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A criação de valor compartilhado com base em um ecossistema de inovação

La creación de valor compartido a partir de un ecosistema de innovación

Resumo

Frente a uma mudança de percepção acerca do papel das organizações, tão importante quanto gerar lucro para os acionistas é gerar valor para a sociedade. Para tanto, parte-se do pressuposto de que a formação de um ecossistema de inovação, por intermédio da interconexão e inter-relação de uma rede de atores para gerar inovação, pode contribuir neste processo. Assim, propõe-se a seguinte questão: como a articulação de um ecossistema de inovação pode gerar valor compartilhado a todos os envolvidos? Desse modo, realizou-se uma pesquisa-ação participante no sul do Brasil, com base na interação entre uma empresa multinacional alemã, uma escola pública, uma universidade, o governo municipal e a comunidade local. O projeto que resultou desta interação denominou-se Arcos e teve como finalidade a resolução de um problema social por parte de gestores, universitários e alunos da escola, formando um ecossistema que permitiu a criação de valor compartilhado a todos os envolvidos. Como resultados têm-se um framework com os principais benefícios e proposições acerca da temática.

Palavras-chave:
Ecossistema de inovação; Rede de atores; Valor compartilhado

Resumen

Frente a un cambio de percepción acerca del papel de las organizaciones, tan importante como generar ganancias a los accionistas, es generar valor a la sociedad. Para ello, se parte del supuesto de que la formación de un ecosistema de innovación, a partir de la interconexión e interrelación de una red de actores para generar innovación, puede contribuir en este proceso. Así, se propone la siguiente cuestión: ¿cómo la articulación de un ecosistema de innovación puede generar valor compartido a todos los involucrados? Para ello, se realizó una investigación-acción participativa en el sur de Brasil, a partir de la interacción entre una empresa multinacional alemana, una escuela pública, una universidad, el gobierno municipal y la comunidad local. El proyecto que resultó de esta interacción se denominó Arcos y tuvo como finalidad la resolución de un problema social por parte de gestores, universitarios y alumnos de la escuela, formando un ecosistema que permitió la creación de valor compartido a todos los involucrados. Los resultados obtenidos fueron un marco de referencia con los principales beneficios percibidos por la red de actores y cuestionamientos acerca de la temática.

Palabras clave:
Difusión de innovaciones; Innovación en servicios públicos; Difusión de innovaciones en servicios públicos

Abstract

The changes in the perception about the role of organizations reinforce the notion that creating value for society is as important as generating profit for shareholders. Against this backdrop, this study assumes that innovation ecosystems, because they are based on the interconnection and interrelation of a network of actors to generate innovation, have an important role in balancing profit generation and the creation of value for society. The research question: how can the articulation of an innovation ecosystem generate shared value for all those involved? led to a participatory action research exploring an initiative gathering a German multinational company located in the southern region of Brazil, a public school, a university, the local government, and the community. The initiative producing this interaction was called project “Arcos.” It aimed to connect the company’s managers and university and school students, who formed an innovation ecosystem to create shared value and address local social problems. The study presents a framework with the main benefits perceived by the network of actors, as well as propositions about innovation ecosystems and shared value creation.

Keywords:
Ecosistema de innovación; Red de actores; Valor compartido

INTRODUÇÃO

Uma percepção crítica acerca do entrelaçamento entre questões ambientais, sociais e econômicas evidencia a necessidade de se repensarem padrões ancorados num sistema em que o equilíbrio, seja qual for, está distante. Sendo assim, torna-se fundamental rever comportamentos, inclusive no ambiente organizacional, perspectiva central deste artigo. Considera-se a importância que as empresas exercem no ambiente onde estão inseridas e da sua capacidade de gerar valor compartilhado para uma rede que vai além dos seus acionistas. A geração de valor que possa ser compartilhado entre todos os envolvidos, sejam eles internos ou externos à organização, é o eixo central desta pesquisa. Parte-se do pressuposto de que há uma mudança da inovação centrada na empresa para a inovação centrada na rede (NAMBISAN e SAWHNEY, 2011NAMBISAN, S.; SAWHNEY, M. Orchestration processes in network-centric innovation: evidence from the field. Academy of Management Perspectives, v. 25, n. 3, 2011.). Contudo, para que a empresa esteja preparada para tal mudança de paradigma, é essencial que seus gestores e colaboradores estejam predispostos a enfrentar um processo bastante desafiador.

Diante disso, pressupõe-se que a formação de Ecossistemas de Inovação, ou seja, a interconexão e inter-relação de uma rede de atores (GOMES, FACIN, SALERNO et al., 2018GOMES, L. A. de V. et al. Unpacking the innovation ecosystem construct: evolution, gaps and trends. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 30-48, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2016.11.009 >. Acesso em: 08 jun. 2019.
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) que interagem para fomentar a inovação (REINOLDS e UYGUN, 2017REYNOLDS, E. B.; UYGUN, Y. Strengthening advanced manufacturing innovation ecosystems: The case of Massachusetts. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 178-191, nov. 2018. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2017.06.003 >. Acesso em: 08 jun. 2019.
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), pode atuar como estímulo à criação de valor compartilhado (PORTER e KRAMER, 2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. Criação de Valor Compartilhado. 2011. Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-de-valor-compartilhado>. Acesso em: 28 jan. 2016.
http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-...
). A premissa central em torno da criação de valor compartilhado aponta que a competitividade de uma empresa e a saúde das comunidades em torno dela são mutuamente dependentes. Desse modo, a relação que se propõe aqui envolve justamente o potencial de um ecossistema de inovação em criar valor compartilhado, por meio da inovação, entre a rede de atores.

Diante da formação de um ecossistema, é relevante salientar a importância da interação entre universidade, empresa, governo e sociedade, sendo este último elemento o que caracteriza a perspectiva de hélice quádrupla, proposto por Carayannis e Campbell (2009CARAYANNIS, E. G., CAMPBELL, D. F. J. “Mode 3” and “Quadruple Helix”: toward a 21st century fractal innovation ecosystem. International Journal of Technology Management, v. 46, n. 3/4, p. 201, 2009.). Essa dinâmica está presente nesta pesquisa com o seguinte questionamento: como a articulação de um ecossistema de inovação pode gerar valor compartilhado a todos os envolvidos? Para tanto, este artigo tem como objetivo analisar o processo de geração de valor compartilhado na perspectiva dos públicos envolvidos em uma rede de inovação.

Para isso, realizou-se uma pesquisa-ação participante no sul do Brasil, com base na interação entre uma empresa multinacional alemã, uma escola pública, uma universidade, o governo municipal e a comunidade local. O projeto que resultou desta interação denominou-se Arcos e teve como finalidade a resolução de um problema social local por parte de gestores, universitários e alunos da escola, formando um ecossistema que permitiu a criação de valor compartilhado a todos os envolvidos, conforme será explorado ao longo deste artigo.

Este artigo está estruturado em mais cinco seções além desta introdutória. No referencial teórico são apresentadas as abordagens teóricas que fundamentaram a pesquisa: ecossistemas de inovação e a criação de valor compartilhado. Nos procedimentos metodológicos, tem-se o detalhamento das etapas da pesquisa. Na sequência, os resultados são expostos, seguidos pela discussão das contribuições. Por fim, considerações e sugestões de pesquisas futuras.

Criando valor compartilhado a partir de ecossistemas de inovação

Nesta seção inicialmente será discutida a abordagem teórica acerca de ecossistemas de inovação e em seguida a criação de valor compartilhado. Com isso, de uma perspectiva conceitual, evidencia-se a capacidade das conexões de uma rede de atores em gerar inovação, considerando a sua disposição para cooperar, bem como a importância dessa interação frente à geração de valor compartilhado. Um dos eixos centrais para o entendimento e interpretação da etapa empírica da pesquisa envolve as fases para o desenvolvimento de um ecossistema de inovação (análise, projeto, implantação, execução e conclusão). Desse modo, a inter-relação entre a rede de atores e os desdobramentos do projeto Arcos, com ênfase na geração de valor compartilhado, foram analisados desta perspectiva.

Ecossistemas de inovação

A abordagem de ecossistemas enfatiza as conexões e dinâmicas de evolução, competição, predação e mutualismo entre seus atores, preceitos dos sistemas naturais que se assemelham ao que acontece nos ambientes de negócios (SHAW e ALLEN, 2016SHAW, D. R.; ALLEN, T. Studying innovation ecosystems using ecology theory. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 1-362, nov. 2018.). O termo “ecossistema”, originário da biologia, foi associado pela primeira vez a negócios por Moore (1993MOORE, J. F. Predators and prey: a new ecology of competition. Harvard Business Review, v. 71, n. 3, p. 75-83, 1993.), mas só passou a ser utilizado com mais frequência a partir da década de 2010, principalmente ligado ao empreendedorismo (ISENBERG, 2010ISENBERG, D. J. How to start an entrepreneurial revolution. Harvard business review, v. 88, n. 6, p. 40-50, 2010.; STAM, 2015STAM, E. Entrepreneurial ecosystems and regional policy: a sympathetic critique. European Planning Studies, v. 23, n. 9, p. 1759-1769, 2015.) e à inovação (AUTIO e THOMAS, 2014AUTIO, E.; THOMAS, L. Innovation ecosystems: Implications for Innovation Management? In: DODGSON, M.; GANN, D. M.; PHILLIPS, N. (Eds.). The Oxford handbook of innovation management. London: The Oxford Handbook of Innovation Management, 2014. p. 204-228.).

Por meio dessa metáfora, os ecossistemas de inovação podem ser entendidos como ambientes de negócios abertos e dinâmicos (RABELO e BERNUS, 2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.), permeados por fluxos cíclicos de recursos tangíveis, como os financeiros, e intangíveis, como a informação, em que uma rede de atores interconectados e inter-relacionados (GOMES, FACIN, SALERNO et al., 2018GOMES, L. A. de V. et al. Unpacking the innovation ecosystem construct: evolution, gaps and trends. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 30-48, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2016.11.009 >. Acesso em: 08 jun. 2019.
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) interagem de forma complexa, competindo, mas também cooperando entre si para fomentar a inovação (REYNOLDS e UYGUN, 2017REYNOLDS, E. B.; UYGUN, Y. Strengthening advanced manufacturing innovation ecosystems: The case of Massachusetts. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 178-191, nov. 2018. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2017.06.003 >. Acesso em: 08 jun. 2019.
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).

Entre os componentes dos ecossistemas de inovação estão: infraestrutura, regulações, capital financeiro, conhecimento, ideias, interface entre os atores, princípios de arquitetura (RABELO e BERNUS, 2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.), empresas, consumidores, fornecedores, agentes reguladores (GOMES, FACIN, SALERNO et al., 2018GOMES, L. A. de V. et al. Unpacking the innovation ecosystem construct: evolution, gaps and trends. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 30-48, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2016.11.009 >. Acesso em: 08 jun. 2019.
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), empreendedores, trabalhadores, investidores, mentores, políticas governamentais favoráveis, universidades e outras fontes de conhecimento inovador, e uma cultura empreendedora que encoraja a tomada de riscos (SPIGEL, 2017SPIGEL, B. The relational organization of entrepreneurial ecosystems. Entrepreneurship Theory and Practice, v. 41, n. 1, p. 49-72, 2017.). Além dos elementos tangíveis e intangíveis, também fazem parte dos ecossistemas os processos que ocorrem em seu interior.

Nesse contexto, é preciso compreender, de uma perspectiva evolutiva e dinâmica, como os ecossistemas de inovação se desenvolvem ao longo do tempo e se adaptam às novas configurações contextuais (SPIGEL e HARRISON, 2018SPIGEL, B.; HARRISON, R. Toward a process theory of entrepreneurial ecosystems. Strategic Entrepreneurship Journal, v. 12, n. 1, p. 151-168, 2018.). Um ecossistema de inovação bem-sucedido é o resultado de um processo de evolução contínua, em geral longo, complexo e lento (RABELO e BERNUS, 2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.), e seu desenvolvimento pode apresentar diferentes estágios de maturidade (GOMES, FACIN, SALERNO et al., 2018GOMES, L. A. de V. et al. Unpacking the innovation ecosystem construct: evolution, gaps and trends. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 30-48, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2016.11.009 >. Acesso em: 08 jun. 2019.
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). Possivelmente esses diferentes estágios influenciem de maneira distinta para que as inovações ocorram nos ecossistemas.

Todavia ainda são escassos os estudos que se propõem a descrever como ocorrem a emergência e o desenvolvimento de um ecossistema de inovação. Para Rabelo e Bernus (2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.), essas fases são: análise - na qual a decisão de criar o ecossistema é tomada - projeto - quando se define a arquitetura do ecossistema - implantação, ações necessárias para a operação do ecossistema, como recrutamento de atores-chave, divulgação das ações e estabelecimento das condições de infraestrutura; execução - atividades de gestão do ecossistema - e conclusão - o ecossistema passa por uma metamorfose para sobreviver e continuar se desenvolvendo ou é desativado.

Os ecossistemas derivam de um processo exógeno (RABELO e BERNUS, 2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.). Sendo assim, entende-se que, para a formação e sustentação de um ecossistema de inovação com promoção de interação entre diferentes atores, torna-se necessário que todos os envolvidos percebam valor na aglomeração. Assim, visando oferecer subsídios a esta construção, apresenta-se na próxima seção a Criação de Valor Compartilhado.

Criação de Valor Compartilhado (CVC)

Perspectiva apresentada como modelo de gestão quando Michael Porter e Mark Kramer cunharam o termo (2006PORTER, M. E.; KRAMER, M.R. Strategy and society: the link between competitive advantage and corporate social responsibility. Harvard Business Review, v. 84, n. 12, p. 78-92, 2006., 2011). Parte-se da premissa de que, para o sucesso dos negócios no longo prazo, tão importante quanto gerar lucro para os acionistas é gerar valor para a sociedade ao mesmo tempo. Geração de valor é uma forma evoluída do capitalismo, é o entendimento de que apenas aumentar o poder aquisitivo da população não gera crescimento em longo prazo. É preciso desenvolver as pessoas, agregar valor (PORTER e KRAMER, 2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. Criação de Valor Compartilhado. 2011. Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-de-valor-compartilhado>. Acesso em: 28 jan. 2016.
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). Diante disso, os autores assumem que o valor compartilhado pode ser o responsável pela próxima grande transformação do pensamento administrativo, considerando que se trata de um modelo distinto, poderoso e com grande capacidade de transformação, embutido no propósito central das corporações (PORTER e KRAMER, 2014RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.).

Nesse sentido, Hart e Prahalad (2002HART, S.; PRAHALAD, C. K. The fortune at the bottom of the pyramid. Strategy Business, v. 26, p. 54-67, 2002.) afirmam que as empresas multinacionais devem olhar para estratégias de globalização pela lente de um capitalismo inclusivo. Em outras palavras, trata-se de prosperar sem prejudicar as comunidades onde estão inseridas. Mas, para que esta mudança na forma de fazer negócios ocorra, os diferentes cargos de liderança necessitam desenvolver novos conhecimentos e habilidades, tais como: maior compreensão acerca dos problemas sociais, visão mais abrangente dos impactos dos problemas sociais na cadeia de valor da empresa e, principalmente, capacidade de transpor as discussões sobre esferas, seja com ou sem fins lucrativos (PORTER e KRAMER, 2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. Criação de Valor Compartilhado. 2011. Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-de-valor-compartilhado>. Acesso em: 28 jan. 2016.
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).

Relacionado ao ambiente organizacional, Morais Neto, Neis e Pereira (2016) relatam de que maneira um crescimento progressivo de uma multinacional pode acontecer com base nos conceitos de CVC. Para estes autores, trata-se de um modelo de gestão que conecta conceitos de produtividade e competição ao compromisso ambiental e às demandas sociais. Tal perspectiva foi validada por uma análise da organização levando em consideração os seguintes elementos, alinhados à perspectiva de Porter e Kramer (2006PORTER, M. E.; KRAMER, M.R. Strategy and society: the link between competitive advantage and corporate social responsibility. Harvard Business Review, v. 84, n. 12, p. 78-92, 2006., 2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. A response to Andrew Crane et al.’s article by Michael E. Porter and Mark R. Kramer. California Management Review, v. 56, n. 2, p.149-151, 2014.): (i) core business da organização e o posicionamento de cada unidade de negócio; (ii) pontos de intersecção entre as unidades de negócios e as questões sociais; (iii) questões sociais escolhidas para intervenção estratégica; e (iv) existência de dimensões sociais para a proposição de valor. A multinacional pesquisada apresentou ações concretas ligadas a todos os elementos, cenário que, ressalte-se, auxilia no fortalecimento do cluster regional do qual faz parte no Brasil (MORAIS NETO, NEIS e PEREIRA, 2016).

Destaque-se que parcerias entre as empresas e outras instituições com projetos que venham a agregar e facilitar a execução das estratégias de valor compartilhado são fundamentais para o sucesso das ações. Muitas vezes, as aproximações são necessárias visando a complementaridade de habilidades e conhecimentos dos atores envolvidos. De um lado, tem-se um cenário com gestores sem uma compreensão mais aprofundada acerca das questões sociais e ambientais. De outro lado, estão os gestores do setor social, que, em geral, possuem pouco aprofundamento em questões administrativas, mentalidade empreendedora e visão das oportunidades para gerar valor compartilhado (PORTER e KRAMER, 2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. Criação de Valor Compartilhado. 2011. Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-de-valor-compartilhado>. Acesso em: 28 jan. 2016.
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).

Por fim, é pertinente mencionar que, com o intuito de oferecer uma melhor compreensão ontológica e epistemológica acerca da CVC, Dembek, Singh e Bhakoo (2016DEMBEK, K.; SINGH, P.; BHAKOO, V. Literature review of shared value: a theoretical conceptor a management buzzword?Journal of Business Ethics, v. 137, p. 231-267, 2016.) realizaram uma análise sistemática sobre o tema, principalmente levando em consideração um crescente interesse acadêmico no assunto. O que motivou os autores foi a percepção sobre uma abordagem ainda considerada vaga e a discrepância entre sua definição e sua operacionalização, reforçando a necessidade de estudos empíricos que ampliem a compreensão sobre essa abordagem (DEMBEK, SINGH e BHAKOO, 2016DEMBEK, K.; SINGH, P.; BHAKOO, V. Literature review of shared value: a theoretical conceptor a management buzzword?Journal of Business Ethics, v. 137, p. 231-267, 2016.). Diante do exposto, na próxima seção apresenta-se a proposta de um modelo conceitual utilizado como fundamento para a análise da etapa empírica da pesquisa.

Ecossistema de inovação e valor compartilhado: proposta de modelo conceitual

Conforme já mencionado, esta pesquisa segue a perspectiva de Morais Neto, Neis e Pereira (2016), que apontam a inclusão do valor compartilhado nas organizações por intermédio de um modelo de gestão que conecta conceitos de produtividade e competição ao compromisso ambiental e às demandas sociais. Para tanto, entende-se que desenvolver pessoas e agregar valor podem figurar como elementos de estímulo para que o valor compartilhado seja inserido no propósito organizacional.

A relação com ecossistema de inovação se dá na medida em que a interação e a cooperação entre uma rede formada por diferentes atores - aqui advindos da empresa -, universidade, sociedade e governo fomenta a criação de valor a todos os envolvidos. Em outras palavras e seguindo a perspectiva de Porter e Kramer (2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. Criação de Valor Compartilhado. 2011. Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-de-valor-compartilhado>. Acesso em: 28 jan. 2016.
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), envolve indivíduos que, por meio de compreensões complementares, possam gerar, ao mesmo tempo, competitividade e oportunidade para a empresa considerando contrapartidas sociais e ambientais. O modelo conceitual que demonstra tais relações está exposto na Figura 1.

Figura 1
Modelo conceitual ecossistema de inovação a partir do valor compartilhado

Parte-se do pressuposto de que o desenvolvimento e a sustentação de um ecossistema de inovação ocorrem com a criação de valor compartilhado, ou seja, é necessário que os diferentes atores da rede percebam valor na sua participação a fim de garantir o crescimento e a sustentabilidade do ecossistema. Nesse caso, acredita-se na formação de uma hélice quádrupla, com a presença de empresa, universidade, sociedade e governo (CARAYANNIS e CAMPBELL, 2009CARAYANNIS, E. G., CAMPBELL, D. F. J. “Mode 3” and “Quadruple Helix”: toward a 21st century fractal innovation ecosystem. International Journal of Technology Management, v. 46, n. 3/4, p. 201, 2009.).

Essa construção ocorre por meio das etapas trazidas por Rabelo e Bernus (2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.): análise, projeto, implantação, execução e conclusão. Nessa perspectiva, a empresa assume o papel de propulsora desse movimento, evidenciando sua capacidade de geração de resultados, não só financeiros, mas também sociais (PORTER e KRAMER, 2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. Criação de Valor Compartilhado. 2011. Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-de-valor-compartilhado>. Acesso em: 28 jan. 2016.
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). Na sequência, os demais atores vão sendo conectados a fim de cooperar e gerar inovação (GOMES, FACIN, SALERNO et al., 2018GOMES, L. A. de V. et al. Unpacking the innovation ecosystem construct: evolution, gaps and trends. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 30-48, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2016.11.009 >. Acesso em: 08 jun. 2019.
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).

Em suma, a mudança de uma competição entre empresas individuais para uma competição entre redes, no cenário empresarial, vem sendo discutida na literatura organizacional há mais de duas décadas (HATANI e MCGAUGHEY, 2013HATANI, F.; MCGAUGHEY, S. L. Network Cohesion in Global Expansion: An Evolutionary View. Journal of World Business, v. 48, n. 4, p. 455-465, 2013.). Contudo, nos últimos anos, o bem-estar social (PORTER e KRAMER, 2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. Criação de Valor Compartilhado. 2011. Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-de-valor-compartilhado>. Acesso em: 28 jan. 2016.
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) e a relação entre diferentes atores como universidade, sociedade e governo (CARAYANNIS e CAMPBELL, 2009CARAYANNIS, E. G., CAMPBELL, D. F. J. “Mode 3” and “Quadruple Helix”: toward a 21st century fractal innovation ecosystem. International Journal of Technology Management, v. 46, n. 3/4, p. 201, 2009.) vêm sendo apontados como fatores cruciais para a geração de inovação e sobrevivência das empresas. Com o intuito de compreender empiricamente essas relações, os procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa são apresentados a seguir.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O método adotado foi a pesquisa ação participante, pois este tipo de pesquisa prevê a realização de uma ação de caráter transformador (KEMMIS e MCTAGGART, 2007KEMMIS, S.; MCTAGGART, R. Participatory Action Research. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. Handbook of qualitative research. 3. ed. London: Sage, 2007.). Nesse método não há a separação entre sujeito e objeto, uma vez que os pesquisados são também sujeitos da pesquisa e participam na sua construção de forma colaborativa. Além disso, une teoria e prática, pois leva a teoria a campo para que nele seja executada uma ação em conjunto com os pesquisados (BRANDÃO, 1984BRANDÃO, C. R. Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1984.; THIOLLENT, 2003THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. São Paulo: Cortez, 2003.; KEMMIS e MCTAGGART, 2007KEMMIS, S.; MCTAGGART, R. Participatory Action Research. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. Handbook of qualitative research. 3. ed. London: Sage, 2007.). Há também o caráter educacional e de transformação social, visto que todos os envolvidos na pesquisa aprendem em conjunto, além do caráter emancipatório, pois, ao tomar consciência de sua situação, os pesquisados podem passar a agir de forma mais crítica em relação ao ambiente em que estão inseridos (KEMMIS e MCTAGGART, 2007KEMMIS, S.; MCTAGGART, R. Participatory Action Research. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. Handbook of qualitative research. 3. ed. London: Sage, 2007.).

Ademais, esse tipo de pesquisa tem um forte compromisso social por parte do pesquisador, que se sente ligado ao tema pesquisado e age de acordo com os valores que compartilha com os pesquisados (BRANDÃO, 1984BRANDÃO, C. R. Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1984.). Isso leva o pesquisador a ter a preocupação de tornar sua pesquisa acessível ao público pesquisado e colocar sua curiosidade científica a serviço de um benefício social para a comunidade (BRANDÃO, 1984BRANDÃO, C. R. Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1984.).

Foram seguidos os passos propostos por Kemmis e McTaggart (2007KEMMIS, S.; MCTAGGART, R. Participatory Action Research. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. Handbook of qualitative research. 3. ed. London: Sage, 2007.): (1) planejar - coleta dos dados necessários e, conjuntamente, planejamento da ação que será realizada - (2) agir e observar - momento da ação propriamente dita, que deve ser observada cuidadosamente para que seja gerada uma riqueza de dados que servirão para alimentar a reflexão - e (3) refletir - conjuntamente com os pesquisados, esta etapa envolve a reflexão sobre a ação realizada, para entender o que emergiu da ação e, se necessário, fornecer insumos para o planejamento de uma nova ação. Para uma melhor compreensão, primeiramente se optou por detalhar o projeto Arcos, base desta pesquisa. Posteriormente tem-se os procedimentos de coleta e análise dos dados.

O projeto Arcos foi construído e executado pelos autores dessa pesquisa em parceria com a multinacional alemã, já citada, que atua no ramo siderúrgico. Inicialmente, o projeto envolveu a participação de sete gestores da empresa, vinte e cinco alunos de uma escola pública vizinha à empresa, e quinze estudantes universitários do curso de graduação em Administração de uma universidade privada da região. Na sequência, o governo local e a sociedade (pais de alunos e moradores da região) foram inseridos nesse processo, como será apresentado no detalhamento da pesquisa. A finalidade do projeto foi formar um ecossistema de inovação local com o engajamento de diferentes atores na perspectiva de hélice quádrupla, proposto por Carayannis e Campbell (2009CARAYANNIS, E. G., CAMPBELL, D. F. J. “Mode 3” and “Quadruple Helix”: toward a 21st century fractal innovation ecosystem. International Journal of Technology Management, v. 46, n. 3/4, p. 201, 2009.): empresa, universidade, escola/sociedade e governo.

O projeto Arcos foi desenhado e adaptado com base nas etapas elencadas por Rabelo e Bernus (2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.): (1) análise, (2) projeto, (3) implantação, (4) divulgação, (5) execução e (6) conclusão. A primeira etapa consistiu na identificação, pelos autores da presente pesquisa em parceria com a empresa multinacional alemã, da necessidade de criar um ecossistema de inovação local. Em seguida, esses mesmos atores desenharam o projeto cujo foco envolveria a resolução de um problema local. Na terceira etapa, foram convidados para compor o grupo os gestores que ocupavam cargos de liderança na empresa, alunos da escola pública e alunos da universidade. Na quarta, organizaram-se os encontros e o cronograma de forma conjunta entre os atores. Na quinta, foram realizados os encontros semanais com o objetivo de: identificar um problema local a ser resolvido, desenvolver e executar uma proposta de solução. Na última etapa, os resultados foram analisados em paralelo à reflexão sobre a continuidade do projeto.

Durante este processo, na fase de identificação do problema na etapa de execução, foram realizados encontros semanais reunindo os gestores da empresa e os alunos da escola pública. Os alunos da universidade iniciaram sua participação no momento de proposição da solução. Por fim, durante a execução da proposição, houve a participação do governo e da comunidade local. Os encontros aconteceram na escola, na empresa, na universidade e no parque do bairro em que os atores estão inseridos, com duração total de seis meses. Para a coleta de dados e acompanhamento da pesquisa, utilizou-se a observação participante, uma vez que os pesquisadores conduziram todos os encontros do projeto. Para os registros foi utilizado um diário de campo, contemplando também o planejamento das atividades e os materiais elaborados durante os encontros.

Por fim, realizaram-se nove entrevistas semiestruturadas com os seguintes atores: a diretora de recursos humanos da empresa, um dos gestores participantes, a professora do curso de Administração ministrante da disciplina da qual os universitários fazem parte, um estudante universitário, a diretora e um aluno da escola pública, dois moradores da comunidade local e um funcionário da prefeitura municipal. As questões dos roteiros de entrevista foram elaboradas com base no levantamento de benefícios e contrapartidas percebidas pelos atores envolvidos, tendo em vista que cada ator colabora e se beneficia do processo de criação de valor compartilhado (PORTER e KRAMMER, 2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. Criação de Valor Compartilhado. 2011. Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-de-valor-compartilhado>. Acesso em: 28 jan. 2016.
http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-...
).

Os dados foram analisados e agrupados seguindo as etapas propostas por Kemmis e McTaggart (2007KEMMIS, S.; MCTAGGART, R. Participatory Action Research. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. Handbook of qualitative research. 3. ed. London: Sage, 2007.), já mencionadas anteriormente: (1) planejar; (2) agir e observar e (3) refletir. Todo o processo de análise levou em consideração o objetivo proposto, evidenciando de que maneira a formação de um ecossistema de inovação pode gerar valor compartilhado; e guiado pelo modelo conceitual proposto na Figura 1.

ETAPA DE ANÁLISE COM BASE NA PESQUISA-AÇÃO PARTICIPANTE

Nesta seção, os resultados são apresentados e analisados com base nas etapas mencionadas nos procedimentos metodológicos.

O Planejamento do projeto

O projeto Arcos, conforme já mencionado, foi organizado seguindo as etapas elencadas por Rabelo e Bernus (2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.): (1) análise, (2) projeto, (3) implantação, (4) divulgação, (5) execução e (6) conclusão.

Na etapa de análise, os pesquisadores, junto com a empresa multinacional alemã, perceberam a necessidade de formação de um ecossistema de inovação local. A demanda inicial surgiu por parte da empresa, com a busca por uma responsabilidade social mais efetiva e envolvimento com o seu entorno, associados ao desenvolvimento interno de suas lideranças e geração de inovação, uma vez que passava por um período de reestruturação. Por parte dos pesquisadores, a concepção do projeto surgiu como oportunidade de ampliar, de maneira empírica, a compreensão em torno da formação de um ecossistema de inovação e a sua contribuição para a criação de valor aos atores envolvidos.

Na etapa de projeto, após a análise das necessidades, desenhou-se uma proposta metodológica para desenvolver a pesquisa. Para isso, estudaram-se práticas de aprendizagem que promovessem o engajamento de atores bem como a geração de inovação. Assim, chegou-se à Aprendizagem Baseada em Problemas e abordagens como Design Thinking e Teoria U. Com base nessa compreensão por parte dos pesquisadores, estruturou-se o projeto com três fases principais: identificação de um problema, proposição de uma solução e execução da proposta.

A terceira etapa, de implementação, foi o momento de convidar os atores que comporiam o projeto. Inicialmente, articulou-se, junto com o setor de recursos humanos da empresa, o perfil dos colaboradores participantes. Optou-se pelos gestores de áreas por se entender que teriam a capacidade e a oportunidade de impactar mais pessoas dentro da empresa. Foram indicados sete gestores. Na sequência, houve a aproximação com a universidade por intermédio do contato com uma professora do curso de Administração da maior instituição de ensino superior da região, para verificar a possibilidade de incluir uma turma de universitários no projeto. Com pronta aceitação, a turma indicada foi a da disciplina de Responsabilidade Social, com 15 alunos. A professora identificou como uma oportunidade de ensinar os conteúdos curriculares de forma prática e contextualizada.

Fez-se, então, contato com a escola municipal localizada ao lado da empresa. Entendeu-se que a escola seria uma representante do elo relativo à sociedade por envolver diversos moradores da região e, também, por acolher diversos filhos de funcionários da empresa. Unir a visão de adultos, crianças e jovens potencializaria o projeto a ser desenvolvido. Assim, para compor esse grupo, a direção da escola indicou 25 crianças e jovens do ensino fundamental, com faixa etária de 10 a 15 anos.

Na etapa de divulgação, foi estruturado junto com o setor de recursos humanos da empresa, com a direção da escola e com a professora universitária, o cronograma do projeto, com a realização de encontros semanais de três horas cada. Nos primeiros encontros fariam parte apenas os gestores da empresa e os alunos da escola em razão da disponibilidade de tempo. A partir da etapa de proposição de solução, participariam os alunos universitários a fim de contribuir nessa construção coletiva. Após o desenho de tal proposição, seria contatado o governo local para auxiliar na execução da solução proposta.

Seguindo as etapas de Rabelo e Bernus (2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.), alinhadas a Kemmis e McTaggart (2007KEMMIS, S.; MCTAGGART, R. Participatory Action Research. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. Handbook of qualitative research. 3. ed. London: Sage, 2007.), os elementos execução e conclusão são apresentados nas próximas seções.

Ação e observação

Os encontros iniciais foram estruturados com foco no autoconhecimento, na formação de equipe e na identificação de um objetivo coletivo. Nos três primeiros encontros, os gestores da empresa, os alunos da escola e os estudantes universitários não se conheceram. Com os gestores, primeiramente trabalhou-se com dinâmicas de escuta, identificação de propósito individual e estímulo de troca entre os colegas. Em seguida, o grupo teve a oportunidade de conhecer novos modelos de negócios e as mudanças globais para uma era de colaboração e de responsabilidade social.

Depois disso, ocorreram os encontros semanais (na escola ou na empresa) entre os gestores e os alunos da escola pública, para que os envolvidos pudessem vivenciar a rotina do outro grupo. Os primeiros encontros serviram para que se conhecessem, interagissem e se aproximassem pelo que tinham em comum: o bairro. Os encontros subsequentes foram marcados pelo brainstorming em torno de possíveis problemas da região e pela identificação de maneiras para melhor compreendê-los.

Para isso, o grupo optou por conduzir uma pesquisa exploratória com os moradores do bairro. Ambos, gestores e alunos da escola, se envolveram na elaboração e na aplicação de um instrumento de pesquisa que buscava explorar as percepções dos moradores da região em relação às problemáticas locais. Foram entrevistados 103 moradores, que responderam 10 perguntas a respeito do seu envolvimento e de sua opinião sobre o contexto do espaço, como percepções a respeito do bairro, pontos positivos, pontos negativos, sonhos, etc. Neste momento, os resultados dessa coleta foram apresentados aos alunos da universidade que buscaram contribuir com soluções para os problemas identificados e auxiliar na construção de um projeto conjunto.

Desse modo, os próximos encontros reuniram os três públicos: gestores corporativos, alunos da escola e universitários. No encontro de apresentação da proposta de trabalho, os três grupos chegaram ao mesmo problema: a revitalização de um parque próximo à empresa e à escola. O argumento trazido foi de que, com essa resolução, acabariam tangenciando outros temas apontados nas entrevistas, como segurança pública, geração de renda, espaços de lazer e autoestima comunitária. Após muita interação e debate, concluiu-se que a solução para esse problema seria a reforma e ocupação desse espaço público com a realização de eventos comunitários. Para tanto, definiu-se a estruturação de um evento que abordasse cultura, esporte, gastronomia e empreendedorismo. O desenho dessa solução ocorreu de maneira colaborativa e orgânica. Com isso, os participantes mapearam possíveis iniciativas parceiras que viessem a contribuir para a solução proposta.

Os alunos da escola apresentaram a proposta para seus colegas e também envolveram os pais e os professores nas atividades. O mesmo aconteceu com os universitários, que trouxeram empresas e voluntários para contribuir com a organização do evento. Na empresa, a mobilização foi ainda maior, os gestores apresentaram o projeto para os funcionários e outros stakeholders, que se envolveram ativamente na ação. Tal mobilização acabou envolvendo a prefeitura e alguns funcionários, como os responsáveis pela gestão do parque. Um dos encontros contou até mesmo com a participação do prefeito e diversos gestores públicos, que manifestaram auxílio e validaram as propostas do grupo.

Os encontros posteriores focaram-se no planejamento das ações, nas práticas e no controle do planejamento. Os estudantes reuniam-se semanalmente com os gestores e trocavam informações com os universitários via internet. Com a rede de parceiros, foi possível realizar uma revitalização no parque, divulgando a ação em diversos canais, o que ampliou a mobilização. O evento envolveu aproximadamente 500 pessoas e contou com atrações musicais e artísticas, campeonatos esportivos, brinquedos infantis, praça de alimentação, feiras de artesanatos e exposição de negócios locais. Todos os envolvidos tinham suas responsabilidades definidas e, para não haver uma segmentação excessiva do grupo, trabalhou-se com dinâmicas de equipe e de alinhamento coletivo a fim de valorizar esse processo de aprendizagem coletiva.

Diante do sucesso obtido, o próximo desafio estaria relacionado à continuidade do projeto. Assim, houve mais dois encontros direcionados a um balanço dos pontos positivos e negativos percebidos, ao feedback do evento e à confraternização do grupo.

Reflexão

Para refletir sobre o processo de formação de um ecossistema local e criação de valor compartilhado, buscou-se compreender os benefícios e as contrapartidas percebidos pelos participantes do projeto. Para isso, realizou-se uma entrevista com representantes dos diferentes grupos envolvidos, conforme detalhado na metodologia: a diretora de recursos humanos da empresa, um dos gestores participantes, a professora do curso de Administração que conduz a disciplina da qual fazem parte os universitários, um estudante universitário, a diretora e um aluno da escola pública, dois moradores da comunidade local e um funcionário da prefeitura municipal. O enfoque dos questionamentos envolveu o papel de cada ator, o seu envolvimento com o projeto, e os benefícios individuais e coletivos percebidos.

Uma análise de cada um dos atores permite inferir que a empresa foi a propulsora do Projeto Arcos, comprometendo-se com o envolvimento dos seus gestores, com o investimento financeiro para compra de materiais e outras eventuais demandas, e o risco de desenvolver um projeto inovador. Representa, assim, os fluxos cíclicos de recursos tangíveis, como os financeiros, e intangíveis, como a informação, presentes na interconexão de uma rede de atores, de acordo com Gomes, Facin, Salerno et al. (2018GOMES, L. A. de V. et al. Unpacking the innovation ecosystem construct: evolution, gaps and trends. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 30-48, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2016.11.009 >. Acesso em: 08 jun. 2019.
http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.201...
). Segundo a gestora de recursos humanos, a empresa estava buscando uma maneira mais assertiva e significativa de desenvolver lideranças e encontraram nessa proposta uma forma prática de potencializar competências de liderança e, ainda, promover benefícios comunitários. “Foi uma experiência única e impactante”, afirmou um dos gestores participantes, que contou também que o projeto o tirou totalmente da sua zona de conforto, gerando aprendizagens além da vida profissional. “É muito mais difícil liderar um grupo de crianças e jovens do que um grupo de operários”, afirmou o gestor, considerando as dificuldades de se adaptar a um novo cenário. O grupo ainda relatou que, durante o processo, os funcionários de diferentes setores acabaram se aproximando, estreitaram as relações com a comunidade, e isso também gerou publicidade positiva para a empresa, mostrando uma relação de benefícios mútuos.

No que tange à escola pública, a direção, que cedeu no contraturno 25 alunos do 5º ao 9º ano e também o espaço para alguns encontros, mencionou que a experiência gerou diversos benefícios. A diretora apontou que os alunos puderam ter acesso a experiências que, no período tradicional da escola, acabam não sendo oferecidas. Ela acrescentou ainda que as relações com públicos distintos possibilitaram uma ampliação de visão para os jovens. “Foi muito legal, conseguimos mudar o parque!”, afirmou entusiasmado um dos alunos. O sentimento de orgulho também estava presente nos pais: “[...] o que não falta é problema, então se essa gurizada já souber desde cedo resolver, teremos um mundo melhor”, apontou o morador da região e pai de um dos alunos.

Esse vínculo teórico-prático vai ao encontro dos motivos pelos quais a professora universitária se interessou em participar do projeto. Segundo ela, a contextualização do ensino permite que o jovem assimile mais facilmente o aprendizado. A universidade, que auxiliou na concepção da ideia, percebeu a iniciativa como extremamente benéfica: “Consegui que meus alunos vivessem o conteúdo de fato, passando por problemas reais. Certamente eles estarão mais preparados para o mercado de trabalho com essa experiência”, relata a professora. “Ajudamos mais na parte de comunicação do projeto e identificação das ações para o evento […] nunca tinha imaginado trabalhar com crianças e gestores experientes juntos, foi único!”, contou um dos universitários, que ainda destacou o trabalho em equipe e colaboração como principais pontos para o sucesso do projeto.

A comunidade local participou em diferentes ações, desde a identificação do problema até a oferta de atividades. “Não podemos esperar por alguém, nós mesmos temos que fazer”, desabafou o morador, que também destacou o fato de o projeto despertar a sensação de que é possível atuar na melhoria do bairro. Os depoimentos dos moradores trouxeram a revitalização comunitária como grande benefício gerado. “Fazia tempo que o parque não tinha tanta vida”, afirmou uma moradora que aproveitou o evento para expor o seu artesanato.

Por fim, quando a prefeitura municipal soube da iniciativa, também se prontificou a participar do projeto Arcos. Sua atuação envolveu a validação das propostas, disponibilidade de funcionários responsáveis pela gestão do parque e de ambientes públicos, e divulgação institucional. Como retorno, o município recebeu uma comunidade mais engajada com a resolução de problemas locais, estreitamento de relação com as pessoas e organizações participantes e visibilidade dos benefícios sociais alcançados com a iniciativa. “É muito emocionante ver tanta gente reunida por um espaço comum a todos”, relata o funcionário da prefeitura.

Em suma, é possível afirmar que, durante o processo de interconexão e inter-relação dessa rede, cada ator identificou seu papel e contribuiu de acordo com a sua competência. Vale ressaltar também que os diferentes atores do ecossistema perceberam benefícios com essa articulação e construção coletiva. Sendo assim, pode-se inferir que houve a geração de valor compartilhado nesta experiência. Na próxima seção, serão explorados contribuições e desdobramentos da pesquisa.

Do ecossistema à geração de valor: contribuições do projeto arcos

Seguindo o modelo conceitual proposto para esta pesquisa, foi possível evidenciar que o projeto, representando a formação de um ecossistema de inovação (RABELO e BERNUS, 2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.), possibilitou benefícios, tanto coletivos, como individuais para todos os grupos de atores envolvidos. Percebeu-se uma clara cooperação entre os grupos para fomentar a inovação (REYNOLDS e UYGUN, 2017REYNOLDS, E. B.; UYGUN, Y. Strengthening advanced manufacturing innovation ecosystems: The case of Massachusetts. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 178-191, nov. 2018. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2017.06.003 >. Acesso em: 08 jun. 2019.
http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.201...
), promovendo, assim, uma geração de valor compartilhado para a região, alinhado com a perspectiva de Porter e Krammer (2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. Criação de Valor Compartilhado. 2011. Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-de-valor-compartilhado>. Acesso em: 28 jan. 2016.
http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-...
).

Dentre as inovações geradas, destaca-se a aprendizagem de conteúdos curriculares e competências socioemocionais dos alunos da escola pública e da universidade. Na mesma linha, tem-se o processo de desenvolvimento de lideranças corporativas, uma vez que o projeto permitiu que os gestores desenvolvessem diversas competências comportamentais e ferramentais com uma proposição real. Além disso, a empresa trouxe um novo modelo de responsabilidade social, focado no desenvolvimento local em vez do assistencialismo.

Para o governo, estabeleceu-se um novo formato de parceria que vai além do público-privado, colocando a sociedade como protagonista dos espaços públicos. Já os moradores locais e, principalmente, os pequenos comerciantes tiveram uma oportunidade de mercado, uma vez que puderam oferecer seus produtos em um ambiente ainda não explorado. Percebe-se, ainda, um valor que contempla todos os atores: o de engajamento e fortalecimento comunitário, sendo essa uma ação estruturante para inovações futuras.

Assim, considerando que o ecossistema de inovação é o resultado de um processo de evolução dinâmica e contínua (RABELO e BERNUS, 2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.), na Figura 2 estão expostos os principais benefícios percebidos pelos atores participantes desse ecossistema.

Figura 2
Ecossistema projeto arcos

Com base na relação entre os elementos conceituais presentes na Figura 1 - formação de um ecossistema de inovação decorrente da realização do projeto Arcos - e nos benefícios gerados para os atores envolvidos no ecossistema (Figura 2), emergiram três proposições, detalhadas nesta seção.

Primeiramente, percebeu-se uma interconexão e inter-relação da rede de atores (GOMES, FACIN, SALERNO et al., 2018GOMES, L. A. de V. et al. Unpacking the innovation ecosystem construct: evolution, gaps and trends. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 30-48, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2016.11.009 >. Acesso em: 08 jun. 2019.
http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.201...
), que interagiram de forma complexa para fomentar a inovação (REYNOLDS e UYGUN, 2017REYNOLDS, E. B.; UYGUN, Y. Strengthening advanced manufacturing innovation ecosystems: The case of Massachusetts. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 178-191, nov. 2018. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2017.06.003 >. Acesso em: 08 jun. 2019.
http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.201...
), indicando, assim, a formação de um ecossistema. No mais, verificou-se a existência de dimensões sociais para a proposição de valor (MORAIS NETO, NEIS e PEREIRA, 2016) e o desenvolvimento de pessoas, visando agregar valor (PORTER e KRAMER, 2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. Criação de Valor Compartilhado. 2011. Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-de-valor-compartilhado>. Acesso em: 28 jan. 2016.
http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-...
), premissas para a criação de valor compartilhado. Sendo assim, pode-se inferir que a experiência aqui descrita indica que um ecossistema de inovação articulado promove geração de valor aos diferentes atores inseridos.

Entende-se, portanto, que o ecossistema de inovação apresentado, que contempla uma hélice quádrupla (CARAYANNIS e CAMPBELL, 2009CARAYANNIS, E. G., CAMPBELL, D. F. J. “Mode 3” and “Quadruple Helix”: toward a 21st century fractal innovation ecosystem. International Journal of Technology Management, v. 46, n. 3/4, p. 201, 2009.), não tem o foco em geração de negócios e, sim, de valor. O valor criado, além de promover inovações, também trouxe benefícios ao ambiente em que os atores estão inseridos, tais como: engajamento comunitário e revitalização dos espaços públicos de interação. Assim, tem-se a Proposição 1: a busca pela criação de valor compartilhado consolida a formação de um ecossistema de inovação.

A participação de diferentes atores foi essencial para o desenvolvimento do ecossistema e para a geração de inovação. Cada um deles contribuiu com as suas competências em determinado estágio, como evidenciado na Figura 1. A empresa foi o ponto de partida do processo, responsável pelo investimento em recursos humanos e financeiros para a realização da análise e do projeto propriamente dito. A universidade auxiliou na implantação envolvendo conhecimentos técnicos e articulações para a construção do ecossistema. A sociedade, representada pela escola e pela comunidade local, teve papel fundamental, sendo responsável pelo engajamento de pessoas na execução do projeto. Por fim, o envolvimento do governo teve a finalidade de legitimar e validar o processo, concluindo o projeto. Tais contribuições estão expostas na Figura 3, que representa uma espiral vista de cima. Além disso, é possível observar que tais contribuições emergiram com as evidências elencadas na Figura 2.

Figura 3
Contribuições dos atores para a consolidação do ecossistema de inovação

Acredita-se que a participação das quatro frentes potencializou o valor criado pelo ecossistema de inovação. Ou seja, cada um teve papel fundamental no desenvolvimento do ecossistema e permitiu que os benefícios gerados fossem maiores. Sendo assim, tem-se a Proposição 2: a inovação gerada pelo ecossistema é proporcional à heterogeneidade de seus atores.

Por fim, o desenvolvimento do projeto Arcos e os benefícios percebidos por seus atores (Figura 2) permitem compreender tais benefícios em diferentes níveis, aqui classificados como micro, meso e macro. Entende-se o nível micro como pessoal, o meso como organizacional e o macro como local. O Quadro1 apresenta os benefícios divididos por nível.

Quadro1
Benefíciosgerados e seu respectivo nível

O exposto permite uma relação explícita entre a Figura 3 e o Quadro 1. No que tange à empresa, os níveis micro e macro são proporcionados por meio dos recursos humanos, enquanto o nível meso está ligado ao recurso financeiro. Na universidade, todos os níveis estão diretamente relacionados ao conhecimento técnico e à capacidade de articulação que este ambiente proporciona. Na escola/sociedade, por sua vez, o engajamento se torna um dos principais propulsores dos benefícios gerados nos três níveis. Por fim, o governo teve um papel importante na legitimação do processo. Partindo do nível macro, houve o interesse e permissão para a revitalização do espaço público, o que gerou uma parceria no nível meso e uma consequente visibilidade no nível micro.

Pode-se dizer, desse modo, que a geração de benefícios em diferentes níveis seria considerada um fator de estímulo para o envolvimento de atores e a criação de valor de ecossistemas de inovação. Com isso, tem-se a Proposição 3: a criação de valor compartilhado em um ecossistema está relacionada aos benefícios gerados em níveis micro, meso e macro para cada ator.

Em suma, o presente estudo trouxe, tendo como base uma experiência, algumas proposições com o intuito de promover reflexões e contribuições tanto teóricas quanto práticas. Na próxima seção, tem-se as considerações finais e os principais aprendizados gerados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto Arcos foi um processo orgânico, centrado na geração de valor por meio da interconexão e inter-relação de uma rede de atores. A pesquisa teve como objetivo central analisar como a interação entre uma rede de inovação formada por universidade, empresa, governo e sociedade pode gerar valor compartilhado. Ressalta-se a inexistência de pesquisas empíricas neste formato, interligando diferentes organizações da forma como ocorreu no projeto Arcos e, principalmente, sob o método de pesquisa utilizado e as aproximações teóricas apresentadas.

Realizou-se a análise do processo de formação de um ecossistema de inovação, com base nas etapas levantadas por Rabelo e Bernus (2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.): análise, projeto, implantação, execução e conclusão. Para tanto, foi utilizado o modelo conceitual proposto neste artigo, no qual a vinculação da abordagem de criação de valor compartilhado com o ecossistema de inovação figura como alternativa para a formação e sustentação de tais aglomerações.

Como análise da experiência, entende-se que a clareza nos papéis de cada participante, do início ao fim do projeto, foi importante para manter o foco nos objetivos propostos. Em relação à interação entre os atores, observou-se a necessidade de um maior estímulo e apoio ao planejamento da difusão de informações entre todos os envolvidos e de melhor utilização dos canais de comunicação disponíveis. Ao fim, percebeu-se que a comunicação interna poderia ter sido mais bem explorada. Ocorreram deficiências de comunicação, por exemplo, entre os gestores e os universitários, e destes com os pais dos alunos da escola. Ficou evidente a importância de esses pais entenderem o que o projeto está propiciando aos seus filhos, pois alguns manifestaram preocupação, temendo que não fosse algo construtivo.

Diante disto, emergiram três proposições que permitiram contribuições teóricas ao campo. A primeira diz respeito ao fato de que a busca pela CVC consolidou a formação de um ecossistema de inovação. A essência intrínseca à CVC, que inclui a sociedade na rede de relações organizacionais, com o desenvolvimento das pessoas (PORTER e KRAMER, 2006PORTER, M. E.; KRAMER, M.R. Strategy and society: the link between competitive advantage and corporate social responsibility. Harvard Business Review, v. 84, n. 12, p. 78-92, 2006., 2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. A response to Andrew Crane et al.’s article by Michael E. Porter and Mark R. Kramer. California Management Review, v. 56, n. 2, p.149-151, 2014.), foi o ponto central para a formação do ecossistema, principalmente pelo envolvimento das lideranças no que se refere a uma maior compreensão acerca dos impactos dos problemas sociais na cadeia de valor da empresa (PORTER e KRAMER, 2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. A response to Andrew Crane et al.’s article by Michael E. Porter and Mark R. Kramer. California Management Review, v. 56, n. 2, p.149-151, 2014.; MORAIS NETO, NEIS e PEREIRA, 2016MORAIS NETO, S.; NEIS, D.; PEREIRA, M. F. O processo de criação de valor compartilhado. Revista de Administração FACES Journal, Belo Horizonte, v. 14, n. 4, p. 148-166, 2015.). À medida que os diferentes atores se aproximaram com o olhar de trazer benefícios à comunidade, formou-se um ambiente de negócios aberto e dinâmico (RABELO e BERNUS, 2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.) que fomentou a inovação, principalmente pela articulação de conhecimento e ideias.

Dessa forma, torna-se necessário compreender o valor gerado para os diferentes públicos, a fim de garantir a formação e a sustentabilidade de uma rede de inovação. Assim, a segunda proposição indica que a inovação gerada pelo ecossistema é proporcional à heterogeneidade de seus atores. A contribuição teórica, portanto, gira em torno da importância da interconexão e inter-relação (GOMES, FACIN, SALERNO et al., 2018GOMES, L. A. de V. et al. Unpacking the innovation ecosystem construct: evolution, gaps and trends. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 30-48, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2016.11.009 >. Acesso em: 08 jun. 2019.
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), bem como da cooperação entre os envolvidos a fim de fomentar a inovação (REYNOLDS e UYGUN, 2017SHAW, D. R.; ALLEN, T. Studying innovation ecosystems using ecology theory. Technological Forecasting and Social Change, v. 136, p. 1-362, nov. 2018.). Isso reforça que, em linha com a literatura, a conexão entre diferentes conhecimentos e competências de um ecossistema contribui para uma oportunidade efetiva de gerar inovação.

A terceira relaciona a criação de valor compartilhado em um ecossistema aos benefícios gerados em níveis micro, meso e macro para cada um dos atores. Essa proposição ilustra que é necessário pensar não somente nas instituições de maneira mais ampla, mas também no impacto gerado nas pessoas envolvidas, bem como nos seus ambientes de atuação. Essa proposição contribui, principalmente, com a perspectiva teórica que aponta a necessidade de compreensão de como os ecossistemas de inovação se desenvolvem e se adaptam às novas configurações contextuais (SPIGEL e HARRISON, 2018SPIGEL, B.; HARRISON, R. Toward a process theory of entrepreneurial ecosystems. Strategic Entrepreneurship Journal, v. 12, n. 1, p. 151-168, 2018.), considerando que novos projetos e novos contextos demandam conexões diferentes e, por consequência, trazem resultados diferentes para cada nível de envolvimento. Torna-se necessário identificar o valor percebido e gerado para cada ator, alinhado ao fato de que as aproximações são necessárias visando a complementaridade de habilidades e conhecimentos dos atores envolvidos (PORTER e KRAMER, 2011PORTER, M. E.; KRAMER, M. R. Criação de Valor Compartilhado. 2011. Disponível em: <http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-de-valor-compartilhado>. Acesso em: 28 jan. 2016.
http://www.hbrbr.com.br/materia/criacao-...
).

De maneira geral, percebe-se que o Arcos surgiu trazendo uma proposição de formação de construção de ecossistema de inovação em que ocorre a criação de valor compartilhado, ou seja, geração de benefícios a todos os atores envolvidos. Em um momento em que se verifica uma crise econômica, política e social no âmbito nacional, tem-se uma proposta inovadora, em que a empresa assume a corresponsabilidade em transformar a região na qual está inserida (princípio da criação de valor compartilhado) e envolve diferentes atores nesse processo. Sendo assim, apresenta uma alternativa em relação à emergência e sustentação de um ecossistema de inovação, temática ainda pouco abordada e carente de literatura (RABELO e BERNUS, 2015RABELO, R. J.; BERNUS, P. A holistic model of building innovation ecosystems. IFAC-PapersOnLine, v. 48, n. 3, p. 2250-2257, 2015.).

Diante do exposto, o presente trabalho contribui para a literatura de ecossistemas e criação de valor compartilhado, buscando compreender a construção de uma rede de inovação e os valores gerados por ela. Dessa forma, a pesquisa traz como novidade uma aproximação das abordagens teóricas existentes à prática, além de utilizar um método em que o pesquisador está inserido no campo de pesquisa. Percebeu-se, em um pequeno espaço de tempo, uma mudança social e de valores na região, a qual, por meio das interações e das trocas, construiu uma solução colaborativa para um de seus problemas. Além dos resultados concretos, tem-se o despertar para uma consciência de responsabilidade sobre o papel dos indivíduos no ambiente em que estão inseridos e para uma ação de promoção de mudança, capaz de inspirar e envolver mais pessoas e organizações.

Entende-se, assim, esta pesquisa como uma relevante contribuição para a tomada de decisão nos âmbitos público e privado, uma vez que gera uma reflexão a respeito da importância da articulação entre diferentes atores. Nesse sentido, o projeto Arcos pode servir como exemplo para estimular outras ações que proporcionem uma geração de valor efetivamente compartilhado. Com a realização da pesquisa-ação participante, tem-se um direcionamento para o planejamento e a realização de projetos alinhados à perspectiva aqui apresentada.

Como principal limitação da pesquisa tem-se o tempo de execução, impossibilitando explorar mais resultados de médio e longo prazos. Como sugestão de pesquisas futuras, tem-se a possibilidade de expandir a pesquisa para outros contextos. A partir disso, torna-se possível a comparação entre diferentes cenários e grupos de atores envolvidos. Torna-se interessante estudar sobre a articulação e o papel de um orquestrador para a formação de ecossistemas de inovação. Além disso, sugere-se explorar o conceito de ecossistema de inovação Social, vinculações entre criação de valor compartilhado e políticas públicas e a relação entre a formação de ecossistema de inovação e a dependência a empresas multinacionais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2018
  • Aceito
    13 Maio 2019
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