação e resultados alcançados no Ideb de uma capital brasileira”, de Manoel Carlos de Oliveira Júnior, Américo Matsuo Minori e Marcelo Souza Frota, traz uma análise sobre relação entre investimentos em educação e os indicadores que acompanham o desenvolvimento da qualidade de ensino, especificamente com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A metodologia adotada tem caráter quantitativo e recorre à investigação bibliográfica e documental.

O artigo 8, “Para além do management: o processo de managing em uma Escola Pública de Ensino Fundamental no Brasil”, de Lucas Poubel e Gelson Silva Junquilho, objetiva compreender a gestão em uma escola pública de ensino fundamental como um processo relacional e emergente, para além do management. A gestão das escolas públicas brasileiras é um fenômeno com características peculiares, dado que envolve múltiplos atores da comunidade escolar. Assim, práticas cotidianas, conflitos, incertezas, negociações e interesses diversos surgem constantemente no dia a dia escolar.

O artigo 9, “Coordenação de coalizões de defesa utilizando mapas cognitivos”, de Cristiano Santos Lúcio de Melo e Diego Mota Vieira, traz uma contribuição à análise de coalizões de defesa em processos de formulação ou mudança de políticas públicas, conjugando modelos de análise de políticas públicas e da pesquisa operacional (PO).

O artigo 10, “Estrutura de classe e mobilidade social no processo de inserção profissional de jovens no Brasil: reflexões e agenda de pesquisa”, de Bibiana Volkmer Martins, Camila Scherdien e Sidinei Rocha-de-Oliveira, leva à reflexão de que, diante do contexto de aumento do número de matrículas no Ensino Superior brasileiro e do discurso organizacional de falta de mão de obra qualificada no mercado de trabalho brasileiro, cresce a importância de estudos acerca de inserção profissional no país. Contudo grande parte dos já existentes se refere a pesquisas empíricas, sem contemplar particularidades como as especificidades socioeconômicas e a recente expansão do Ensino Superior.

O artigo 11, “Um estudo das relações entre gênero e âncoras de carreira”, de Adriane Vieira, Plínio Rafael Reis Monteiro, Alexandre de Pádua Carrieri, Vanessa de Almeida Guerra e Luiz Carlos Brant, tem como objeto a relação entre gênero e âncoras de carreira de estudantes de cursos de graduação em que predominam o gênero feminino ou o masculino. O método adotado foi o levantamento (survey). A amostra englobou 251 graduandos da área de Engenharia e 251 da área de Saúde. Os dados foram coletados por meio de questionários contendo o “Inventário de Orientação de Carreira” (IOC), de Schein (1990). As técnicas aplicadas foram a estatística descritiva e a análise fatorial exploratória. Os resultados apontam que na área de Engenharia os respondentes do sexo feminino valorizaram mais as âncoras Estilo de Vida e Segurança/Estabilidade, cujos atributos estão socialmente associados ao gênero.

O artigo 12, “Uma ‘estética de lances’ de uma ‘heroína ordinária: o reorganizar de práticas de resistências de uma artesã”, de Rosa Cristina Lima Ribeiro, Ana Silvia Rocha Ipiranga, Fabíola Faria Tostes de Oliveira e Allan Daniel Dias, articula uma perspectiva feminista necessária aos Estudos Organizacionais à análise das práticas de resistência de caráter infrapolítico. O estudo teve por objetivo compreender o organizar da malha de práticas cotidianas que envolvem a estética de lances e as táticas e estratégias de resistência, incluindo-se as de caráter infrapolítico, por meio da arte de uma artesã e das ações de uma rede de mulheres da qual ela faz parte. A metodologia de pesquisa baseou-se na abordagem qualitativa, com enfoque em estudo de caso, respaldada por observação direta, pesquisa documental, diário de campo e entrevista em profundidade.

O artigo 13, “Moral tributária e o cidadão brasileiro: estudo empírico”, de Antonio Lopo Martinez e Marcelo Lopes Bello Coelho, traz uma análise sobre a moral tributária do cidadão brasileiro, almejando quantificá-la, bem como identificar se existe diferença na moral tributária no que tange às características sociodemográficas. A moral tributária é um importante determinante do cumprimento da legislação fiscal, portanto aferi-la e avaliar cada aspecto que a determina possibilitam traçar estratégias e assegurar melhor conformidade fiscal. O período compreendido foi de maio a agosto de 2017 e a pesquisa teve 679 participantes.

O artigo 14, “Evasão estratégica das regulações: a judicialização do sistema privado de saúde brasileiro”, de Arnaldo L. Ryngelblum, Paulo C. Duarte de Oliveira, Renato Telles e Mayla C. Costa, aprofunda a compreensão sobre as evasões sucessivas às regulações pelas organizações, de modo a estabelecer se é possível caracterizá-las como ações intencionais, enquanto a literatura institucional analisa o descolamento e a evasão como atividades esporádicas. Desse modo, no artigo analisam-se as respostas adotadas pelas companhias de planos de saúde para favorecer seus interesses, que frequentemente deixam de cumprir as regras do contexto institucional, e que acabou por provocar o fenômeno da ‘judicialização’. Os dados analisados foram levantados nos arquivos eletrônicos do Tribunal de Justiça de São Paulo e a análise é o resultado de 158 ações impetradas por beneficiários contra os planos de saúde devido a negativas de cobertura de tratamentos.

O artigo 15, “Dinâmica de redes no agronegócio de internacionalização rápida”, de Christiam Mendez Lazarte, visa compreender os benefícios oferecidos pelas redes no processo de rápida internacionalização dos empreendimentos de agronegócio, em base aos tipos de rede (classificadas pela origem). O estudo adotou como referência a emergência de empresas do tipo Born Global and International New Ventures (INVs), bem como a abordagem do Networking. A pesquisa usa um método indutivo e interpretativo baseado em entrevistas em profundidade, trianguladas com informações sobre as empresas (obtidas através de documentos disponíveis em agências governamentais e online). Foram selecionadas duas empresas que, desde sua criação, são voltadas ao mercado internacional. A transcrição das entrevistas foi analisada com uso de matrizes elaboradas ao longo do estudo, relacionando os fatores relevantes a esse tipo de empreendimento e aos tipos de rede.

Desejamos a todos uma excelente leitura!

Profa. Dra. Isabella Francisca Freitas Gouveia de Vasconcelos

Prof. Dr. Hélio Arthur Reis Irigaray

Editores

REFERÊNCIAS

  • SAGAN, C. Billions and Billions (Pocket). Tradução: Rosaura Eichenberg, São Paulo: Companhia das Letras. 288p2008.
  • TENÓRIO, F. G. Tem Razão A Administração? Ensaios de teoria organizacional e gestão social. 4. ed. Ijuí: Unijuí, 2016.
  • TIROLE, J. Economics for the Common Good. Princeton: Princeton University Press, 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019
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