Acessibilidade / Reportar erro

Laboratórios vivos de inovação social e ação pública: um enfoque analítico e um caminho metodológico baseados no pragmatismo

Laboratorios vivos de innovación social y acción pública: un enfoque analítico y un camino metodológico basados en el pragmatismo

Resumo

Este artigo propõe um enfoque analítico e um caminho metodológico para compreender os processos de aprendizagem coletiva, co-construção e difusão de conhecimento nos ecossistemas de inovação social colocados em prática, por meio de laboratórios vivos de inovação social. Para tanto, promove um diálogo entre o debate sobre os living labs e os autores pragmatistas dos campos da sociologia dos problemas públicos e da ação pública que resgatam a noção de “investigação pública” desenvolvida por John Dewey. Como contribuições, o texto propõe uma abordagem teórica para o estudo dos processos de experimentação democrática coproduzidos nas arenas públicas da cidade e discute os desafios da sua aplicação, apresentando o caminho metodológico adotado na pesquisa empírica que está sendo realizada na arena pública de garantia dos direitos da criança e do adolescente em Florianópolis, Brasil. As conclusões lançam pistas para avançar na compreensão dos laboratórios vivos de inovação social e sua contribuição, enquanto espaços de fortalecimento da ação pública local, para a aprendizagem democrática e invenção de novas respostas aos problemas públicos nas cidades.

Palavras-chave:
Inovação social; Laboratórios vivos de inovação social; Ação pública; Experimentação democrática=

Resumen

Este artículo propone un enfoque analítico y un camino metodológico para comprender los procesos de aprendizaje colectivo, coconstrucción y difusión del conocimiento en ecosistemas de innovación social puestos en práctica a través de laboratorios vivos de innovación social. Con este fin, proponemos un diálogo entre el debate sobre los laboratorios vivos y los autores pragmatistas de los campos de la sociología de los problemas públicos y de la acción pública que rescatan la noción de “investigación pública” desarrollada por John Dewey. Como aporte, el texto propone un nuevo acercamiento analítico para el estudio de dinámicas de experimentación democrática en arenas públicas y aborda los retos de su aplicación, presentando el camino metodológico adoptado en la investigación empírica que se está llevando a cabo en la arena pública para garantizar los derechos de los niños y adolescentes en Florianópolis, Brasil. Las conclusiones arrojan pistas para comprender los laboratorios vivos de innovación social y su aporte como espacios para fortalecer la acción pública local, promover aprendizaje democrático e inventar nuevas respuestas a los problemas públicos en las ciudades.

Palabras clave:
Innovación social; Laboratorios vivos de innovación social; Acción pública; Experimentación democrática

Abstract

This article proposes an analytical framework and a methodological route to understand the processes of collective learning, co-construction and diffusion of knowledge in social innovation ecosystems put into practice through social innovation living labs. We propose a dialogue between the debate about living labs and the pragmatist authors of the sociology of public problems and public action fields that adopt the notion of public inquiry developed by John Dewey. The study contributes to the field by proposing a new theoretical approach to study the process of democratic experimentalism in public arenas and discusses the challenges of its application, presenting the methodological path adopted in the empirical research carried out in the public arena of protection of children and adolescents’ rights in Florianopolis, Brazil. The findings help to advance the understanding of social innovation living-labs and their contribution as spaces for strengthening local public action, promoting democratic learning and inventing new responses to public problems.

Keywords:
Social Innovation; Social innovation living labs; Public action; Democratic experimentation.

INTRODUÇÃO

O campo de estudos sobre as inovações sociais se ampliou nas últimas décadas, envolvendo diversas disciplinas como administração, administração pública, economia, urbanismo, ciência política e sociologia. Nesse cenário, proliferam pesquisas sobre a temática em vários países e inúmeras definições para o termo emergem, nem todas partindo de uma mesma compreensão do fenômeno, conforme discutido, entre outros, por Bignetti (2011BIGNETTI, L. P. As inovações sociais: uma incursão por ideias, tendências e focos de pesquisa. Ciências Sociais Unisinos, v. 47, n. 1, p. 3-14, 2011.), Moulaert, MacCallum e Hillier (2013MOULAERT, F.; MACCALLUM, D.; HILLIER, J. Social innovation: intuition, percept, concept, theory and practice. In: MOULAERT, F. et al. (Eds.). The international handbook on social innovation: collective action, social learning and transdisciplinary. Cheltenham, UK; Northampton, Massachusetts: Edward Elgar Publishing, 2013.), Howaldt, Domansky e Kalekta (2016HOWALDT, J.; DOMANSKI, D.; KALETKA, C. Social innovation: towards a new innovation paradigm. Revista de Administração Mackenzie, v. 17, n. 6, p. 20-44, 2016.). Essa ampliação de estudos sobre o tema, de acordo com Janin e Pecqueur (2016JANIN, C.; PECQUEUR, B. Les living labs: remise en question des processus de mise en marché et de politique publique. Canadian Journal of Regional Science, v. 40, n. 1, p. 5-11, 2016.), ocorre em um momento de intensa complexificação dos problemas públicos e de crise das democracias modernas, culminando na ineficiência de modelos, estratégias e dispositivos de ação pública até então utilizados.

Diante desse cenário, as dinâmicas de inovação social colocam-se como novas maneiras de lidar coletivamente com os problemas públicos locais, sendo vistas como formas de intervenção produzidas pela colaboração em resposta aos problemas públicos enfrentados, tanto no meio urbano como no rural (NEUMEIER, 2012NEUMEIER, S. Why do social innovations in rural development matter and should they be considered more seriously in rural development research? Proposal for a stronger focus on social innovations in rural development research. Sociologia Ruralis, v. 52, n. 1, p. 48-69, 2012.; HODSON, GEELS e McMEEKIN, 2017HODSON, M.; GEELS, F. W.; MCMEEKIN, A. Reconfiguring urban sustainability transitions, analisyng multiplicity. Sustainability, v. 9, n. 2, 2017.). Como discutido por Andion, Ronconi, Moraes et al. (2017ANDION, C. et al. Civil society and social innovation in the public sphere: a pragmatic perspective. Revista de Administração Pública, v. 10, n. 3, p. 40-58, 2017.), tais inovações não são fruto de um único ator, nem aparecem de forma natural - elas emergem em “arenas públicas” (CEFAÏ, 2002CEFAÏ, D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatist. In: CEFAÏ D.; JOSEPH, I. (Org.). L’héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. La Tour d’Aigues: Éditions de l’Aube, 2002. p. 51-82.), compreendidas como espaços de confrontação e cooperação. Nessas arenas, “situações problemáticas” ganham significado, são compartilhadas e mobilizam diferentes atores, para além do governo, os quais se constituem enquanto sujeitos da ação pública (LASCOUMES e LE GALÈS, 2007LASCOUMES, P.; LE GALÈS, P. Sociologia da ação pública. Maceió: Edufal, 2007.).

Neste texto, partimos dessa perspectiva pragmatista1 1 O pragmatismo clássico é uma corrente filosófica que emerge no início do século XX, a partir das obras de Charles Peirce e William James e vai se desenvolver nas décadas seguintes com os trabalhos de John Dewey e George Herbert Mead, entre outros. Vários são os autores que se dedicam a descrever a influência do pragmatismo clássico nas ciências sociais, a qual ocorre até hoje (cf. COMETTI, 2010; FREGA, 2015). Mais recentemente, no final dos anos 1980, esses estudos também vão inspirar o que alguns descrevem como uma “virada pragmática” e o surgimento de diferentes correntes teóricas, sobretudo na sociologia, que fazem um contraponto às correntes críticas tradicionais, com destaque para as teorias da ação situada (QUÉRÉ, 1999), a teoria ator-rede (LATOUR, 2012) e a teoria da capacidade crítica ou da justificação (BOLTANSKI e THÉVENOT, 2006). Embora com diferenças, pode-se dizer que o pragmatismo e a sociologia pragmática contemporânea têm em comum o fato de valorizar a experiência das pessoas e dos grupos como centrais na pesquisa. “Nem racionalista, nem relativista, o ponto de vista pragmático confere um verdadeiro estatuto epistêmico às experiências e aos diferentes procedimentos utilizados para ligá-las aos processos coletivos” (CHATEAURAYNAUD, 2017, p.1). , compreendendo a inovação social como fruto de ações públicas situadas produzidas pela associação entre diferentes atores, recursos e dispositivos que podem agir coletivamente e coproduzir consequências sobre os problemas públicos de determinado território, envolvendo ou não o Estado. Nesse sentido, é importante considerar as redes, as articulações e os conflitos entre diferentes atores e setores que compõem os ecossistemas de inovação social (EIS) (ANDION, ALPERSTEDT e GRAEFF, 2019ANDION, C.; ALPERSTEDT, G. D.; GRAEFF, J. F. Social Innovation Ecosystems and Cities: Co-Construction of a Collaborative Platform. In: HOWALDT, J. et al. (Eds.) Atlas of Social Innovation. (2nd Volume: A World of New Practices). Dormunt: TU Dormunt University, European School of Social Innovation, 2019. e 2020ANDION, C.; ALPERSTEDT, G. D.; GRAEFF, J. F. Ecossistema de inovação social, sustentabilidade e experimentação democrática: um estudo em Florianópolis. Revista de Administração Pública, v. 54, n. 1p. 181-200, 2020.) e sua influência na promoção da inovação social. Isso implica levar em conta as interações e os efeitos de projetos intersetoriais que podem gerar inteligência coletiva, além de engajamentos e ações transversais, coproduzindo novas respostas aos problemas urbanos (HOWALDT e KOOP, 2012HOWALDT, J.; KOPP, R. Shaping social innovation by social research. In: FRANZ, H. W.; HOCHGERNER, J.; HOWALDT, J. Challenge social innovation: potentials for business, social entrepreneurship, welfare and civil society. New York: Springer, 2012.; HOWALDT, KALETKA, SCHRÖDER et al., 2018HOWALDT, J. et al. Atlas of social innovation: new practices for a better future. Dortmund: TU Dortmund University, 2018.; PELKA e TERSTRIEP, 2016PELKA, B.; TERSTRIEP, J. Mapping social innovation maps. The state of research practice across Europe. European Public & Social Innovation Review, v. 1, n. 1, p. 3-16, 2016.; WOLFRAM e FRANTZESKAKI, 2016WOLFRAM, M.; FRANTZESKAKI, N. Cities and systemic change for sustainability: prevailing epistemologies and an emerging research agenda. Sustainability, v. 8, n. 2, p. 1-18, 2016.).

Como salientam esses autores, estudar as redes dos EIS pressupõe desenvolver pesquisas sistemáticas para entender e dar suporte à criação de espaços de comunicação, cooperação e co-construção de conhecimento nesses ecossistemas. Diante disso, torna-se central investigar a emergência e o papel dos living labs de inovação social (LLIS) na promoção de aprendizagem coletiva nos EIS e no reforço da capacidade cívica local (BRIGGS, 2008BRIGGS, X. Democracy as problem solving civic capacity in communities across the globe. Cambridge: MIT Press, 2008.; LEMINEN e WESTERLUND, 2016LEMINEN, S.; WESTERLUND, M. Living labs as open innovation networks. Technology Innovation Management Review, v. 2, n. 9, p. 6-11, 2016.).

Alguns estudos já discutem os LLIS enquanto espaços de produção de aprendizagem e inteligência coletiva nos EIS. De acordo com Roux e Marron (2016ROUX, E.; MARRON, Q. Les livings labs, de nouveaux dispositifs d’action publique pour penser les métropoles et les territoires. Canadian Journal of Regional Science, v. 40, n. 1, p. 33-41, 2016.), esses laboratórios respondem a uma necessidade de democratização da informação e do conhecimento, gerando uma melhor apreensão da realidade para enfrentar os desafios na administração pública e nas democracias na atualidade. Janin e Pecqueur (2016JANIN, C.; PECQUEUR, B. Les living labs: remise en question des processus de mise en marché et de politique publique. Canadian Journal of Regional Science, v. 40, n. 1, p. 5-11, 2016.) reforçam esse argumento, mostrando que os LLIS podem ser importantes dispositivos para repensar a ação pública. Porém, eles salientam que nem todo laboratório vivo é promotor de inovação social. Para tanto, é importante valorizar os processos colaborativos para cocriação de novos repertórios e soluções, por meio da interlocução entre diferentes atores e entre as diversas formas de conhecimento e de saberes, como o científico, o prático e o senso comum (ROUX e MARRON, 2016ROUX, E.; MARRON, Q. Les livings labs, de nouveaux dispositifs d’action publique pour penser les métropoles et les territoires. Canadian Journal of Regional Science, v. 40, n. 1, p. 33-41, 2016.; LÉVESQUE, 2016LÉVESQUE, B. Économie sociale et solidaire et entrepreneur social: vers quels nouveaux écosystèmes. Reveue Interventions économiques, n. 54, 2016.).

Apesar disso, trabalhos recentes sobre os living labs (LLs), como os de Masi (2016MASI, S. Social labs: identifying Latin American living labs. Humanities and Social Sciences, v. 4, n. 3, 2016.), Schiavo, Santos-Nogueira e Vera (2013SCHIAVO, E.; SANTOS-NOGUEIRA dos C.; VERA, P. Entre la divulgación de la cultura digital y el surgimiento de los laboratorios ciudadanos. El caso argentino en el contexto latinoamericano. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad, v. 23, n. 8, p. 79-89, 2013.) e Howaldt, Kaletka, Schröder et al. (2018HOWALDT, J. et al. Atlas of social innovation: new practices for a better future. Dortmund: TU Dortmund University, 2018.), demonstram que prevalece ainda na literatura uma interpretação dos laboratórios vivos baseada numa perspectiva tradicional da inovação, focalizando suas dimensões econômica, técnica e produtiva. Esses autores destacam a necessidade de novas abordagens teóricas e práticas que possibilitem interpretar os LLIS de forma mais alinhada com as particularidades das dinâmicas de inovação social.

Diante desse gap, este estudo busca aproximar as discussões sobre os LLIS e os estudos pragmatistas recentes nos campo da sociologia dos problemas públicos e da ação pública, com o intuito de responder a seguinte questão de partida: Como identificar, acessar e acompanhar os processos de aprendizagem coletiva, co-construção e disseminação de conhecimentos produzidos nos LLs de inovação social em arenas públicas da cidade?

Essa aproximação toma por base o trabalho seminal de John Dewey (1927DEWEY, J. The public and its problems. Chicago: Swallow Press, 1927., 1956DEWEY, J. Logic: the theory of inquiry. New York: Henry Holt and Company, 1956.) resgatado por autores pragmatistas contemporâneos da sociologia dos problemas públicos que exploram a noção de “investigação pública” (CEFAÏ, 2009CEFAÏ, D. Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva. Dilemas, v. 2, n. 4, p. 11-48, 2009., 2012CEFAÏ D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatiste. In: CEFAÏ, D.; JOSEPH, I. (Eds.). L’héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. La Tour d’Aigues: Éditions de l’Aube, 2012., 2014CEFAÏ, D. Investigar los problemas públicos: con y más allá de Joseph Gusfield. Prefácio. In: GUSFIELD, J. R. La cultura de los problemas públicos los conductores alcoholizados y el orden simbólico. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2014., 2017CEFAÏ, D. Públicos, problemas públicos, arenas públicas. Novos Estudos CEBRAP, v. 36, n. 1, p. 187-213, 2017.; CHATEAURAYNAUD, 2011CHATEAURAYNAUD, F. Argumenter dans un champ de forces: essai de balistique sociologique. Paris: Petra, 2011.; CEFAÏ e TERZI 2012CEFAÏ D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatiste. In: CEFAÏ, D.; JOSEPH, I. (Eds.). L’héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. La Tour d’Aigues: Éditions de l’Aube, 2012.; QUÉRÉ e TERZI, 2015QUÉRÉ, L.; TERZI, C. Pour une sociologie pragmatiste de l’experience publique. Quelques apports mutuels de la philosophie pragmatiste et de l’ethnométhodologie. SociologieS, 2015. Disponível em:<Disponível em:https://journals.openedition.org/sociologies/4949 >. Acesso em:23 ago. 2018.
https://journals.openedition.org/sociolo...
; ZASK, 2004ZASK, J. L’enquête sociale comme inter-objectivation. La croyance et l’enquête. Aux sources du pragmatisme. Raisons pratiques, v. 15, n. 1, p. 141-165, 2004.). Para Cefaï (2017CEFAÏ, D. Públicos, problemas públicos, arenas públicas. Novos Estudos CEBRAP, v. 36, n. 1, p. 187-213, 2017., p. 189), esse tipo de investigação desencadeia “um processo de inquirição acerca do problema estabelecido, no qual os atores são movidos por um saber que lhes confere um poder de ação”. Essa capacidade de investigação, que não é exclusiva de especialistas, refere-se à condição dos “públicos” de perceberem a consequência de situações problemáticas que vivenciam, nomeá-las, identificá-las, interpretá-las, construir conhecimento e propor soluções. Nesse sentido, os cidadãos comuns são capazes de uma “atitude de cognição” (CEFAÏ, 2014CEFAÏ, D. Investigar los problemas públicos: con y más allá de Joseph Gusfield. Prefácio. In: GUSFIELD, J. R. La cultura de los problemas públicos los conductores alcoholizados y el orden simbólico. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2014., p. 24) e de adotar métodos para agir diante dos problemas públicos que enfrentam.

Trazendo essa discussão para o âmbito dos estudos sobre a governança e a ação pública, outros autores vão se referir a essas dinâmicas como “experimentações democráticas”, que ajudam a relacionar as dimensões institucionais da regulação e da legitimidade com a dimensão da resolução dos problemas na administração pública (ANSELL, 2012ANSELL, C. What is democratic experiment? Contemporary Pragmatism, v. 9, n. 2, p. 159-180, 2012.; BOHMAN, 2004BOHMAN, J. Realizing deliberative democracy as a model of inquiry: pragmatism, social facts and normative theory. Journal of Speculative Philosophy, v. 18, n. 1, p. 3-43, 2004.; FUNG e WRIGHT, 2003FUNG, A.; WRIGHT, E. O. Deepening democracy: institutional innovations in empowered participatory governance. London: Verso, 2003.; FREGA, 2019FREGA, R. Pragmatism and the wide view of democracy. Gewerbestrasse: Palgrave Macmillan, 2019.; SHIELDS, 2008SHIELDS, P. Rediscovering the taproot: is classical pragmatism the route to renew public administration? Public Administration Review, v. 68, n. 2, p. 205-221, 2008.; BRIGGS, 2008BRIGGS, X. Democracy as problem solving civic capacity in communities across the globe. Cambridge: MIT Press, 2008.). Como destaca Frega (2019FREGA, R. Pragmatism and the wide view of democracy. Gewerbestrasse: Palgrave Macmillan, 2019.), compreender os processos de experimentação democrática é um caminho para entender como ocorre (ou não) a interface entre as democracias e os processos de inovação social, ou como os diversos “públicos” se engajam em processos para reinventar o instituído.

Nesse sentido, os LLIS são aqui interpretados enquanto “laboratórios de ação pública” nos quais as situações problemáticas locais podem ser identificadas, interpretadas, compreendidas e enfrentadas, gerando possibilidades de exercitar um experimentalismo democrático. Como discutem Lascoumes e Le Galès (2007LASCOUMES, P.; LE GALÈS, P. Sociologia da ação pública. Maceió: Edufal, 2007.), tal leitura permite observar as políticas e as ações públicas como experimentações não “controladas”, in the making, que são interpretadas quando colocadas em prática.

Partindo dessa compreensão e com vistas a responder à questão de partida colocada, este texto visa atender a dois objetivos inter-relacionados. O primeiro é construir e propor um enfoque teórico-analítico que aproxima o debate sobre os LLIS da discussão sobre a ação pública, explorando a dimensão política das dinâmicas de inovação social, aspecto pouco tratado na literatura sobre a temática. O segundo objetivo consiste em apresentar a aplicação prática dessa abordagem, por meio de uma “etnografia de arenas públicas” (CEFAÏ, 2007CEFAÏ, D. Pourquoi se mobilise-t-on? Les théories de l’action collective. Paris: La Découverte, 2007.). Para tanto, o texto discute os desafios empíricos e exemplifica as contribuições desse enfoque metodológico num estudo que está sendo desenvolvido junto à política pública de garantia dos direitos da criança e do adolescente na cidade de Florianópolis.

Destaca-se que não serão tratados de forma aprofundada os resultados da pesquisa, já que se busca centrar nos aspectos teóricos e metodológicos da abordagem e sua aplicação. Com isso, o artigo pretende fazer avançar o debate sobre os LLIS e sua interface com a ação pública e inspirar novas pesquisas sobre o tema em diferentes contextos e territórios.

DOS LIVING LABS AOS LABORATÓRIOS VIVOS DE INOVAÇÃO SOCIAL

Um marco no debate acerca dos LLs ocorre no final da década de 1990, a partir do Instituto Tecnológico de Massachusetts (Massachusetts Institute of Technology - MIT), no departamento de arquitetura e planejamento urbano, durante a criação de um laboratório cujo objetivo era envolver os habitantes no planejamento da cidade. Na sequência, o conceito foi apropriado aos sistemas de inovação tecnológica, concebido como uma metodologia centrada no usuário para detectar, testar e validar sua percepção acerca dos produtos tecnológicos (YAÑEZ-FIGUEROA, RAMIREZ-MONTOYA e GARCIA-PEÑALVO, 2016YAÑEZ-FIGUEROA, J. A.; RAMIREZ-MONTOYA, M. S.; GARCIA-PEÑALVO F. J. Systematic mapping of the literature: social innovation laboratories for the collaborative construction of knowledge from the perspective of open innovation. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON TECHNOLOGICAL ECOSYSTEMS FOR ENHANCING MULTICULTURALITY, 4., 2016, Salamanca. Proceedings... Salamanca: ACM, 2016.). A partir de 2006, o tema ganhou maior relevância com um edital de apoio lançado pela Comissão Europeia (CE) para os projetos de inovação baseados na metodologia dos LLs e com o surgimento da Rede Europeia de Living Labs (European Network of Living Labs - ENoLL). Tal rede foi concebida com o intuito de conectar os LLs na busca do compartilhamento e da difusão de conhecimentos sobre o tema.

Apesar das diferentes perspectivas em torno do conceito de LL, em sua essência, as conceituações remetem à ideia original desenvolvida no início dos anos 2000. Tal ideia tinha como base o envolvimento de usuários nos processos de desenvolvimento de novos produtos. Leminen e Westerlund (2014), entretanto, apontam que novas abordagens dos LLs foram desenvolvidas mais recentemente, definindo-os enquanto espaços de fomento à inovação com base em metodologias de inovação aberta, centradas no usuário.

Com o fortalecimento da ENoLL, começam a ser estudadas as primeiras experiências voltadas aos laboratórios sociais, laboratórios cidadãos, laboratórios urbanos ou, mais tardiamente, os denominados LLIS. Nessa perspectiva, os LLIS seriam uma espécie de LL com foco no desenvolvimento urbano, a partir do uso das tecnologias de comunicação e informação (MULVENNA, BERGUALL-KAREBORN, WALLACE et al., 2010MULVENNA, M. et al. Living labs as engagement models for innovation. In: CUNNINGHAM, P.; CUNNINGHAM, M. (Eds.). Proceedings eChallenges-2010. Poland: International Information Management Corporation, 2010. p. 1-11.; RAMÓN, POMPEI, LÓPEZ et al., 2016RAMÓN, H. D. et al. Living labs en la región noroeste de la provincia de Buenos Aires. In: WORKSHOP DE INVESTIGADORES EN CIENCIAS DE LA COMPUTACIÓN, 18., 2016, Entre Ríos, Argentina. Anales… Entre Ríos, Argentina: WICC, 2016.).

Para Pinto e Fonseca (2013PINTO, M.; FONSECA, P. Profundizando la comprensión de los living labs de Brasil. Revista CTS, v. 23, n. 8, p. 231-247, 2013.), o conceito se baseia principalmente nas experiências de empreendedorismo social, voltadas ao desenvolvimento de soluções tecnológicas para problemas sociais. Assim, na última década, percebe-se a emergência de experiências voltadas ao fomento dos LLIS, como também diversos estudos centrados na perspectiva do empreendedorismo social tecnológico, a exemplo de Nyströn, Leminen, Westerlund et al. (2013NYSTRÖN, A. et al. Actor roles and role patterns influencing innovation in living labs. Industrial Marketing Management, v. 43. n. 3, p. 483-495, 2013.), Herselman e Callaghan (2015HERSELMAN, M.; CALLAGHAN, R. Applying a living lab methodology to support innovation in education at a university in South Africa. The Journal for Transdisciplinary Research in Southern Africa, v. 11, n. 1, p. 21-28, 2015.) e Gascó (2017GASCÓ, M. Living labs: implementing open innovation in the public sector. Government Information Quarterly, v. 34, n. 1, p. 90-98, 2017.). Tais laboratórios são desenvolvidos principalmente por centros de pesquisas, agências governamentais e universidades.

Porém, no contexto da América Latina, com discutem Schiavo, Santos-Nogueira e Vera (2013SCHIAVO, E.; SANTOS-NOGUEIRA dos C.; VERA, P. Entre la divulgación de la cultura digital y el surgimiento de los laboratorios ciudadanos. El caso argentino en el contexto latinoamericano. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad, v. 23, n. 8, p. 79-89, 2013.), a criação e a promoção dos LLIS são desenvolvidas principalmente por organizações não governamentais (ONGs) e grupos de cidadãos, buscando respostas às necessidades ou aos problemas sociais locais, baseando-se na perspectiva daqueles que são afetados. Nesse sentido, Yañez-Figueroa, Ramirez-Montoya e Garcia-Peñalvo (2016)YAÑEZ-FIGUEROA, J. A.; RAMIREZ-MONTOYA, M. S.; GARCIA-PEÑALVO F. J. Systematic mapping of the literature: social innovation laboratories for the collaborative construction of knowledge from the perspective of open innovation. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON TECHNOLOGICAL ECOSYSTEMS FOR ENHANCING MULTICULTURALITY, 4., 2016, Salamanca. Proceedings... Salamanca: ACM, 2016. argumentam que a metodologia dos LLIS passa a ser pautada na busca de repostas aos problemas sociais locais, levando em consideração o ponto de vista dos públicos que vivenciam esses problemas.

Nessa mesma linha, Masi (2016MASI, S. Social labs: identifying Latin American living labs. Humanities and Social Sciences, v. 4, n. 3, 2016.) e Schiavo, Santos-Nogueira e Vera (2013SCHIAVO, E.; SANTOS-NOGUEIRA dos C.; VERA, P. Entre la divulgación de la cultura digital y el surgimiento de los laboratorios ciudadanos. El caso argentino en el contexto latinoamericano. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad, v. 23, n. 8, p. 79-89, 2013.) argumentam que é preciso entender os LLs voltados para inovações sociais não somente como espaços físicos para experimentação coletiva de tecnologias ou como organizações facilitadoras do processo de inovação, mas como redes de promoção de inovação social relacionadas aos problemas públicos enfrentados no âmbito local.

Como uma síntese desse debate, apresentam-se, no Quadro 1, as principais abordagens sobre os LLs encontradas na literatura.

Quadro 1
Tipos de LLs de inovação social

Pode-se notar, nessa breve exposição, que poucos são os estudos que levam em conta as particularidades das dinâmicas de inovação social no entendimento dos LLIS. Isso ocorre porque, em sua grande maioria, as pesquisas estão focadas nos aspectos estruturais dos laboratórios, pautadas em uma visão formal de construção e difusão do conhecimento, com foco no papel do especialista e na transferência de conhecimento.

Neste artigo, como mencionado, a partir de uma leitura pragmatista, os LLIS são compreendidos enquanto espaços de co-construção de conhecimento e de enfrentamento dos problemas públicos da cidade. Portanto, os LLIS podem ser palcos nos quais se promove “investigação pública”, no sentido estabelecido por Dewey (1927DEWEY, J. The public and its problems. Chicago: Swallow Press, 1927.).

Dessa forma, apresentamos, na sequência, como a leitura pragmatista pode auxiliar a compreender de outra forma e reforçar as experiências dos LLIS e seus efeitos nos territórios, permitindo analisá-los enquanto vetores de “experimentação democrática”.

PROPONDO UMA NOVA INTERPRETAÇÃO DOS LLIS A PARTIR DO PRAGMATISMO

O estudo da constituição e enfrentamento dos problemas sociais nas democracias modernas não é algo recente nas ciências sociais. Os primeiros estudos sobre problemas sociais se originam já na Europa do século XIX, preocupados com a vulnerabilidade das populações que viviam nos centros urbanos em formação, a partir da Revolução Industrial. Nos anos 1920 e 1930, o campo ganha maior peso científico com a formação da Escola de Chicago nos Estados Unidos e, mais tarde, em 1951, com a criação da Sociedade para o Estudo dos Problemas Sociais (Society for the Study of Social Problems - SSSP) e a revista Social Problems, ambas fortemente influenciadas pelos autores da Escola de Chicago.

É com base nessa tradição que se configura o campo da sociologia dos problemas públicos que floresce mais recentemente a partir dos estudos dos autores pragmatistas contemporâneos (CEFAÏ, 2017CEFAÏ, D. Públicos, problemas públicos, arenas públicas. Novos Estudos CEBRAP, v. 36, n. 1, p. 187-213, 2017.; CEFAÏ e TERZI, 2012CEFAÏ, D.; TERZI, C. L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes, 2012.). Esses autores buscam ir além de um olhar meramente construtivista dos problemas sociais. Para eles, os problemas públicos se constituem a partir da experiência e por meio de trajetórias longas de enfrentamento de “situações de prova” - e tudo permeado por uma elaboração conceitual, discursiva e cognitiva. Como afirmam Quéré e Terzi (2015TERZI, C. La composante narrative du monde pratique Intervention. In : CONGRES DE L’AFSP, 13., 2015, Aix-en-Provence. Annales...Aix-en-Provence: AFSP, 2015.), o problema público é, assim, a solidificação de diferentes provas superadas historicamente, dando lugar a um processo de aprendizagem coletiva que modifica a percepção, o significado e a ação sobre o problema ao longo do tempo. A identificação, a indagação, a interpretação e a ação sobre os problemas públicos constituem, assim, ao mesmo tempo, o problema reconfigurado e os públicos que se mobilizam em torno desse problema.

A fonte de inspiração vem do trabalho de John Dewey (1859-1952), filósofo norte-americano da corrente filosófica denominada pragmatista. Para Dewey, o conhecimento é a solução prática de situações vivenciadas na natureza. Tal solução é obtida por meio de investigações sistemáticas e que têm como objetivos específicos a descoberta e a compreensão das propriedades que os objetos naturais existentes possuem (DEWEY, 1956DEWEY, J. Logic: the theory of inquiry. New York: Henry Holt and Company, 1956.). Assim, o conhecimento acerca dos problemas vivenciados se dá na experiência, a partir de um processo de inquirição com os demais atores em torno desses problemas. No decorrer de sua carreira, John Dewey criou algumas escolas-laboratório, buscando implementar seu método de aprendizagem baseado na experimentação que serviu de base para a construção de diversas teorias educacionais contemporâneas.

Esse processo de inquirição é denominado pelo autor do social inquiry, aqui traduzido como “investigação pública”, por meio da qual os diferentes coletivos que compõem uma democracia coproduzem conhecimentos a partir da experimentação da realidade, em sua vivência diária. Em Dewey (1927DEWEY, J. The public and its problems. Chicago: Swallow Press, 1927.), a “investigação pública” está no cerne da sua teoria sobre a democracia, que também tem sido recuperada por uma série de autores que discutem atualmente os processos de “experimentação democrática” nos estudos sobre governança e ação pública (FUNG e WRIGHT, 2003FUNG, A.; WRIGHT, E. O. Deepening democracy: institutional innovations in empowered participatory governance. London: Verso, 2003.; BOHMAN, 2004BOHMAN, J. Realizing deliberative democracy as a model of inquiry: pragmatism, social facts and normative theory. Journal of Speculative Philosophy, v. 18, n. 1, p. 3-43, 2004.; ANSELL, 2011ANSELL, C. Pragmatist Democracy: Evolutionary Learning as Public Philosophy. Oxford: Oxford Scholarship Online, 2011., 2012ANSELL, C. What is democratic experiment? Contemporary Pragmatism, v. 9, n. 2, p. 159-180, 2012.). Para Ansell (2011ANSELL, C. Pragmatist Democracy: Evolutionary Learning as Public Philosophy. Oxford: Oxford Scholarship Online, 2011.), essa experimentação na resolução de problemas públicos caracteriza-se pelo benchmarking (pesquisa sobre boas práticas), compartilhamento de informação recíproca e monitoramento para reduzir o erro e ampliar o aprendizado. O pragmatismo, segundo o autor, fortalece a importância de um aprendizado evolucionário baseado: (1) na ênfase nas consequências ou nos efeitos dos problemas públicos; (2) na reflexividade e no espírito crítico; (3) na deliberação e construção de “comunidades de investigação”.

Para Cefaï (2017CEFAÏ, D. Públicos, problemas públicos, arenas públicas. Novos Estudos CEBRAP, v. 36, n. 1, p. 187-213, 2017., p. 189), esse processo é fundamental para entender a influência da sociedade civil nas políticas e na ação pública, saindo de uma perspectiva privada ou ainda puramente governamental para a construção do interesse e do engajamento públicos. Quando a problematização e a publicização das situações se tornam amplas, podem então assumir o caráter de um processo político. Para o autor, a investigação pública pode produzir “efeitos que repercutem na ordem moral - nos usos, crenças e costumes”, influenciar os poderes públicos e o público em geral, levando a mudanças nas práticas, estruturas e instituições. Nessa trajetória, torna-se importante identificar as “situações de prova”, ou os momentos em que a atitude natural é questionada e os atores têm que justificar seus argumentos e ações. Como aprofundam Boltanski e Thévenot (2006BOLTANSKI, L.; THÉVENOT, L. On justification: economies of worth. Princeton: Princeton University Press, 2006.), nesses momentos se fazem necessários novos ajustes, novas formas de coordenação ou novos acordos, representando, assim, pontos de inflexão que devem ser considerados na análise.

A partir dessas experiências é que se configuram as arenas públicas, segundo Cefaï (2017CEFAÏ, D. Públicos, problemas públicos, arenas públicas. Novos Estudos CEBRAP, v. 36, n. 1, p. 187-213, 2017.). Tais arenas se organizam em torno dos “terrenos de indignação” e de “laboratórios de experimentação” que se manifestam em torno de “situações de prova” (CEFAÏ, 2002CEFAÏ, D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatist. In: CEFAÏ D.; JOSEPH, I. (Org.). L’héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. La Tour d’Aigues: Éditions de l’Aube, 2002. p. 51-82.). Caracterizam-se como “campos de experiência” coletiva, concentrando em territórios limitados ou dispersos, conforme os coletivos se formam e se regulam em torno de expectativas e experiências em comum. As arenas públicas são assim compreendidas como espaços de confrontação e cooperação nos quais os problemas públicos são (re) significados e compartilhados e onde vários atores e instâncias, para além do aparelho do Estado, se articulam em torno desses mesmos problemas. A título de síntese, no Quadro 2 exploram-se alguns conceitos-chave aqui discutidos que foram norteadores na construção da abordagem teórico-analítica adotada nesse trabalho.

Quadro 2
Conceitos-chave de inspiração pragmatista para análise das arenas públicas e da ação pública

Acredita-se que a perspectiva explorada brevemente aqui pode ser inspiradora para compreender os LLIs a partir de outra lente. Nessa compreensão, os LLIs passam a ser vistos como lócus de problematização, publicização e debate, bem como de co-construção de soluções para os problemas públicos. Assim, os LLIS são interpretados como “laboratórios vivos” de coprodução do social no seu sentido estrito. Nas diferentes arenas da cidade, atores comuns são capazes de performar processos de investigação pública e, assim, podem participar mais ativamente na definição das condições de sua vida e na transformação de suas realidades (ZASK, 2004ZASK, J. L’enquête sociale comme inter-objectivation. La croyance et l’enquête. Aux sources du pragmatisme. Raisons pratiques, v. 15, n. 1, p. 141-165, 2004.).

LABORATÓRIO VIVO DE INOVAÇÃO SOCIAL NA ARENA PÚBLICA DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE EM FLORIANÓPOLIS

Mas como adentrar e compreender as dinâmicas das arenas públicas a partir da noção de laboratório vivo de inovação social discutida anteriormente? Com base na discussão teórica precedente, são apresentados, na sequência, o caminho metodológico e as estratégias de pesquisa utilizadas na aplicação empírica dessa abordagem. Para tanto, essa seção se divide em duas partes: (1) contextualização do estudo junto à arena pública aqui examinada, apresentando as linhas gerais da pesquisa mais ampla do Observatório de Inovação Social de Florianópolis - OBISF, no qual esse estudo se insere; e (2) discussão mais detalhada de como foi realizada a “etnografia da arena pública” no campo da garantia de direitos de crianças e adolescentes para compreender os processos de aprendizagem coletiva, co-construção e disseminação de conhecimentos produzidos nessa arena.

Contextualizando o Estudo

O estudo aqui explorado está inserido numa pesquisa mais ampla, que busca cartografar e analisar a configuração do EIS de Florianópolis e suas diferentes arenas públicas, o qual teve início em 2016. No quadro dessa pesquisa, foi criado o Observatório de Inovação Social de Florianópolis (OBISF) que tem como objetivo identificar e mapear a rede dos diferentes atores, nos diversos setores, que promovem suporte (apoio), bem como implementam iniciativas de inovação social no município. Com isso, tem sido possível visualizar os diferentes coletivos, organizações e instituições que agem no EIS da cidade e se mobilizam em torno dos seus problemas públicos, configurando arenas públicas.

O Observatório se materializa por meio de uma plataforma on-line e aberta, lançada em setembro de 2017 (www.observafloripa.com.br), e que é um espaço para dar visibilidade, promover novas interações e conexões e proporcionar aprendizagem colaborativa na rede que constitui o EIS da cidade. O OBISF foi criado e implementado a partir de um framework analítico - sintetizado na Figura 1 - desenvolvido por Andion, Alperstedt e Graeff (2019ANDION, C.; ALPERSTEDT, G. D.; GRAEFF, J. F. Social Innovation Ecosystems and Cities: Co-Construction of a Collaborative Platform. In: HOWALDT, J. et al. (Eds.) Atlas of Social Innovation. (2nd Volume: A World of New Practices). Dormunt: TU Dormunt University, European School of Social Innovation, 2019., 2020ANDION, C.; ALPERSTEDT, G. D.; GRAEFF, J. F. Ecossistema de inovação social, sustentabilidade e experimentação democrática: um estudo em Florianópolis. Revista de Administração Pública, v. 54, n. 1p. 181-200, 2020.) e brevemente explorado a seguir.

O primeiro momento envolveu uma análise macro que considerou a formação do EIS e sua inscrição institucional e territorial na cidade. Para isso, foram levantadas as políticas públicas e os dispositivos institucionais de apoio à inovação social, bem como os principais problemas públicos de Florianópolis, para posteriormente relacioná-los com as iniciativas de inovação social que seriam mapeadas. Isso permitiu identificar e levar em conta a trajetória e a dimensão institucional do EIS da cidade, bem como as demandas locais no desenho da pesquisa.

O segundo momento relaciona-se à escala meso de análise e à cartografia da rede que forma o EIS da cidade. Essa cartografia é feita continuamente, por meio da plataforma on-line. Nessa etapa, são inicialmente mapeadas e georreferenciadas as iniciativas de inovação social e os atores de suporte (que fornecem formação, financiamento, articulação etc.). Num segundo momento, essas iniciativas são observadas, com aplicação de questionário e visitas de campo, levantando informações mais detalhadas sobre sua atuação, sua incidência e suas interações. Assim, a cartografia permite enxergar, na medida em que avança a pesquisa, as diferentes redes de atores que se mobilizam em torno dos problemas públicos da cidade. Em maio de 2020, o Observatório contava com 366 iniciativas de inovação social registradas, sendo 136 observadas mais de perto, além de mais de 290 atores de suporte cadastrados. Esses atores se mobilizavam e articulavam em torno de um ou mais problemas públicos da cidade, formando as redes que compõem as dezessete arenas públicas que estão sendo cartografadas pelo Observatório,2 2 Para conhecer as diferentes arenas públicas mapeadas pelo Observatório, ver <http://www.observafloripa.com.br/is-page//publicProblems>. Acesso em: 31 out. 2020. envolvendo desde problemas públicos mais urgentes, como a pandemia da Covid-19, até questões mais amplas, como os problemas socioambientais da cidade.

Figura 1
Framework analítico do Observatório de Inovação Social de Florianópolis

Finalmente, o terceiro momento, no qual se insere o estudo aqui apresentado, consiste em acompanhar mais de perto o campo de experiência das inovações sociais promovidas na cidade, por meio de processos de “etnografia de arenas públicas” (CEFAÏ, 2009CEFAÏ, D. Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva. Dilemas, v. 2, n. 4, p. 11-48, 2009.) (análise micro). Esse tipo de etnografia, aplicada e implicada, que será discutida mais detalhadamente a seguir, pressupõe um engajamento sistemático do pesquisador para acompanhamento das dinâmicas situadas junto aos públicos que formam essas arenas públicas. Nesse sentido, o foco não é apenas uma leitura estrutural ou institucional. Com base numa leitura pragmatista, que relaciona as escalas micro, meso e macro, trata-se de considerar o jogo entre essas escalas (REVEL, 1996REVEL, J. Jogos de escala: a experiência da microanálise. São Paulo: Editora da FGV, 1996.) e a dimensão longitudinal, a fim de compreender, de maneira mais profunda, como essa rede de EIS acontece nas diferentes arenas públicas da cidade. Isso implica focalizar as experiências de problematização, publicização, exploração e enfrentamento coletivo das questões públicas que emergem nessas arenas.

É nesse sentido que o trabalho aqui descrito foi realizado junto à arena pública de garantia de direitos da criança e do adolescente. A escolha dessa arena para realização de estudo mais aprofundado justifica-se pela sua representatividade na cartografia feita pelo Observatório. Das 366 iniciativas mapeadas, até maio de 2020, 129 atuam para resolver os problemas públicos relacionados com as vulnerabilidades de crianças e adolescentes. Além disso, têm sido desenvolvidas pesquisas e ações de extensão e ensino junto a essa arena pelo Núcleo de Inovações Sociais na Esfera Pública (NISP), da Universidade do Estado de Santa Catarina onde se insere esse estudo, há mais de dez anos (muito antes da criação do Observatório), resultando em dissertações e diversas publicações (ANDION, MORAES e GONSALVES, 2017ANDION, C; MORAES, R. L; GONSALVES, A.K.R. Civil society organizations and social innovation. How and to what extent are they influencing social and political change? CIRIEC - España. Revista de Economia Publica, Social y Cooperativa. n. 90, p. 5-34, 2017.; DAVI, 2014DAVI, L. B. D. Organizações da sociedade civil e inovação social na esfera pública: a experiência do Instituto Padre Vilson Groh. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis, 2014.; GONSALVES, 2015GONSALVES, A. K. R. Sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente como ação pública. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis, 2015.; GONSALVES e ANDION, 2019GONSALVES, A.; ANDION, C. Ação Pública e inovação social: uma análise do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente de Florianópolis. Revista O&S, no prelo, 2018).

Com base nessas análises prévias, foi possível constatar que, apesar de contar com o terceiro maior índice de desenvolvimento humano (IDH) do país, Florianópolis apresenta diversas injustiças sociais e desafios no que tange à garantia dos direitos da criança e do adolescente a serem superados, como apontam os relatórios Sinais vitais: crianças e adolescentes (ICOM, 2010INSTITUTO COMUNITÁRIO GRANDE FLORIANÓPOLIS - ICOM. Sinais vitais: crianças e adolescentes em Florianópolis. Florianópolis: ICOM, 2010., 2016INSTITUTO COMUNITÁRIO GRANDE FLORIANÓPOLIS - ICOM. Sinais vitais: crianças e adolescentes em Florianópolis. Florianópolis: ICOM, 2016.) e o Relatório anual de progresso dos indicadores (RAPI) (RMC, 2019SCHIAVO, E.; SANTOS-NOGUEIRA dos C.; VERA, P. Entre la divulgación de la cultura digital y el surgimiento de los laboratorios ciudadanos. El caso argentino en el contexto latinoamericano. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad, v. 23, n. 8, p. 79-89, 2013.). Segundo esses documentos, ainda em 2016, uma em cada sete crianças da cidade vivia em condição de vulnerabilidade, sob risco de ter seus direitos violados, situação que se agravou nos últimos anos devido aos efeitos da pandemia de COVID-19. Estes meninos e meninas vivem majoritariamente nas mais das 67 áreas de interesse social na cidade, consideradas assentamentos precários com necessidade de regularização urbanística e de posse de terras.

Por outro lado, a cartografia possibilitou enxergar uma rede densa de atores de suporte e iniciativas que se mobilizam em torno dos problemas enfrentados por crianças e adolescentes e suas famílias, como violência doméstica e sexual, trabalho infantil, envolvimento com o tráfico de drogas, entre outros. (Essa rede,3 3 A representação da rede é gerada pelo portal do Observatório por meio de programação que utiliza a teoria dos grafos para expressar os relacionamentos (ramos). Isso é possível a partir de algoritmo próprio, que ilustra as relações entre as iniciativas de inovação social, entre os atores de suporte e entre ambos. Revelam-se, assim, as conexões existentes nessa rede, a partir do que é informado pelos atores no questionário. retraçada pelo Observatório, está ilustrada na Figura 2 mais adiante.) Na medida em que as conexões foram se revelando, demonstraram a existência de múltiplos espaços de articulação, de debate, bem como dispositivos, metodologias e tecnologias que foram criados nos últimos anos. Ao mapear os contornos dessa arena pública, percebe-se uma ampla mobilização em torno das situações problemáticas relativas aos direitos da criança e do adolescente da cidade. Diante disso, buscou-se investigar mais a fundo “se” e “como” ocorriam dinâmicas de “investigação pública” e “experimentação democrática” nessa arena. A seguir, discutimos o percurso metodológico adotado para identificar, acessar e acompanhar os processos de aprendizagem coletiva, co-construção e disseminação de conhecimentos nessa arena pública, ou seja, para estudá-la enquanto um LL de inovação social.

Figura 2
Rede de atores que compõem a arena pública de garantia de direitos da criança e adolescente na cidade de Florianópolis

Etnografia da Arena Pública da Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente

Como destaca Cefaï (2012CEFAÏ, D.; TERZI, C. L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes, 2012.), os lugares e momentos em que as arenas públicas se constituem são múltiplos, com uma grande dispersão de cenas, campos de manobra e intercâmbios de argumentos pelos diferentes públicos mobilizados. Para recuperar os processos de aprendizagem coletiva nessa arena pública, torna-se então necessário que a pesquisa considere o jogo de escalas (REVEL, 1996REVEL, J. Jogos de escala: a experiência da microanálise. São Paulo: Editora da FGV, 1996.) e as diferentes cenas nas quais essa rede se desdobra. Diante disso, discute-se, na sequência, o caminho metodológico utilizado para colocar em prática a etnografia da arena pública estudada. Segundo Cefaï (2009CEFAÏ, D. Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva. Dilemas, v. 2, n. 4, p. 11-48, 2009.), esse tipo de etnografia se caracteriza como uma “etnografia política” ou uma “antropologia da cidadania”, que busca colocar luz nas práticas cotidianas dos diferentes “públicos” engajados em torno dos problemas públicos.

Nesse sentido, descreveremos a seguir os diversos momentos do um vasto trabalho de campo que teve início em 2017 e se encerrou em 2019, discutindo as técnicas de pesquisa utilizadas e ilustrando as contribuições de cada uma das etapas do percurso para a pesquisa.

Mapeamento preliminar por meio do Observatório (cartografia)

O mapeamento preliminar da arena foi desenvolvido por meio do Observatório, a partir de um questionário que foi aplicado junto a atores de suporte e por meio de visitas por meio de visitas junto às iniciativas de inovação social que atuam na garantia dos direitos da criança e do adolescente na cidade.

Com esse mapeamento (Figura 2), foi possível perceber que a arena pública de garantia dos direitos da criança e do adolescente apresenta grande destaque no EIS da cidade. Das 366 iniciativas de inovação social mapeadas no Observatório, até maio de 2019, 129 (35%) atuavam na causa da promoção ou combate à violação dos direitos das crianças e dos adolescentes. Desse total, 2 iniciativas estão sendo acompanhadas (em verde), 73 foram observadas (em amarelo) e 54 mapeadas (em vermelho) por essa pesquisa. Além disso, 17 inciativas encerraram suas atividades no período, ou seja, estão inativas (em cinza)4 4 As iniciativas acompanhadas são as de inovação social pesquisadas sistematicamente pela equipe do Observatório. Iniciativas observadas são aquelas que tiveram todas as informações do questionário complementadas e validadas pela equipe do Observatório, por meio de visitas ou conversas com representantes das iniciativas. Iniciativas mapeadas são aquelas identificadas por indicação ou autocadastradas na plataforma, mas que ainda não tiveram suas informações validadas. Iniciativas inativadas são aquelas que encerraram suas atividades. . Foram mapeadas, ainda, 138 instituições e grupos de suporte, que oferecem diferentes tipos de apoio às iniciativas de inovação social, conforme detalhado na legenda.

A rede indica a existência de relações e a diversidade de atores envolvidos. Mais especificamente no tocante às inciativas de inovação social, 109 (84%) são promovidas por associações, fundações, coletivos e movimentos sociais, enquanto 11 são de origem governamental, e apenas 2 empresariais. Isso denota o peso da sociedade civil nessa arena pública.

A forma de atuação das iniciativas de inovação social se dá por meio da prestação de serviços públicos, principalmente por meio de parcerias entre as OSCs e o governo no quadro da política pública de proteção integral de crianças e adolescentes. Em razão disso, as respostas oferecidas aos problemas públicos têm como característica serem mais regulares, exigindo continuidade. Com base nos dados das iniciativas tanto governamentais como da sociedade civil, os principais serviços oferecidos são: acolhimento institucional (11 iniciativas); convivência e fortalecimento de vínculos (35); contraturno escolar (9); questões de saúde (17); profissionalização e integração profissional (10); educação infantil e escolar (9); práticas culturais (3); inclusão digital (1).

Quanto aos atores de suporte, destacam-se: o financiamento (69), principalmente o do governo municipal e de suas respectivas secretarias (assistência social, saúde e educação), e o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Floricriança); o apoio técnico (23); a articulação (11); o controle social e a accountability (11); a formação (6); a comunicação (6); a defesa de direitos (4); os centros de pesquisa (3); o empreendedorismo social (3); a aceleração (1); e a certificação (1).

A incidência política nas arenas públicas em que atuam é evidente na maioria das iniciativas observadas, tanto por meio dos dispositivos formais da política (conselhos e termos de colaboração com a prefeitura) quanto outros espaços de articulação e mobilização, como o Fórum de Políticas Públicas de Florianópolis (FPPF). Entre esses destaca-se o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), ilustrado no centro da Figura 2.

Nesse sentido, longe de ter uma postura assistencialista, essas iniciativas vêm sendo protagonistas na construção de metodologias, dispositivos e processos para melhoria das políticas públicas de promoção de direitos das crianças e dos adolescentes, bem como tem tido um papel na pressão e mobilização política, por meio de denúncias e embates na arena pública e junto aos poderes públicos constituídos.

Reconstituição da trajetória e dos principais eventos e acontecimentos da arena pública (análise diacrônica)

Para compreender mais claramente como ocorrem os processos de aprendizagem coletiva e de “investigação pública” em curso, fez-se necessário ir além de uma descrição estrutural da arena e realizar uma análise temporal. Logo, nessa etapa, realizou-se uma leitura longitudinal dos principais acontecimentos, mobilizações coletivas e dispositivos que foram constituindo o problema, seus públicos e a ação sobre suas consequências ao longo do tempo. Para tanto, uma das principais estratégias foi uma primeira reconstituição, junto com os atores, da trajetória da arena pública. Nesse processo, buscou-se resgatar o dossiê referente ao problema público, caracterizado pelo corpus de documentos e informações produzidos pelos próprios atores ao longo do tempo (CHATEAURAYNAUD, 2011CHATEAURAYNAUD, F. Argumenter dans un champ de forces: essai de balistique sociologique. Paris: Petra, 2011.). Para constituir esse corpus, partiu-se de um levantamento documental, considerando os últimos treze anos de implementação da política pública no município (2007 a 2019REDE DE MONITORAMENTO CIDADÃO DE FLORIANÓPOLIS - RMC. Relatório Anual de Progresso dos Indicadores (RAPI) 2019. Florianópolis: Rede Ver a Cidade de Florianópolis, dez. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://materiais.floripamanha.org/relatorio-indicadores-florianopolis-2019 >. Acesso em:23 ago. 2018.
https://materiais.floripamanha.org/relat...
).

Assim, primeiramente, foi feito um estudo em termos da “opinião pública”, a partir de reportagens, por meio de pesquisa junto aos diferentes jornais da cidade, buscando notícias que revelassem controvérsias (LATOUR, 2012LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012.) sobre a temática da defesa ou violação de direitos de crianças e adolescentes, totalizando 179 notícias. Outra técnica de levantamento de dados consistiu no acompanhamento da agenda governamental, legislativa e administrativa sobre a política pública (de cunho transversal), a partir do levantamento de atas de reunião do CMDCA, do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), de Saúde (CMS) e Educação (CME), além do FPPF e de outros documentos e dispositivos relevantes do campo, tais como: o plano decenal de direitos humanos das crianças e dos adolescentes do município (2018-2028) e os relatórios das conferências municipais de crianças e adolescentes, totalizando 573 documentos.

Após esse levantamento preliminar, foram aplicadas 26 entrevistas em profundidade com gestores e técnicos municipais na área da infância e adolescência, gestores de OSCs, ex-presidentes, conselheiros de direitos e tutelares do CMDCA de Florianópolis, vereadores, juízes e promotores das varas da infância e da juventude na cidade. Ainda foram realizadas quatro oficinas em forma de grupo focal em diferentes momentos da pesquisa com alguns atores-chave para discutir, compartilhar e validar a narrativa da trajetória.

Essa análise diacrônica foi importante para revelar a “balística dos problemas públicos” (CHATEAURAYNAUD, 2011CHATEAURAYNAUD, F. Argumenter dans un champ de forces: essai de balistique sociologique. Paris: Petra, 2011.) no campo dos direitos da crianças e do adolescente na cidade e como esses problemas eram vistos e interpretados pelos diferentes públicos que se engajavam na arena (quais problemas eram discutidos, o que se falava sobre eles, como se falava, quem era responsabilizado etc.). Isso permitiu enxergar mais de perto como o problema era debatido e publicizado na arena (seu vocabulário, as principais controvérsias e argumentos), bem como o “gradiente da crítica” (CHATEAURAYNAUD e DEBAZ, 2017CHATEAURAYNAUD, F. A captura como experiência. Investigações pragmáticas e teorias do poder. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 32, n. 95: e329504, p. 1-20, 2017.) e também as ações produzidas pelos “públicos” em resposta a esses problemas, que vão se transformando e como isso (re) configura a arena pública, ao longo do tempo. Permitiu também evidenciar momentos de bifurcação importantes, como a que ocorreu com a mobilização e co-criação de diagnósticos e do Plano Decenal de Direitos das Crianças e Adolescentes do município, de 2016 a 2018, bem como as recursividades e os retrocessos no debate e na ação públicos. Mas, para compreender melhor essas experiências de enfrentamento das questões públicas e como elas ocorrem, foi necessário realizar um acompanhamento das situações vividas, conforme relatado a seguir.

Identificação e acompanhamento das cenas de ajuste recíproco (experiências de compromisso/conflito)

Além de acessar a trajetória, conhecer as dinâmicas dos espaços de mediação da experiência coletiva in situ foi essencial para compreender como as questões relacionadas à proteção dos direitos da criança e do adolescente ou a sua violação eram problematizadas e publicizadas nas situações cotidianas (CEFAÏ, 2017CEFAÏ, D. Públicos, problemas públicos, arenas públicas. Novos Estudos CEBRAP, v. 36, n. 1, p. 187-213, 2017.). Esses aspectos são importantes para acessar as dinâmicas de “investigação pública”, como discutido anteriormente. Isso porque o problema público começa a existir efetivamente se for vivido como um processo de experiência coletiva. Ao se expandir para um nível além daqueles envolvidos diretamente, a dinâmica de problematização e de publicização assume um caráter de processo político. Com o estabelecimento do problema público, da ação coletiva em torno do mesmo, da sua problematização e publicização emerge um “campo de experiência” (CEFAÏ, 2014CEFAÏ, D. Investigar los problemas públicos: con y más allá de Joseph Gusfield. Prefácio. In: GUSFIELD, J. R. La cultura de los problemas públicos los conductores alcoholizados y el orden simbólico. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2014.), que se constitui a partir da situação problemática.

Para adentrar nessa escala e acessar as situações de coordenação/compromisso e conflito entre os diferentes atores da arena, acompanhamos os fóruns e espaços de articulação, de forma a seguir os atores e seus argumentos. Tal acompanhamento foi desenvolvido por observação direta, com utilização de um diário de campo. Nesse caso, foram acompanhadas as discussões em diferentes espaços de articulação e diálogo identificados na cartografia da arena. Primeiramente, foram observadas as reuniões do CMDCA e do FPPF, desde 2017 até o final de 2019. Além disso, por meio do projeto de extensão articulado com esta pesquisa - desenvolvido em parceria com um instituto comunitário da cidade e o CMDCA -, foram realizados, em 2018, cinco diálogos ampliados. Desses diálogos, participaram diferentes atores que fazem parte da política pública, desde gestores de OSCs, gestores públicos municipais, representantes do Ministério Público (MP) e do Judiciário, vereadores, pesquisadores, professores, estudantes, conselheiros tutelares, membros do CMDCA e de outros conselhos de políticas públicas - além das crianças e dos adolescentes.

Essa etapa foi importante para identificar e conhecer de perto os diferentes públicos que atuam na arena e acompanhar suas ações e discursos nas diferentes cenas de ajuste recíproco. Assim, identificam-se argumentos, estruturas e dispositivos de articulação e processos de investigação pública em curso, de forma mais precisa. Foi fatível acompanhar mais de perto os debates e seus desdobramentos sobre a atuação das OSCs e do poder público na promoção dos direitos; dos conselheiros do CMDCA, no controle; do Poder Judiciário, do conselho tutelar e dos procuradores do MP na defesa; do Fundo Floricriança no financiamento da política, entre outros. Assim, tornou-se possível apurar, com mais clareza, como a articulação ocorre nessa atuação, os aprendizados gerados, seus alcances e limites. Porém, nessa etapa, pouco se pôde acessar sobre a realidade das pessoas afetadas - ou seja, as crianças, os adolescentes e suas famílias.

Acompanhamento das pessoas afetadas junto às OSCs que atuam na arena pública (análise inter e intraorganizacional)

As escalas de análise precedentes tendem a privilegiar os debates oficiais dos porta-vozes que representam os públicos, mas pouco adentram nas experiências vivenciadas pelos públicos afetados, algo central num estudo pragmatista. Para acompanhar essa escala do real, foi essencial penetrar no campo inter e intraorganizacional da defesa dos direitos. Isso permitiu uma maior aproximação às pessoas afetadas e suas experiências vividas, ou seja, as crianças, os adolescentes e suas famílias.

Para tanto, foi central a articulação da pesquisa e da extensão, por meio do Projeto Laboratório de Desenvolvimento Institucional (LAFI), desenvolvido ao longo de 2018, a partir de uma parceria entre a universidade, o CMDCA e um instituto comunitário local. O objetivo do LAFI foi promover a interlocução, o diálogo e a aprendizagem coletiva entre os atores na arena pública da garantia de direitos da criança e do adolescente e a equipe de pesquisadores.

O percurso do LAFI foi formado por cinco encontros, chamados de Diálogos Ampliados, estruturados a partir das temáticas levantadas com os próprios envolvidos, nos quais esses diferentes atores eram convidados a participar, refletir, dialogar e agir sobre determinadas questões-chave relacionadas à política pública. Dois desses diálogos foram realizados no formato de audiência pública na câmara de vereadores, contando com a participação de diversos gestores que atuam no sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente (SGDCA) do município, bem como de adolescentes e jovens. Além desses diálogos, foram realizadas quatro oficinas de imersão em que quarenta OSCs, que atuam junto à política (dez em cada rodada e por região da cidade), co-criaram projetos que contribuíram para o seu desenvolvimento institucional e reforçaram a sua incidência nessa arena pública e sua atuação junto à política pública.

Por meio do LAFI, foi possível acompanhar mais de perto associações, coordenações e movimentos em torno da defesa de direitos que ocorre dentro e entre as OSCs que atuam na arena, além de observar atividades (regulares ou não), ações e interações vividas por crianças, adolescentes, famílias e gestores afetados pelo problema público. Além dos gestores e membros das OSCs, também foram entrevistados gestores públicos que atuam diretamente no atendimento ou no “nível de rua”, com vistas a recuperar também como ocorre (ou não) a sua ação e suas consequências.

A pesquisa de campo, realizada ao longo de 2018 até 2019, também permitiu conhecer e acompanhar o trabalho das OSCs nas comunidades a partir de visitas, observações e entrevistas, bem como se aproximar de crianças e adolescentes e de suas famílias. Com isso, buscou-se recuperar sequências temporais enquanto elas são produzidas, mais do que tipologias preestabelecidas, instituições e linguagens já construídas (CEFAÏ, 2013CEFAÏ, D.; TERZI, C. L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes, 2012.).

Um dos exemplos dessa interação ocorreu no início de 2019, quando mais de cem crianças e adolescentes estudantes de escolas públicas ou participantes dos programas oferecidos pelas OSCs participaram da pré-conferência municipal dos direitos da criança e do adolescente e levaram suas demandas e seus anseios, a fim de discutir como se mobilizar e agir para garantir seus direitos. Essa observação permitiu perceber as diferenças e os gaps nos discursos e anseios entre os gestores da política e os públicos afetados (crianças e adolescentes e suas famílias).

Após essa exposição, o Quadro 3 a seguir sintetiza os momentos da pesquisa e os seus objetivos, bem como as estratégias de pesquisa e os locais nos quais essas estratégias foram implementadas e as perguntas-chave de cada etapa.

O percurso metodológico aqui apresentado permitiu reconstituir, junto com os próprios atores, a narrativa dessa arena pública, evidenciando os processos de “investigação pública” produzidos nos últimos treze anos. O jogo de escalas e o cruzamento das diferentes perspectivas de análise têm possibilitado identificar: (1) os principais acontecimentos e dispositivos da arena pública nesse período, reconstituindo o cenário que serve de pano de fundo para as situações de provas vividas; (2) os principais porta-vozes e públicos mobilizados dessa arena, seus papéis e formas de engajamento (bem como os que estão ausentes); (3) os sucessivos enfrentamentos das situações de prova,5 5 Um exemplo de situação de prova enfrentada acompanhada durante a pesquisa refere-se à implantação do novo marco regulatório das OSCs no município que gerou uma série de debates, embates e desdobramentos resultando no Decreto nº 17.361 de 2017. ao longo do tempo, e como são suplantadas, evidenciando os processos de emergência e compartilhamento de aprendizagem (processos de investigação pública) e sua difusão, bem como os obstáculos a isso; e (4) os efeitos e os desdobramentos da atuação desses atores nessa arena, em termos de produção de crítica, problematização, deliberação, denúncia e julgamento, gerando consequências tanto na resposta aos problemas públicos como na política pública.

Quadro 3
Enfoque analítico e caminho metodológico para etnografia de arenas públicas

Nesse último aspecto, a análise tem permitido evidenciar os avanços e os limites das dinâmicas de aprendizagem coletiva geradas nessa rede, e em que medida são ou não geradoras de “experimentações democráticas”, e o que isso implica para a ação pública. Nesse sentido, ao final da pesquisa será possível compreender em que medida as dinâmicas identificadas na arena pública da garantia de direitos da criança e do adolescente se aproximam ou se distanciam de uma experiência de laboratório vivo de inovação social e quais fatores favorecem essa perspectiva.

Como defende Terzi (2015TERZI, C. La composante narrative du monde pratique Intervention. In : CONGRES DE L’AFSP, 13., 2015, Aix-en-Provence. Annales...Aix-en-Provence: AFSP, 2015.), todo fenômeno social, assim como ação política, possui um componente narrativo que lhe é constitutivo. Esse esforço, de recuperar esse componente narrativo, torna-se importante não somente para os pesquisadores, mas principalmente para os atores que se engajam na arena pública, na medida em que isso possibilita entender melhor como se produz aprendizagem democrática e quais os seus efeitos na ação pública e nas políticas públicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo apresentou-se um enfoque teórico e um caminho metodológico para compreender o fenômeno dos LLIS que se constituem nas arenas públicas das cidades. Estes foram desenvolvidos com base nos estudos pragmatistas no campo da sociologia dos problemas públicos e da ação pública, a partir de algumas categorias-chave conceituais que nos parecem inspiradoras para compreender os processos de aprendizagem, co-construção e difusão de conhecimento nos EIS e para colocar em práticas, reforçar e/ou repensar as experiências de LLIS.

Baseando-se nesses aspectos conceituais e num método de “etnografia de arenas públicas” (CEFAÏ, 2009CEFAÏ, D. Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva. Dilemas, v. 2, n. 4, p. 11-48, 2009., 2012CEFAÏ D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatiste. In: CEFAÏ, D.; JOSEPH, I. (Eds.). L’héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. La Tour d’Aigues: Éditions de l’Aube, 2012.) o caminho metodológico proposto inclui quatro momentos que focalizam em diferentes escalas e utilizam estratégias de pesquisa diversas: (1) mapeamento da arena pública; (2) reconstituição da sua trajetória; (3) identificação e acompanhamento das cenas de ajuste recíproco; e (4) acompanhamento das pessoas afetadas e suas experiências. Desse modo, buscou-se realizar, como nos inspira Cefaï (2007CEFAÏ, D. Pourquoi se mobilise-t-on? Les théories de l’action collective. Paris: La Découverte, 2007.), uma “etnografia política” ou uma “antropologia da cidadania” capaz de revelar como os laboratórios vivos da cidade emergem e coproduzem (ou não) inovações sociais, ou seja, promovem consequências reais nas arenas públicas, na ação pública e, portanto, nas políticas públicas.

A aplicação dessa abordagem analítico-metodológica tem também nos permitido identificar, investigar e apoiar uma experiência de LLIS na arena pública para garantia dos direitos da criança e do adolescente, a partir de uma nova perspectiva. A aplicação prática, por meio da conexão entre ações de ensino, pesquisa e extensão, possibilitou compreender que tais experiências são territorialmente inseridas e construídas no decorrer do tempo, a partir de ações coletivas, colocadas em prática por diversos atores, dispositivos e recursos engajados em torno do problema público em questão. Isso constitui um processo coletivo e colaborativo de construção de conhecimento, no qual uma pluralidade de personagens se engaja (governo, universidade, empreendedores sociais, OSCs e a população diretamente afetada pelo problema).

O estudo possibilitou perceber que os processos de co-construção de conhecimento podem resultar de dinâmicas de experimentação em torno dos problemas públicos, que Dewey (1927DEWEY, J. The public and its problems. Chicago: Swallow Press, 1927.) conceituou como “investigação pública”. Tais processos ocorrem em laboratórios de experimentação democrática em seu senso estrito e possuem uma trajetória histórica, bem como uma localização geográfica, estando inseridos em diferentes escalas - desde a institucional, mas também a da política cotidiana -, onde as pessoas que sofrem e agem sobre as consequências do problema público (comunidades de prática) têm a possibilidade objetiva de produzir aprendizagem e inteligência coletiva para o seu enfrentamento.

A pesquisa na arena pública em questão também nos permite afirmar que os complexos problemas públicos enfrentados nas democracias modernas requerem novos dispositivos, estratégias e práticas em termos de ação pública. Nesse cenário, os especialistas, as universidades e os centros de pesquisa e formação fazem parte dessas dinâmicas - não como protagonistas, como majoritariamente visto nas experiências de LLIS, mas como parte dessa rede, promovendo conexões para produzir conhecimentos e construir respostas para os problemas enfrentados.

A partir do enfoque aqui proposto e sua aplicação, pode-se estudar os LLIS como fenômenos que fortalecem também a dimensão política dos processos de inovação social nas cidades. Por meio do estudo dos LLIS, a partir desta lente, pode-se visualizar, acompanhar e analisar as práticas cívicas concretas para compreender se elas produzem ou não mudanças nas trajetórias de desenvolvimento dos territórios.

AGRADECIMENTOS

Osautores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa e à Inovação de Santa Catarina (FAPESC), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)pelo financiamento a esta pesquisa.

REFERÊNCIAS

  • ANDION, C.; ALPERSTEDT, G. D.; GRAEFF, J. F. Social Innovation Ecosystems and Cities: Co-Construction of a Collaborative Platform. In: HOWALDT, J. et al. (Eds.) Atlas of Social Innovation. (2nd Volume: A World of New Practices). Dormunt: TU Dormunt University, European School of Social Innovation, 2019.
  • ANDION, C.; ALPERSTEDT, G. D.; GRAEFF, J. F. Ecossistema de inovação social, sustentabilidade e experimentação democrática: um estudo em Florianópolis. Revista de Administração Pública, v. 54, n. 1p. 181-200, 2020.
  • ANDION, C. et al. Civil society and social innovation in the public sphere: a pragmatic perspective. Revista de Administração Pública, v. 10, n. 3, p. 40-58, 2017.
  • ANDION, C; MORAES, R. L; GONSALVES, A.K.R. Civil society organizations and social innovation. How and to what extent are they influencing social and political change? CIRIEC - España. Revista de Economia Publica, Social y Cooperativa. n. 90, p. 5-34, 2017.
  • ANSELL, C. Pragmatist Democracy: Evolutionary Learning as Public Philosophy. Oxford: Oxford Scholarship Online, 2011.
  • ANSELL, C. What is democratic experiment? Contemporary Pragmatism, v. 9, n. 2, p. 159-180, 2012.
  • BACCARNE, B. et. al. Governing quintuple helix innovation: urban living labs and socio-ecological entrepreneurship. Tecnology Innovation Management Review, v. 6, n. 3, p. 22-30, 2016.
  • BIGNETTI, L. P. As inovações sociais: uma incursão por ideias, tendências e focos de pesquisa. Ciências Sociais Unisinos, v. 47, n. 1, p. 3-14, 2011.
  • BOHMAN, J. Realizing deliberative democracy as a model of inquiry: pragmatism, social facts and normative theory. Journal of Speculative Philosophy, v. 18, n. 1, p. 3-43, 2004.
  • BOLTANSKI, L.; THÉVENOT, L. On justification: economies of worth. Princeton: Princeton University Press, 2006.
  • BRIGGS, X. Democracy as problem solving civic capacity in communities across the globe. Cambridge: MIT Press, 2008.
  • CEFAÏ, D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatist. In: CEFAÏ D.; JOSEPH, I. (Org.). L’héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. La Tour d’Aigues: Éditions de l’Aube, 2002. p. 51-82.
  • CEFAÏ, D. Pourquoi se mobilise-t-on? Les théories de l’action collective. Paris: La Découverte, 2007.
  • CEFAÏ, D. Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva. Dilemas, v. 2, n. 4, p. 11-48, 2009.
  • CEFAÏ D. Qu’est-ce qu’une arène publique? Quelques pistes pour une approche pragmatiste. In: CEFAÏ, D.; JOSEPH, I. (Eds.). L’héritage du pragmatisme. Conflits d’urbanité et épreuves de civisme. La Tour d’Aigues: Éditions de l’Aube, 2012.
  • CEFAÏ, D. Investigar los problemas públicos: con y más allá de Joseph Gusfield. Prefácio. In: GUSFIELD, J. R. La cultura de los problemas públicos los conductores alcoholizados y el orden simbólico. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2014.
  • CEFAÏ, D. Públicos, problemas públicos, arenas públicas. Novos Estudos CEBRAP, v. 36, n. 1, p. 187-213, 2017.
  • CEFAÏ, D.; TERZI, C. L’expérience des problèmes publics. Paris: Perspectives Pragmatistes, 2012.
  • CHATEAURAYNAUD, F. Argumenter dans un champ de forces: essai de balistique sociologique. Paris: Petra, 2011.
  • CHATEAURAYNAUD, F. A captura como experiência. Investigações pragmáticas e teorias do poder. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 32, n. 95: e329504, p. 1-20, 2017.
  • CHATEAURAYNAUD, F.; DEBAZ, J. Au bord de l’irréversible: sociologie pragmatique des transformations. Paris: Petra, 2017.
  • COMETTI, J.-P. Qu’est-ce que le pragmatisme ? Paris: Folio essais, 2010.
  • DAVI, L. B. D. Organizações da sociedade civil e inovação social na esfera pública: a experiência do Instituto Padre Vilson Groh. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis, 2014.
  • DEWEY, J. The public and its problems. Chicago: Swallow Press, 1927.
  • DEWEY, J. Logic: the theory of inquiry. New York: Henry Holt and Company, 1956.
  • FREGA, R. Le pragmatism comme philosophie sociale et politique. Paris: Le Bord de l’Éau, 2015.
  • FREGA, R. Pragmatism and the wide view of democracy. Gewerbestrasse: Palgrave Macmillan, 2019.
  • FUNG, A.; WRIGHT, E. O. Deepening democracy: institutional innovations in empowered participatory governance. London: Verso, 2003.
  • GONSALVES, A. K. R. Sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente como ação pública. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis, 2015.
  • GONSALVES, A.; ANDION, C. Ação Pública e inovação social: uma análise do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente de Florianópolis. Revista O&S, no prelo, 2018
  • GASCÓ, M. Living labs: implementing open innovation in the public sector. Government Information Quarterly, v. 34, n. 1, p. 90-98, 2017.
  • HERSELMAN, M.; CALLAGHAN, R. Applying a living lab methodology to support innovation in education at a university in South Africa. The Journal for Transdisciplinary Research in Southern Africa, v. 11, n. 1, p. 21-28, 2015.
  • HODSON, M.; GEELS, F. W.; MCMEEKIN, A. Reconfiguring urban sustainability transitions, analisyng multiplicity. Sustainability, v. 9, n. 2, 2017.
  • HOWALDT, J.; DOMANSKI, D.; KALETKA, C. Social innovation: towards a new innovation paradigm. Revista de Administração Mackenzie, v. 17, n. 6, p. 20-44, 2016.
  • HOWALDT, J.; KOPP, R. Shaping social innovation by social research. In: FRANZ, H. W.; HOCHGERNER, J.; HOWALDT, J. Challenge social innovation: potentials for business, social entrepreneurship, welfare and civil society. New York: Springer, 2012.
  • HOWALDT, J. et al. Atlas of social innovation: new practices for a better future. Dortmund: TU Dortmund University, 2018.
  • INSTITUTO COMUNITÁRIO GRANDE FLORIANÓPOLIS - ICOM. Sinais vitais: crianças e adolescentes em Florianópolis. Florianópolis: ICOM, 2010.
  • INSTITUTO COMUNITÁRIO GRANDE FLORIANÓPOLIS - ICOM. Sinais vitais: crianças e adolescentes em Florianópolis. Florianópolis: ICOM, 2016.
  • JANIN, C.; PECQUEUR, B. Les living labs: remise en question des processus de mise en marché et de politique publique. Canadian Journal of Regional Science, v. 40, n. 1, p. 5-11, 2016.
  • LASCOUMES, P.; LE GALÈS, P. Sociologia da ação pública. Maceió: Edufal, 2007.
  • LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria ator-rede. Salvador: EDUFBA, 2012.
  • LEMINEN, S.; WESTERLUND, M. Living labs as open innovation networks. Technology Innovation Management Review, v. 2, n. 9, p. 6-11, 2016.
  • LÉVESQUE, B. Économie sociale et solidaire et entrepreneur social: vers quels nouveaux écosystèmes. Reveue Interventions économiques, n. 54, 2016.
  • MASI, S. Social labs: identifying Latin American living labs. Humanities and Social Sciences, v. 4, n. 3, 2016.
  • MOULAERT, F.; MACCALLUM, D.; HILLIER, J. Social innovation: intuition, percept, concept, theory and practice. In: MOULAERT, F. et al. (Eds.). The international handbook on social innovation: collective action, social learning and transdisciplinary. Cheltenham, UK; Northampton, Massachusetts: Edward Elgar Publishing, 2013.
  • MULVENNA, M. et al. Living labs as engagement models for innovation. In: CUNNINGHAM, P.; CUNNINGHAM, M. (Eds.). Proceedings eChallenges-2010. Poland: International Information Management Corporation, 2010. p. 1-11.
  • NEUMEIER, S. Why do social innovations in rural development matter and should they be considered more seriously in rural development research? Proposal for a stronger focus on social innovations in rural development research. Sociologia Ruralis, v. 52, n. 1, p. 48-69, 2012.
  • NORTH, P.; LONGHURST, N. Grassroots localisation? The scalar potential of and limits of the ‘transition’ approach to climate change and resource constraint. Urban Studies, v. 50, n. 7, p. 1423-1438, 2013.
  • NYSTRÖN, A. et al. Actor roles and role patterns influencing innovation in living labs. Industrial Marketing Management, v. 43. n. 3, p. 483-495, 2013.
  • PELKA, B.; TERSTRIEP, J. Mapping social innovation maps. The state of research practice across Europe. European Public & Social Innovation Review, v. 1, n. 1, p. 3-16, 2016.
  • PINTO, M.; FONSECA, P. Profundizando la comprensión de los living labs de Brasil. Revista CTS, v. 23, n. 8, p. 231-247, 2013.
  • QUÉRÉ, L. Action située et perception du sens In: FORNEL, M. de; QUÉRÉ, L. (Orgs.). La logique des situations. Paris: Éditions de l’EHESS, 1999. p. 301-338.
  • QUÉRÉ, L.; TERZI, C. Pour une sociologie pragmatiste de l’experience publique. Quelques apports mutuels de la philosophie pragmatiste et de l’ethnométhodologie. SociologieS, 2015. Disponível em:<Disponível em:https://journals.openedition.org/sociologies/4949 >. Acesso em:23 ago. 2018.
    » https://journals.openedition.org/sociologies/4949
  • RAMÓN, H. D. et al. Living labs en la región noroeste de la provincia de Buenos Aires. In: WORKSHOP DE INVESTIGADORES EN CIENCIAS DE LA COMPUTACIÓN, 18., 2016, Entre Ríos, Argentina. Anales… Entre Ríos, Argentina: WICC, 2016.
  • REVEL, J. Jogos de escala: a experiência da microanálise. São Paulo: Editora da FGV, 1996.
  • REDE DE MONITORAMENTO CIDADÃO DE FLORIANÓPOLIS - RMC. Relatório Anual de Progresso dos Indicadores (RAPI) 2019. Florianópolis: Rede Ver a Cidade de Florianópolis, dez. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://materiais.floripamanha.org/relatorio-indicadores-florianopolis-2019 >. Acesso em:23 ago. 2018.
    » https://materiais.floripamanha.org/relatorio-indicadores-florianopolis-2019
  • ROUX, E.; MARRON, Q. Les livings labs, de nouveaux dispositifs d’action publique pour penser les métropoles et les territoires. Canadian Journal of Regional Science, v. 40, n. 1, p. 33-41, 2016.
  • SCHIAVO, E.; SANTOS-NOGUEIRA dos C.; VERA, P. Entre la divulgación de la cultura digital y el surgimiento de los laboratorios ciudadanos. El caso argentino en el contexto latinoamericano. Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnología y Sociedad, v. 23, n. 8, p. 79-89, 2013.
  • SCHUURMAN, D. Living labs: concepts, tools, and cases. Info, v. 17, n. 4, p. 45-59, 2015.
  • SHIELDS, P. Rediscovering the taproot: is classical pragmatism the route to renew public administration? Public Administration Review, v. 68, n. 2, p. 205-221, 2008.
  • TERZI, C. La composante narrative du monde pratique Intervention. In : CONGRES DE L’AFSP, 13., 2015, Aix-en-Provence. Annales...Aix-en-Provence: AFSP, 2015.
  • WOLFRAM, M.; FRANTZESKAKI, N. Cities and systemic change for sustainability: prevailing epistemologies and an emerging research agenda. Sustainability, v. 8, n. 2, p. 1-18, 2016.
  • YAÑEZ-FIGUEROA, J. A.; RAMIREZ-MONTOYA, M. S.; GARCIA-PEÑALVO F. J. Systematic mapping of the literature: social innovation laboratories for the collaborative construction of knowledge from the perspective of open innovation. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON TECHNOLOGICAL ECOSYSTEMS FOR ENHANCING MULTICULTURALITY, 4., 2016, Salamanca. Proceedings... Salamanca: ACM, 2016.
  • ZASK, J. L’enquête sociale comme inter-objectivation. La croyance et l’enquête. Aux sources du pragmatisme. Raisons pratiques, v. 15, n. 1, p. 141-165, 2004.
  • 1
    O pragmatismo clássico é uma corrente filosófica que emerge no início do século XX, a partir das obras de Charles Peirce e William James e vai se desenvolver nas décadas seguintes com os trabalhos de John Dewey e George Herbert Mead, entre outros. Vários são os autores que se dedicam a descrever a influência do pragmatismo clássico nas ciências sociais, a qual ocorre até hoje (cf. COMETTI, 2010; FREGA, 2015). Mais recentemente, no final dos anos 1980, esses estudos também vão inspirar o que alguns descrevem como uma “virada pragmática” e o surgimento de diferentes correntes teóricas, sobretudo na sociologia, que fazem um contraponto às correntes críticas tradicionais, com destaque para as teorias da ação situada (QUÉRÉ, 1999QUÉRÉ, L. Action située et perception du sens In: FORNEL, M. de; QUÉRÉ, L. (Orgs.). La logique des situations. Paris: Éditions de l’EHESS, 1999. p. 301-338.), a teoria ator-rede (LATOUR, 2012) e a teoria da capacidade crítica ou da justificação (BOLTANSKI e THÉVENOT, 2006). Embora com diferenças, pode-se dizer que o pragmatismo e a sociologia pragmática contemporânea têm em comum o fato de valorizar a experiência das pessoas e dos grupos como centrais na pesquisa. “Nem racionalista, nem relativista, o ponto de vista pragmático confere um verdadeiro estatuto epistêmico às experiências e aos diferentes procedimentos utilizados para ligá-las aos processos coletivos” (CHATEAURAYNAUD, 2017CHATEAURAYNAUD, F. Argumenter dans un champ de forces: essai de balistique sociologique. Paris: Petra, 2011., p.1).
  • 2
    Para conhecer as diferentes arenas públicas mapeadas pelo Observatório, ver <http://www.observafloripa.com.br/is-page//publicProblems>. Acesso em: 31 out. 2020.
  • 3
    A representação da rede é gerada pelo portal do Observatório por meio de programação que utiliza a teoria dos grafos para expressar os relacionamentos (ramos). Isso é possível a partir de algoritmo próprio, que ilustra as relações entre as iniciativas de inovação social, entre os atores de suporte e entre ambos. Revelam-se, assim, as conexões existentes nessa rede, a partir do que é informado pelos atores no questionário.
  • 4
    As iniciativas acompanhadas são as de inovação social pesquisadas sistematicamente pela equipe do Observatório. Iniciativas observadas são aquelas que tiveram todas as informações do questionário complementadas e validadas pela equipe do Observatório, por meio de visitas ou conversas com representantes das iniciativas. Iniciativas mapeadas são aquelas identificadas por indicação ou autocadastradas na plataforma, mas que ainda não tiveram suas informações validadas. Iniciativas inativadas são aquelas que encerraram suas atividades.
  • 5
    Um exemplo de situação de prova enfrentada acompanhada durante a pesquisa refere-se à implantação do novo marco regulatório das OSCs no município que gerou uma série de debates, embates e desdobramentos resultando no Decreto nº 17.361 de 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Nov 2020

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2019
  • Aceito
    11 Jun 2020
Fundação Getulio Vargas, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rua Jornalista Orlando Dantas, 30 - sala 107, 22231-010 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel.: (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernosebape@fgv.br