Acessibilidade / Reportar erro

A racionalidade das decisões na transição interprofissão de professores universitários

La racionalidad de las decisiones en la transición interprofesión de profesores universitarios

Resumo

O estudo apresentado neste artigo teve como objetivo analisar a racionalidade das decisões tomadas por professores universitários, em sua transição de outras profissões para a carreira docente. Foram analisados 357 respondentes, que consideram ter mudado de profissão na época em que decidiram seguir a carreira de docentes de nível superior. Quatro hipóteses foram avaliadas, relacionando a influência da profissão anterior, dos impulsionadores da transição, dos atributos da transição e dos recursos acionados pelo indivíduo sobre a racionalidade de suas decisões. Os resultados mostraram que os atributos e os recursos influenciam tanto as decisões racionais como as que extrapolam a racionalidade; a menor carga de trabalho na profissão atual permite que a pessoa identifique mais positivamente os atributos da transição que viveu; a percepção da incerteza na profissão anterior leva a decisões mais emocionais e mais sujeitas a variações contextuais. De forma geral, embora os estudos atuais considerem fortemente a emoção no processo decisório, para evitar frustrações futuras, é importante equilibrar a racionalidade e a subjetividade nas decisões de carreira.

Palavras-chave:
Transição de carreira; Decisões de carreira; Gestão de carreira; Crise da meia carreira; Racionalidade na carreira

Resumen

El estudio presentado en este artículo tuvo como objetivo analizar la racionalidad de las decisiones tomadas por profesores universitarios, en su transición de otras profesiones a la carrera docente. Se analizaron 357 encuestados, que consideraron haber cambiado de profesión en la época en que decidieron seguir la carrera de docentes de nivel superior. Se evaluaron cuatro hipótesis relacionando la influencia de la profesión anterior, de los impulsores de la transición, de los atributos de la transición y de los recursos accionados por el individuo sobre la racionalidad de sus decisiones. Los resultados mostraron que los atributos y los recursos influencian tanto las decisiones racionales como las que van más allá de la racionalidad; la menor carga de trabajo en la profesión actual permite que la persona identifique más positivamente los atributos de la transición que ha vivido; la percepción de la incertidumbre en la profesión anterior lleva a decisiones más emocionales y más condicionadas a variaciones contextuales. En general, aunque los estudios actuales consideren fuertemente la emoción en el proceso decisorio, para evitar frustraciones futuras es importante equilibrar la racionalidad y la subjetividad en las decisiones de carrera.

Palabras clave:
Transición de carrera; Decisiones de carrera; Gestión de carrera; Crisis de la media carrera; Racionalidad en la carrera

Abstract

This article presents a study analyzing the rationality of the decisions made by university professors in their transition from other professions to the teaching career. The study analyzed 357 respondents who understand to have changed professions when deciding to pursue a career as a higher education professor. Four hypotheses were evaluated, establishing links among the influence of the previous profession, the transition drivers, the attributes of the transition, and the resources triggered by the individual on the rationality of their decisions. The results showed that attributes and resources influence rational decisions and choices that extrapolate rationality. Also, the lower workload in the current profession allows the person to identify more positively the attributes of the experienced transition. Finally, the perception of uncertainty in the previous profession leads to more emotional decisions and are more influenced by variations in the context. Overall, while current studies strongly consider emotion in the decision-making process, the findings point out that balancing rationality and subjectivity is important to reduce future frustration in career decisions.

Keywords:
Career transition; Career decisions; Career management; Mid-career crisis; Career rationality

INTRODUÇÃO

O estudo apresentado neste artigo teve como objetivo analisar a racionalidade das decisões tomadas por professores universitários, em sua transição de outras profissões para a carreira docente. Uma vez que, conforme Clarke (2013CLARKE, M. The organizational career: not dead but in need of redefinition. The International Journal of Human Resource Management, v. 24, n. 4, p. 684-703, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012.697475 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012....
), transições de carreira são influenciadas por diversos fatores, incluindo ambientes nacionais, sócio culturais e políticos, somente professores brasileiros foram envolvidos no estudo.

Considerando o contexto brasileiro, Kilimnik, Reis Neto, Santos et al. (2015KILIMNIK, Z. M. et al. O significado do trabalho: um estudo com professores de administração em uma universidade. Revista Lugares de Educação, v. 5, n. 11, p. 3-27, 2015.) afirmam que a docência de nível superior é uma atividade revestida de grande significado para a sociedade, enquanto Freire e Fernandez (2015FREIRE, L. I. F.; FERNANDEZ, C. O professor universitário novato: tensões, dilemas e aprendizados no início da carreira docente. Ciência & Educação, Bauru, v. 21, n. 1, p. 255-272, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1516-731320150010016 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.1590/1516-731320150...
) apontam a necessidade de ampliação dos estudos sobre professores universitários. A atratividade da carreira acadêmica no Brasil é evidente na busca por formação de docentes.

O país contava, em 2014, com 383.386 professores no ensino superior, conforme o mais completo e recente Resumo Técnico com dados consolidados do Ministério da Educação. Entre 2004 e 2014, os docentes com título de doutor praticamente dobraram, com um aumento de 98,7%, saltando de 22.023 para 43.531 nas instituições de ensino superior do setor privado, e de 41.221 para 90.963 nas instituições do setor público. No grau de mestre, os números saltaram de 63.712 para 103.570 no setor privado e de 22.614 para 46.963 no setor púbico (INEP, 2016INSTITUTO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA - INEP. (2014). Resumo Técnico. Censo da Educação Superior 2014. Brasília, DF: INEP, 2016. 55 p. Disponível em: <Disponível em: http://bit.do/fuYBj >. Acesso em: 01 jul. 2017.
http://bit.do/fuYBj...
).

Desde os anos 1990, a transição de outras profissões para a docência de nível superior caracterizou-se pela imagem de que, no meio acadêmico, o profissional está sujeito a estímulos que mudam permanentemente e são vistos com “autonomia e responsabilidade” (KILIMNIK, OLIVEIRA, SANT’ANNA et al., 2006KILIMNIK, Z. M. et al. Representações, sobre carreira, atividade docente e competências: um estudo com mestrandos em administração. In: ENCONTRO DA ANPAD, 30., 2006, Salvador. Anais... Salvador: EnANPAD. 2006 ). O peso da autonomia e do processo interativo, que ocorre com maior facilidade na sala de aula, também foi reconhecido por Paiva e Melo (2009PAIVA, K. C. M.; MELO, M. C. O. L. Competências profissionais docentes e sua gestão em universidades mineiras. In: ENCONTRO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO DA ANPAD, 2., 2009, Curitiba. Anais...Curitiba: EnGPR, 2009.) como incentivo importante na transição de carreira da empresa para a docência.

A imagem da autonomia inerente à carreira docente, contraposta a um maior controle hierárquico na carreira empresarial, está no cerne da idealização no processo de transição. Oliveira, Kilimnik e Oliveira (2013OLIVEIRA, L. C. V.; KILIMNIK, Z. M.; OLIVEIRA, R. P. Da gerência para a docência: metáforas do discurso de transição. Revista Eletrônica de Administração, Porto Alegre, v. 19, n. 2, 2013.) afirmam existir uma dualidade entre o trabalho em empresas e a atuação docente, refletida pela contraposição entre “céu e inferno”, na percepção de professores que são ex-executivos. Para eles, a sala de aula é considerada “mágica”, um espaço diferenciado, em que haverá um reconhecimento perpétuo. O contexto acadêmico tem imagem consolidada de “mundo do conhecimento e das ideias”, enquanto o cenário empresarial é reconhecido como “mundo do mercado”. O corpo discente é visto como o de entes que possuem “bagagens diferentes” e não “máquinas ou computadores”. Os autores explicam que os efeitos da globalização sobre o “mundo organizacional” estão na origem da imagem idealizada dos executivos sobre o “mundo acadêmico”.

Para entender a transição de outras profissões para a docência de nível superior, é importante destacar o fato de que transições de carreira promovem a transição da identidade profissional (IBARRA, 2009IBARRA, H. Identidade de carreira: a experiência é a chave para reinventá-la. São Paulo: Editora Gente, 2009.). Considerando transição de carreira “o período durante o qual um indivíduo está mudando e redirecionando suas funções ou orientações”, Louis (1980LOUIS, M. R. Career transitions: varieties and commonalities. Academy of Management Review, v. 5, n. 3, p. 329-340, 1980., p. 338) identificou, nas transições entre funções (ou papéis), as “transições interprofissão”, em foco neste estudo, e que levam pessoas a assumir funções ou papéis diferentes dos anteriores.

Ao realizar a associação entre as teorias de decisões de carreira e as de transições de carreira, Veloso e Dutra (2014VELOSO, E. F. R.; DUTRA, J. S. A tomada de decisões na transição de carreira: uma proposta de associação de conceitos. Revista Administração em Diálogo - RAD, v. 16, n. 2, p. 216-245, 2014. Disponível em:<Disponível em:http://dx.doi.org/10.20946/rad.v16i2.22723 >. Acesso em:18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.20946/rad.v16i2.227...
) apoiaram seus argumentos, quanto à importância de estudar essas teorias de forma agregada, no fato de que transições envolvem decisões, e que decisões envolvem transições. As decisões de carreira têm grande impacto na vida das pessoas e estão entre as mais importantes escolhas de um indivíduo (JUNG, PARK e RIE, 2015JUNG, H.; PARK, I. J.; RIE, J. Future time perspective and career decisions: The moderating effects of affect spin. Journal of Vocational Behavior, v. 89, p. 46-55, 2015. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.jvb.2015.04.010>. Acesso em:18 mar. 2020.; VERBRUGGEN e VOS, 2016VERBRUGGEN, M.; VOS, A. When people don´t realize their career decisions: towards a theory of career inaction. Academy of Management Proceedings, jan. 2016. (Meeting Abstract Supplement). Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.5465/AMBPP.2016.181 >. Acesso em:18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.5465/AMBPP.2016.181...
). De maneira explícita ou implícita, os estudos sobre decisões de carreira têm foco em transições (VERBRUGGEN e VOS, 2016). Daí a importância, para o campo da gestão de carreira, de associar teorias e conceitos envolvidos nesses dois temas, considerando também a afirmação de Barley, Bechky e Milliken (2017BARLEY, S.; BECHKY, B.; MILLIKEN, F. The changing nature of work: careers, identities, and work lives in the 21st Century. Academy of Management Discoveries, v. 3, n. 2, p. 111-115, 2017.) de que é surpreendente a carência de estudos sobre fenômenos que envolvem as transformações pelas quais o trabalho tem passado e sobre as mudanças na forma de trabalhar.

Diante dessas reflexões, este artigo, que envolve a união das teorias de decisões e de transição de carreira na observação da maneira como o movimento entre profissões ocorre, é algo que pode contribuir com o entendimento das transformações que o trabalho vem sofrendo atualmente.

REFERENCIAL TEÓRICO

Nesta sessão, são apresentados os conceitos que sustentaram a elaboração das hipóteses e da metodologia que embasou a pesquisa de campo.

Decisões de carreira

Hartung e Blustein (2002HARTUNG, P. J.; BLUSTEIN, D. L. Reason, intuition and social justice: Elaborating on Parsons’s career decision-making model. Journal of Counseling Development, v. 80, n. 1, p. 41-47, 2002. Disponível em:<Disponível em:http://dx.doi.org/10.1002/j.1556-6678.2002.tb00164.x >. Acesso em:18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.1002/j.1556-6678.20...
) atribuem a Parsons (1909PARSONS, F. Choosing a vocation. Boston: Houghton-Mifflin, 1909.) o início da construção da teoria de decisões de carreira. Parsons descreveu os fatores principais do processo de escolha de uma vocação, que seria a maior das decisões da vida de uma pessoa. Na visão dele, na prática, para ajudar as pessoas na tomada de decisão, os conselheiros deveriam ter como base as três seguintes orientações, de forma sequencial, a pessoa deve: 1) “conhecer a si mesmo”; 2) “conhecer o mundo do trabalho”; e 3) “ligar racionalmente esses dois grupos de conhecimento”. Parsons denominou essa terceira orientação de true reasoning.

Segundo Hartung e Blustein (2002HARTUNG, P. J.; BLUSTEIN, D. L. Reason, intuition and social justice: Elaborating on Parsons’s career decision-making model. Journal of Counseling Development, v. 80, n. 1, p. 41-47, 2002. Disponível em:<Disponível em:http://dx.doi.org/10.1002/j.1556-6678.2002.tb00164.x >. Acesso em:18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.1002/j.1556-6678.20...
), ao desenvolver e testar hipóteses, quase que invariavelmente, teóricos e pesquisadores utilizam um ou mais dos elementos levantados por Parsons. Esses autores afirmam que o modelo de Parsons seria o primeiro modelo formal de tomada de decisão de carreira, sendo que vários pesquisadores (por exemplo, KRUMBOLTZ, 1998KRUMBOLTZ, J. D. Serendipity is not serendipitous. Journal of Counseling Psychology, v. 45, n. 4, p. 390-392, 1998.; PHILLIPS, 1994PHILLIPS, S. D. Choice and change: convergence from the decision-making perspective. In: SAVICKAS, M. L.; R. W. LENT(eds.). Convergence in career development theories: Implications for science and practice. Palo Alto, CA: Davies-Black, 1994. p. 155-163., 1997PHILLIPS, S. D. Toward an expanded definition of adaptive decision making. The Career Development Quarterly, n. 45, p. 275-287, 1997.) buscaram interpretar o true reasoning, e essas interpretações proporcionaram a possibilidade de evolução dos modelos alternativos.

Os modelos de tomada de decisão de carreira, segundo Murtagh, Lopes e Lyons (2011MURTAGH, N.; LOPES, P. N.; LYONS, E. Decision making in voluntary career change: an other-than-rational perspective. The Career Development Quarterly, v. 59, n. 3, p. 249-263, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011.tb00067.x >. Boston: Houghton-Mifflin Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011...
), podem ser divididos em três construtos, sendo o primeiro deles o dos “modelos racionais”, que têm origem em modelos de utilidade esperada , nos quais as decisões são tomadas em busca de um resultado ótimo. Esses modelos podem ser analisados por meio do modelo científico e do normativo. No modelo científico, que tem como referência Gelatt (1962GELATT, H. B. Decision making: A conceptual frame of reference for counseling. Journal of Counseling Psychology, v. 9, p. 240-245, 1962.), as decisões são sistemáticas e sequenciais. Já o normativo, em que as decisões consideram todas as alternativas possíveis, tem como referências Katz (1966KATZ, M. A model for guidance for career decision making. Vocational Guidance Quarterly, v. 15, p. 2-10, 1966.), Pitz e Harren (1980PITZ, G. F.; HARREN, V. A. An analysis of career decision making from the point of view of information processing and decision theory. Journal of Vocational Behavior, v. 16, p. 320-346, 1980.), Gati e Asher (2001GATI, I.; ASHER, I. The PIC model for career decision-making: Prescreening, in-depth exploration and choice. In: LEONG, F. T. L.; BARAK, A. (eds.). Contemporary Models in Vocational Psychology: A Volume in Honor of Samuel Osipow. Mah-wah, NJ: Erlbaum, 2001. p. 7-54.) (MURTAGH, LOPES e LYONS, 2011MURTAGH, N.; LOPES, P. N.; LYONS, E. Decision making in voluntary career change: an other-than-rational perspective. The Career Development Quarterly, v. 59, n. 3, p. 249-263, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011.tb00067.x >. Boston: Houghton-Mifflin Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011...
).

Os modelos normativos, segundo Murtagh, Lopes e Lyons (2011MURTAGH, N.; LOPES, P. N.; LYONS, E. Decision making in voluntary career change: an other-than-rational perspective. The Career Development Quarterly, v. 59, n. 3, p. 249-263, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011.tb00067.x >. Boston: Houghton-Mifflin Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011...
), sofreram críticas de diversos autores. Kahneman, Slovic e Tversky (1982KAHNEMAN, D.; SLOVIC TVERSKY, A. Judgment Under Uncertainty: Heuristics and Biases. Cambridge, England: Cambridge University Press, 1982.) afirmaram que as pessoas podem falhar em seguir o processo prescrito, por exemplo, quando falham em considerar todas as opções ou avaliavam incorretamente as possibilidades dos eventos. Já Gati (1986GATI, I. Making career decisions: A sequential elimination approach. Journal of Counseling Psychology, v. 33, n. 4, p. 408-417, 1986.) criticou a necessidade de quantificar produtividade e valência, para depois calcular seu produto para um conjunto muito grande de alternativas, afirmando que esse processo superava a capacidade cognitiva dos indivíduos. Essas críticas levaram ao estudo de uma segunda categoria de modelos de decisão (MURTAGH, LOPES e LYONS, 2011MURTAGH, N.; LOPES, P. N.; LYONS, E. Decision making in voluntary career change: an other-than-rational perspective. The Career Development Quarterly, v. 59, n. 3, p. 249-263, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011.tb00067.x >. Boston: Houghton-Mifflin Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011...
).

A segunda categoria é a dos “modelos normativos que reconhecem os processos cognitivos”. Esses modelos consideram a abordagem de processamento de informação cognitiva, na qual as decisões são focadas em interesses, habilidades, valores e também em oportunidades de emprego (PERDUE, REARDON e PETERSON, 2007PERDUE, S. V.; REARDON, R. C.; PETERSON, G. W. Person-environment congruence, self-efficacy, and environmental identity in relation to job satisfaction: a career decision theory perspective. Journal of employment counseling, v. 44, n. 1, p. 29-39, 2007. Disponível em: <https://doi.org/10.1002/j.2161-1920.2007.tb00022.x>. Acesso em: 18 mar. 2020.). Conforme Murtagh, Lopes e Lyons (2011MURTAGH, N.; LOPES, P. N.; LYONS, E. Decision making in voluntary career change: an other-than-rational perspective. The Career Development Quarterly, v. 59, n. 3, p. 249-263, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011.tb00067.x >. Boston: Houghton-Mifflin Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011...
), nessa categoria, são considerados também outros modelos. Nos modelos de eliminação sequencial, que têm como referência os autores Janis e Mann (1977JANIS, I. L.; MANN, L. Decision Making: A Psychological Analysis of Conflict, Choice and Commitment. New York: Free Press; Macmillan, 1977.) e Simon (1955SIMON, H. A. A behavioral model of rational choice. Quartely Journal of Economics, n. 69, n. 1, p. 99-118, 1955. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.2307/1884852 >. Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.2307/1884852...
), as decisões reconhecem a cognição humana na busca por opções “apenas satisfatórias”. Já o modelo prescritivo, o de exploração profunda e o de escolha têm como referência Gati e Asher (2001GATI, I.; ASHER, I. The PIC model for career decision-making: Prescreening, in-depth exploration and choice. In: LEONG, F. T. L.; BARAK, A. (eds.). Contemporary Models in Vocational Psychology: A Volume in Honor of Samuel Osipow. Mah-wah, NJ: Erlbaum, 2001. p. 7-54.) e envolvem decisões a partir da estratégia de eliminação prévia de opções, não correspondentes a aspectos do resultado desejado.

A terceira categoria é a das “perspectivas que ultrapassam os modelos racionais”. A racionalidade é extrapolada e são consideradas abordagens da psicologia, levando em conta que as decisões não são sequenciais e sistemáticas, mas frequentemente criativas. Nessa visão, o contexto e o acaso são fatores importantes nas escolhas, reconhecendo oportunidades e atributos da pessoa que toma a decisão. Assim, a decisão seguiria seu próprio caminho, enfatizando processos emocionais e cognitivos (MURTAGH, LOPES e LYONS, 2011MURTAGH, N.; LOPES, P. N.; LYONS, E. Decision making in voluntary career change: an other-than-rational perspective. The Career Development Quarterly, v. 59, n. 3, p. 249-263, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011.tb00067.x >. Boston: Houghton-Mifflin Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011...
).

A gestão de carreira e o contexto das transições

A evolução dos estudos sobre carreira indicava, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, que as carreiras organizacionais - aquelas concebidas para considerar um único cenário de emprego - cederiam espaço para carreiras sem fronteiras, que transcendem as fronteiras organizacionais, e carreiras proteanas, que consideram o sucesso como algo “interno ao indivíduo” ou “psicológico” (ARTHUR e ROUSSEAU, 1996ARTHUR, M. B.; ROUSSEAU, D. M. Introduction: the boundaryless career as a new employment principle. In: ARTHUR, M. B.; ROUSSEAU, D. M. (eds.). The boundaryless career: a new employment principle for a new organizational era. New York: Oxford, University Press, 1996. v. 1, p. 3-20.; ARTHUR, INKSON e PRINGLE, 1999ARTHUR, M. B.; INKSON, K.; PRINGLE, J. K. The new careers: individual action and economic change. London: Sage Publications, 1999.; HALL, 2002HALL, D. T. Careers in and out of organizations. London: Sage Publications , 2002.).

Segundo Veloso e Dutra (2011VELOSO, E. F. R.; DUTRA, J. S. Carreiras sem fronteiras na gestão pessoal da transição profissional: um estudo com ex-funcionários de uma instituição privatizada. Revista de Administração Contemporânea - RAC, Curitiba, p. 834-854, set./out. 2011.), as concepções de carreira proteana e carreiras sem fronteiras são duas formas de considerar, teoricamente, as mudanças sociais e organizacionais que levaram à necessidade de que a pessoa gerencie sua própria carreira. Kostal e Wiernik (2017KOSTAL, J. W. WIERNIK, B. M. A meta-analytic investigation of demographic differences in protean, boundaryless, and proactive career orientations. Career Development International, v. 22, n. 5, p. 520-545, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1108/CDI-08-2017-0139 >. Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.1108/CDI-08-2017-0139...
) afirmam que essas concepções têm dominado as pesquisas nas últimas duas décadas, sendo consideradas “a nova carreira”, um conceito que surge na economia globalizada e considera uma significativa mudança no contrato psicológico entre empregados e empresas.

Uma vez que autores como Kostal e Wiernik (2017KOSTAL, J. W. WIERNIK, B. M. A meta-analytic investigation of demographic differences in protean, boundaryless, and proactive career orientations. Career Development International, v. 22, n. 5, p. 520-545, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1108/CDI-08-2017-0139 >. Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.1108/CDI-08-2017-0139...
) não dissociam as novas carreiras do contexto empresarial, é importante considerar a visão de Clarke (2013CLARKE, M. The organizational career: not dead but in need of redefinition. The International Journal of Human Resource Management, v. 24, n. 4, p. 684-703, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012.697475 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012....
), que questionou, no início desta década, as tendências apontadas nos anos 2000 de que as carreiras organizacionais perderiam seu lugar na sociedade. Ao analisá-las, Clarke promoveu uma sistematização de raciocínios que propiciaram cinco proposições, considerando que tais carreiras: 1) podem ser flexíveis, desafiadoras e oferecer mobilidade; 2) proporcionam oportunidades para o desenvolvimento dos empregados; 3) podem ser gerenciadas em conjunto; 4) promovem relações equilibradas; e 5) podem dificultar a mobilidade.

A autora conclui suas reflexões com uma proposta de modelo da nova carreira organizacional, que combina características da carreira organizacional tradicional, das carreiras sem fronteiras e da carreira proteana. Ela apresenta resultados de diversas pesquisas, realizadas em vários países, que provêm evidências de que “a carreira organizacional está viva, e bem” (CLARKE, 2013CLARKE, M. The organizational career: not dead but in need of redefinition. The International Journal of Human Resource Management, v. 24, n. 4, p. 684-703, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012.697475 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012....
, p. 688).

A visão de Clarke é corroborada pelo estudo de Veloso e Dutra sobre transição de carreira. Constatou-se que, tanto os empregados que foram desligados como os que permaneceram trabalhando em uma instituição financeira, após o processo de privatização, viveram uma importante transição em suas carreiras. Esses autores explicam que “nem mesmo profissões antes consideradas seguras podem ser vistas como inatingíveis” (VELOSO e DUTRA, 2011VELOSO, E. F. R.; DUTRA, J. S. Carreiras sem fronteiras na gestão pessoal da transição profissional: um estudo com ex-funcionários de uma instituição privatizada. Revista de Administração Contemporânea - RAC, Curitiba, p. 834-854, set./out. 2011., p. 850).

Diante das reflexões realizadas nesta sessão, foi elaborada a primeira hipótese deste estudo, que considera a profissão anterior dos respondentes:

Hipótese 1 - Há influência positiva direta da percepção quanto à profissão anterior sobre a racionalidade das decisões quanto à transição interprofissão.

A transição de carreira e a crise da meia carreira

Atualmente, transições de carreira são tão frequentes que os estudos sobre esse tema procuram conciliar diversas perspectivas. Skilton e Bravo (2017SKILTON, P. F.; BRAVO, J. Employment transition intention: opportunity, personality and the perception of risk. Academy of Management: Proceedings, Vancouver, v. 2015, n. 1, nov. 2017. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.5465/ambpp.2015.13684abstract >. Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.5465/ambpp.2015.13684...
), por exemplo, destacam o risco percebido na oportunidade da transição como o fator central no surgimento de intenções de mudança. Super (1990SUPER, D. E. The life span, life space approach to career development. In: BROWN, D.; BROOKS, L. (orgs.). Career choice and development. 2nd ed. San Francisco: Jossey-Bass, 1990. p. 197-261.), por meio da teoria de desenvolvimento humano, propôs a análise de estágios de vida, levando a novos entendimentos sobre o desenvolvimento da carreira. Oliveira, Melo-Silva e Coleta (2012OLIVEIRA, M. C.; MELO-SILVA, L. L.; COLETA, M. F. Pressupostos teóricos de Super: datados ou aplicáveis à psicologia vocacional contemporânea. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 2, n. 1, p. 223-234, 2012., p. 225) explicaram que o modelo de Super teve como temas centrais “os papéis sociais, os espaços de vida e os estágios do desenvolvimento, que enfatizam os conceitos de maturidade e/ou adaptabilidade de carreira”.

Em termos de adaptabilidade, Horst, Klehe e Heijden (2017HORST, A. C. V. D.; KLEHE, U. C.; HEIJDEN, B. I. J. M. V. D. Adapting to a looming career transition: how age and core individual differences interact. Journal of Vocational Behavior, v. 99, p. 132-145, abr. 2017.) explicam que, diante de transições iminentes, trabalhadores precisam adaptar suas carreiras, dominando desafios e permanecendo curiosos quanto a opções e alternativas profissionais. Essas autoras consideram, entre outras variáveis individuais, a idade como um importante influenciador de respostas adaptativas. Já o estudo de Maddox-Daines (2016), sobre mulheres gestoras na fase da meia carreira, por volta dos 45 anos de idade, mostrou a importância do balanceamento entre vida pessoal e profissional, e o reconhecimento da necessidade de comprometimento para conseguir equilíbrio na carreira.

Esses estudos recentes (MADDOX-DAINES, 2016MADDOX-DAINES, K. Mid-career as a process of discovery. Career Development International, v. 21, n. 1, p. 45-59, 2016.; HORST, KLEHE e HEIJDEN, 2017HORST, A. C. V. D.; KLEHE, U. C.; HEIJDEN, B. I. J. M. V. D. Adapting to a looming career transition: how age and core individual differences interact. Journal of Vocational Behavior, v. 99, p. 132-145, abr. 2017.) destacam a valorização crescente de fatores intrínsecos da carreira conforme a idade avança. Essas reflexões permitem considerar, de acordo com Veloso (2012VELOSO, E. F. R. Carreiras sem fronteiras e transição profissional no Brasil: desafios e oportunidades para pessoas e organizações. São Paulo: Atlas , 2012.), que um dos motivos da transição profissional pode ser a crise da meia carreira, quando a pessoa está na transição da meia-idade, na fase dos 40 anos.

Em um sentido mais amplo, essa crise pode incluir pessoas que iniciaram suas carreiras ainda jovens e voltaram a estudar na fase dos 30 anos, ou trabalhadores na faixa dos 50 anos que experimentam novas perspectivas de carreira, algumas vezes com mais flexibilidade, e buscam maneiras diferentes de viver no futuro (IBARRA, 2009IBARRA, H. Identidade de carreira: a experiência é a chave para reinventá-la. São Paulo: Editora Gente, 2009.). Morison, Erickson e Dychtawald (2006MORISON, R.; ERICKSON, T.; DYCHTWALD, K. A crise da meia carreira. Harvard Business Review, mar. 2006., p. 2) afirmam que a inquietação no meio da carreira é antiga, mas suas manifestações mudam a cada geração, e hoje essa crise atinge os profissionais com mais força e reside nas seguintes fontes de frustração:

  • Gargalo profissional - competição que preocupa os trabalhadores na faixa entre 40 e 50 anos;

  • Tensão entre trabalho e vida pessoal - Necessidade de equilibrar o trabalho com obrigações com filhos e pais;

  • Horizonte ampliado - Pessoas que gastaram muito e acumularam pouco têm necessidade de trabalhar ainda muitos anos;

  • Capacitação obsoleta - Alguns lutam para se ajustar às novas maneiras de trabalhar e outros esperam que o tempo de trabalho os leve a crescer na carreira;

  • Desilusão com a empresa - Falta de confiança devido a cortes de pessoal ou ressentimento por diferenças salariais entre os cargos;

  • Esgotamento - Exaustão, estresse, trabalho desinteressante e repetitivo, baixa energia;

  • Decepção com a carreira - Quando a função e o impacto do trabalho não correspondem aos ideais e ambições da juventude.

Nota-se que a idade da crise da meia carreira pode ter uma grande variação (IBARRA, 2009IBARRA, H. Identidade de carreira: a experiência é a chave para reinventá-la. São Paulo: Editora Gente, 2009.), uma vez que, atualmente, a idade da carreira conta mais que a idade cronológica da pessoa (HALL, 1996HALL, D. T. Preface. In: HALL, D. T. et al. (Ed.). The career is dead: long live the career. San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1996., 2002). Diante dessa possibilidade, as fontes de frustração apontadas por Morison, Erickson e Dychtawald (2006MORISON, R.; ERICKSON, T.; DYCHTWALD, K. A crise da meia carreira. Harvard Business Review, mar. 2006.) foram aqui consideradas impulsionadores da transição interprofissão, que são tratados de forma agregada na segunda hipótese deste estudo.

Neste ponto, é importante destacar que, ao abordar tais fontes de frustração, Veloso (2012VELOSO, E. F. R. Carreiras sem fronteiras e transição profissional no Brasil: desafios e oportunidades para pessoas e organizações. São Paulo: Atlas , 2012.) menciona o trabalho de Morison, Erickson e Dychtawald (2006MORISON, R.; ERICKSON, T.; DYCHTWALD, K. A crise da meia carreira. Harvard Business Review, mar. 2006.) para explicar que algumas pessoas, ao passar por transições associadas à crise da meia carreira, têm impulsos particulares e subjetivos confundidos com mudanças de contexto que atingem todas as carreiras e que também impulsionam transições.

Hipótese 2 - Há influência positiva direta dos fatores impulsionadores das transições sobre a racionalidade das decisões quanto à transição interprofissão.

A transição de papel profissional e seus atributos

Segundo Louis (1980LOUIS, M. R. Career transitions: varieties and commonalities. Academy of Management Review, v. 5, n. 3, p. 329-340, 1980.), pessoas passam por transições de funções (ou papéis) quando entram ou retornam à força de trabalho, assumem um papel diferente dentro da mesma organização, se movem de uma organização para outra, mudam de profissão ou deixam a força de trabalho. A transição de papel profissional é abordada por Nicholson e West (1989NICHOLSON, N.; WEST, M. Transitions, work histories, and careers. In: ARTHUR, M. B.; HALL, D. T.; LAWRENCE, B. S. (eds.). Handbook of career theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.), que a definem como qualquer mudança importante de exigência na função ou no contexto de trabalho.

Esse tipo de transição é abordado por Maree (2014MAREE, K. Creating a Sense of Hope: The Essence of Career Construction for Life Designing in a Developing Country Contex. In: POPE, M.; FLORES, L. Y.; PATRICK, J. R. (Eds.) The Role of Values in Carrers. Charlotte: IAP, 2014.), que considera a adaptabilidade um segmento da construção das teorias de carreira. Esse autor explica que a adaptabilidade, abordada por Super (1990SUPER, D. E. The life span, life space approach to career development. In: BROWN, D.; BROOKS, L. (orgs.). Career choice and development. 2nd ed. San Francisco: Jossey-Bass, 1990. p. 197-261.), tem uma forte relação com ações pessoais de desenvolvimento, com transições de papel e com estratégias para enfrentar diversas transições e rápidas mudanças tecnológicas. Maree explica que Savickas (1997SAVICKAS, M. L. Career adaptability: An integrative construct for life-span, life-space theory. The Career Development Quarterly, v. 45, p. 247-259, 1997., 2008SAVICKAS, M. L. Helping people choose jobs: A history of the guidance profession. In: ATHANASOU, J. A.; ESBROECK, R. V. (eds.). International Handbook of Career Guidance. New York: Springer, 2008. p. 97-113.) considera primordial para o enfrentamento das transições que aconselhadores de carreira encarem, de forma adequada, as mudanças que acontecem também em suas próprias vidas.

Segundo Ashforth (2001ASHFORTH, B. A. Role transitions in organizational life: an Identity-Based Perspective. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2001.), a transição de papéis consiste em um grande desafio. Quanto à natureza das mudanças, o autor afirma que os indivíduos podem sofrer “microtransições”, que são mudanças na vida cotidiana, ou “macrotransições”, que são papéis adotados ou descartados durante a vida e que podem oferecer (ou não) coerência com as histórias de carreira.

No estudo apresentado neste artigo, o foco está nas macrotransições que, segundo Ashforth, podem ter os seguintes atributos: 1) baixa magnitude versus alta magnitude; 2) socialmente desejáveis versus socialmente indesejáveis; 3) voluntárias versus involuntárias; 4) previsíveis versus imprevisíveis; 5) coletivas versus individuais; 6) de longa duração versus de curta duração; 7) reversíveis versus irreversíveis. Esses atributos são apresentados em escalas, como um contínuo, e discutidos em termos de seu impacto na dificuldade e na valência que a transição representa para o indivíduo.

Normalmente, conforme Ashforth, transições apresentam qualidades tanto negativas como positivas, sendo que os atributos afetam a dificuldade e a valência da transição de papel profissional. Esse autor afirma que dificuldade tende a ser reciprocamente relativa à valência negativa. Entende-se, então, que uma transição será, geralmente, mais fácil e apresentará valência mais positiva se for de baixa magnitude, longa duração, socialmente desejável, voluntária, previsível, coletiva e reversível. Os atributos levantados por Ashforth permitiram a elaboração da terceira hipótese deste estudo:

Hipótese 3 - Há influência positiva direta dos atributos das transições sobre a racionalidade das decisões quanto à transição interprofissão.

Recursos para lidar com a transição

Anderson, Goodman e Schlossberg (2012ANDERSON, M. L.; GOODMAN, J.; SHLOSSBERG, N. K. Counseling adults in transition: linking schlossberg’s theory with practice in a diverse world. New York: Springer Publishing Company, 2012.) afirmam que transição é um evento ou um “não evento” que resulta em mudanças de relações, rotinas, suposições e papéis. Os “não eventos” são situações que a pessoa esperava que acontecessem e que não se concretizaram - por exemplo, uma promoção. Já os eventos são situações concretas de mudanças. A visão dos autores é representada por um modelo, o Sistema 4S (Situation; Self; Social Suport; Strategies), que oferece uma maneira de identificar os recursos potenciais acionados pelo indivíduo para lidar com a transição, e considera os seguintes fatores:

  • Situação (Situation) - Envolve o que está acontecendo e a possibilidade de associação da transição com múltiplos estressores;

  • Pessoa (Self) - Envolve quem está vivendo a transição e considera que cada pessoa é diferente em termos de necessidades e personalidade;

  • Suporte social (Social Support) - Envolve as ajudas disponíveis para a transição e é frequentemente referenciada como a chave para lidar com o estresse;

  • Estratégias (Strategies) - Envolvem a maneira como uma pessoa lida com a transição.

Os recursos, representados por esses quatro fatores (4S), segundo Anderson, Goodman e Schlossberg (2012ANDERSON, M. L.; GOODMAN, J.; SHLOSSBERG, N. K. Counseling adults in transition: linking schlossberg’s theory with practice in a diverse world. New York: Springer Publishing Company, 2012.), explicam a diferença entre pessoas na maneira de lidar com transições de carreira. Também tratando de recursos, Hartung e Blustein (2002HARTUNG, P. J.; BLUSTEIN, D. L. Reason, intuition and social justice: Elaborating on Parsons’s career decision-making model. Journal of Counseling Development, v. 80, n. 1, p. 41-47, 2002. Disponível em:<Disponível em:http://dx.doi.org/10.1002/j.1556-6678.2002.tb00164.x >. Acesso em:18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.1002/j.1556-6678.20...
) explicam a visão de Parsons (1909PARSONS, F. Choosing a vocation. Boston: Houghton-Mifflin, 1909.) na construção da teoria, pesquisa e prática sobre decisões de carreira. Parsons afirma a necessidade de que a pessoa compreenda seus próprios recursos para tomar a decisão, como parte de uma compreensão clara que o indivíduo precisa ter de si mesmo. Essas reflexões ofereceram suporte para a elaboração da quarta hipótese deste estudo:

Hipótese 4 - Há influência positiva direta dos recursos acionados pelas pessoas sobre a racionalidade das decisões quanto à transição interprofissão.

METODOLOGIA

Foi realizada uma pesquisa de levantamento, na qual as próprias pessoas fornecem informações acerca de seu comportamento, crenças e valores (GIL, 2010GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.; SELLTIZ, WRIGHTSMAN e COOK, 2007SELLTIZ, C.; WRIGHTSMAN, L. S.; COOK, S. W. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: Pedagógica e Universitária, 2007.). Para a elaboração do instrumento de pesquisa, cinco professores doutores, de instituições distintas, especialistas em gestão de pessoas, foram convidados a participar de uma reunião presencial para discussão metodológica estruturada. Nessa ocasião, a discussão ocorreu no formato focus group, com duração de três horas.

Após tal procedimento, para validação dos métodos e do instrumento de pesquisa, com suas 56 assertivas, na escala do tipo Likert de cinco pontos, foi realizado um pré-teste com quatorze professores e, então, foram realizados ajustes finais. No Apêndice (Tabela A), estão expostas as cargas fatoriais padronizadas das assertivas avaliadas nessa etapa, sendo que as destacadas em cor escura e codificadas são as 29 utilizadas no modelo de mensuração final, com valores acima de 0,4 ou -0,4.

A amostra foi formada por 379 professores universitários que passaram pela transição interprofissão. O critério principal de seleção foi que a pessoa considerasse ter realizado uma mudança de profissão quando buscou a carreira acadêmica e que tivesse passado a considerar a docência de nível superior sua profissão principal. O tamanho da população não pôde ser circunscrito, então foi adotada uma amostra não probabilística, selecionada por conveniência (GIL, 2010GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.; SELLTIZ, WRIGHTSMAN e COOK, 2007SELLTIZ, C.; WRIGHTSMAN, L. S.; COOK, S. W. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: Pedagógica e Universitária, 2007.).

Quanto à elaboração do instrumento de pesquisa, inicialmente, foram identificados os construtos presentes na literatura sobre decisão e transição de carreira. Em seguida, foram elaborados os indicadores que basearam a elaboração das 56 assertivas do instrumento de coleta. O Quadro1 demonstra o caminho seguido nessa etapa..

Quadro 1
Relação entre construtos, indicadores e assertivas

Para a coleta de respostas, uma assistente de pesquisa entrou em contato com pessoas que constavam em listas de professores de diversas instituições de ensino superior que permitiram o acesso pelos pesquisadores. Ao constatar a adequação do respondente às características da população do trabalho, a assistente solicitou a resposta ao questionário eletrônico e a indicação de novos respondentes com o mesmo perfil.

Conforme o exposto no Quadro 2, foram aplicadas análises estatísticas preliminares, univariadas, bivariadas e multivariadas para a aferição da qualidade do modelo de mensuração estrutural. Na análise das respostas obtidas, os casos multivariados extremos foram verificados pela distância de Mahalanobis e excluídos da análise. Foi também constatada aleatoriedade das omissões dos respondentes; assim, os dados omissos também foram excluídos. Por fim, a normalidade das variáveis foi verificada. Após essa etapa preliminar, dos 379 respondentes totais, 22 foram excluídos, resultando numa amostra de 357 para as posteriores análises.

Quadro 2
Análises estatísticas utilizadas na pesquisa

Ao analisar o Quadro 2, é importante considerar que existem dois tipos de análise fatorial: a exploratória (AFE) e a confirmatória (AFC). Geralmente, a AFE é utilizada nos estágios mais embrionários da pesquisa, para explorar os dados. Nessa fase, busca-se explorar a relação entre um conjunto de variáveis, identificando padrões de correlação. Por sua vez, a AFC é utilizada quando o pesquisador é guiado por teoria, testando em que medida determinadas variáveis são representativas de um conceito. “Essa técnica não designa variáveis a fatores. Ao invés disso, o pesquisador deve ser capaz de fazer essa designação antes que quaisquer resultados possam ser obtidos.” Essa é uma técnica adequada para a verificação da validade de construto de escalas de mensuração, ou seja, “o grau em que um conjunto de itens medidos realmente reflete o construto latente teórico que aqueles itens devem medir” (HAIR JUNIOR, BLACK, BABIN et al., 2009HAIR, J. F JUNIOR, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009., p. 590-591).

Considerou-se que ambas, a AFE e a AFC, são adequadas aos propósitos deste estudo, tendo em vista o arcabouço teórico para identificar fatores do ambiente de trabalho. Calculou-se também o alpha de Cronbach para averiguar a confiabilidade do instrumento de mensuração, com base em sua consistência interna. Em outras palavras, buscou-se verificar se as variáveis que se propõem a medir esses fatores produzem resultados semelhantes (HAIR JUNIOR, BLACK, BABIN et al., 2009HAIR, J. F JUNIOR, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.).

Na modelagem de equações estruturais, existem diversos índices que avaliam a qualidade de ajuste do modelo aos dados e a relação entre os construtos. Porém, não existem índices considerados ideais para avaliação de determinado modelo. Por isso, na avaliação geral do modelo, é necessário ter uma visão geral dos diversos índices, não se restringindo a um índice particular. Foram, então, utilizados três índices de ajuste absoluto (, GFI e RMSEA) e dois de ajuste incremental (CFI e TLI). Foram também utilizadas as médias das respostas dos cinco construtos da pesquisa, e procedida a análise univariada (ANOVA) e o teste T student, considerando distintas características de perfil dos respondentes (HAIR JUNIOR, BLACK, BABIN et al., 2009HAIR, J. F JUNIOR, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.).

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Na elaboração das hipóteses, não houve a intenção de restringir a amostra em termos de idade. Porém, a média geral foi de 40 anos, sendo uma amostra condizente com o período de maior incidência da crise da meia carreira, conforme Ibarra (2009IBARRA, H. Identidade de carreira: a experiência é a chave para reinventá-la. São Paulo: Editora Gente, 2009.) e Morison, Erickson e Dychtawald (2006MORISON, R.; ERICKSON, T.; DYCHTWALD, K. A crise da meia carreira. Harvard Business Review, mar. 2006.). Os dados de perfil indicam que 72% dos respondentes têm mais de 41 anos e 63% dos pesquisados são homens. Destaca-se o fato de que mais de 70% dos respondentes deixaram a profissão anterior e iniciaram na profissão atual a partir do início deste século, indicando o caráter recente desse fenômeno de transição. A maior parte deles (54,5%) trabalha em carga horária de 21 a 40 horas; somente 17,5% exercem a docência em mais de 40 horas semanais; 40% deles têm nível de mestrado e 34% de doutorado, sendo que 48% exercem, paralelamente, outra atividade remunerada.

As áreas do conhecimento nas quais os respondentes atuam na carreira docente são: administração (73,32%); psicologia (4,58%); educação (4,04%); contabilidade (3,77%); economia (3,23%); tecnologia da informação (2,43%); direito (1,62%); comunicação (1,35%); engenharia (1,35%); outras áreas (4,31%).

Nas análises descritivas iniciais, como variáveis dependentes, foram consideradas a percepção sobre a profissão anterior; impulsionadores da transição; atributos da transição; recursos para lidar com a transição; decisões na transição.

As variáveis independentes foram sexo; Estado no qual o respondente trabalha; período que deixou a profissão anterior; tipo de cargo; vínculo; setor; tipo de empresa; escolaridade antes da mudança. Entre elas, a única que apresentou diferenças significativas de média entre as faixas analisadas foi o período que a pessoa deixou a profissão anterior. As demais não apresentaram tais diferenças (p < 0,05) em nenhuma das cinco variáveis dependentes da pesquisa.

Em relação ao período em que os respondentes deixaram a profissão anterior, foram constatadas diferenças significativas em duas variáveis: a referente à percepção sobre a “profissão anterior” (F = 2,49, p < 0,05) e “impulsionadores” (F = 6,80, p < 0,01). Na variável sobre a “profissão anterior”, os respondentes da faixa de 2011 a 2015 apresentam médias mais positivas que os respondentes de 2001 a 2005 (2,70) e de 1975 a 2000 (2,64).

Na variável “impulsionadores”, os respondentes que deixaram a profissão anterior entre 2011 e 2015 apresentam média mais elevada (3,47) do que os do período entre 1975 a 2000 (3,22). Observa-se, então, que, entre 2011 e 2015, as “novas carreiras organizacionais” de Clarke (2013CLARKE, M. The organizational career: not dead but in need of redefinition. The International Journal of Human Resource Management, v. 24, n. 4, p. 684-703, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012.697475 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012....
), provavelmente, já estavam mais consolidadas no Brasil, e que essa percepção sobre a profissão anterior pode ter contribuído com a decisão dos respondentes de mudar de profissão. Os impulsionadores associados à crise da meia carreira (MORISON, ERICKSON e DYCHTAWALD, 2006MORISON, R.; ERICKSON, T.; DYCHTWALD, K. A crise da meia carreira. Harvard Business Review, mar. 2006.) também podem ter passado a fazer mais sentido para o público que mudou de profissão mais recentemente, uma vez que os respondentes que começaram a atuar na profissão atual entre 2011 e 2015 (F = 5,72, p < 0,01) também têm médias mais elevadas (3,17) na variável “impulsionadores” do que os respondentes de 1975 a 2000 (2,65) e de 2001 a 2005 (2,75).

Os respondentes com a idade de 25 a 40 anos possuem médias mais elevadas (2,99) do que os com idade acima de 50 anos (2,71) na variável “impulsionadores” (F = 3,01, p < 0,05). Nota-se, portanto, que tais impulsos também fizeram diferença para o público com faixa etária mais jovem, demostrando que as fontes de frustração, que provocam a crise da meia carreira, podem determinar transições já a partir dos 25 anos.

O nível educacional conta também na variável “impulsionadores”, uma vez que os profissionais com formação educacional até o nível de especialização, que foi o menor nível medido na pesquisa (F = 4,03, p < 0,01), possuem média mais elevada (3,09) nessa variável do que os respondentes com pós-doutorado (2,50).

Pessoas com carga horária de 1 a 10 horas semanais de trabalho apresentam médias mais elevadas (3,21) na variável “atributos” (F = 2,67, p < 0,01) do que os respondentes que trabalham mais de 40 horas (3,43). Os atributos de Ashforth (2001ASHFORTH, B. A. Role transitions in organizational life: an Identity-Based Perspective. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2001.) - neste caso os associados ao planejamento da transição - fizeram mais sentido para os respondentes que têm uma carga menor de trabalho.

Modelo de mensuração e estrutural

Na Tabela 1, é possível observar as médias, desvios-padrão, índices de confiabilidade e correlações entre todas as variáveis incluídas no estudo. Essas correlações evidenciam a pertinência do modelo de mensuração proposto. Nota-se que todas as variáveis obtiveram correlações significantes entre pares.

Tabela 1
Média, desvio-padrão, correlações e confiabilidade

A partir da análise dos resultados apresentados na Tabela 1, constatou-se a presença de valores moderados de correlações. Portanto, a princípio, a partir da percepção dos respondentes, as variáveis em análise se correlacionam. As variáveis “impulsionadores” e “recursos para lidar com a transição” possuem índices de confiabilidade alpha de Cronbach satisfatórios (acima de 0,7), enquanto as variáveis “profissão anterior”, “decisões na transição” e “atributos da transição” estão próximas a tal parâmetro.

A maior média foi a da variável “recursos para lidar com a transição” (4,08), o que indica que os respondentes da pesquisa perceberam a disponibilidade de recursos para mudar de profissão. Por sua vez, a menor média dos “impulsionadores da transição” (2,82) mostra uma percepção reduzida quanto ao efeito dos impulsos considerados neste estudo sobre a transição. A média de 3,38 e o menor desvio-padrão (0,40) da variável dos “atributos da transição”, evidenciam menor variabilidade das respostas acerca da decisão ter sido tomada voluntária ou involuntariamente pelo respondente. As médias de 3,32 e 2,93, para as variáveis “profissão anterior” e “decisões na transição”, respectivamente, indicam um equilíbrio de percepções discordantes e concordantes sobre esses aspectos da pesquisa.

As medidas de qualidade da análise fatorial exploratória KMO (0,75), MSAs (> 0,5) e o teste de Bartlett (p < 0,01) se revelaram satisfatórios, indicando a adequação do uso dessa técnica para as variáveis da pesquisa.

A extração dos fatores foi realizada a partir do método dos eixos principais, com rotação oblíqua. Foi possível verificar, por meio dos valores doseigenvalues(> 1), a provável existência de dezoito variáveis, sendo uma quantidade fora do estipulado inicialmente no modelo teórico. Posteriormente, procurou-se, pela adoção da AFC, restringir a quantidade das cinco variáveis sustentadas pelo arcabouço teórico deste estudo e pela validação realizada com os especialistas na etapa de pré-teste do instrumento. A variância explicada somada dos cinco fatores foi de 63,47.

Na avaliação geral do modelo, é necessário ter uma visão geral dos diversos índices, não se restringindo a um índice particular. Os índices que foram utilizados neste estudo foram três de ajuste absoluto (X², GFI e RMSEA) e dois de ajuste incremental (CFI e TLI). O valor do qui-quadrado (X²) é sensível a grandes tamanhos de amostra e ao número de variáveis observadas, o que pode reduzir o ajuste de um modelo por motivos que podem não ser verdadeiramente prejudiciais à sua validade geral. Portanto, em modelos que apresentam entre 12 e 30 variáveis observadas e amostras maiores do que 250, valores p-significantes podem ser esperados (HAIR JUNIOR, BLACK, BABIN et al., 2009HAIR, J. F JUNIOR, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.).

Segundo Hair Junior, Black, Babin et al. (2009HAIR, J. F JUNIOR, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.), outros índices de ajuste absoluto comumente utilizados são o Goodness of Fit Index (GFI), cujo valor de referência é 0,9, e o Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), com valor de referência entre 0,05 e 0,08. Os seguintes índices de ajuste incremental foram utilizados para comparação de modelos concorrentes: Comparative Fit Index (CFI), cujo valor de referência é 0,9; e Tucker-Lewis Index (TLI), usado para comparar modelos com diferentes números de variáveis, no qual modelos com valores menores são os mais ajustados.

Na Tabela 2, são apresentadas as estatísticas de ajuste para o modelo de mensuração. Os índices mostram que o ajuste de medição proposto obteve os seguintes índices de ajuste aos dados: X² (1474, N = 357) = 3798,25, p < 0,01, X² / df = 2,58, GFI = 0,80, CFI = 0,75, RMSEA = 0,07, TLI = 0,65), com valor X² significante. Assim, procurou-se ajustar o modelo, selecionando as assertivas com cargas fatoriais, em módulo, acima de 0,4 ou -0,4, totalizando a escolha de 29 assertivas entre as 56 mensuradas. A proporção de respondentes totais (357) por variáveis observadas foi de 12 respondentes por assertivas, de forma condizente com as recomendações de Hair Junior, Black, Babin et al. (2009HAIR, J. F JUNIOR, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.).

Tabela 2
Estatísticas do modelo de mensuração

Constatou-se a necessidade da divisão das variáveis “decisões na transição” em duas variáveis, chamadas “decisões racionais” e “decisões que extrapolam a racionalidade”, reformulando-se o conteúdo da variável “decisões”. Com isso, foi possível obter o modelo com melhores indicadores X² (393, N = 357) = 1057,25, (p < 0,01, X² / df = 2,70, GFI = 0,91, CFI = 0,90, RMSEA = 0,06, TLI = 0,89).

Seguindo as recomendações de Hair Junior, Black, Babin et al. (2009HAIR, J. F JUNIOR, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.) e Kline (2005KLINE, R. B. Principles and practice of structural equation modeling. 2nd edition. New York: The Guilford Press, 2005.), foram testados modelos concorrentes, além do proposto pelo estudo. Primeiramente, houve a comparação com o modelo independente. Depois, foi testado um modelo de dois fatores, no qual os quatro fatores atribuídos à transição de carreira (impulsionadores, decisão, atributos e recursos) foram agrupados em um fator - o outro se referiu à percepção sobre a profissão anterior. Já o segundo modelo testado agrupava os cinco fatores propostos em apenas um fator. Considerando o ajuste satisfatório do modelo de mensuração, seguiu-se a mesma estratégia no modelo estrutural de comparação a um modelo ajustado e outro concorrente.

Conforme a Tabela 3, o modelo teoricamente proposto apresentou os seguintes índices de ajuste X² (399, N = 357) = 1025,70, (p < 0,01, X² / df = 2,57, GFI = 0,90, CFI = 0,88, RMSEA = 0,07, TLI = 0,87). Porém, nesse modelo, não foram constatadas influências significantes (p < .05) da percepção dos impulsionadores da transição (β = -0,04) na decisão da transição. Por isso, procurou-se ajustar o modelo, considerando os fatores impulsionadores como sendo influentes na percepção sobre a profissão anterior, obtendo-se, assim, uma influência positiva neste último, e melhores índices de ajuste X² (398, N = 357) = 999,06, p < 0,01, X² / df = 2,51, GFI = 0,92, CFI = 0,90, RMSEA = 0,06, TLI = 0,89.

Tabela 3
Estatísticas do modelo estrutural

O modelo concorrente em que a decisão da transição influenciava todas as demais variáveis (profissão anterior, atributos, impulsos e recursos da transição) apresentou os piores índices X² (357, N = 800) = 1.431,67, (p < 0,01, X² / df = 3,55, GFI = 0,78, CFI = 0,63, RMSEA = 0,08, TLI = 0,59). Considerou-se, então, o modelo ajustado o mais verossímil dentre os testados, podendo ser observado na Figura 1.

Figura 1
Modelo estrutural ajustado

Segundo Hair Junior, Black, Babin et al. (2009HAIR, J. F JUNIOR, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009., p. 609), “os resultados da análise fatorial confirmatória sugerem que modificações relevantes devem ser reavaliadas com um novo conjunto de dados”. Para efeito de reaplicação e ajustes do instrumento final da pesquisa e para verificar a confiabilidade dos resultados, o questionário, com suas 29 assertivas validadas no estudo principal, foi aplicado novamente para uma segunda amostra de cem docentes.

As características dessa segunda amostra são idade média de 48 anos; 96% atuantes no Estado de São Paulo; 60% homens e 40% mulheres; 77% exercendo mais de uma profissão paralela à carreira docente, com área predominante de atuação em administração (62%). Foram obtidas as médias e os desvios-padrão das 29 assertivas alocadas nas cinco variáveis e calculados os índices de confiabilidade de Cronbach, em que quatro dos cinco construtos foram satisfatórios, sendo próximos ou superiores ao valor de referência de 0,7.

Análise das hipóteses

Os resultados apresentados comprovaram parcialmente a hipótese 1, ou seja, a percepção sobre a profissão anterior tem influência direta somente nas decisões que extrapolam a racionalidade (β = 0,32, p < 0,01). Conforme explicam Murtagh, Lopes e Lyons (2011MURTAGH, N.; LOPES, P. N.; LYONS, E. Decision making in voluntary career change: an other-than-rational perspective. The Career Development Quarterly, v. 59, n. 3, p. 249-263, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011.tb00067.x >. Boston: Houghton-Mifflin Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011...
), esse tipo de decisão envolve mais a subjetividade e tem o contexto como algo essencial. Portanto, a visão sobre a profissão anterior, se considerada como um fator contextual da transição, certamente influencia a maneira como a pessoa se sente em relação às mudanças de carreira, influenciando também as formas mais emocionais de tomada de decisões.

Nas hipóteses 3 e 4, os atributos da transição (β = 0,41, p > 0,01) e os recursos para lidar com a transição (β = 0,34, p > 0,01) influenciam positivamente as decisões racionais na transição, no entanto, influenciam negativamente as decisões que extrapolam a racionalidade. Na análise dessas duas hipóteses, é possível perceber que a variação das situações de transição influencia a maneira como a pessoa toma suas decisões. Nesse sentido, Ashforth (2001ASHFORTH, B. A. Role transitions in organizational life: an Identity-Based Perspective. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2001.) explica que as transições afetam as pessoas de diferentes maneiras, dependendo da natureza e dos atributos da mudança. Já Anderson, Goodman e Schlossberg (2012ANDERSON, M. L.; GOODMAN, J.; SHLOSSBERG, N. K. Counseling adults in transition: linking schlossberg’s theory with practice in a diverse world. New York: Springer Publishing Company, 2012.) afirmam que o indivíduo sempre aciona recursos para lidar com a transição. A partir dessa análise, é possível deduzir que os atributos positivos da transição e os recursos acionados pela pessoa nesse momento também tornam as decisões mais racionais e, provavelmente, mais planejadas.

Ao analisarmos os impulsionadores da transição, constatou-se sua influência positiva direta sobre a percepção quanto à profissão anterior (β = 0,51, p < 0,01) e indireta (β = 0,16, p < 0,01) sobre as decisões na transição, quando relacionados à extrapolação da racionalidade. Assim, é possível confirmar apenas parcialmente a hipótese 2. A influência dos impulsionadores da transição sobre a percepção quanto à profissão anterior e a influência dessa visão nas decisões que extrapolam a racionalidade são um fenômeno que mostra que a frustração com a carreira (MORISON, ERICKSON e DYCHTAWALD, 2006MORISON, R.; ERICKSON, T.; DYCHTWALD, K. A crise da meia carreira. Harvard Business Review, mar. 2006.) e a percepção do contexto em que a transição aconteceu (MURTAGH, LOPES e LYONS, 2011MURTAGH, N.; LOPES, P. N.; LYONS, E. Decision making in voluntary career change: an other-than-rational perspective. The Career Development Quarterly, v. 59, n. 3, p. 249-263, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011.tb00067.x >. Boston: Houghton-Mifflin Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011...
) têm o potencial de determinar a ocorrência de decisões mais subjetivas na transição, pela carga emocional associada a certas situações de trabalho.

De forma geral, constatou-se que há influência direta da profissão anterior, recursos e atributos nas decisões que extrapolam a racionalidade. Já os atributos (β = -0,30, p > 0,01) e recursos (β = -0,45, p > 0,01) influenciam positivamente as decisões racionais e negativamente as decisões que extrapolam a racionalidade.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Neste trabalho, a associação da transição interprofissão com a racionalidade das decisões permitiu a construção de um modelo que demonstra que a maneira como a transição interprofissão acontece em termos de recursos e atributos influencia tanto as decisões racionais como as que extrapolam a racionalidade. Porém, a percepção quanto à profissão anterior influencia mais as decisões que extrapolam a racionalidade do que as racionais. Foi possível constatar que os impulsionadores têm o potencial indireto de explicar a racionalidade das decisões, uma vez que interferem na percepção quanto à profissão anterior. Nota-se, então, que frustrações com a profissão anterior impulsionam as pessoas a realizar a transição, levando-as a tomar decisões menos racionais.

Esse modelo esclarece a racionalidade da tomada de decisão na transição de carreira e leva à análise de que as pessoas, ao perceberem a situação da profissão anterior com incerteza, tendem a tomar decisões mais emocionais e sujeitas a variações contextuais. Todavia, ao perceberem ter os recursos necessários e ao enxergarem os atributos positivos da transição, conseguem tomar decisões mais racionais e menos impulsivas.

A importância da tomada de decisões racionais consiste no fato de que as decisões de carreira têm um grande impacto na vida das pessoas e estão entre as mais importantes escolhas de um indivíduo (JUNG, PARK e RIE, 2015JUNG, H.; PARK, I. J.; RIE, J. Future time perspective and career decisions: The moderating effects of affect spin. Journal of Vocational Behavior, v. 89, p. 46-55, 2015. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.jvb.2015.04.010>. Acesso em:18 mar. 2020.; VERBRUGGEN e VOS, 2016VERBRUGGEN, M.; VOS, A. When people don´t realize their career decisions: towards a theory of career inaction. Academy of Management Proceedings, jan. 2016. (Meeting Abstract Supplement). Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.5465/AMBPP.2016.181 >. Acesso em:18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.5465/AMBPP.2016.181...
). Com base nos resultados desta pesquisa, é possível inferir que o momento que a pessoa vivencia, tanto no trabalho como fora dele, deve ser cuidadosamente avaliado no planejamento de mudanças profissionais.

Em termos de contexto, foi possível constatar que existem diferenças entre as transições mais recentes e as mais antigas. A percepção quanto à profissão anterior mais voltada para as novas carreiras organizacionais propostas por Clarke (2013CLARKE, M. The organizational career: not dead but in need of redefinition. The International Journal of Human Resource Management, v. 24, n. 4, p. 684-703, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012.697475 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012....
) foi mais predominante para público com transição mais recente. Esse resultado mostra que o cenário do trabalho no Brasil já não considera carreiras organizacionais no sentido tradicional, mas tende a considerá-las na direção de trabalhos mais flexíveis e menos estáveis. A carreira acadêmica de nível universitário recebe, então, trabalhadores que já não sentiam estabilidade em sua profissão anterior.

A situação profissional anterior tem relação com a escolha da profissão seguinte e, especialmente, com as emoções que envolvem o processo de mudança de carreira, representadas pelas decisões que extrapolam a racionalidade. Quanto a esse resultado, as orientações de Clarke (2013CLARKE, M. The organizational career: not dead but in need of redefinition. The International Journal of Human Resource Management, v. 24, n. 4, p. 684-703, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012.697475 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012....
) referentes à situação atual das carreiras organizacionais mostram a importância de, antes de decidir pela mudança, analisar o contexto da carreira que se pretende deixar para trás, verificando pontos fortes e fracos da situação de trabalho. A falta de avaliação dos motivos que originaram a vontade de mudar e a visão negativa sobre a situação profissional atual podem levar a pessoa a tomar decisões impulsionadas por emoções, levando-a a equívocos futuros.

Foi constatado que o público mais jovem, de faixa etária entre 25 e 40 anos, assim como os professores com menor formação educacional, tiveram sua mudança de profissão mais impulsionada pelas fontes de frustração descritas por Morison, Erickson e Dychtawald (2006MORISON, R.; ERICKSON, T.; DYCHTWALD, K. A crise da meia carreira. Harvard Business Review, mar. 2006.). Os resultados obtidos podem ajudar a ampliar a faixa etária que consta dos estudos da crise da meia carreira e a reafirmar que tais frustrações podem ser relacionadas à falta de investimento do próprio trabalhador em sua formação profissional. É possível inferir que os trabalhadores mais jovens são atraídos para a carreira acadêmica no Brasil por vivenciarem em suas profissões anteriores situações que envolvem desequilíbrio entre vida pessoal e profissional; falta de perspectivas; desilusão com a carreira; e esgotamento (MORISON, ERICKSON e DYCHTAWALD, 2006MORISON, R.; ERICKSON, T.; DYCHTWALD, K. A crise da meia carreira. Harvard Business Review, mar. 2006.).

O fato de pessoas com menor carga horária de trabalho semanal perceberem mais positivamente os atributos da transição do que as com maior carga horária talvez indique que a maior disponibilidade de tempo pode favorecer a elaboração de um planejamento da transição mais estruturado. Associando o “tempo” com os recursos analisados por Anderson, Goodman e Schlossberg (2012ANDERSON, M. L.; GOODMAN, J.; SHLOSSBERG, N. K. Counseling adults in transition: linking schlossberg’s theory with practice in a diverse world. New York: Springer Publishing Company, 2012.), é possível sugerir que, para não aumentar a dificuldade inerente às mudanças de carreira, seja realizado um levantamento dos recursos que serão acionados no processo de transição. Além dos financeiros, que precisam ser cuidadosamente analisados, os psicológicos não devem ser negligenciados.

CONCLUSÕES

O estudo das transições contribui para o entendimento da evolução das sociedades, de suas instituições, da mobilidade, do redesenho de cargos e das mudanças organizacionais (NICHOLSON, 1984NICHOLSON, N. A theory of work role transitions. Administrative Science Quarterly, v. 29, n. 2, p. 172-191, jun. 1984.). Dessa forma, é importante a compreensão de um fenômeno latente no Brasil, que é a migração de pessoas de outras profissões para a docência de nível universitário (KILIMNIK, REIS NETO, SANTOS et al., 2015KILIMNIK, Z. M. et al. O significado do trabalho: um estudo com professores de administração em uma universidade. Revista Lugares de Educação, v. 5, n. 11, p. 3-27, 2015.; FREITAS e FERNANDES, 2015FREIRE, L. I. F.; FERNANDEZ, C. O professor universitário novato: tensões, dilemas e aprendizados no início da carreira docente. Ciência & Educação, Bauru, v. 21, n. 1, p. 255-272, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1516-731320150010016 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
http://dx.doi.org/10.1590/1516-731320150...
).

O objetivo central da pesquisa - analisar a racionalidade das decisões tomadas por professores universitários, em sua transição de outras profissões para a carreira docente - foi cumprido por meio da análise de 357 respostas a um questionário que, posteriormente, foi aplicado para novos cem respondentes. As análises estatísticas empreendidas permitiram o entendimento de diversas influências sobre a racionalidade das transições interprofissão.

A partir da análise das hipóteses, foi possível compreender que as decisões de carreira envolvem diversos fatores, alguns deles contextuais. É relevante o fato de que pessoas que se sentiram inseguras quanto à sua profissão anterior tenderam a tomar decisões de transição menos pautadas na racionalidade. Representa também um importante achado da pesquisa o resultado de que pessoas com menor carga atual de trabalho sentem-se mais gratificadas por sua decisão de ingressar na carreira acadêmica. Esses dados permitem identificar riscos de transições pautadas na ilusão que permeia certas profissões, e no receio de perder o emprego. Também apresentam riscos as transições que levem a profissões em que a carga de trabalho é excessiva, pois essa característica da nova ocupação tem o potencial de provocar certo arrependimento quanto à mudança realizada.

A área de gestão de pessoas necessita novos estudos que contribuam para a conciliação entre os objetivos dos profissionais e os objetivos da organização. Esse alinhamento depende, entre outros fatores, do quanto as pessoas se sentem atendidas em seu momento de carreira. Considerando que parte dos profissionais pesquisados é oriunda de empresas, entender o que levou essas pessoas a deixarem seus empregos pode ajudar a decifrar esse fenômeno de migração profissional e a promover ações de retenção. Então, merecem atenção os resultados sobre os impulsionadores da transição, pois, nesta pesquisa, eles foram baseados nas fontes de frustração com a profissão anterior, determinadas por Morison, Erickson e Dychtawald (2006MORISON, R.; ERICKSON, T.; DYCHTWALD, K. A crise da meia carreira. Harvard Business Review, mar. 2006.). Nesse ponto, é possível considerar que há um limite menor na tolerância das pessoas para lidar com tais frustrações atualmente, pois elas representaram uma grande força impulsionadora para os professores que fizeram transições recentemente.

Para as pessoas, os resultados indicam a importância de empreender a análise da própria situação de transição (ASHFORTH, 2001ASHFORTH, B. A. Role transitions in organizational life: an Identity-Based Perspective. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2001.), pois características desejáveis da mudança - por exemplo, a visão positiva que a sociedade tem dessa transição - têm o potencial de proporcionar decisões mais racionais. É essencial também a busca por recursos de autoconhecimento, de suporte social, de análise da situação e de definição de estratégias (ANDERSON, GOODMAN e SCHLOSSBERG, 2012ANDERSON, M. L.; GOODMAN, J.; SHLOSSBERG, N. K. Counseling adults in transition: linking schlossberg’s theory with practice in a diverse world. New York: Springer Publishing Company, 2012.). Essas ações podem favorecer o equilíbrio entre a tomada de decisões racionais e as decisões mais subjetivas, pois tais recursos estimulam a racionalidade das decisões. Porém, quando eles não estão presentes, as decisões tendem a ser mais subjetivas, implicando riscos para o futuro da pessoa na nova profissão.

A verificação, nos resultados da pesquisa, da importância dos recursos acionados pelo indivíduo durante a transição para a tomada de decisões mais racionais indica a necessidade de planejamento desse momento da carreira. Apesar da constatação de Ibarra (2009IBARRA, H. Identidade de carreira: a experiência é a chave para reinventá-la. São Paulo: Editora Gente, 2009.) de que as estratégias para as mudanças não são convencionais e que a própria transição leva ao autoconhecimento, tal planejamento pode ser um importante determinante do êxito da pessoa na nova profissão. Para empresas e profissionais de gestão de carreira, ressalta-se a relevância do subsídio a programas de orientação profissional como suporte necessário para as pessoas lidarem com as transições.

Atualmente, há um apelo social para que profissionais construam suas carreiras de maneira mais independente das organizações, porém, não são claros os meios com que pessoas conseguem realizar mudanças em sua vida profissional. Entender como alguns indivíduos realizaram mudanças de profissão pode ajudar outras pessoas a se tornarem mais autônomas em suas decisões, especialmente em momentos críticos de suas carreiras. Estudos recentes mostram a importância que os temas envolvidos neste trabalho de pesquisa têm para a área de gestão de carreira (por exemplo, AYOOBZADEH, 2017AYOOBZADEH, M. Does academic mentoring improve career decision making? Academy of Management: Proceedings, Vancouver, v. 2015, n. 1, nov. 2017. Disponível em: <Disponível em: https://journals.aom.org/doi/abs/10.5465/ambpp.2015.12822abstract >. Acesso em: 18 mar. 2020.
https://journals.aom.org/doi/abs/10.5465...
; SKILTON e BRAVO, 2017SKILTON, P. F.; BRAVO, J. Employment transition intention: opportunity, personality and the perception of risk. Academy of Management: Proceedings, Vancouver, v. 2015, n. 1, nov. 2017. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.5465/ambpp.2015.13684abstract >. Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.5465/ambpp.2015.13684...
). Assim, a associação entre transições e decisões em um modelo conceitual testado estatisticamente tem o potencial de contribuir com a literatura sobre esses dois temas.

Como limitação, uma vez que a pesquisa é classificada como um estudo cross-sectional, não é possível identificar com precisão a ocorrência de causa e efeito entre a situação do respondente na profissão anterior e a sua situação durante a transição de carreira. Por isso, é preciso reconhecer que os resultados podem ter problemas de viés do common method (PODSAKOFF, MACKENZIE e PODSAKOFF, 2003PODSAKOFF, P. M.; MACKENZIE, S. B.; PODSAKOFF, N. P. Common method biases in behavioral research: A critical review literature and recommended remedies. Journal of Applied Psychology, v. 88, n. 5, p. 879-903, 2003. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1037/0021-9010.88.5.879 >. Acesso em:18 mar. 2020.
https://doi.org/10.1037/0021-9010.88.5.8...
). Para futuros estudos, são recomendadas pesquisas sobre as especificidades dos construtos aqui discutidos, por exemplo, análises dos impactos dos diferentes impulsionadores (esgotamento, desilusão com a empresa, tensão entre trabalho e vida pessoal etc.) na racionalidade da transição. Além disso, é indicada a realização de entrevistas que permitam aprofundar o entendimento dos fenômenos analisados neste artigo.

REFERÊNCIAS

  • ANDERSON, M. L.; GOODMAN, J.; SHLOSSBERG, N. K. Counseling adults in transition: linking schlossberg’s theory with practice in a diverse world. New York: Springer Publishing Company, 2012.
  • ARTHUR, M. B.; ROUSSEAU, D. M. Introduction: the boundaryless career as a new employment principle. In: ARTHUR, M. B.; ROUSSEAU, D. M. (eds.). The boundaryless career: a new employment principle for a new organizational era. New York: Oxford, University Press, 1996. v. 1, p. 3-20.
  • ARTHUR, M. B.; INKSON, K.; PRINGLE, J. K. The new careers: individual action and economic change. London: Sage Publications, 1999.
  • ASHFORTH, B. A. Role transitions in organizational life: an Identity-Based Perspective. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2001.
  • AYOOBZADEH, M. Does academic mentoring improve career decision making? Academy of Management: Proceedings, Vancouver, v. 2015, n. 1, nov. 2017. Disponível em: <Disponível em: https://journals.aom.org/doi/abs/10.5465/ambpp.2015.12822abstract >. Acesso em: 18 mar. 2020.
    » https://journals.aom.org/doi/abs/10.5465/ambpp.2015.12822abstract
  • BARLEY, S.; BECHKY, B.; MILLIKEN, F. The changing nature of work: careers, identities, and work lives in the 21st Century. Academy of Management Discoveries, v. 3, n. 2, p. 111-115, 2017.
  • CLARKE, M. The organizational career: not dead but in need of redefinition. The International Journal of Human Resource Management, v. 24, n. 4, p. 684-703, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012.697475 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
    » http://dx.doi.org/10.1080/09585192.2012.697475
  • FREIRE, L. I. F.; FERNANDEZ, C. O professor universitário novato: tensões, dilemas e aprendizados no início da carreira docente. Ciência & Educação, Bauru, v. 21, n. 1, p. 255-272, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1516-731320150010016 >. Acesso em: 18 mar. 2020.
    » http://dx.doi.org/10.1590/1516-731320150010016
  • GATI, I. Making career decisions: A sequential elimination approach. Journal of Counseling Psychology, v. 33, n. 4, p. 408-417, 1986.
  • GATI, I.; ASHER, I. The PIC model for career decision-making: Prescreening, in-depth exploration and choice. In: LEONG, F. T. L.; BARAK, A. (eds.). Contemporary Models in Vocational Psychology: A Volume in Honor of Samuel Osipow. Mah-wah, NJ: Erlbaum, 2001. p. 7-54.
  • GELATT, H. B. Decision making: A conceptual frame of reference for counseling. Journal of Counseling Psychology, v. 9, p. 240-245, 1962.
  • GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
  • HAIR, J. F JUNIOR, et al. Análise multivariada de dados. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.
  • HALL, D. T. Preface. In: HALL, D. T. et al. (Ed.). The career is dead: long live the career. San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1996.
  • HALL, D. T. Careers in and out of organizations. London: Sage Publications , 2002.
  • HARTUNG, P. J.; BLUSTEIN, D. L. Reason, intuition and social justice: Elaborating on Parsons’s career decision-making model. Journal of Counseling Development, v. 80, n. 1, p. 41-47, 2002. Disponível em:<Disponível em:http://dx.doi.org/10.1002/j.1556-6678.2002.tb00164.x >. Acesso em:18 mar. 2020.
    » http://dx.doi.org/10.1002/j.1556-6678.2002.tb00164.x
  • HORST, A. C. V. D.; KLEHE, U. C.; HEIJDEN, B. I. J. M. V. D. Adapting to a looming career transition: how age and core individual differences interact. Journal of Vocational Behavior, v. 99, p. 132-145, abr. 2017.
  • IBARRA, H. Identidade de carreira: a experiência é a chave para reinventá-la. São Paulo: Editora Gente, 2009.
  • INSTITUTO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA - INEP. (2014). Resumo Técnico. Censo da Educação Superior 2014. Brasília, DF: INEP, 2016. 55 p. Disponível em: <Disponível em: http://bit.do/fuYBj >. Acesso em: 01 jul. 2017.
    » http://bit.do/fuYBj
  • JANIS, I. L.; MANN, L. Decision Making: A Psychological Analysis of Conflict, Choice and Commitment. New York: Free Press; Macmillan, 1977.
  • JUNG, H.; PARK, I. J.; RIE, J. Future time perspective and career decisions: The moderating effects of affect spin. Journal of Vocational Behavior, v. 89, p. 46-55, 2015. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.jvb.2015.04.010>. Acesso em:18 mar. 2020.
  • KAHNEMAN, D.; SLOVIC TVERSKY, A. Judgment Under Uncertainty: Heuristics and Biases. Cambridge, England: Cambridge University Press, 1982.
  • KATZ, M. A model for guidance for career decision making. Vocational Guidance Quarterly, v. 15, p. 2-10, 1966.
  • KILIMNIK, Z. M. et al. Representações, sobre carreira, atividade docente e competências: um estudo com mestrandos em administração. In: ENCONTRO DA ANPAD, 30., 2006, Salvador. Anais... Salvador: EnANPAD. 2006
  • KILIMNIK, Z. M. et al. O significado do trabalho: um estudo com professores de administração em uma universidade. Revista Lugares de Educação, v. 5, n. 11, p. 3-27, 2015.
  • KLINE, R. B. Principles and practice of structural equation modeling. 2nd edition. New York: The Guilford Press, 2005.
  • KOSTAL, J. W. WIERNIK, B. M. A meta-analytic investigation of demographic differences in protean, boundaryless, and proactive career orientations. Career Development International, v. 22, n. 5, p. 520-545, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1108/CDI-08-2017-0139 >. Acesso em:18 mar. 2020.
    » https://doi.org/10.1108/CDI-08-2017-0139
  • KRUMBOLTZ, J. D. Serendipity is not serendipitous. Journal of Counseling Psychology, v. 45, n. 4, p. 390-392, 1998.
  • LOUIS, M. R. Career transitions: varieties and commonalities. Academy of Management Review, v. 5, n. 3, p. 329-340, 1980.
  • MADDOX-DAINES, K. Mid-career as a process of discovery. Career Development International, v. 21, n. 1, p. 45-59, 2016.
  • MAREE, K. Creating a Sense of Hope: The Essence of Career Construction for Life Designing in a Developing Country Contex. In: POPE, M.; FLORES, L. Y.; PATRICK, J. R. (Eds.) The Role of Values in Carrers. Charlotte: IAP, 2014.
  • MORISON, R.; ERICKSON, T.; DYCHTWALD, K. A crise da meia carreira. Harvard Business Review, mar. 2006.
  • MURTAGH, N.; LOPES, P. N.; LYONS, E. Decision making in voluntary career change: an other-than-rational perspective. The Career Development Quarterly, v. 59, n. 3, p. 249-263, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011.tb00067.x >. Boston: Houghton-Mifflin Acesso em:18 mar. 2020.
    » https://doi.org/10.1002/j.2161-0045.2011.tb00067.x
  • NICHOLSON, N. A theory of work role transitions. Administrative Science Quarterly, v. 29, n. 2, p. 172-191, jun. 1984.
  • NICHOLSON, N.; WEST, M. Transitions, work histories, and careers. In: ARTHUR, M. B.; HALL, D. T.; LAWRENCE, B. S. (eds.). Handbook of career theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.
  • OLIVEIRA, M. C.; MELO-SILVA, L. L.; COLETA, M. F. Pressupostos teóricos de Super: datados ou aplicáveis à psicologia vocacional contemporânea. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 2, n. 1, p. 223-234, 2012.
  • OLIVEIRA, L. C. V.; KILIMNIK, Z. M.; OLIVEIRA, R. P. Da gerência para a docência: metáforas do discurso de transição. Revista Eletrônica de Administração, Porto Alegre, v. 19, n. 2, 2013.
  • PAIVA, K. C. M.; MELO, M. C. O. L. Competências profissionais docentes e sua gestão em universidades mineiras. In: ENCONTRO DE GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO DA ANPAD, 2., 2009, Curitiba. Anais...Curitiba: EnGPR, 2009.
  • PARSONS, F. Choosing a vocation. Boston: Houghton-Mifflin, 1909.
  • PERDUE, S. V.; REARDON, R. C.; PETERSON, G. W. Person-environment congruence, self-efficacy, and environmental identity in relation to job satisfaction: a career decision theory perspective. Journal of employment counseling, v. 44, n. 1, p. 29-39, 2007. Disponível em: <https://doi.org/10.1002/j.2161-1920.2007.tb00022.x>. Acesso em: 18 mar. 2020.
  • PHILLIPS, S. D. Choice and change: convergence from the decision-making perspective. In: SAVICKAS, M. L.; R. W. LENT(eds.). Convergence in career development theories: Implications for science and practice. Palo Alto, CA: Davies-Black, 1994. p. 155-163.
  • PHILLIPS, S. D. Toward an expanded definition of adaptive decision making. The Career Development Quarterly, n. 45, p. 275-287, 1997.
  • PITZ, G. F.; HARREN, V. A. An analysis of career decision making from the point of view of information processing and decision theory. Journal of Vocational Behavior, v. 16, p. 320-346, 1980.
  • PODSAKOFF, P. M.; MACKENZIE, S. B.; PODSAKOFF, N. P. Common method biases in behavioral research: A critical review literature and recommended remedies. Journal of Applied Psychology, v. 88, n. 5, p. 879-903, 2003. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1037/0021-9010.88.5.879 >. Acesso em:18 mar. 2020.
    » https://doi.org/10.1037/0021-9010.88.5.879
  • SAVICKAS, M. L. Career adaptability: An integrative construct for life-span, life-space theory. The Career Development Quarterly, v. 45, p. 247-259, 1997.
  • SAVICKAS, M. L. Helping people choose jobs: A history of the guidance profession. In: ATHANASOU, J. A.; ESBROECK, R. V. (eds.). International Handbook of Career Guidance. New York: Springer, 2008. p. 97-113.
  • SELLTIZ, C.; WRIGHTSMAN, L. S.; COOK, S. W. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: Pedagógica e Universitária, 2007.
  • SIMON, H. A. A behavioral model of rational choice. Quartely Journal of Economics, n. 69, n. 1, p. 99-118, 1955. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.2307/1884852 >. Acesso em:18 mar. 2020.
    » https://doi.org/10.2307/1884852
  • SKILTON, P. F.; BRAVO, J. Employment transition intention: opportunity, personality and the perception of risk. Academy of Management: Proceedings, Vancouver, v. 2015, n. 1, nov. 2017. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.5465/ambpp.2015.13684abstract >. Acesso em:18 mar. 2020.
    » https://doi.org/10.5465/ambpp.2015.13684abstract
  • SUPER, D. E. The life span, life space approach to career development. In: BROWN, D.; BROOKS, L. (orgs.). Career choice and development. 2nd ed. San Francisco: Jossey-Bass, 1990. p. 197-261.
  • VELOSO, E. F. R. Carreiras sem fronteiras e transição profissional no Brasil: desafios e oportunidades para pessoas e organizações. São Paulo: Atlas , 2012.
  • VELOSO, E. F. R.; DUTRA, J. S. A tomada de decisões na transição de carreira: uma proposta de associação de conceitos. Revista Administração em Diálogo - RAD, v. 16, n. 2, p. 216-245, 2014. Disponível em:<Disponível em:http://dx.doi.org/10.20946/rad.v16i2.22723 >. Acesso em:18 mar. 2020.
    » http://dx.doi.org/10.20946/rad.v16i2.22723
  • VELOSO, E. F. R.; DUTRA, J. S. Carreiras sem fronteiras na gestão pessoal da transição profissional: um estudo com ex-funcionários de uma instituição privatizada. Revista de Administração Contemporânea - RAC, Curitiba, p. 834-854, set./out. 2011.
  • VERBRUGGEN, M.; VOS, A. When people don´t realize their career decisions: towards a theory of career inaction. Academy of Management Proceedings, jan. 2016. (Meeting Abstract Supplement). Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.5465/AMBPP.2016.181 >. Acesso em:18 mar. 2020.
    » http://dx.doi.org/10.5465/AMBPP.2016.181
  • 10
    Os autores agradecem à FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (auxílio 2012/21432-3), ao PPGA-FEA-USP e ao PROGEP-FIA, pelo apoio à realização da pesquisa de pós-doutorado/livre-docência da primeira autora deste artigo.

APÊNDICE

Tabela A
Cargas fatoriais padronizadas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2018
  • Aceito
    11 Jul 2019
Fundação Getulio Vargas, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rua Jornalista Orlando Dantas, 30 - sala 107, 22231-010 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel.: (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernosebape@fgv.br