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Meteoro da ilusão: sentidos do trabalho para jovens gerentes de bancos públicos

Meteoro de ilusiones: significado del trabajo para jóvenes gerentes de bancos públicos

Resumo

Este artigo apresenta resultados de pesquisa relativa ao sentido do trabalho para os jovens gerentes de bancos públicos, norteada pela Teoria das Representações Sociais. A abordagem é qualitativa, do tipo descritivo-interpretativa. Aplicaram-se técnicas de entrevista semiestruturada, complementação de sentenças e elaboração de desenhos em 17 participantes em Porto Alegre/RS, Rio de Janeiro/RJ e Vitória/ES; explicitaram-se os processos de objetivação e ancoragem na elaboração das 37 representações sociais do trabalho identificadas, agrupadas em torno dos núcleos centrais “organização provedora e protetora”, “organização cobradora, ameaçadora e com foco nos lucros” e “organização pública”. Tais representações evidenciaram intensa associação entre trabalho e dinheiro, além do caráter ilusório e ambíguo do cargo, fonte de prazer e sofrimento. Os resultados sugerem aplicabilidade na revisão das práticas de gestão de pessoas, tais como envolvimento dos gerentes com a saúde física e mental dos trabalhadores, transparência dos processos, clareza sobre os papéis e as expectativas do trabalho nos bancos. O mais relevante é gerar insumos para a busca de mecanismos que favoreçam o respeito aos limites físicos, mentais e psicoafetivos dos profissionais, em busca de resultados sustentáveis para trabalhadores e organizações.

Palavras-chave:
Sentido do trabalho; Representações sociais; Gerentes; Bancos públicos

Resumen

Este artículo presenta resultados investigativos acerca del sentido del trabajo para los jóvenes gerentes de bancos públicos, orientados por la Teoría de las Representaciones Sociales. El análisis es cualitativo, del tipo descriptivo-interpretativo. Se han aplicado técnicas de entrevista semiestructurada, complementación de frases y elaboración de diseños a 17 participantes de Porto Alegre, Rio de Janeiro y Vitória, Brasil; se han explicitado los procesos de objetivación y anclaje en la elaboración de 37 representaciones sociales de trabajo identificadas, agrupadas alrededor de los núcleos “organización proveedora y protectora”, “organización controladora, amenazadora y concentrada en los lucros” y “organización pública”. Tales representaciones han evidenciado una intensa asociación trabajo-dinero, además del carácter ilusorio y ambiguo del puesto, fuente de placer y sufrimiento. Los resultados sugieren su aplicabilidad en la revisión de las prácticas de gestión de personas, tales como compromiso de los gerentes con la salud física y mental de los trabajadores, trasparencia de los procesos, claridad respecto a los roles y expectativas del trabajo en los bancos. Lo más relevante es el generar insumos para la búsqueda de mecanismos que favorezcan el respeto a los límites físicos, mentales y psicoafectivos de los profesionales, hacia resultados sostenibles para trabajadores y organizaciones.

Palabras clave:
Sentido del trabajo; Representaciones sociales; Gerentes; Bancos públicos

Abstract

This article presents the results of research on the meaning of work for young managers of Brazilian public banks, guided by the social representation theory. This was a qualitative, descriptive-interpretative study. Semi-structured interviews and projective techniques of drawing and sentence completion were applied to 17 participants in the cities of Porto Alegre, Rio de Janeiro and Vitória. The process of objectification and anchoring carried out in the elaboration of the 37 social representations about the work grouped around the three dimensions: “provider and protective organization,” “demanding, threatening, and profit-oriented organization,” and “public organization.” The representations evidenced a strong association between work and money, along with the illusory and ambiguous character of the managerial position, source of pleasure and suffering. Results suggest applicability in reviewing people management practices such as managers’ involvement with workers’ physical and mental health, transparency, and clarity about the roles and expectations of work within banks. The findings suggest the need for tools that respect the professionals physical, mental, and psycho-affective limits, leading to sustainable results both for workers and organizations.

Keywords:
Meaning of work; Social representations; Managers; Public banks

INTRODUÇÃO

Meteoros são fenômenos que ocorrem em alta velocidade na atmosfera terrestre, decorrentes dos movimentos do planeta. Por analogia, pensando-se em termos de altura e velocidade, pode-se considerar meteórica uma carreira que oferece a oportunidade de ascensão rápida ao profissional. Porém, se esse crescimento ocorrer à custa do bem-estar do sujeito, esse sucesso o aprisiona e pode resultar em adoecimento, revelando-se ilusório.

As organizações correspondem ao espaço onde o homem manifesta, além da racionalidade necessária à realização de negócios, seus sonhos, medos e paixões (ENRIQUEZ, 1997ENRIQUEZ, E. A organização em análise. Petrópolis: Vozes, 1997.). Portanto, as organizações emergem da interação entre pessoas reunidas em busca de objetivos pessoais e empresariais.

Agências bancárias são alguns desses lugares de encontro entre o individual e o coletivo. Nas agências bancárias desenvolvem-se e mesclam-se crenças, valores, significados, afetos e contradições dos profissionais que dedicam seus corpos, pensamentos, emoções e energias às atividades laborais. Ambientes intensivos em cobrança por resultados objetivos, ali o desempenho de cada empregado pode ser controlado por meio de eficientes sistemas eletrônicos funcionando em tempo real, ao modo da vigilância panóptica foucaultiana. Gaulejac (2014GAULEJAC, V. A gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo: Ideias e Letras, 2014.) aponta que o mercado financeiro é o epicentro do capitalismo na atualidade; nele, como em nenhum outro lugar, evidenciam-se os conflitos inerentes às relações de poder estabelecidas pela divisão social do trabalho.

Do ponto de vista psicanalítico, as organizações ocuparam o lugar de outras instituições, como a família, a igreja e os relacionamentos na vida dos indivíduos (FREITAS, 2002FREITAS, M. E. A questão do imaginário e a fronteira entre a cultura organizacional e a psicanálise. In: MOTTA, F. C. P; FREITAS, M. E. (Orgs.). Vida psíquica e organização. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2002.). A organização alcança o inconsciente do sujeito, levando-o a amar as próprias dificuldades e chamá-las de desafios. Há um distanciamento do sujeito de si mesmo, que se mantém obnubilado quanto aos próprios desejos, necessidades e sonhos, confundidos com os objetivos organizacionais. Diariamente a pessoa é condicionada a gostar de pertencer àquele grupo, àquele mecanismo, naturalizando o viver diariamente sob tensão.

O trabalho é um espaço de construção de sentidos, identidade e historicização do sujeito (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 2009DEJOURS, C.; ABDOUCHELI, E.; JAYET, C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009.). Estudos mostram que, para os brasileiros, o trabalho continua central e constitutivo do sujeito (MOTA, 2012MOTA, K. S. Trabalhar pra quê? Percepções sobre trabalho entre jovens de diferentes estratos sociais. 2012. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) - Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2012.). Cabe, então, ao campo da Administração intensificar as pesquisas sobre o sentido do trabalho, delimitando-o para possibilitar a aproximação da realidade em questão e, assim, melhor compreendê-la.

Este artigo apresenta resultados de pesquisa que teve como objetivo explicar como são criados os sentidos do trabalho pelos jovens gerentes de bancos públicos, tendo como base suas representações da vivência do trabalho - em tempos de rápidas transformações, desenvolvimento tecnológico, trocas interculturais globais e instantaneidade.

O ingresso nos bancos públicos ocorre por meio de concurso, motivo pelo qual a demissão de empregados deve ser justificada e precedida de processo administrativo. Já a função de confiança é discricionária, restringe-se aos bancos empregadores, de modo que tanto a designação quanto a dispensa, a qual resulta em decesso, ficam a critério do gestor. Essa diferença em relação ao setor privado levou à delimitação do grupo participante em gerentes de bancos públicos, pois se entendeu que a segurança no emprego pode afetar a percepção do trabalho.

Para o objetivo proposto, usou-se como referencial teórico e analítico a Teoria das Representações Sociais (TRS) (MOSCOVICI, 2004MOSCOVICI, S. La psychanalyse, son image et son public. Paris: Presses Universitaires de France, 2004. Disponível em:<Disponível em:http://doi.org/10.3917/puf.mosco.2004.01 >. Acesso em:06 fev. 2018.
http://doi.org/10.3917/puf.mosco.2004.01...
, 2015MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.). A TRS concentra-se no conhecimento produzido pelo senso comum, nas práticas do cotidiano, construído e reconstruído nas inter-relações entre indivíduos e grupos. Por meio da linguagem e da comunicação são produzidos significados em determinados contextos e condições histórico-culturais específicas, numa estrutura holística e dinâmica (MARKOVÁ, 2017MARKOVÁ, I. The making of the theory of social representations. Cadernos de Pesquisa, v. 47, n. 163, p. 338-374, p. 2017.).

Entende-se que a proposta da TRS alinha-se às teorias organizacionais, especialmente as de viés interpretativo e crítico, oferecendo novas perspectivas à descrição do fenômeno estudado (MARTINS-SILVA, SILVA JUNIOR, PERONI et al., 2016MARTINS-SILVA P. O. et al. Teoria das representações sociais nos estudos organizacionais no Brasil: análise bibliométrica de 2001 a 2014. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 891-919, 2016.). Pesquisadores críticos como Gaulejac (2014GAULEJAC, V. A gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo: Ideias e Letras, 2014.), Enriquez (2014ENRIQUEZ, E. Jogos de poder na empresa: sobre os processos de poder e estrutura organizacional. São Paulo: Zagodoni, 2014.) e Morgan (2011MORGAN, G. Imagens da organização. 15. reimp. São Paulo: Atlas, 2011.) defendem a reflexividade dos indivíduos como atores ativos na construção do sentido de suas vivências no trabalho, assim como faz Moscovici, o propositor da TRS (MOSCOVICI, 2015MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.).

Este artigo é estruturado em quatro partes, além desta introdução. Na primeira parte são sistematizadas contribuições teóricas relativas ao tema; na segunda apresentam-se informações sobre a metodologia de pesquisa; na terceira integram-se as informações coletadas por meio da triangulação metodológica, com análises alinhadas à TRS; na quarta e última parte apresentam-se as conclusões deste estudo.

REFERENCIAL TEÓRICO

De acordo com a TRS, apresentada por Moscovici em sua tese de doutoramento, La psychanalyse, son image et son public (MOSCOVICI [1961], 2004), indivíduos e grupos produzem e compartilham conhecimento nas suas inter-relações e experiências cotidianas; essas interações resultam em senso comum que interfere em pensamentos e comportamentos e é representado por imagens, permitindo a interação entre a realidade e o mundo das ideias (MOSCOVICI, 2004, 2015). Para Jodelet (2001JODELET, D. Representações Sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: UERJ, 2001. p. 17-44., p. 17), as representações sociais são “[...] realidades mentais cuja evidência nos é sensível cotidianamente [...], são trazidas pelas palavras [...], cristalizadas em condutas e em organizações materiais e espaciais”.

As representações sociais são elaboradas por meio de dois processos simultâneos, a ancoragem e a objetivação. A ancoragem permite a interpretação e a gestão do ambiente, o sujeito compara algo estranho com um paradigma de uma categoria que considera apropriada, familiarizando-se. Já a objetivação torna o abstrato concreto, reproduz um conceito em uma imagem. Trata-se de um processo contínuo no qual o sujeito incorpora ou assimila novos elementos ao compará-los ao que já existe na própria memória (ALMEIDA, SANTOS e TRINDADE, 2014ALMEIDA, A.M.O; SANTOS, M.F.S; TRINDADE, Z.A. Teoria das Representações Sociais: 50 anos. Brasília: Technopolitik, 2014.; MOSCOVICI, 2015MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.).

As representações reúnem os conhecimentos acumulados pela experiência pessoal, como também os científicos, ideológicos e culturais, os quais, compartilhados, resultam em senso comum que orienta as ações dos integrantes do grupo (JODELET, 2001JODELET, D. Representações Sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: UERJ, 2001. p. 17-44.). Aspectos históricos, culturais e societais articulam-se na produção das representações sociais, misturando crenças, valores e afetos do sujeito. Assim, os sujeitos devem ser concebidos no contexto social concreto, representado pelas esferas de pertença das representações, como mostrado na Figura 1.

Figura 1
As esferas de pertença das representações sociais

A esfera da subjetividade refere-se à sensibilidade, às emoções, às experiências e aos saberes adquiridos. A esfera da intersubjetividade refere-se a trocas, consenso ou dissensão, representações compartilhadas. Já a transubjetividade abarca as ideias, os conhecimentos, os valores e as condutas que indivíduos e grupos têm em comum, incluindo relações de poder e aspectos ideológicos. As representações sociais pertencem à interseção entre esses processos, cuja abordagem deve ser conjunta e interdisciplinar (JODELET, 2009JODELET, D. O movimento de retorno do sujeito e a abordagem das representações sociais. Sociedade e Estado, v. 24, n. 3, p. 679-712, 2009.).

As representações sociais organizam-se em torno de um “[...] núcleo central, elemento fundamental da representação, pois é ele que determina ao mesmo tempo sua significação e sua organização” (ABRIC, 2001ABRIC, J. C. O estudo experimental das representações sociais. In: JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: UERJ, 2001. p. 154-172., p. 163). Esse núcleo é de natureza cognitivo-afetiva e é o seu elemento mais estável, já “[...] a periferia é heterogênea, é onde as circunstâncias transformam as representações” (ARRUDA, 2014ARRUDA, A. Representações sociais: dinâmicas e redes. In: ALMEIDA, A. M. O.; SANTOS, M. F. S; TRINDADE, Z. A. Teoria das Representações Sociais: 50 anos. Brasília: Technopolitik, 2014, p. 442-491., p. 449). Mudanças na representação social exigem alterações no núcleo central, que funciona como princípio organizador e tem caráter estrutural. Os esquemas periféricos do núcleo central absorvem pequenos desacordos com a realidade, preservando-o. A permanência da contradição entre a realidade e a representação é que pode transformá-la, fazendo-a mudar de significação (FLAMENT, 2001FLAMENT, C. Estrutura e dinâmica das representações sociais. In: JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: UERJ, 2001. p. 174-186.).

Originada no bojo da psicanálise, a TRS permite trazer ao nível consciente conteúdos muitas vezes inconscientes, por meio da interpretação de atos falhos, de palavras, discursos e condutas, alcançando a complexidade dos eventos organizacionais. Pesquisando as representações sociais de trabalhadores da indústria petrolífera cujo trabalho é realizado em espaço isolado, Salles e Costa (2013SALLES, D. M. R.; COSTA, I. S. A. Representações do trabalho: estudo sobre confinamento na indústria petrolífera. RAE, v. 53, n. 3, p. 230-242, 2013.) descobriram que eles sentiam falta dos capacetes quando não estavam em serviço, pois ficavam sem referências. Isso mostra que, nas rotinas e hábitos adquiridos no cotidiano, as representações do trabalho podem passar despercebidas.

Nos estudos organizacionais encontram-se autores que, também inspirados na psicanálise, reconhecem a necessidade de mudanças estruturais nas relações produtivas, têm convicção da reflexividade do sujeito e lançam olhar crítico sobre as relações vividas no mundo organizacional. Explicitam o jogo de poder e força, a busca por resultados cada vez mais passíveis de medição e associados ao lucro - o que pode reforçar personalidades perversas, insensíveis e impermeáveis a sentimentos (GAULEJAC, 2014GAULEJAC, V. A gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo: Ideias e Letras, 2014.). Não alcançar o sucesso gera sentimentos de culpa e vergonha perante o desempenho insatisfatório frente a metas cada vez mais inalcançáveis (ENRIQUEZ, 2014ENRIQUEZ, E. Jogos de poder na empresa: sobre os processos de poder e estrutura organizacional. São Paulo: Zagodoni, 2014.). Assim, condenado a vencer, o sujeito obriga-se a trabalhar cada vez mais e melhor, alienando-se da própria realidade interior, renunciando a si mesmo e perdendo sua liberdade para satisfazer a uma ambição sem fim (MORGAN, 2011MORGAN, G. Imagens da organização. 15. reimp. São Paulo: Atlas, 2011.; PAGÈS, BONETTI, GAULEJAC et al., 2006PAGÈS, M. et al. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 2006.).

No trabalho, o sujeito confronta-se com angústias existenciais preexistentes, e com as restrições impostas pela organização na qual está inserido (DEJOURS, 1999DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1999., 2009). Ao mesmo tempo, o trabalho é fonte de prazer, na medida em que permite ao indivíduo atualizar sua capacidade criativa e sublimatória. Assim, a construção do sentido do trabalho é uma experiência psicossocial de prazer e sofrimento, que pode trazer equilíbrio psíquico ou adoecimento. Para Enriquez (2002ENRIQUEZ, E. Vida psíquica e organização. In: MOTTA, F. C. P.; FREITAS, M. E. (Orgs.). Vida psíquica e organização. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p. 11-22.), o sentido positivo de prazer no trabalho está relacionado à possibilidade de fazer uma obra, de existir, de ter uma identidade: um trabalho com sentido é aquele no qual o sujeito transforma algo e, assim, transforma a si mesmo (SILVA e COSTA, 2015SILVA, M.C.; COSTA, I.S.A. Sobreviver ao trabalho: narrativas míticas na realidade organizacional. Revista de Administração Unimep, v.13, n. 1, p.141-164, 2015.).

Há, então, necessidade de desenvolver estratégias de sobrevivência diante das mutações do trabalho, o que resulta em condutas muitas vezes alienantes, ou mesmo avassaladas ao sistema, em troca de conforto e segurança (THIRY-CHERQUES, 2004THIRY-CHERQUES, H. Sobreviver ao trabalho. Rio de Janeiro: FGV, 2004.). Para Gaulejac (2014GAULEJAC, V. A gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo: Ideias e Letras, 2014., p. 127), o paradoxo entre as vantagens e desvantagens da vida organizacional - que confere autonomia ao sujeito ao mesmo tempo que o torna dependente - produz “alienação à segunda potência”, aumentando o risco de que o sujeito funcione de modo robotizado, deixe de produzir sentido para o trabalho, viva uma crise de valores, uma busca ilusória e contínua, não se sabe do quê.

No ambiente bancário, a adoção de novas tecnologias produtivas tem causado a redução de postos de trabalho, gerando intensa pressão, cotidianamente vivenciada pelos profissionais do meio (RESENDE e MENDES, 2004RESENDE, S.; MENDES, A.M. A sobrevivência como estratégia para suportar o sofrimento no trabalho bancário. Revista Psicologia: Organização e Trabalho, v. 4, n. 1, p. 151-175, 2004.).

A história dos bancários nos bancos públicos é marcada pela reforma administrativa do Estado implementada pelo governo brasileiro a partir da década de 1990. Voltada à obtenção de resultados, com base na eficiência da máquina administrativa, tinha entre seus objetivos reduzir a participação do Estado nas atividades econômicas (BRESSER-PEREIRA, 1998BRESSER-PEREIRA, L. C. Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado. In: BRESSER-PEREIRA, L. C.; SPINK, P. (Orgs.). Reforma do Estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 1998.). Grandes instituições estrangeiras investiram no mercado nacional por meio de fusões e aquisições. Segundo Freitas (2005FREITAS, J. A. S. B. Controladoras estrangeiras e conhecimento organizacional nas controladas brasileiras: estudo de caso nas áreas de varejo de duas organizações bancárias. 2005. Tese (Doutorado em Administração de Empresas) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.), em 2002, entre os 50 maiores bancos brasileiros, 17 já eram controlados por estrangeiros. Dinkings (2002) relata que em março de 2000FREITAS, M. E. Cultura organizacional: identidade, sedução e carisma? 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2000. havia nove bancos públicos de atendimento varejista. Hoje são cinco, segundo dados do Banco Central (2017), e apenas um é 100% público, os demais são de economia mista.

O setor financeiro é o que mais investe em tecnologia, e noticia o forte crescimento dos canais remotos suportados por internet ou telefonia, como o mobile banking, cujo número total de transações dobrou a cada ano no período entre 2014 e 2016. Isoladamente, as transações on-line com movimentação financeira cresceram 140% (FEBRABAN, 2017FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS - FEBRABAN. Relatório Anual 2016. 2017. Disponível em:<Disponível em:https://relatorioanual2016.febraban.org.br/pt/download/FEBRABAN_RA_16.pdf >. Acesso em:06 fev. 2018.
https://relatorioanual2016.febraban.org....
, p. 50), evidenciando que a execução dos serviços está sendo transferida dos bancários para os clientes. A quantidade de postos de trabalho em instituições financeiras vem diminuindo anualmente, passando do saldo positivo de 34.047 em 2010, para o negativo de (-)11.486 em novembro de 2017 (MTE/CAGED/ 2018).

Os investimentos em automação dos serviços repetitivos facilitaram a formação de uma categoria chamada bancário-vendedor, responsável pela venda dos novos produtos ofertados pelos bancos, tais como cartões de crédito, seguros e títulos de capitalização (JINKINGS, 2002JINKINGS, N. Trabalho e resistência na fonte misteriosa. Campinas: Unicamp, 2002.). Esses profissionais têm renda variável, cuja progressão é vinculada ao desempenho individual, acompanhado diariamente. Além de levar o sujeito a pensar que a progressão funcional depende exclusivamente dele, tal modo de gestão gera um clima de competição que resulta em relações interpessoais fragilizadas, em um ambiente profissional de tensões, fonte de angústia, medo e sofrimento, cuja causa reside principalmente nas inalcançáveis metas de produtividade (BRUNO, 2011BRUNO, W. P. Bancários não são máquinas. In: SZNELWAR, L. (Org.). Saúde dos bancários. São Paulo: Publisher, 2011. p. 21-32.).

Pesquisa com foco nas trajetórias profissionais de gerentes de bancos públicos e privados concluiu que “[...] a lógica do sistema financeiro é a da pressão: pressão por resultados, por aperfeiçoamentos teóricos, por constante atualização, pela manutenção do emprego e status social e por dedicação à empresa” (MÁXIMO, ARAÚJO, ZAMBRONI-DE-SOUZA et al., 2011MÁXIMO, T. A. et al. Exigências nos percursos profissionais dos gerentes de banco. Psicologia e Sociedade, v. 23, n. 1, p. 66-74, 2011., p. 70). O setor financeiro inclui-se entre os ambientes organizacionais descritos por Seligmann-Silva (2004)SELIGMANN-SILVA, E. Os riscos da insensibilidade. In: ARAÚJO, A. J. S. et al. (Orgs.). Cenários do trabalho: subjetividade, movimento e enigma. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 51-72. como espaços em que o mal-estar no trabalho é escondido e mascarado. Ali, à exceção do entusiasmo, emoções e sentimentos são vistos de forma negativa, em vista do que há apelo ao uso de remédios, álcool e drogas para resistir à pressão psíquica e parecer bem.

Em razão da intensa competitividade e pressão que acomete o setor bancário, a investigação e as revelações sobre o sentido do trabalho para jovens gerentes de bancos públicos poderão contribuir para o aprofundamento de reflexões e ações inerentes à relação trabalhador-trabalho.

METODOLOGIA

A presente pesquisa teve abordagem qualitativa, abarcando opiniões e perspectivas no contexto específico em que os indivíduos acumulam experiências (YIN, 2016YIN, R. K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Porto Alegre: Penso, 2016.). O método interpretativo-descritivo foi aplicado para interpretação de testes projetivos e análise do discurso, à luz da TRS. Para a análise indutiva, como recomendado por Creswell (2010CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3. ed. Porto Alegre: Bookman Artmed, 2010.), foram escolhidos, por acessibilidade, 17 jovens gerentes, com idade máxima de 35 anos e tempo mínimo de dois anos no exercício da função, todos lotados em agências de atendimento de quatro bancos públicos.

A pesquisa de campo foi realizada com 3 participantes em Porto Alegre/RS, 10 no Rio de Janeiro/RJ e 4 em Vitória/ES, a partir de setembro de 2017. Foram visitadas 29 agências bancárias em busca de profissionais que atendessem aos critérios da pesquisa. Nessas ocasiões a pesquisa e seus objetivos eram apresentados, enfatizando-se aspectos relativos à confidencialidade e ao anonimato da participação. Houve também oportunidade de realizar observação não estruturada dos ambientes, favorecendo a interpretação dos dados.

Para a investigação foram aplicadas: i) técnicas projetivas de elaboração de desenho (mediante o estímulo “o que o trabalho como gerente de banco público representa para mim”) e complementação de sentenças (30 sentenças livremente complementadas por participante, tais como “o trabalho significa...”, “o mais importante no meu trabalho é ...”, “no meu trabalho gosto quando...” e “no meu trabalho sofro quando...”); ii) entrevista semiestruturada.

A técnica de desenho foi utilizada no início das entrevistas e serviu como direcionador. Os desenhos foram analisados e interpretados com base em Augras (1998AUGRAS, M. A dimensão simbólica: o simbolismo nos testes psicológicos. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.), Silva (1981SILVA, M. L. E. Interpretação de testes projetivos: projeção e representação. Rio de Janeiro: Campus, 1981.), Van Kolck (1981)VAN KOLCK, O. L. Interpretação psicológica de desenhos. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1981. e Anzieu (1978ANZIEU, D. Os métodos projetivos. Rio de Janeiro: Campus, 1978.). Assim, foram consideradas a responsividade, a atitude adaptativa e de aceitação da proposta. Foram observados a posição do papel, o tamanho do desenho, das letras, a posição na folha e até as cores escolhidas. Durante a projeção foram objetos de observação o comportamento, as expressões faciais, eventuais comentários ou quaisquer acontecimentos, e depois o grafismo - proporções, traçados, posição da figura, figura e fundo, moldura e outros. Durante a entrevista houve, ainda, oportunidade de falar sobre o desenho.

Inicialmente procedeu-se à interpretação individual das evidências obtidas por meio dessas técnicas (projetivas e entrevistas). Para cada participante foi elaborado um mapa de objetivação e ancoragem. A presença de itens repetidos por diferentes participantes evidenciou padrões estruturais reveladores das percepções e dos sentidos manifestados, fossem eles explícitos ou subjacentes aos discursos.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Em relação ao perfil dos participantes, destaca-se que há 12 casados, 4 solteiros e um divorciado. Seis têm filhos. Quanto à escolaridade, todos são graduados, predominando os cursos de Direito (6) e Administração (5). Pós-graduação foi cursada por 11 participantes. O tempo médio de banco é de 10 anos e o de exercício do cargo gerencial é de seis, mas outras funções de confiança de natureza técnica eram exercidas antes da assunção da gerência.

A seguir, no Quadro 1, ;Quadro cont.;Quadro 1 cont 2;Quadro 1 cont. 3 são apresentados os desenhos, analisados individualmente, identificados por um código que informa a ordem numérica da entrevista, de 1 a 17; a cidade de origem, sendo V=Vitória, P=Porto Alegre e R=Rio de Janeiro; o gênero, sendo F= feminino e M=masculino. Depois indica-se a idade, seguida do tempo de banco e, por último, tempo de gerência, ambos em anos. Assim, por exemplo, P1VM35,10-6 corresponde ao participante 1, da cidade de Vitória/ES, gênero masculino, 35 anos de idade, 10 anos de banco e seis de gerência.

Quadro 1
Desenhos e suas interpretações

Quadro 1
continuação

Quadro 1
continuação 2

Quadro 1
continuação 3

Emerge dos discursos uma realidade marcada por ambiguidade, pois a organização, na busca incessante por resultados financeiros, provê e protege ao mesmo tempo que ameaça e pune. A balança inclina-se ora para a satisfação com o salário, com o poder de consumo e com o sucesso, ora para metas e cobranças, sem as condições necessárias à realização. A rápida progressão é contrabalançada pelo risco de perda da função de confiança, de modo semelhante à contradição entre prisão e liberdade que Salles e Costa (2013SALLES, D. M. R.; COSTA, I. S. A. Representações do trabalho: estudo sobre confinamento na indústria petrolífera. RAE, v. 53, n. 3, p. 230-242, 2013.) identificaram nas representações de trabalhadores confinados. O jovem gerente conquista a autonomia financeira, mas aprisiona-se à própria ambição, pois precisa trabalhar cada vez mais para manter a função gerencial (MORGAN, 2011MORGAN, G. Imagens da organização. 15. reimp. São Paulo: Atlas, 2011.; ENRIQUEZ, 2014ENRIQUEZ, E. Jogos de poder na empresa: sobre os processos de poder e estrutura organizacional. São Paulo: Zagodoni, 2014.).

Os jovens gerentes buscam formas adaptativas de enfrentar a realidade, uma vez que a produção dos sentidos do trabalho é atravessada por contradições, superficialidade e alienação perante os fatos. Defendem o amor que sentem pela organização, projetando os problemas nos gestores ou no governo, como estratégia defensiva perante as representações de conotação negativa. A percepção do trabalho torna-se, para esses gerentes, objetivada e compreensível, emoldurada política e ideologicamente, conforme as características do meio e da formação sociocultural de cada participante e do grupo - criando-se um senso comum acerca da vivência de ser gerente de banco público.

Alguns defendem o modelo privado, que permite demissões dos colegas que não se sujeitam à busca desenfreada pelo resultado financeiro. Aproximam-se, assim, do perfil que Enriquez (2002ENRIQUEZ, E. Vida psíquica e organização. In: MOTTA, F. C. P.; FREITAS, M. E. (Orgs.). Vida psíquica e organização. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p. 11-22., p. 17) identifica como tecnocrata, para quem “[...] os outros são vistos somente através de seu valor econômico atual, pois o tecnocrata não percebe no mundo outra coisa senão aquilo que lhe permita trocas econômicas cada vez mais vantajosas”.

Os desejos de mudança, de modernização e agilização de processos, de redução da ingerência política e de estabelecimento da meritocracia coabitam com o medo da perda do próprio lugar nesse espaço.

Moscovici (2015MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2015., p. 61) sustenta que “[...] coisas que não são classificadas e que não possuem nome são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras”. A ancoragem e a objetivação permitem classificar cada evento, dando-lhe um nome, tornando-o assim uma realidade concreta, integrada ao pensamento. As histórias pessoais contadas pelos participantes forneceram elementos que possibilitam compreender os esquemas de valores e crenças que lhes foram ensinados e são trazidos ao momento atual por processos mnemônicos e pela comunicação.

Observam-se padrões persistentes que revelam consensos e confluências de opiniões entre os participantes, ainda que circunstanciais, os quais permitem o arranjo de uma interpretação conjunta, como sugerido por Yin (2016YIN, R. K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Porto Alegre: Penso, 2016.). Assim, no Quadro 2;Quadro 5 cont..descrevem-se, em conjunto, os processos de elaboração e a identificação das representações sociais do trabalho dos jovens gerentes. Com base nos recortes das entrevistas e nas complementações de frases, foram reunidos elementos dos discursos que revelam o que ancora (A) cada uma das 37 representações, bem como as ideias e conceitos em que são objetivadas (O).

Quadro 2
Processo de ancoragem e objetivação das representações sociais

Quadro 2
continuação

Assim, na estrutura das representações sociais dos jovens gerentes, emergiram três núcleos centrais de distintas conotações: conotação positiva, “organização provedora e protetora” (AO1 a AO12); conotação negativa, “organização cobradora e punidora, com foco no lucro” (AO13 a AO27), e conotação variável (ora conotação positiva, ora negativa, dependendo da circunstância), “organização pública” (AO28-AO37). São dimensões rígidas das representações (núcleos centrais), em torno das quais foram organizados e agrupados, por afinidade simbólica, os elementos constitutivos periféricos.

A Figura 2 apresenta as representações do grupo pesquisado. O número dentro das engrenagens informa quantos participantes referenciaram aquela representação. Mostra como as percepções da vida e do trabalho engendram-se ao modo de um sistema, uma engrenagem em movimento, na qual são (re)elaboradas continuamente as representações sociais do grupo, resultando de contínuos processos de ancoragem e objetivação, sob influência de experiências individuais, da cultura organizacional e da social.

Figura 2
Representações sociais do trabalho dos jovens gerentes de bancos públicos

Observa-se que o trabalho assume preponderantemente um sentido funcional e instrumental para esses jovens, tendo conotação positiva na medida em que proporciona os meios necessários à sobrevivência, bem como conforto e lazer, representada por “salário bom e benefícios”. Essa representação guarda a característica da unanimidade, evidenciando que é a remuneração que move, precipuamente, os jovens gerentes.

Ao mesmo tempo, o trabalho é fatigante, assumindo conotação negativa em relação às condições de realização das tarefas. A cobrança por metas e resultados é outra representação que aparece com unanimidade entre os jovens gerentes, surgindo como fonte de males que os afligem, com impacto, inclusive, na saúde. No entanto, os sentimentos de amor, gratidão e admiração pela organização são fortes a ponto de neutralizar eventuais pensamentos e sentimentos negativos frente a eventos desagradáveis.

No dia a dia, realizam atividades operacionais e não participam de decisões estratégicas, que ocorrem no modelo top down. Portanto, resta-lhes adequar-se às normas, construindo uma imagem em conformidade com as exigências, a fim de se manterem aptos ao cargo, em ambiente de muita competição, medo de perda da função e insegurança quanto ao futuro. Destituição significa risco de sentir-se incompetente, fracassado, e perder a condição de pertença, além do prejuízo à imagem frente a colegas, parentes, conhecidos e a si mesmo.

Em geral, os participantes são oriundos das classes populares, filhos de trabalhadores, agricultores, alguns funcionários públicos e até empregados de bancos públicos. Em detrimento da autorrealização e da saúde - cujos prejuízos aparecem em relatos sobre obesidade, manchas e descamação na pele, problemas de coluna, dores nas mãos, nos ombros e emoções negativas - mantêm-se na zona de conforto oferecida na gaiola de ouro, representada pelo bom salário, benefícios, segurança e estabilidade. Tudo isso revela o uso cada vez mais intenso das suas forças mentais, emocionais e físicas em benefício da ambição e do sucesso na carreira - como descrito na prisão psíquica de Morgan (2011MORGAN, G. Imagens da organização. 15. reimp. São Paulo: Atlas, 2011.).

Apesar de manifestarem que o melhor do trabalho é o contato com pessoas, o individualismo é uma constante. Os objetivos são individualizados, favorecendo a fragmentação dos laços afetivos. Evidenciou-se que esses jovens aderem ao discurso gerencial e estão de acordo com o modelo de gestão por resultados nas empresas públicas, em detrimento da função social. É consenso a necessidade de gerar lucros, pois acreditam ser essa a razão de as organizações existirem e ser esse o propósito de sua posição nelas.

O banco não surge como local para manifestação de emoções. Insatisfação, tristeza e tédio geram desconfiança sobre a capacidade produtiva dos indivíduos. Por isso, em geral, os jovens gerentes se mostram contidos e tentam transmitir tranquilidade. Resistir à pressão com equilíbrio e serenidade é condição para manter a credibilidade diante dos clientes e das chefias: esse comportamento é indicador dos mais aptos às promoções. Nesse sentido, aqui também se verificou que os jovens gerentes devem parecer bem, alegres e dispostos, dissimulando o sofrimento psíquico.

O que emana das evidências é um sentimento “opaco”, desprovido de alegria genuína e entusiasmo em relação ao trabalho. Os sentimentos e percepções dos jovens gerentes são falseados e o artificialismo tecnocrata do meio financeiro de certo modo os faz alienados e pouco íntimos de si, seguindo o fluxo da rotina de trabalho. Reprimindo as emoções e naturalizando a busca de prazeres consumistas, vivem angustiados pelo medo da perda da estabilidade que talvez já nem tenham.

Não se trata de adotar uma abordagem uniformizadora em relação aos jovens gerentes, pois há pessoas que não se conformam ao esquema dado. Porém, têm poucas oportunidades de deixar que os conflitos reprimidos se libertem: a sobrevivência é impositiva e os ganhos secundários são atraentes. Também há um limite a partir do qual a pessoa reage: quando o núcleo central da empresa provedora e protetora é abalado, aí reside o estímulo para questionamentos. Seria necessário olhar de fora a situação, dissecar, analisar e reinterpretar a realidade sem ilusões nem utopias, compreender a dimensão simbólica que permeia as inter-relações e, com isso, correr o risco de desestabilizar o esquema.

A expectativa é priorizada em detrimento da evidência, visto que há forças incontroláveis agindo sobre os entes sociais, perante as quais nem sempre são os mais aptos que sobrevivem (Thiry-Cherques, 2004). Esses jovens gerentes acreditam que, por merecimento, serão poupados nos momentos difíceis da organização. Embora mudanças como o banco virtual, por exemplo, já estejam em operação, no seu imaginário sempre haverá necessidade de pessoas e os bons empregados têm seus lugares garantidos. Apesar do falseamento do julgamento apontado por Thiry-Cherques (2004), em momentos de crise e condições adversas, a reflexividade desperta e obriga a um olhar crítico para a realidade, provocando angústia e sofrimento, mas, também, superação. O indivíduo fica cada vez mais vulnerável frente à organização, porém, tem capacidade reflexiva e deliberativa de “[...] se pensar no mundo, [...] pôr em questão a si mesmo e seu meio, [...] e pode pensar em alguma coisa diferente do que existe [...]” (GAULEJAC, 2014GAULEJAC, V. A gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo: Ideias e Letras, 2014., p. 293).

CONCLUSÃO

Muitos jovens estão em busca de um trabalho que tenha sentido e de locais seguros para o início da jornada profissional. Todavia, mudanças tecnológicas, legais e econômicas sinalizam que a tradicional estabilidade passa a ser um sonho. Na conjuntura atual, o prognóstico é de redução do número de postos de trabalho disponíveis nos bancos públicos. Estar em uma função de confiança que pode ser perdida mostra que o sucesso é ilusório, seja pelo preço, seja porque pode ser efêmero - aspectos presentes nos discursos e nos desenhos dos participantes da pesquisa -, representado e verbalizado por um deles como o “meteoro da ilusão”.

Os resultados desta pesquisa sobre o sentido do trabalho com jovens gerentes confirmam, por unanimidade, a associação entre trabalho e dinheiro. Além disso, as inter-relações pessoais emergem como importante representação social do trabalho dos jovens gerentes, e podem ser mais robustas estimulando-se a cooperação.

Não há finitude para a busca dos sentidos do trabalho e para a elaboração de novas representações. O processo é dinâmico, e as representações ora apresentadas estão vinculadas a um grupo particular, com características socioculturais específicas e em cenário restrito, de modo que os resultados não devem ser generalizados. Ao contrário, pelas limitações e restrições deste estudo, a quantidade de indagações sobre o tema aumentou e importa a realização de novas e complementares investigações. Recomenda-se, sobretudo, a ampliação para outras unidades/locais e para um número maior de jovens gerentes, bem como estender a outras profissões, além de um estudo longitudinal com os mesmos participantes.

Para uma possível apropriação dos resultados desta pesquisa pela prática organizacional, destacamos aspectos das representações vinculadas ao núcleo central “organização cobradora, punidora e com foco no lucro”, cujo esquema periférico permite ações relativamente simples e imediatas. Nesse sentido, a redução de fatores estressores, sejam eles internos do sujeito ou externos, contextuais, pode ser, até certo ponto, alcançada pela gestão, por meio de ações preventivas ou interventivas no que respeita aos limites físicos, mentais e psicoafetivos dos indivíduos. Compete aos gestores considerar o nexo entre saúde e trabalho, mediando essa relação, envolvendo a todos na compreensão da situação e nos desdobramentos da função gerencial. A partir disso, é possível conduzir os processos de trabalho à consecução bem-sucedida de resultados sustentáveis, oferecendo serviços de qualidade, capazes de conquistar o envolvimento dos funcionários e a lealdade dos clientes.

Outras mudanças, não menos importantes, envolvem atuação política e podem ser mais demoradas, mas qualquer melhoria no processo estudado é importante para a solução de problemas humanos concretos, pois compreender melhor o trabalho é imprescindível para transformá-lo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Nov 2019

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2018
  • Aceito
    29 Nov 2018
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