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Consciência política e predisposição à participação dos trabalhadores de uma empresa de saneamento em ações coletivas contra a privatização no Sudeste do Brasil

Consciencia política y predisposición a la participación de los trabajadores de una empresa de saneamiento en acciones colectivas contra la privatización en el sudeste de Brasil

Resumo

Este artigo analisa como a consciência política dos funcionários de uma empresa de saneamento, no Brasil, gera uma predisposição desses trabalhadores a favor ou contra o movimento sindical antiprivatização da empresa. O estudo visou a compreender os aspectos psicopolíticos da participação dos trabalhadores em ações coletivas antiprivatização conduzidas por uma organização sindical. A pesquisa se fundamenta em estudos da psicologia política e utiliza o modelo analítico de consciência política para compreensão da participação em ações coletivas (Sandoval, 2001; Sandoval & Silva, 2016). Os dados foram obtidos por meio de um questionário on-line no site do sindicato, preenchido por 87 trabalhadores de diferentes categorias profissionais de um total de 1.400 funcionários da empresa, submetido a análise de conteúdo. Os resultados revelam consciências políticas desprovidas de engajamento coletivo, cujas configurações, conforme as categorias profissionais, são: a) trabalhador devoto - assistente operacional; b) trabalhador competitivo - assistente administrativo; c) trabalhador difuso - técnicos de saneamento; e d) trabalhador expert - analista em saneamento. Conclui-se que predomina o sentimento de oposição à privatização da empresa, porém, sem engajamento dos trabalhadores nas ações coletivas antiprivatização, optando por ações individuais voltadas à permanência no mercado de trabalho. Esta pesquisa preenche uma lacuna nos estudos organizacionais com uma abordagem psicopolítica da (des)mobilização dos trabalhadores em processos de privatização.

Palavras-chave:
Consciência política; Participação; Privatização; Estudos organizacionais; Administração pública

Resumen

Este artículo analiza cómo la conciencia política de los empleados de una empresa de saneamiento en Brasil genera una predisposición de estos trabajadores a favor o en contra del movimiento sindical de privatización de la empresa. Su objetivo es comprender los aspectos psicopolíticos de la participación de los trabajadores en acciones colectivas contra la privatización llevadas a cabo por una organización sindical. La investigación se basa en estudios de psicología política y utiliza el modelo analítico de conciencia política para comprender la participación en acciones colectivas (Sandoval, 2001; Sandoval & Silva, 2016). Los datos se obtuvieron a través de un cuestionario en línea en el sitio web del sindicato, respondido por 87 trabajadores de diferentes categorías profesionales, de un total de 1.400 empleados de la empresa, y, sometido a análisis de contenido. Los resultados revelan conciencias políticas desprovistas de compromiso colectivo, cuyas configuraciones, según las categorías profesionales son: trabajador devoto - asistente operativo; trabajador competitivo - asistente administrativo; trabajador difuso - técnicos de saneamiento y trabajador experto - analista de saneamiento. Se concluye que predomina el sentimiento de oposición a la privatización de la empresa, pero sin la participación de los trabajadores en acciones colectivas contra la privatización, que optan por acciones individuales dirigidas a la permanencia en el mercado laboral. Esta investigación llena un vacío en los estudios organizacionales con un enfoque psicopolítico de la (des) movilización de los trabajadores en los procesos de privatización.

Palabras clave:
Conciencia política; Participación; Privatización; Estudios organizacionales; Administración pública

Abstract

This article analyzes how political consciousness affects the likelihood of workers in a Brazilian sanitation company to engage in anti-privatization activities put forward by a union, seeking to understand the psychopolitical aspects of workers’ participation in such movements. The research is based on studies of political psychology and uses the analytical model of political consciousness to understand participation in collective actions (Sandoval, 2001; Sandoval & Silva, 2016). Data were obtained through an online questionnaire on the union’s website, completed by 87 workers from different professional categories, out of a total of 1,400 company employees, submitted to content analysis. The results reveal political consciousness that are devoid of collective engagement, whose settings, according to professional categories, are: devoted employee - operational assistant; competitive employee - administrative assistant; diffuse worker - sanitation technicians, and expert worker - sanitation analyst. It is concluded that the feeling of opposition to the company’s privatization predominates, but without workers’ engagement in collective anti-privatization actions, opting for an individualistic attitude of preserving the position in the labor market. This research fills a gap in organizational studies with a psychopolitical approach to workers’ (de)mobilization in privatization processes.

Keywords:
Political Consciousness; Participation; Privatization; Organizational Studies; Public administration

INTRODUÇÃO

Uma revisão da literatura (inter)nacional sobre os impactos da privatização no trabalho mostrou que poucos estudos abordam os aspectos psicossociais e discutem a consciência política e a participação dos trabalhadores em ações coletivas do sindicato contra a privatização. Este artigo analisa como a consciência política dos funcionários de uma empresa de saneamento, no Brasil, gera uma predisposição desses trabalhadores a favor ou contra o movimento sindical antiprivatização da empresa. O estudo visou a compreender os aspectos psicopolíticos da participação dos trabalhadores em ações coletivas antiprivatização conduzidas por uma organização sindical. A empresa foi citada pelo governador do Estado do Espírito Santo - Paulo Hartung, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) -, em 2016, como uma daquelas a ser privatizadas, possibilidade descartada posteriormente pelo procurador-geral do estado.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa (Goldenberg, 2004Goldenberg, M. (2004). A arte de pesquisar(8 ed.). Rio de Janeiro, RJ: Record.), com suporte em dados quantitativos, adotando o modelo analítico de consciência política (Sandoval, 2001Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195.; Sandoval & Silva, 2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes.). A participação é um processo em que duas ou mais partes influenciam a tomada de decisão (Pateman, 1992Pateman, C. (1992). Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.); significa “fazer parte, tomar parte ou ter parte” (Bordenave, 2013Bordenave, J. E. D. (2013). O que é participação(Coleção Primeiros Passos). São Paulo, SP: Brasiliense., p. 22). Segundo Sandoval (2001)Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195., a decisão do indivíduo pela ação individual ou coletiva é oriunda de sua consciência política em diferentes contextos. A partir das reflexões contemporâneas sobre a sociedade, o modelo contribui para compreender a consciência política dos trabalhadores e a (des)mobilização junto ao sindicato contra a privatização da empresa.

O artigo se estrutura em 4 seções, além desta introdução: a) a primeira seção descreve o marco teórico, fundamentando o estudo; b) a segunda expõe a metodologia da pesquisa; c) a terceira apresenta os resultados; e d) a quarta seção tece as considerações finais.

OS SINDICATOS EM UM CONTEXTO DE PRIVATIZAÇÕES

A privatização em nível internacional se expandiu a partir da década de 1970, liderada por Margaret Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (Estados Unidos da América [EUA]). No Brasil, a privatização foi intensificada na década de 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), sendo retomada com intensidade nos governos de Michel Temer, do MDB, em 2016, e de Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), em 2018. Em todos esses casos se observa a adoção de uma política neoliberal que defende o Estado mínimo, embora tenham promovido privatizações em contextos econômico-sociais diferentes.

Para entender o contexto dos sindicatos diante da privatização é preciso assimilar o Estado como um agente delineador das decisões político-econômicas, cada vez mais influenciado pelo capital privado transnacional que, progressivamente, dita os preceitos e as formas de gestão governamental. As relações trabalhistas nos serviços públicos se alteram, assim, questiona-se a competência e a eficiência estatal e propõe-se a privatização como solução. As consequências da privatização para os direitos sociais universais, destaca Iamamoto (2007Iamamoto, M. V. (2007). Serviço social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo, SP: Cortez.), são adversas, pois estabelecem critérios seletivos de atendimento. Santos (2000Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro, RJ: Record.) aponta que tal instrumentalização desvincula política e sociedade e Rosa (2006Rosa, M. I. (2006). Trabalho, subjetividade, política. Psicologia Política, 6(11), 131-138., p. 134) destaca que a política é voltada à “realização dos interesses específicos das exigências econômicas, os de sua racionalidade, no processo de privatização, em detrimento do político -dos interesses coletivos dos trabalhadores, do bem comum-”. Dalla Corte e Portanova (2015Dalla Corte, T; & Portanova, R. S. (2015). Movimento por justiça ambiental e sustentabilidade: fundamentos para a governança da água. Culturas Jurídicas, 2(3), 74-99.) citam que essas distorções são mais latentes nos serviços de abastecimento de água, pois a tratam com uma racionalidade econômica que se sobrepõe à sua essencialidade para a dinâmica da vida humana que, além de seu valor imprescindível, é essencial para a implementação de todas as outras políticas sociais.

Em 1996, na Europa, foi criado um observatório de privatizações pelos sindicatos britânicos, oriundo dos trabalhos realizados pela Public Services International Research Unit (1996), diante da ameaça de enfraquecimento dos sindicatos previsto nos objetivos do Consenso de Washington. O objetivo foi criar panoramas e estratégias locais e globais para a luta contra a privatização, baseados na reinvindicação de diversos sindicatos.

Segundo Palassi (2006Palassi, M. P. (2006). Os impactos psicossociais do movimento privatizador nos trabalhadores. Psicologia Política, 6(11), 169-196.), há similaridades nos impactos pós-privatização sobre os trabalhadores no exterior. Os sindicatos são marginalizados e as empresas adotam práticas que aumentam a indiferença dos trabalhadores, reduzindo sua participação sindical, como formação profissional, lobby de representatividade do setor, assessoramento legal, comunicação direta, sistemas de remuneração vantajosos vinculados à produtividade, relações entre gestores e trabalhadores mais igualitárias e relaxadas, técnicas para aumentar o compromisso e a identificação com a organização. Guardadas as devidas diferenças entre os países e suas especificidades em processos de privatização, todos sofreram impactos psicossociais após esses processos. Nesses países, o medo, a insegurança, a ansiedade e a tensão constante foram sentimentos comuns entre os trabalhadores. Também se verificam esses impactos no Brasil.

Os impactos da privatização nas relações e condições de trabalho podem ser resumidos em: a) salários baixos; b) deterioração das condições contratuais de trabalho; c) desvalorização do status de funcionário público; d) perda de autonomia e de identidade com o trabalho e a organização; e) negação da participação nas decisões organizacionais; f) forte pressão sobre os trabalhadores; g) aumento da competição no trabalho; e h) sindicatos voltados a demandas salariais (Flecker, Schultheis & Vogel, 2016Flecker, J; Schultheis, F; & Vogel, B. (2016). A “problem of fairness” in the making: the transformation of public services from the perspective of postal workers. British Journal of Industrial Relations, 54(4), 768-789.). A perda da identificação com a profissão, da experiência profissional e das relações com colegas que compartilhavam pensamentos, ideias e valores relativos ao trabalho gera sentimento de frustração (Terra, 2008Terra, L. M. (2008). La pérdida del trabajo petrolero: transformaciones laborales, materiales e identitarias. Avá, 12, 95-116.). A principal consequência da privatização para os trabalhadores é a diminuição dos empregos, embora haja aumento de salários em alguns setores onde o trabalhador passa a ocupar postos de trabalho de outros trabalhadores, exercendo diversas funções (Azmat, Manning & Van Reenen, 2012Azmat, G; Manning, A; & Van Reenen, J. (2012). Privatization and the decline of Labour’Share: international evidence from network industries. Economica, 79, 470-492.).

A lógica da privatização e seu discurso de maior eficiência no trabalho, sem se preocupar com as questões subjetivas e os efeitos psicossociais na vida dos trabalhadores, como a insegurança e o medo, forçam maior produtividade em troca da permanência no emprego (Seršić & Trkulja, 2009Seršić, D. M; & Trkulja, J. (2009). Nesigurnost posla kao predmet istraživanja u psihologiji: teorije, operacionalizacije, nalazi. Društvena Istraživanja: Časopis za Opća Društvena Pitanja, 18(3),523-545.). A vivência desgastante provoca estratégias de enfrentamento contra a constante ameaça de ruptura do trabalho, questionando suas inserções sociais grupais na organização (Palassi & Silva, 2014Palassi, M. P; & Silva, A. L. (2014). A dinâmica do significado do trabalho na iminência de uma privatização.Revista de Ciências da Administração, 16(38), 47-62.). Para tentar solucionar o problema, adotam ações individuais ou coletivas, que podem ser analisadas com base no conceito de consciência política do modelo analítico de Sandoval e Silva (2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes.), descrito a seguir.

MODELO ANALÍTICO DE CONSCIÊNCIA POLÍTICA

O modelo analítico de consciência política para compreensão da participação em ações coletivas de Sandoval (2001Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195.) é inspirado no conceito de consciência operária de Touraine (1966Touraine, A. (1966). La consciènce ouvriére. Paris, France: PUF). Três dimensões básicas alicerçam a construção de Touraine (1966)Touraine, A. (1966). La consciènce ouvriére. Paris, France: PUF: a) identidade (baseada no reconhecimento de classe); b) oposição (percepção do indivíduo relativa ao seu grupo e a grupos distintos do seu); e c) totalidade (percepção do indivíduo da totalidade social, ou seja, da distribuição de bens, dominação, assim como seu funcionamento e sua dinâmica). A essas dimensões Sandoval (2001)Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195. agregou mais uma: a predisposição para intervenção.

A consciência política é um conjunto de dimensões psicológicas sociais que inter-relacionam significados e informações, fazendo com que o indivíduo se oriente e tome decisões que representem o melhor curso de ação dentro de contextos específicos (Sandoval, 2001Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195.). Ressalta Silva (2001Silva, A. S. (2001). Consciência e participação política: uma abordagem psicopolítica. Interações, 6(12), 69-90., p. 82) que “para Sandoval[,] a consciência política é formada por aspectos identitários (identidade social na perspectiva de Tajfel), pela cultura construída socialmente e expressa na sociedade”. A consciência política é constituída na interação entre objetividade e subjetividade no interior do processo social. Esse processo se dá “por um conjunto de crenças internalizadas pelo indivíduo e pela percepção politizada do contexto social em que se localiza o sujeito (identidade coletiva na perspectiva de Melucci)” (Silva, 2001Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195., p. 82). Sendo assim, “a consciência política refere-se à politização do sujeito, às ações politizadas do sujeito e, em última análise, ao desenvolvimento consciente do seu caráter político” (Sandoval & Silva, 2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 34).

Entretanto, os aspectos identitários são insuficientes para explicar esse modelo. Há um aspecto objetivo, que é a capacidade crítica adquirida pelo indivíduo com suas experiências grupais e a oportunidade de romper temporária e parcialmente com alguns mecanismos de controle social que diminuem suas possibilidades de desenvolver a abstração analítica (Sandoval, 1989 como citado em Silva, 2001Silva, A. S. (2001). Consciência e participação política: uma abordagem psicopolítica. Interações, 6(12), 69-90.). O modelo possibilita compreender os aspectos que levam o indivíduo a agir individual ou coletivamente, que ocorrem por meio da combinação e articulação das diferentes dimensões de compreensão do fenômeno do engajamento na política. O modelo articula aspectos micro e macrossociais, na perspectiva psicológica de construção identitária para compreender as dinâmicas de processos das interações coletivas. Trata-se de um modelo não linear que articula um conjunto de 7 dimensões psicossociológicas, possibilitando diferentes configurações da consciência de indivíduos em um processo dialético contínuo de tensões vividas cotidianamente (Sandoval & Silva, 2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes.). Neste artigo se adota a versão reformulada do modelo, proposta por Sandoval e Silva (2016)Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes., conforme a Figura 1, para ampliar seu uso.

Figura 1
Modelo analítico de consciência política

A identidade coletiva se refere aos sentimentos de identificação psicológica de interesses, pertença de uma pessoa a um grupo ou categorias sociais e de solidariedade com o ator coletivo. Sandoval (2001Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195.) se baseia nos seguintes autores para descrever essa dimensão: Hogg e Abrams (1990Hogg, M. A; & Abrams, D. (1990). Social Motivation, Self-Esteem and Social Identity. In D. Abrams, & M. A. Hoog (Eds.), Social Identity Theory: Constructive and Critical Advances (pp. 28-47). London, UK: Harvester Wheatsheaf.), Jenkis (1996Jenkis, R. (1996). Social identity. Londres, UK: Roudtledge.), Melucci (1996), Tajfel (1984Tajfel, H. (1984). Grupos humanos e categorias sociais: um estudo psicossocial III. Lisboa, Portugal: Livros Horizonte.) e Gamson (1992). Segundo Ansara (2008Ansara, S. (2008). Memória política: construindo um novo referencial teórico na psicologia política. Psicologia Política, 8(15), 31-56., p. 48), “as pessoas passam a compartilhar interesses comuns, que as levam às reivindicações coletivas, atribuindo valor às metas grupais e à mudança social como benefício pessoal e coletivo”. O sentimento de coesão social faz com que as pessoas se instrumentalizem para alcançar as mudanças desejadas. “Por Identidade Coletiva entende-se aquele momento em que o indivíduo escolhe a prioridade para focar sua lealdade e solidariedade em relação a uma categoria social específica” (Sandoval & Silva, 2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 39). Com a reformulação do modelo integrando os sentimentos emotivos, destaca-se nessa dimensão o impacto dos sentimentos emotivos na sociabilidade entre as pessoas, pois influenciam o desejo de (des)agrupar-se ou (des)agregar-se em relação a outras pessoas ou grupos.

Crenças, valores e expectativas sobre a sociedade se referem a crenças, valores e expectativas que uma pessoa constrói sobre sua sociedade. Tais representações desenvolvem as noções ideológicas de consciência política na visão de mundo do indivíduo. Sandoval (2001Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195.), apoiado em Heller (1972Heller, A. (1972). O cotidiano e a história. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1972.), aponta que essa dimensão se encontra ligada à espontaneidade da vida cotidiana, promovendo “uma condição propícia à alienação e ao comodismo do sujeito em função de sua não racionalidade das práticas diárias e da segmentação a que estão subordinadas” (Sandoval & Silva, 2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 39). Para romper essa continuidade não reflexiva do sujeito é preciso que haja oportunidade de questionar as ações cotidianas. Essa dimensão considera que os sentimentos emotivos afetam o processo de conscientização, influenciando a retenção seletiva na memória de eventos, experiências e pessoas do passado, ganhando significados pelas emoções, pois altera o processo de conscientização mediante novos significados dados pela emoção.

Interesses coletivos se referem aos interesses comuns compartilhados pelo grupo. Sandoval e Silva (2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes.) discorrem acerca do contraste existente na relação entre “meu grupo de pertença” e o “grupo dos outros”, recorrendo a Tajfel (1982Tajfel, H. (1982). Grupos humanos e categorias sociais: um estudo psicossocial I. Lisboa, Portugal: Livros Horizonte., 1983Tajfel, H. (1983). Grupos humanos e categorias sociais: um estudo psicossocial II. Lisboa, Portugal: Livros Horizonte.) e Dominic e Hogg (1998Dominic, A; & Hoog, M. A. (1998). Social identifications: a social psychology of group relations and group processes. Londres, UK: Roudtledge.), que estabeleceram os seguintes requisitos para a participação coletiva: a) o sentimento de pertencer a um grupo; b) a identificação de interesses contrários à manutenção desse grupo; e c) a identificação de grupos que tenham interesses rejeitados pelo grupo de pertença. No modelo de Sandoval (2001)Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195., Ansara (2008Ansara, S. (2008). Memória política: construindo um novo referencial teórico na psicologia política. Psicologia Política, 8(15), 31-56.) ressalta que essa dimensão tem um papel-chave na consciência política, pois leva à ação coletiva. Sentimentos emotivos impactam a disposição do indivíduo para agir individual ou coletivamente, em parte como consequência dos significados emotivos atribuídos anteriormente a eventos, conteúdos ou pessoas. É nessa dimensão que se manifesta a predisposição de engajamento do indivíduo no contexto emotivo, dada a noção de um adversário visível e o risco à manutenção do grupo de pertença.

Eficácia política se refere aos sentimentos da pessoa sobre sua capacidade de intervir em uma situação política. Pautando-se em Hewstone (1989Hewstone, M. (1989). Causal atributtion: from cognitive processes to collective beliefs. London, UK: Blackwell, 1989.), Sandoval (2001Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195.) identifica na teoria das atribuições 3 lócus de interpretação de causalidade em que os indivíduos se assentam: a) eventos que são resultados de forças transcendentais, gerando conformação e submissão; b) eventos que são resultados do próprio indivíduo, gerando isolamento e autopunição; e c) eventos que são resultados de outros indivíduos ou grupos. Esta última localização é atribuída às pessoas que acreditam que suas ações, individualmente ou em grupos, geram mudanças. Para Reck (2005Reck, J. (2005). A consciência política dos cooperados do MST: o caso do COOPAC-Campo Verde/MS (Tese de Doutorado). Programa Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.), essas convicções de que os eventos são resultados de outros indivíduos ou grupos podem levar o sujeito à uma visão crítica da realidade, responsabilizando corretamente, organizando-se para mudar o quadro social, tornando-se um ator social modificando a si e as circunstâncias. Os “sentimentos emotivos” atribuem significância e relevância às pessoas e às experiências do passado do indivíduo, permitindo analisar um contexto contraditório de sua realidade, resgatando em sua memória elementos que auxiliam no processo de transformação qualitativa da consciência para confrontar eficazmente situações semelhantes no presente ou no futuro (Sandoval & Silva, 2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes.).

Sentimentos com respeito aos adversários se referem à ruptura do equilíbrio entre as relações recíprocas que o indivíduo observa em um arranjo social entre os atores. Sandoval (2001Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195.) se apoia em Moore (1978Moore, B. (1978). Injustiça: a base social da obediência e revolta. São Paulo, SP: Cortez.), ao dizer que a justiça social é a demonstração de sentimentos recíprocos entre obrigações e recompensas. Se esse equilíbrio se desestabiliza contra o indivíduo, ele entende a ruptura dessas relações como injusta. Segundo Ansara (2008Ansara, S. (2008). Memória política: construindo um novo referencial teórico na psicologia política. Psicologia Política, 8(15), 31-56.), existem grupos, indivíduos, instituições e estruturas de governo que são responsáveis pela situação de injustiça. O reconhecimento dessa situação faz com que as pessoas ou os movimentos acreditem que suas ações coletivas representam a possibilidade de mudança social. Na reformulação do modelo, Sandoval e Silva (2016)Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes. afirmam que Sandoval (2001)Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195. eliminou os sentimentos de injustiça por entender que tais sentimentos fazem parte do conjunto de sentimentos emotivos que podem estar presentes em qualquer um dos elementos da consciência. Esses conteúdos são elaborados por cada indivíduo na medida em que agregam significados a partir do componente emotivo trazido pelos sentimentos emotivos que cada pessoa acumula de suas experiências passadas.

Metas e repertórios de ações associam os objetivos e as propostas do movimento social e sua liderança com os interesses materiais e simbólicos do indivíduo. Essa e a próxima dimensão são mais instrumentais. Consistem no grau de alinhamento que os envolvidos percebem dos objetivos e das estratégias de ação do movimento social quanto aos seus sentimentos de injustiça e eficácia política em determinado momento. Ansara (2008Ansara, S. (2008). Memória política: construindo um novo referencial teórico na psicologia política. Psicologia Política, 8(15), 31-56.) destaca que, para ocorrer a transformação social, é preciso estabelecer metas de ação que possam suscitar, de fato, uma ação coletiva, de modo que, no processo de participação política, os indivíduos tomem consciência de seu passado, de sua realidade social e política e construam uma memória política que os potencialize e os mobilize a participar nas lutas políticas.

Vontade de agir coletivamente é o sentimento de inclinação do indivíduo a assumir um conjunto de ações coletivas para restaurar as injustiças cometidas contra ele. Baseado em Klandermans (1992), Sandoval (2001Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195.) faz essa descrição. Pautando-se em Olson (1965Olson, M. (1965). A lógica da ação coletiva. São Paulo, SP: EDUSP.), Sandoval (2005)Sandoval, S. A. M. (2005). Emoções nos movimentos sociais (Trabalho apresentado na mesa-redonda Emoções, Engajamento e Movimentos Sociais). In Anais do 13º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social, São Paulo, SP. diz que se trata de análise individual da decisão por participar de movimentos sociais, que se dá por escolhas informadas e significativas da capacidade de organização do movimento para implementar as ações coletivas propostas, ao avaliar os custos e benefícios.

Diante da necessidade de integrar o papel das emoções no processo de conscientização das pessoas, Sandoval (2005Sandoval, S. A. M. (2005). Emoções nos movimentos sociais (Trabalho apresentado na mesa-redonda Emoções, Engajamento e Movimentos Sociais). In Anais do 13º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social, São Paulo, SP.) reformulou seu modelo, partindo do pressuposto de que as emoções têm um papel-chave na formação da consciência política (Sandoval & Silva, 2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes.). Para os autores, as emoções emergem das experiências dos indivíduos marcando sua memória, provocando sentimentos emotivos, mapeando suas vivências passadas, que serão relembradas quando o indivíduo resgata sua memória, influenciando o processo de conscientização (Turner, 2005 como citado em Sandoval & Silva, 2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes., p. 46).

Sandoval e Silva (2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes.) incorporaram as emoções ao modelo, de modo integralizado, ou seja, sem especificar emoções para cada dimensão, embora ilustrações possam ser feitas. A dimensão dos sentimentos de justiça e injustiça que existia no modelo de 2001 foi eliminada, pois esses sentimentos fazem parte do conjunto de sentimentos que pode aparecer nas outras dimensões, trazendo significados adicionais ao conteúdo delas. Acrescentaram a dimensão interesses coletivos inerentes a formas de arranjo social, ações de solidariedade e interesses comuns compartilhados pelo grupo. E alteraram o título da dimensão “metas e ações do movimento social” para “metas e repertórios de ações”. A partir desse modelo, tem-se um aporte teórico consistente para análise da consciência política dos trabalhadores da empresa pesquisada, em conformidade com a metodologia apresentada a seguir.

METODOLOGIA

O campo da pesquisa é uma empresa de saneamento no Sudeste do Brasil. As informações para este estudo seriam obtidas de seus funcionários em um questionário anônimo, enviado via e-mail pelo setor de recursos humanos. Porém, como não houve autorização para a aplicação desta pesquisa, ela foi concretizada com o apoio do sindicato que representa a categoria.

O questionário desta pesquisa se baseou no questionário adotado por Palassi (1998Palassi, M. P. (1998). Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come! O impacto da notícia de municipalização privatizada sobre trabalhadores do setor de saneamento (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES.), na década de 1990, e nas dimensões do modelo de consciência política de Sandoval (2001Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195.) e Sandoval e Silva (2016). Com a divulgação nos canais do sindicato (site, Facebook e WhatsApp), pôde-se realizar a pesquisa. Para maior acesso do público pesquisado, utilizou-se uma plataforma on-line do Google - o Google Forms.

No início, tencionava-se alcançar todas as categorias profissionais da empresa, isto é, assistentes operacionais, assistentes administrativos, técnicos, analistas e gestores, mas apenas um se manifestou como gestor; portanto, essa categoria foi excluída. A empresa tinha cerca de 1.400 funcionários e as repostas são apenas daqueles que se encontravam ativos. A pesquisa utiliza métodos qualitativos, com suporte em dados quantitativos, permitindo melhor cruzamento das conclusões. Os dados obtidos não resultam de uma situação particular e são confiáveis (Goldenberg, 2004Goldenberg, M. (2004). A arte de pesquisar(8 ed.). Rio de Janeiro, RJ: Record.). A elaboração das questões partiu de blocos norteados pelas 7 dimensões propostas por Sandoval e Silva (2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes.).

O questionário on-line esteve disponível no site do sindicato no período de 13 de julho a 24 de agosto de 2017. Foram obtidas 90 respostas, sendo 87 validadas pelos seguintes motivos: a) uma foi duplicada; b) outra era de um empregado aposentado; e c) a terceira não pertencia ao quadro da empresa. As perguntas foram semiestruturadas; as respostas fechadas se traduziram em gráficos e as abertas foram submetidas a análise de conteúdo a priori, como proposto por Bardin (2004Bardin, L. (2004). Análise de conteúdo (3a ed.). Lisboa, Portugal: Ed. 70.), utilizando as dimensões da consciência política (Sandoval & Silva, 2016Sandoval, S. A. M; & Silva, A. S. (2016). O modelo de análise da consciência política como contribuição para a psicologia política dos movimentos sociais. In: D. U. Hur, & F. Lacerda, Jr. (Orgs.), Psicologia, políticas e movimentos sociais (pp. 25-52). Petrópolis, RJ: Vozes.) como macrocategorias de análise. Pautando-se nessa análise de conteúdo, foram identificados diferentes tipos de consciência política das categorias profissionais, cuja marca principal se encontra em sua denominação.

Trata-se de uma amostra não probabilística que alcançou, dentre as categorias profissionais: a) 14 assistentes operacionais; b) 14 assistentes administrativos; c) 34 técnicos; e d) 24 analistas. Assim, as categorias estão representadas em uma análise bastante limitada e restrita, o que não impede que passe por análise de conteúdo baseada no marco teórico deste estudo. Portanto, esta pesquisa se limita a tratar da consciência política daqueles que responderam ao questionário e os resultados não podem ser generalizados para toda a população da empresa, por carecerem de critérios estatísticos. Assim, não resulta em uma amostra representativa, pois nem todos os elementos da população têm a mesma chance de ser escolhidos (Freitas, Oliveira, Saccol & Moscarola, 2000Freitas, H; Oliveira, M; Saccol, A. Z; & Moscarola, J. (2000). O método de pesquisa survey.Revista de Administração, 35(3), 105-112.) e não se pode garantir o rigor da pesquisa no sentido quantitativo, devido às limitações de validade. Este estudo se limita ao uso de dados quantitativos para auxiliar na compreensão das dimensões qualitativas da pesquisa.

ASPECTOS COMUNS ENTRE AS CATEGORIAS PROFISSIONAIS

Os participantes da pesquisa, nas 4 categorias profissionais, apresentam traços semelhantes em vários aspectos. Quanto à idade, 61% estão na faixa entre 30 e 40 anos, 25% estão entre 40 e 65 anos e 9% entre 24 e 30 anos, ao passo que 5% não informaram suas idades. Verifica-se predominantemente um trabalhador que ainda não chegou à metade de sua carreira profissional, com experiências no contexto político brasileiro das últimas 2 décadas, as quais influenciam a construção de sua consciência política.

Sobre o tempo de trabalho na empresa há 2 grupos, um de 3 a 13 anos, correspondendo a 81% da pesquisa, e outro de 27 a 41 anos, correspondendo a 16%. Nota-se que uma parcela expressiva dos trabalhadores pesquisados tem vínculo profissional com a empresa de aproximadamente uma década. Quanto à escolaridade, 16% têm Ensino Médio, 16% têm Ensino Superior incompleto, 30% têm Ensino Superior completo e 35% têm pós-graduação. Constatou-se um elevado nível de instrução acadêmica.

Os trabalhadores são, em sua maioria, jovens, bem instruídos nos estudos, têm ambições profissionais, são conscientes da importância social do saneamento e veem na privatização uma ameaça à segurança de seus empregos e à boa prestação desse serviço.

configurações DE CONSCIÊNCIA POLÍTICA DAS CATEGORIAS PROFISSIONAIS

Os participantes da pesquisa, nas 4 categorias profissionais, têm traços semelhantes em vários aspectos, como: a) idade; b) escolaridade; e c) tempo de trabalho na empresa. São consciências políticas desprovidas de engajamento coletivo, cujas configurações, conforme as categorias profissionais, são: a) trabalhador devoto - assistente operacional; b) trabalhador competitivo - assistente administrativo; c) trabalhador difuso - técnicos de saneamento; e d) trabalhador expert - analista em saneamento.

Os assistentes operacionais, trabalhadores devotos, têm uma consciência política suscetível à mobilização sindical. Percebe-se estabelecida uma identidade coletiva, pois envolve sentimento de pertença e desejo de lutar contra a privatização. Formam um grupo que, em sua maioria, corresponde a 64% deles e apresenta certa homogeneidade, comprovada por meio de suas características predominantes: profissional de 38 anos de idade e 7 anos de empresa, que se encontra na atividade-fim da organização. Neles, constatam-se o melhor clima organizacional e a menor valorização ao reconhecimento salarial. Todos são filiados ao sindicato e contra a privatização. É a categoria menos escolarizada, porém, 43% têm Ensino Superior. A eficácia política alcançou o maior índice na pesquisa. Todavia, os próprios trabalhadores reconhecem pouco engajamento coletivo, aguardando que essa mobilização venha do sindicato.

Os assistentes administrativos, trabalhadores competitivos, têm uma consciência política menos predisposta à mobilização sindical, com características mais individualizadas do que coletivas, observáveis nos contrastes entre os valores profissionalismo e união. Têm uma homogeneidade expressiva, 86% estão dentro da média de 34 anos de idade e 8 anos de empresa. Com alto nível de escolaridade, mais de 80% têm graduação, foi a categoria que, abaixo dos operacionais, mais demonstrou reconhecimento à eficácia política do sindicato. Porém, essa eficácia se limita a acordos sindicais, pois, quanto à privatização, buscam-se ações individuais de melhoria da qualificação profissional para manutenção do emprego ou oportunidades externas. A percepção de valorização é reconhecida pelos benefícios adquiridos, como plano de saúde e salários competitivos. Essa categoria não demonstrou vontade de agir coletivamente, pois seus repertórios de ações não indicaram mobilização coletiva, sendo a maioria de cunho pessoal ou com tendência de fuga do enfrentamento.

Os técnicos, trabalhadores difusos, são os mais representativos e correspondem a 39% dos indivíduos pesquisados. Seu grupo homogêneo equivale a 80% da categoria, com traço médio característico de um trabalhador de 33 anos de idade e 8 anos de empresa. De modo semelhante aos assistentes administrativos, mais de 80% têm Ensino Superior e reconhecem a valorização pela empresa por meio de plano de saúde e salários competitivos. A consciência política dessa categoria se situa em uma zona intermediária entre volubilidade e predisposição a ações coletivas. Essas oscilações se apresentam na dispersa identidade coletiva, pois há variadas percepções sobre a empresa e o sindicato, que vão desde sentimentos de paixão, orgulho e respeito a constrangimento, frustração e abandono, por um lado, e por outro representativo, combativo e essencial, mas também irrelevante, ausente e com ideologias ultrapassadas. Nas crenças e valores, aproximando-se dos operacionais, são identificados balanceamentos entre profissionalismo, companheirismo e união. A eficácia política está quase que simetricamente dividida entre aqueles que acreditam na mobilização coletiva e os que não creem que o sindicato possa alterar o processo de privatização. Constata-se, assim como nas categorias profissionais anteriores, que os discursos estão desprovidos de ações voltadas ao engajamento coletivo com resistência dos trabalhadores de forma conjunta.

E os analistas, trabalhadores experts , compõem 28% da pesquisa. É a segunda maior representatividade quantitativa da pesquisa e a categoria mais homogênea, correspondendo a 96% da categoria profissional. Tem, como traço médio, um trabalhador de 36 anos de idade e 8 anos de trabalho. Assim como os operacionais, são unanimemente contra a privatização. Como a categoria é formada somente por graduados, há maior quantidade de pós-graduados (75%), seguida pelos assistentes administrativos (37%) e, por último, os técnicos (26%). De características parecidas com a categoria administrativa de Ensino Médio, tem uma relação de profissionalismo acentuada diante das demais variáveis, como a união e o companheirismo. De todos os pesquisados, essa categoria apresenta a melhor percepção sobre o reconhecimento pela empresa, atribuindo ao plano de carreira e ao salário os principais fatores de recompensa. Entende-se, portanto, a presença do adversário denominado privatização, pois essa foi a categoria com o maior índice negativo em relação à manutenção dos benefícios caso a privatização seja concretizada. Abaixo dos assistentes operacionais, os analistas constituem a segunda categoria a adotar, como estratégia de ação, a integração ao sindicato. A consciência política dessa categoria se aproxima à dos assistentes operacionais quanto ao posicionamento contra a privatização. Esses trabalhadores veem o sindicato como a entidade fundamental nesse enfrentamento, pois reconhecem que as ações, para se tornarem coletivas, necessitam de um movimento integrado, articulador e ativador de mobilizações sociais.

SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS NAS DIMENSÕES DA CONSCIÊNCIA POLÍTICA DAS CATEGORIAS PROFISSIONAIS

A identidade coletiva promove o sentimento de pertença a grupos. Há 2 atores coletivos que são focos de ideais comuns na identificação do trabalhador: a) a empresa; e b) o sindicato. O primeiro garante o sustento e a realização profissional e o segundo, a defesa das garantias do primeiro. A identidade coletiva é expressa de formas distintas quanto à intensidade entre as categorias. Se para o assistente operacional o sentimento que revela a coesão social se encontra na segurança e proteção, para os administrativos, técnicos e analistas essa coesão perde espaço para as conquistas, o aprendizado e a realização profissional, mostrando um posicionamento menos coletivo. Isso indica maior lealdade na categoria operacional à empresa e ao sindicato, enquanto as demais categorias se identificam mais com a empresa, foco de suas realizações e conquistas, mas percebem no sindicato uma representatividade legítima, porém, sem alcance de instrumentalização pessoal para uma identidade coletiva.

Nas crenças, valores e expectativas sobre a sociedade se observou que a discussão da privatização provoca a ruptura do cotidiano e promove o confronto dessas relações. Os assistentes operacionais e analistas, por unanimidade, não acreditam na privatização como solução para os problemas de saneamento. Dentre todas as categorias, apenas 3 argumentos foram favoráveis à privatização, relacionados à ineficiência e ao modelo ultrapassado de gestão prestado pelo setor público. Outros 4 não souberam responder, mas demonstraram interesses pessoais em sua indeterminação e não distinguiram um modelo de gestão seguro para o setor. Já os argumentos contrários se pautaram na competência do serviço prestado pelo Estado e nos riscos de demissão. Infere-se uma relação direta dos valores união e companheirismo, mais citados nessas 2 categorias, como propensão para uma ação coletiva. Em contrapartida, os assistentes administrativos e técnicos, ao evidenciarem o sentimento de individualismo e omitirem a consideração do status trabalhar na empresa, demonstram tendências para ações individuais. Destaca-se, a ênfase que os trabalhadores dão ao valor profissionalismo: 64% dos operacionais, 86% dos administrativos, 65% dos técnicos e 83% dos analistas - característica alinhada à especialização profissional. Para entender o significado do trabalho na empresa, procura-se interpretar os sentimentos emotivos do trabalhador no desenvolvimento de suas noções ideológicas. Observou-se nos dados dos questionários a predominância do sentimento de segurança e expressões enaltecedoras (orgulho, paixão pelo que faz, dar a vida pela empresa, especialização na carreira), mas também prenúncios desalentadores (terceirização em curso, já foi segura... hoje é incerteza), espalhadas nas 4 categorias. Todavia, as similaridades desaparecem nos opositores unânimes à privatização quando se trata de incertezas e frustrações quanto ao trabalho na empresa. Operacionais e analistas ocupam os extremos, com 57% e 12%, respectivamente. É curioso notar que essas 2 categorias são as que mais têm expectativa de desenvolver toda a carreira profissional na empresa, mas com sentimento de insegurança profissional tão contrastante. Percebe-se nos valores mais destacados na relação de trabalho com os colegas, no significado do trabalho na empresa e nas expectativas em relação à empresa que a noção ideológica de consciência política dos técnicos e administrativos se traduz em uma ação individualizada, enquanto os operacionais e analistas reinterpretam essas ameaças por meio de valores da coletividade.

Nos interesses coletivos se verificou que a manutenção da empresa pública é compartilhada pela maioria dos trabalhadores nas 4 categorias, como destacado na dimensão anterior. Identificou-se que a ameaça e o adversário visível contra os interesses coletivos são a privatização e o interesse político do governo estadual. Os analistas, seguidos pelos assistentes operacionais, são mais homogêneos na identificação do adversário visível: o interesse do governo nas 3 esferas administrativas. Os assistentes administrativos e os técnicos assinalaram, ainda que minimamente, que a privatização é uma forma de atrair investimentos e aumentar a cobertura do saneamento. Nenhuma das 4 categorias cita os relatos alarmantes de instituições de mercado sobre as crises hídrica, econômica e de combate à corrupção no setor público. Essa dimensão assume um papel decisivo na consciência política, pois predispõe o trabalhador a participar de ações coletivas, tendo o sindicato como o grupo identitário responsável pela defesa e manutenção da categoria. Segundo os trabalhadores, há alternativas mais viáveis para investimentos e desenvolvimento econômico da empresa, além da privatização. Há unanimidade quanto a essas alternativas, como: a) impedir a ingerência política; b) melhorar a gestão pública; e c) promover lideranças de carreira na empresa.

Na eficácia política se encontra o sindicato, organização que representa a categoria legitimada para intervir. Buscou-se compreender como os trabalhadores avaliam a atuação do sindicato no contexto de privatização. Prevalecem respostas ressaltando sua importância e capacidade de mobilização junto à categoria, sendo ator essencial no movimento antiprivatização. Porém, não é unânime esse sentimento, pois há opiniões que variam desde o papel primordial na mobilização das ações coletivas antiprivatização até um papel inerte ou com atuação muito fraca, pouco incisivo, papel político divergente, alienado e sem eficácia política. Os técnicos são os que menos atribuem eficácia política ao sindicato, apresentando o maior índice de descrença na força de intervenção do sindicato e o menor índice de ampliação do discurso da privatização junto à sociedade, e os que menos se organizam visando a uma mudança do quadro social. Contudo, há uma margem de oportunidade para o sindicato, pois é a categoria que mais reivindica uma melhor comunicação com os trabalhadores. Por outro lado, os analistas ocupam a liderança nas reinvindicações de ampliar o debate da privatização junto à sociedade e melhorar a comunicação do sindicato com a empresa. Os operacionais, que têm maior identidade coletiva sindical, só perdem para os técnicos quanto à baixa confiança no sindicato. Igualmente, assumem o segundo lugar, reivindicando melhor comunicação com os trabalhadores. Percebe-se uma experiência frustrante com o sindicato, pois são os mais próximos e os mais desapontados. Os administrativos são os que revelam o melhor índice de crença no sindicato, fato curioso, dadas as preferências já analisadas dessa categoria por ações individualizadas. Diferente dos analistas, é a categoria que menos sinaliza melhoria da comunicação do sindicato com a empresa e ainda é a que menos sinaliza que o sindicato deve melhorar sua comunicação com o trabalhador. Tem-se a impressão de que essa categoria é a menos envolvida em experiências sindicais, pois tem baixa identidade coletiva sindical, alto valor individual e poucas frustrações com o sindicato, tendo conhecimento da representatividade sindical, porém, mostra-se distante das ações coletivas promovidas pelo sindicato.

Nos sentimentos com respeito aos adversários a categoria que se destaca é a de assistente operacional, onde se encontra o índice mais baixo de reconhecimento da empresa ao seu desempenho. Do lado oposto se encontram os analistas, com os melhores indicadores de reconhecimento da empresa. De igual modo, a percepção de dedicação e empenho dos trabalhadores é maior nas categorias dos analistas e assistentes administrativos, enquanto nos operacionais verificou-se o menor índice entre as categorias, apesar de todas se identificarem em níveis elevados de comprometimento. Esse sentimento se comprova ao analisar as respostas das recompensas que a empresa lhes fornece: para os analistas, os índices de plano de carreira e salários competitivos estão acima de 70%; para os administrativos, o maior indicador está no plano de saúde, chegando a 57%; mesma característica dos técnicos, porém, estes não passam de 35%. O maior indicador de recompensa para os operacionais está no bom clima organizacional e gestores que promovam ambiente interno agradável (43% das respostas), comparando com os analistas, essa demanda é de 16%. Nessa dimensão, apresenta-se a maior discrepância entre as categorias. Os analistas, seguidos pelos administrativos, têm as melhores percepções de equilíbrio das relações. Já os operacionais, seguidos pelos técnicos, revelam as piores percepções de justiça social no arranjo obrigações e recompensas no ambiente de trabalho

Nas metas e repertórios de ações se identificou o grau de alinhamento entre os trabalhadores e o sindicato quanto aos objetivos e as estratégias de ação, os sentimentos de injustiça e eficácia política. Os trabalhadores, de modo geral, nas 4 categorias, consideram que os principais atores na privatização da empresa são o governo estadual e o lobby das empresas. Ao considerarem o sindicato um ator de baixo potencial de eficácia política para reverter seus sentimentos de injustiça diante da privatização, todas as categorias profissionais decidem, com intensidades diferentes, aperfeiçoar-se para o mercado de trabalho. Os técnicos são a única categoria que adotam essa estratégia como a principal opção. Os analistas e os operacionais preferem, principalmente, melhorar seus desempenhos na empresa. E os administrativos empatam ao priorizar estratégias com foco interno e externo. Sobre os fatores positivos e negativos de participar nas ações do sindicato, dentre os positivos, os trabalhadores citam: a) fortalecimento da categoria; b) conscientização e espaço para construção; c) mudanças positivas para o trabalhador; d) mais informação; e) luta para manutenção dos benefícios etc. Quando se questiona as razões negativas para não participar dessas ações, mencionam-se perseguição, desconfiança e intolerância dentro da empresa, alienação, desgaste, acomodação deliberada etc.

Os analistas (43%) e os operacionais (28%) são mais receptivos à participação em ações do sindicato. Os técnicos (17%), seguidos pelos administrativos (21%), são os mais céticos. Ao comparar a influência da empresa e do sindicato no contexto de privatização, nota-se que a empresa é vista como muito mais influente do que o sindicato, o que justifica a preocupação dos trabalhadores em participar de ações visíveis do sindicato, temendo represália da empresa. Verifica-se maior medo da liderança da empresa do que confiança na liderança do sindicato.

Na vontade de agir coletivamente se constatou que a maioria dos trabalhadores são contra a privatização, porém, eles reconhecem que não assumem ações que possibilitem uma mudança de cenário e aguardam para ver o que acontecerá. Já os que se posicionaram a favor da privatização consideram essa possibilidade, buscando qualificação e preparando-se para o momento em que ela se concretizar. As metas e ações que o sindicato deve implementar durante o processo de privatização da empresa parecem ser explícitas nas respostas do questionário, entretanto, não se identifica o engajamento dos trabalhadores na defesa da causa. Há um distanciamento entre o discurso e a prática mobilizadora do engajamento coletivo nas respostas do questionário. Nessa dimensão, o trabalhador faz uma análise objetiva para decidir se participa ou não de ações coletivas contra a privatização. Os operacionais são os que mais identificam os objetivos e as estratégias do sindicato alinhados aos dos trabalhadores, tanto no sentido coletivo quanto no sentido individual de interesse. Porém, verificou-se que os administrativos são os que apresentam os menores indicadores de alinhamento de ações coletivas entre o sindicato e os trabalhadores. Percebeu-se um alto índice de parcialidade nas categorias, indicando imprecisão dos trabalhadores quanto às ações e estratégias do sindicato. Essa indefinição é mais acentuada nos analistas e nos administrativos. Os técnicos, apesar de também se mostrarem parciais, constituem a única categoria que cita objetivos e estratégias do sindicato em desacordo com a coletividade dos trabalhadores. Entretanto, projetando o interesse individual do trabalhador, todas as categorias registram desacordo com o sindicato. A vontade de agir coletivamente se dá pela análise individual e objetiva que o trabalhador faz de suas informações e significados sobre o contexto e a situação política dos atores sociais. Nota-se que não há um conjunto de objetivos e estratégias definido na consciência política dos trabalhadores para se sentirem decididos a se organizarem, visando a restaurar as injustiças cometidas contra eles. Não se demonstra inclinação dos trabalhadores a assumir ações coletivas com o sindicato no combate contra a privatização.

Os resultados da pesquisa revelam os aspectos psicopolíticos que justificam a preferência pela ação individual voltada à manutenção do emprego ou à recolocação no mercado de trabalho, ao invés da ação coletiva antiprivatização do sindicato. Observa-se que esses trabalhadores têm consciência dos riscos que a privatização apresenta, citados na revisão de literatura, gerando baixa predisposição à participação, devido ao sentimento de falta de eficácia política e falta de vontade de agir coletivamente, cujas metas e repertórios de ações coletivas antiprivatização do sindicato os fazem crer que são insuficientes para lutar contra os principais atores da privatização, cuja adesão às ações coletivas antiprivatização os tornaria visíveis e mais vulneráveis à demissão, caso a privatização se concretize.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do modelo de consciência política (Sandoval, 2001Sandoval, S. A. M. (2001). The crisis of the Brazilian labor movement and the emergence of alternative forms of working-class contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195.; Sandoval & Silva, 2016Sandoval, S. A. M. (2005). Emoções nos movimentos sociais (Trabalho apresentado na mesa-redonda Emoções, Engajamento e Movimentos Sociais). In Anais do 13º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social, São Paulo, SP.), das respostas ao questionário, traçou-se um paralelo entre as configurações que permeiam os posicionamentos e engajamentos dos trabalhadores, considerando a empresa e o sindicato. Os trabalhadores das quatro categorias profissionais são contrários à privatização da empresa. Conclui-se que as ações coletivas antiprivatização são pouco utilizadas, devido à crença de que suas garantias trabalhistas estarão desprotegidas pela exposição que essa ação produz, lhes parecendo mais eficaz, neste caso, a ação individual voltada para meritocracia, ou seja, ações menos confrontadoras e de riscos expositivos contra a privatização e que voltadas à permanência na empresa ou recolocação fora dela.

O governo estadual (acionista majoritário), seguido pelo lobby dos empresários, são os principais influenciadores desse prenúncio de desamparo, onde não há relação com crise econômica ou hídrica como motivo para privatização (nenhum trabalhador apontou isso) e o combate à corrupção é visto como um argumento ínfimo (apenas uma indicação). Entre os diversos questionamentos, constata-se que as categorias profissionais da empresa têm elevado nível de instrução acadêmica e uma consciência ampliada sobre o papel social do saneamento para a população.

Há um forte sentimento de pertença à empresa, caracterizando e reforçando a identidade coletiva. Entretanto, os trabalhadores não se envolvem na política relativa ao saneamento, pois em seus relatos não aparecem práticas de engajamento que se veem em indivíduos envolvidos com essas questões. Eles manifestam certo repúdio ao posicionamento político-partidário do sindicato, pois entendem que tal viés não tem eficácia política. Todavia, reconhecem a legitimidade do sindicato e seu papel fundamental na luta contra a privatização, porém, revelam pouca participação da sociedade por incapacidade do sindicato em envolvê-la na discussão.

Embora se tenha contado com mais de 85% de filiados nas respostas ao questionário, não se verificou unanimidade no reconhecimento da representatividade desse sindicato. Uma parte considerável (1/3 dos pesquisados) questionou a parcialidade do sindicato no tratamento de determinadas categorias profissionais, sua sucumbência quando pressionado pela empresa e seus posicionamentos ideológicos, muitas vezes considerados ultrapassados ou divergentes dos seus, dificultando a construção de um sentimento de identidade coletiva em relação ao sindicato. A falta de eficácia política do sindicato possibilita que se compreenda a razão do pouco envolvimento dos funcionários em ações coletivas antiprivatização. Porém, quando se trata de acordos coletivos de trabalho visando a atender aos interesses de todas as categorias profissionais no cenário interno, pode-se contar com o sindicato como uma entidade com repertórios de ações e engajamento, além de força de mobilização coletiva, reconhecendo e valorizando suas ações.

Este artigo preenche uma lacuna nos estudos organizacionais, em gestão de pessoas, relações de trabalho e sobre os impactos psicossociais da privatização no trabalho, permitindo compreender a (des)mobilização nas ações coletivas antiprivatização do sindicato, servindo também como diagnóstico para o sindicato investigado. Por fim, constata-se que o modelo adotado possibilita a compreensão da consciência política, pois percorre campos subjetivos e objetivos da estrutura psicossocial, por meio das dimensões da consciência voltadas tanto a perspectivas internas (identidade coletiva; crenças, valores, expectativas societais; interesses coletivos) como externas (eficácia política, sentimento com respeito aos adversários, vontade de agir coletivamente, metas e repertórios de ações), articulando-as simultaneamente para compreensão da tomada de decisão pela ação individual ou coletiva. Embora o modelo reformulado em 2016 possibilite a análise da consciência política emergindo do próprio grupo pelo grupo, em uma perspectiva pautada pela autoavaliação, sem depender da comparação com um adversário que sempre está fora do grupo investigado, verifica-se que a maioria dos trabalhos que utilizam o modelo, inclusive esta pesquisa, o adotam com base na existência de uma ameaça, um ator discordante e da distinção entre meu grupo e o grupo do outro, demarcando atores antagônicos. Portanto, recomenda-se em futuros trabalhos com sindicatos o uso do modelo de consciência política em uma perspectiva de autoanálise, para identificação dos adversários dentro do sindicato e nas categorias profissionais que fazem parte dele, visando ao fortalecimento da identidade coletiva do sindicato com seus filiados e da vontade de agir coletivamente na definição de metas e repertórios de ações em defesa de seus interesses.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    09 Jul 2019
  • Aceito
    02 Mar 2020
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