Acessibilidade / Reportar erro

Imigração como prática de organização: discussões sobre práticas de organização, deslocamento e integração de imigrantes haitianos na Região Metropolitana de Goiânia, em Goiás, Brasil

Resumo

Esse estudo busca conduzir discussões sobre as práticas de deslocamento e organização, que são parte do processo de integração de imigrantes haitianos nos países em que vivem, em seu processo de diáspora. Haiti é um país historicamente marcado pelo deslocamento, a exemplo das pessoas que foram forçadamente deslocadas para serem escravizadas no período colonial do país. Portanto, esse estudo focará no processo de deslocamento, por meio da lente teórica dos Estudos Baseados em Prática, fazendo uso de Michel de Certeau, que teoriza sobre práticas sociais, associadas a conceitos de Tim Cresswell sobre deslocamento e imigração como prática. A pesquisa foi conduzida entre agosto e dezembro de 2017 em duas comunidades haitianas na Região Metropolitana de Goiânia, Goiás, localizada no Centro Oeste do Brasil. Para a produção de material empírico nós usamos a técnica de história de vida e observação participante, aplicadas no acompanhamento das atividades cotidianas das comunidades de imigrantes. Como resultados principais foi obtido que a prática de deslocamento de imigrantes haitianos é um fenômeno em que o processo não está acabado e que ainda ocorre, envolvendo diferentes dimensões de eventos, com os deslocamentos internacional, nacional e pendular. Também foi possível concluir que práticas de deslocamento são permeadas por práticas organizacionais, sendo o “organizar” e “migrar” processos envolvidos. Ademais, a prática de organização é um componente-chave para a integração e acesso ao local de trabalho no Brasil. Portanto, a imigração pode ser considerada um conjunto de práticas para organizar experiencias de mobilidade que são espacialmente incorporadas e multilocalizadas.

Palavras-chave:
Organização; Deslocamento; Imigrantes Haitianos; Prática Social

Abstract

This study aims to discuss the practices of displacement and organization that are part of the process of integrating Haitian immigrants in the countries that they live, in their diaspora process. Haiti is a country historically marked by displacement, which is observed since the colonial period, when people were forcibly displaced to be enslaved. This article will focus on the process of displacement, through the theoretical lens of Practice-Based Studies, using Michel de Certeau’s theory about social practices, associated with the concepts of Tim Cresswell about displacement and immigration as practice. The research was conducted between August and December 2017 in two Haitian communities in the Goiânia Metropolitan Region, in the state of Goiás, located in Central-West Brazil. For the production of empirical material, we used the techniques of life history interview and participant observation, by accompanying the everyday life activities in the immigrant’s communities. The results show that the practice of displacement of Haitian immigrants is an unfinished and still in process phenomenon, involving different dimensions of events, with international, national, and commuting displacement. It was also possible to conclude that the displacement practices are permeated by organizational practices and that “organizing” and “migrating” are processes involved. In addition, the practice of organization is a key component for integration and access to the workplace in Brazil. Therefore, immigration can be considered sets of practices to organize mobility experiences that are spatially multi-localized and incorporated.

Keywords:
Organization; Displacement; Haitian Immigrants; Social Practice

Resumen

Este trabajo busca conducir discusiones sobre las prácticas de desplazamiento y organización, que forman parte del proceso de integración de inmigrantes haitianos en los países en que viven, en su proceso de diáspora. Haiti es un país históricamente caracterizado por el desplazamiento, a ejemplo de las personas que fueron desplazadas por la fuerza para ser esclavizadas en el período colonial del país. Este estudio enfoca el proceso de desplazamiento a través de Estudios Basados en Prácticas y recurriendo a Michel de Certeau, que teoriza sobre prácticas sociales, asociadas a conceptos de Tim Cresswell sobre desplazamiento e inmigración como práctica. La investigación se realizó entre agosto y diciembre de 2017 en dos comunidades haitianas de la Región Metropolitana de Goiânia, estado de Goiás ubicado en el centro-este de Brasil. Para la producción del material empírico, utilizamos las técnicas de historia de vida y observación participante, aplicadas en el seguimiento de las actividades cotidianas de las comunidades de inmigrantes. Como resultado principal se observó que la práctica de desplazamientos de inmigrantes haitianos es un fenómeno cuyo proceso todavía no ha acabado y que ocurre, involucrando diferentes dimensiones de eventos, con los desplazamientos internacional, nacional y pendular. También fue posible concluir que las prácticas de desplazamiento están impregnadas de prácticas organizacionales, siendo el “organizar” y “migrar” procesos envueltos. Además, la práctica de organización es un componente clave para la integración y acceso al lugar de trabajo en Brasil. Así, la inmigración puede ser considerada como un conjunto de prácticas para organizar experiencias de movilidad que son espacialmente incorporadas y multilocalizadas.

Palabras clave:
Organización; Desplazamiento; Inmigrantes haitianos; Práctica social

INTRODUÇÃO

O percurso teórico que propomos neste artigo é composto, a princípio, por práticas a partir da teoria da prática social de Michel de Certeau, bem como pelo tema da imigração, na perspectiva de Tim Cresswell, por meio da concepção da imigração como prática de organização de experiências de mobilidade multilocalizada e espacialmente incorporadas. Ao trabalharmos a imigração no campo da prática, a visão que construímos é a de que a mobilidade/deslocamento é uma ação praticada, vivida e corporificada, conceito que dissocia o ato de imigrar de simplesmente se deslocar por qualquer motivo em questão (Cresswell, 2006bCresswell, T. (2010). In place-out of place: geography, ideology, and transgression. Minneapolis, Minnesota: University of Minnesota Press.).

Ao reconhecer a dimensão prática da mobilidade, estaremos discutindo um conceito que já é um importante tema de pesquisa na área de Administração, que é o campo de Estudos Baseados na Prática (EBP). Estudos mostram a amplitude teórica que o conceito de práticas possibilita para as análises organizacionais, como o de Schatzki (2005Schatzki, T. (2005). Peripheral vision: The sites of organizations. Organization studies, 26(3), 465-484.) sobre como as organizações se constituem, o de Gherardi (2010Gherardi, S. (2010). Telemedicine: A practice-based approach to technology.Human relations, 63(4), 501-524.) sobre as relações humano/não-humano no desenvolvimento e uso da telemedicina, o de Courpasson (2017Courpasson, D. (2017). The politics of everyday.Organization Studies, 38(6), 843-859.) sobre as forças de emancipação do cotidiano organizacional ou o de Hoof e Boell (2019Hoof, F., & Boell, S. (2019). Culture, technology, and process in ‘media theories’: Toward a shift in the understanding of media in organizational research.Organization, 26(5), 636-654.) sobre as mídias nas organizações. Especificamente no contexto brasileiro, há estudos que também destacam a ampla abrangência da utilização do conceito de práticas nas organizações brasileiras, como os estudos de Ribeiro, Ipiranga, Oliveira e Dias (2019Ribeiro, R. C. L., Ipiranga, A. S. R., Oliveira, F. F. T. D., & Dias, A. D. (2019). Uma “estética de lances” de uma “heroína ordinária”: o reorganizar de práticas de resistências de uma artesã.Cadernos EBAPE.BR,17(3), 590-606.) sobre a “estética de lances” de mulheres empreendedoras, o de Oliveira e Cavedon (2017)Oliveira, S., & Piccinini, V. (2009). Validade e reflexividade na pesquisa qualitativa. Cadernos EBAPE.BR, 1(7), 88-98. sobre heterotopias organizacionais e o de Junquilho, Almeida e Silva (2012Junquilho, G., Almeida, R., & Silva, A. (2012). As “artes do fazer” gestão na escola pública: uma proposta de estudo.Cadernos EBAPE.BR, 10(2), 329-356.) que discute as práticas no cotidiano da gestão escolar.

Posicionando este artigo nos Estudos Baseados em Práticas (EBP), reuniremos as discussões sobre mobilidade apresentadas por Cresswell (2006bCresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.) com os debates sobre práticas propostos por De Certeau (2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.). Para De Certeau (2014)Cresswell, T., & Merriman, P. (2010). Geographies of mobilities: Practices, spaces, subjects. Farnham: Ashgate Publishing, Ltd., o espaço é “um lugar praticado”, conceito que o autor inicialmente metaforiza como cenário urbano, sendo a rua um lugar geometricamente definido e o pedestre o autor que transforma o lugar em espaço. Assim, consideramos que as práticas de deslocamento no espaço social constituem a imigração na concepção urbana contemporânea como um lugar praticado e transformado em espaço pelos imigrantes que ali interagem organizacionalmente.

Oliveira (2014Oliveira, M. (2014). O tema da imigração na sociologia clássica.Dados-Revista de Ciências Sociais, 57(1), 73-100.) explica que a tradição marxista travou discussões sobre a imigração, focando no entendimento do imigrante como componente de um bloco indistinto, numa análise majoritariamente capitalista, apontando que o ato de imigrar se deve ao desejo de acumular capital. Nesse sentido, esse artigo se difere justamente por apresentar uma discussão do fenômeno baseada em prática.

Por considerar que este estudo faz parte das ciências administrativas do Brasil, com uma abordagem da prática da imigração sob a ótica dos estudos organizacionais, nós o apresentamos também como uma possibilidade alternativa de produção de teorias e conhecimentos sobre um fenômeno do ponto de vista do Sul (Alcadipani & Rosa, 2011Alcadipani, R., & Rosa, A. (2011). From grobal management to glocal management: Latin American perspectives as a counter-dominant management epistemology.Canadian Journal of Administrative Sciences/Revue Canadienne des Sciences de l’Administration, 28(4), 453-466.). Se há processos sociais únicos em sua ocorrência, como a condição socioeconômica específica do Hemisfério Sul, isso mostra que há uma demanda por teorias produzidas e aplicadas em diferentes contextos levando em consideração sua especificidade.

Para operacionalizar a parte empírica do trabalho, o sujeito de pesquisa que escolhemos foi o imigrante haitiano, que faz parte de um dos mais importantes fluxos migratórios recentes no território brasileiro, sendo um povo fortemente marcado por infortúnios históricos. Cotinguiba (2014Cotinguiba, G. C. (2014). Imigração haitiana para o Brasil: a relação entre trabalho e processos migratórios (Masther Thesis). Fundação Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO.) afirma que a situação haitiana é contraditória, uma vez que o país foi uma das maiores conquistas da história moderna, pela implantação da primeira república negra da história e é o primeiro lugar para acabar com a escravidão negra nas Américas, mas mesmo assim, sua elite local tem feito esforços com sucesso para perpetuar algumas desigualdades com base no passado abolido.

Nosso campo de pesquisa inclui sujeitos do Haiti que estão estabelecidos no Brasil. Segundo o relatório “Estudos sobre a Migração Haitiana para o Brasil e o Diálogo Bilateral”, de Fernandes e Castro (2014Fernandes, D., & Castro, M. C. G. (2014). Estudos sobre a migração haitiana ao Brasil e diálogo bilateral. Belo Horizonte, MG: Organização Internacional das Migrações.), o movimento de emigração do Haiti para o Brasil teve início após o terremoto que devastou o país em 2010. Wooding e Moseley-Williams, (2004Wooding, B., & Moseley-WilliamS, R. (2004). Needed but unwanted. London, UK: Catholic Institute for International Relations.) afirmam que o Haiti é um dos países mais vulneráveis do mundo aos impactos de furacões e tempestades tropicais, além de possuir instituições fracas e de haver um grave problema de pobreza entre seus habitantes. Todos esses aspectos da vulnerabilidade socioeconômica contribuem para o fenômeno da imigração. Mejía (2015Mejía, M. R. G. (2015). Relato da experiência migratória de mulheres haitianas no Sul do Brasil. In Anais do 13º Congreso Latinoamericano de Antropología, Florianopolis, SC.) explica que um quarto da população haitiana emigrou principalmente por causa de sua crise econômica, política e ambiental, e que, apesar dos esforços de solidariedade e ajuda humanitária internacional, o país não experimentou melhorias reais em suas condições de vida, uma vez que apenas 20% de sua população está empregada e o país tem um terço de seu orçamento proveniente de receitas enviadas por imigrantes haitianos estabelecidos em outros países.

Entre 2010 e 2012 houve um inédito fluxo de 4.000 imigrantes haitianos para a região Norte do Brasil (Véran, Noal & Fainstat, 2014Véran, J., Noal, D. S., & Fainstat, T. (2014). Nem refugiados, nem migrantes: a chegada dos haitianos à cidade de Tabatinga (Amazonas). Revista Dados, 57(4), 1007-1041.). O Brasil tornou-se um destino promissor devido ao discurso de crescimento econômico do país na época, bem como pela possibilidade facilitada de obtenção de visto de permanência (Cotinguiba, 2014Cotinguiba, G. C. (2014). Imigração haitiana para o Brasil: a relação entre trabalho e processos migratórios (Masther Thesis). Fundação Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO.). A imigração haitiana, do ponto de vista do Brasil, tem uma representação importante, pois desde a Segunda Guerra Mundial o país não apresenta um fluxo tão expressivo de imigrantes que chegam ao país em situação irregular (Fernandes, 2015Fernandes, D. O. (2015). Brasil e a migração internacional no século XXI: notas introdutórias. In E. J. P. Prado, & R. Coelho (Orgs.), Migrações e trabalho. Brasília, DF: Ministério Público do Trabalho.).

No início do fluxo migratório, os imigrantes haitianos, ao entrarem no território brasileiro, protocolavam pedido de refúgio na Polícia Federal (Araújo, 2015Araújo, A. (2015). Reve de Brezil: a inserção de um grupo de imigrantes haitianos em Santo André, São Paulo-Brasil (Masther Thesis). Universidade Federal do ABC, Santo André, SP.), alegando que a entrada no Brasil se deve às precárias condições de vida no Haiti e porque são incapazes de encontrar meios de subsistência após o terremoto (Fernandes, 2015Fernandes, D. O. (2015). Brasil e a migração internacional no século XXI: notas introdutórias. In E. J. P. Prado, & R. Coelho (Orgs.), Migrações e trabalho. Brasília, DF: Ministério Público do Trabalho.). Porém, a questão haitiana não estava totalmente de acordo com a legislação de imigração estabelecida pelo Estatuto do Estrangeiro, que vigorava no Brasil entre agosto de 1980 (período em que o Brasil passava pela Ditadura Militar) e maio de 2017 (quando a Lei de Imigração foi instituída). A dificuldade de encaixar os imigrantes haitianos na condição de refugiado deveu-se ao fato de o Brasil adotar o entendimento de refugiado estabelecido na Convenção de Genebra de julho de 1951, na qual ficava estabelecido que o refugiado era a pessoa que se encontrava fora de seu país de nacionalidade e que teme ser perseguido por razões de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. Somente com a introdução da Lei de Imigração no Brasil é que os imigrantes haitianos puderam ser incluídos no visto de recepção humanitária1 1 Esse tipo de visto já havia sido aprovado pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIG) e pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) no Brasil, mas inicialmente esse tipo de visto era concedido de forma limitada e condicionada à concessão dos Órgãos Estaduais. .

Apesar dos avanços obtidos, segundo Silva e Oliveira (2015Silva, C., & Yen-Tsang C. (2015). Tem Comida Chinesa no Prato dos Brasileiros: Como Empreendem os Imigrantes Chineses no Brasil. In Anais do 39º Encontro da ANPAD, Maringá, PR.) o Brasil ainda tem muito a desenvolver em termos de políticas migratórias, uma vez que atualmente existe apenas uma regulamentação que permite a entrada e permanência dos imigrantes, mas não há uma atenção sólida em garantir direitos e promovendo a sua integração na sociedade local. Em seu estudo, Cogo e Silva (2016Cogo, D., & Silva, T. (2016). Entre a fuga e a invasão: alteridade e cidadania da imigração haitiana na mídia brasileira/Between escape and invasion: otherness and citizenship of Haitian immigration in the Brazilian media. Revista FAMECOS, 23(1), 1-18.) afirmam que em um primeiro momento as narrativas midiáticas tratavam das fragilidades das políticas migratórias no Brasil diante da chegada dos haitianos. Porém, houve uma transformação do “enquadramento midiático” no período analisado. Se inicialmente a imigração haitiana para o país foi interpretada como “fuga” do Haiti e da “miséria”, posteriormente essas imagens foram substituídas por “invasão haitiana”, apoiando discursos que defendiam a necessidade de controlar a entrada de haitianos (Cogo & Silva, 2016Cogo, D., & Silva, T. (2016). Entre a fuga e a invasão: alteridade e cidadania da imigração haitiana na mídia brasileira/Between escape and invasion: otherness and citizenship of Haitian immigration in the Brazilian media. Revista FAMECOS, 23(1), 1-18.).

Com base no arcabouço teórico deste artigo, nossa questão de pesquisa é: quais são as práticas de organização dos imigrantes haitianos na Região Metropolitana de Goiânia (RMG), no estado de Goiás? O objetivo geral é, portanto, discutir as práticas de organização dos haitianos que imigraram para a RMG. A escolha deste local ocorreu por a região ser uma das áreas mais populosas da parte central do Brasil, mas que em sua história recente não havia lidado com um fluxo intenso de imigração internacional. A pesquisa empírica conduzida foi qualitativa e foi realizada entre setembro e outubro de 2017.

As técnicas utilizadas para produzir o material empírico foram entrevistas de história de vida e observações participantes (Denzin & Lincoln, 2006Denzin, N., & Lincoln, Y. (2006). O planejamento da pesquisa qualitativa: teoria e abordagens. Porto Alegre, RS: Artmed.). As observações participantes ocorreram em duas comunidades de imigrantes haitianos com aproximadamente 500 residentes no total, resultando em diários de campo e registros fotográficos que respeitam o anonimato dos sujeitos da pesquisa. Essas observações ocorreram no cotidiano desses sujeitos, como durante as suas práticas religiosas e de trabalho. As entrevistas de história de vida ocorreram com cinco haitianos e após a transcrição das entrevistas foram feitas análises de todo o material empírico por meio da técnica interpretativa, buscando identificar em seus discursos suas principais práticas de organização.

Os principais resultados da pesquisa indicam que o deslocamento é uma prática contínua no fluxo de imigrantes haitianos e que sua inserção na sociedade está fortemente associada às relações estabelecidas na comunidade. Como contribuição para a análise organizacional, argumentamos que a imigração se caracteriza como um conjunto de práticas para a organização de experiências de mobilidade espacialmente corporificadas e multilocalizadas.

Em termos de estrutura do artigo, inicialmente apresentaremos o referencial teórico, trabalhando teorias sobre práticas e imigração, aprofundando alguns conceitos. A seguir, mostraremos os caminhos metodológicos adotados para a produção do material empírico e os resultados serão apresentados entrelaçados com suas respectivas análises. Por fim, encerraremos o artigo por meio da discussão e das considerações finais.

ESTUDOS BASEADOS EM PRÁTICA: CONTRIBUIÇÕES DE MICHEL DE CERTEAU

Por se tratar de um estudo que se enquadra nos estudos organizacionais, inicialmente adotamos a premissa trabalhada por Clegg e Hardy (1996Clegg, S., & Hardy, C. (1996). Organizations, organization and organizing. In CLEGG, S., & C. HARDY(Eds.), Handbook of organization studies(pp. 1-28). Thousand Oaks, CA: Sage.) de que as organizações são fenômenos sociais empíricos, em que cada pessoa tem uma visão diferente ao analisar vários aspectos de uma organização. O significado aqui adotado, congruente com a teoria de Clegg e Hardy (1996)Clegg, S., & Hardy, C. (1996). Organizations, organization and organizing. In CLEGG, S., & C. HARDY(Eds.), Handbook of organization studies(pp. 1-28). Thousand Oaks, CA: Sage., é que as organizações são locais de ação social situada; abertas às práticas incorporadas ao amplo tecido social e que podem ser formalizadas em saberes disciplinares. O campo organizacional, neste caso, sugere que existem espaços onde o objeto empírico é construído, derivado da interação recíproca e envolvendo um processo social (Clegg & Hardy, 1996Clegg, S., & Hardy, C. (1996). Organizations, organization and organizing. In CLEGG, S., & C. HARDY(Eds.), Handbook of organization studies(pp. 1-28). Thousand Oaks, CA: Sage.).

Movendo para a conceptualização da prática, De Certeau (2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.) nos apresenta que as práticas de sujeitos são “modos de fazer” e que reformulam o espaço organizado por meio de técnicas de produção sociocultural. Assim como De Certeau (2014)Cresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754., acreditamos que as práticas são “os modos de fazer” e/ou “contar” o cotidiano realizado pelos sujeitos sociais. As práticas do cotidiano também podem ter um fenômeno de politização pelo uso da habilidade dos mais fracos na tentativa de tirar o poder dos mais fortes (De Certeau, 2014Cresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.).

Nesse ponto, ao se tratar do poder, emerge a figura do homem ordinário, que segundo De Certeau (2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.) é o “herói comum”, “caminhante inumerável” e “personagem difundido”. O homem ordinário, portanto, é o sujeito presente em massa na sociedade, responsável pela parte operacional dos setores produtivos, além de ser o principal consumidor do sistema. O termo homem ordinário foi apresentado, em seu início, como uma forma de nomear as trajetórias individuais comuns à grande massa da sociedade, mas devido ao posicionamento ontológico e epistemológico dos autores, optamos por nos referir ao homem ordinário pelo termo “pessoa comum”.

Já tendo apresentado a pessoa comum e a prática como forma de fazê-la, ressaltamos a necessidade de abordar as duas classificações da prática a partir de dois conjuntos de formalidades: estratégias e táticas (De Certeau, 2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.). Em primeiro lugar, as práticas estratégias são manipulações de relações de força que permitem isolar sujeitos de conhecimento e poder circunscrevendo seus próprios lugares, nos quais é possível gerir relações com uma exterioridade de alvos, como clientes ou objetos de pesquisa (De Certeau, 2014Cresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.).

A racionalização da estratégia, no campo da Administração de Empresas, implica uma tentativa de distinguir o próprio do ambiente, ou seja, um lugar onde a própria vontade e o próprio poder se manifestam (De Certeau, 2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.). Como exemplo de atuação na área, citamos o estudo de Sampaio, Fortunato e Bastos (2013Sampaio, I., Fortunato, G., & Bastos, S. (2013). A estratégia como prática social: o pensar e o agir em um programa social governamental.Organizações & Sociedade, 20(66), 479-499.), que buscou avaliar o processo de articulação dos sujeitos organizacionais na realização das estratégias. Outro exemplo de trabalho que faz uso da teoria da prática na administração é o estudo de Silva, Carrieri e Souza (2012Silva, A., Carrieri, A., & Souza, E. M. (2012). A constructionist approach for the study of strategy as social practice.BAR-Brazilian Administration Review, 9(esp), 1-18.) que realizou investigações sobre a criação de estratégias práticas nas organizações ao longo do tempo. Há também o artigo de Quaresma, Peixoto e Carrieri (2013Quaresma, E. A. Jr., Peixoto, D., & Carrieri, A. (2013). A cristalização de uma microrrevolução francesa: o caso das cooperativas de Salinas-MG.RAM - Revista de Administração Mackenzie, 14(6), 162-184.) que trabalhou o cotidiano de duas cooperativas, monitorando suas estratégias de controle e interações de seus associados, tendo sua fase analítica sustentada por teorias táticas e espaço habitado.

Assim como há práticas de natureza estratégica que visam a temporalidade para o estabelecimento do próprio, há práticas que violam a ordem estabelecida. Para compreender essa rede de antidisciplinas, de transgressão, De Certeau (2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.) desenvolve o conceito de tática. As práticas táticas são caracterizadas pela ação calculada que é determinada pela ausência do próprio e do lugar (De Certeau, 2014Cresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.), atuando no campo do outro e no espaço controlado também pelo outro. Por não capitalizar a temporalidade, as táticas não estabelecem um lugar próprio de ação, permitindo a mobilidade e a improvisação (De Certeau, 2014Cresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.).

Este conjunto de conceitos sobre práticas, estratégias e táticas, tem o efeito de compreender outro par de conceitos desenvolvidos por De Certeau (2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.) que é espaço e lugar. Para De Certeau (2014)Cresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754., lugar é a ordem em que partes se organizam na coexistência, enquanto espaço é o efeito dessas ordens configuradas temporalmente, resultando na conceptualização de que “o espaço é um lugar praticado”.

Por ser o espaço um lugar praticado composto por partes organizadas em uma coexistência, as redes de parentesco se estabelecem como parte socialmente estruturante da vida cotidiana. Segundo Mayol (2013Mayol, P. (2013). Morar. In M. De Certeau, L. Giard, & P. Mayol (Eds.), A invenção do Cotidiano (Vol. 2, pp. 35-185). Petrópolis, RJ: Editora Vozes.), a família possui traços de identificação que envolvem seus membros por meio da participação decorrente de seus valores estabelecidos. Nesse sentido, os imigrantes podem ter uma propensão a estruturar suas relações sociais com base no parentesco se contarem com a presença de sua família no cotidiano estabelecido no país de acolhimento.

Na próxima parte do trabalho trataremos sobre prática de imigração. A dimensão prática da mobilidade que adotaremos é a defendida por Cresswell (2010Cresswell, T., & Merriman, P. (2010). Geographies of mobilities: Practices, spaces, subjects. Farnham: Ashgate Publishing, Ltd.), que afirma que o movimento consiste na realização de algo e que a prática pode estar associada à mobilidade devido à necessidade de tomar uma decisão, seja essa decisão geograficamente ou ao nível da sociedade.

PRÁTICA DE IMIGRAÇÃO: APROXIMANDO MICHEL DE CERTEAU E TIM CRESSWELL

Inicialmente, Cresswell (2006bCresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.) apresenta que a mobilidade pode se manifestar de diversas formas, como caminhar, dançar, correr, se exercitar, se mover, viajar ou imigrar, que é nosso fenômeno foco. Cresswell (2006b) acredita que alguns desses movimentos podem estar dissociados de características culturais ou sociais, pensamento que se desvia daquele defendido por Michel de Certeau, pois para De Certeau (2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.) todo movimento está relacionado à produção social. Ainda assim, Cresswell (2006a) aponta que os movimentos de pessoas ou objetos em todos os lugares estão repletos de significados e podem ser produtos ou produtores de poder.

Em relação à dimensão conceitual do deslocamento, Cresswell (2006bCresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.) descreve três formas básicas de imigração. A primeira forma de deslocamento é caracterizada pelo deslocamento de pessoas de suas cidades durante o dia para realizar atividades profissionais e estudantis em outras cidades, também conhecido como deslocamento (ou imigração) pendular (Cresswell, 2006bCresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.). A segunda, migração nacional, é a mobilidade interna dentro da área geográfica de um país (Cresswell, 2006bCresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.). A terceira forma, que faz parte do foco deste artigo, diz respeito à mobilidade internacional, na qual ocorrem deslocamentos entre diferentes Estados Nacionais (Cresswell, 2006bCresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.).

No caso da imigração internacional, Cresswell e Merriman (2010Cresswell, T., & Merriman, P. (2010). Geographies of mobilities: Practices, spaces, subjects. Farnham: Ashgate Publishing, Ltd.) afirmam que esses sujeitos são regularmente representados na mídia como pobres, sem instrução e não brancos, e são tidos como “sugadores” dos serviços do Estado. Porém, discursos nesse sentido não apenas negligenciam as complexas histórias e geografias da migração, mas também desconsideram a diversidade de sujeitos que assumiram a posição de imigrantes (Cresswell & Merriman, 2010Cresswell, T., & Merriman, P. (2010). Geographies of mobilities: Practices, spaces, subjects. Farnham: Ashgate Publishing, Ltd.). Mezzadra e Neilson (2013Mezzadra, S., & Neilson, B. (2013). Border as Method, or, the Multiplication of Labor. Durham, North Carolina: Duke University Press.) afirmam que a questão das fronteiras, que é parte constitutiva do fenômeno da imigração, por si só possui uma dimensão cognitiva da existência que estrutura o movimento, demonstrando a existência de diversos aspectos relacionados à imigração, como os temporais, aspectos sociais e políticos. Nesse sentido, o debate da imigração como prática aborda uma dimensão do deslocamento a partir de uma perspectiva social.

Segundo Cresswell (2006bCresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.), a imigração deve ser vista como mobilidade, e a mobilidade, assim como o deslocamento, é praticada, vivenciada e incorporada, e, portanto, migrar não é mais simplesmente fugir por razões políticas ou econômicas. Assim, o fato de os sujeitos vivenciarem habitualmente a mobilidade e o modo como as pessoas se movimentam está intimamente ligado aos significados atribuídos à mobilidade por meio da representação, assim como as representações de mobilidade estão baseadas na forma em que a mobilidade é praticada e incorporada (Cresswell, 2006bCresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.).

Para Cresswell (2010Cresswell, T., & Merriman, P. (2010). Geographies of mobilities: Practices, spaces, subjects. Farnham: Ashgate Publishing, Ltd.), a prática é comumente confundida com mobilidade, uma vez que o ato de mover resulta no processo de fazer algo. Cresswell (2010)Cresswell, T. (2005). Place: an introduction. Nova Jersey, NJ: John Wiley & Sons. afirma que, ao se deslocar, é necessária uma tomada de decisão, que está sujeita a restrições geográficas e sociais. As práticas incorporadas no processo de experimentação do mundo criam espaços e histórias, e essas histórias são classificadas como histórias espaciais. Essas práticas, para Cresswell (2010)Cresswell, T. (2005). Place: an introduction. Nova Jersey, NJ: John Wiley & Sons., também envolvem diversos compromissos concretos, exigindo uma variedade de tecnologias e infraestrutura.

Ao realizar o deslocamento entre lugares, Cresswell (2006aCresswell, T. (2006a). On the move: Mobility in the modern western world. London, UK: Taylor & Francis.) afirma que é possível pensar o movimento como uma mobilidade abstrata, na qual há abstração de contextos de poder. O movimento é composto de tempo e espaço, uma vez que, segundo Cresswell (2006b), movimento é a espacialização do tempo e temporalização do espaço. Para Cresswell (2005)Cresswell, T. (2010). In place-out of place: geography, ideology, and transgression. Minneapolis, Minnesota: University of Minnesota Press., o espaço é um conceito mais abstrato do que o lugar, uma vez que o espaço possui áreas e volumes, e os lugares têm espaço entre eles.

Nesse sentido, Cresswell (2005Cresswell, T. (2005). Place: an introduction. Nova Jersey, NJ: John Wiley & Sons.) afirma que os lugares nunca se acabam, pelo fato de serem o resultado de processos e práticas e estarem constantemente em performance. Assim, a imigração em manifestação pode influenciar a localização anfitriã por meio de suas práticas além do tempo de estabelecimento. Um exemplo prático são as cidades cosmopolitas que apresentam em suas paisagens características materiais das etnias que ali se instalaram.

Um campo que aborda a imigração na administração é o empreendedorismo. Exemplos nesta área incluem os artigos de Silva e Yen-Tsang (2015Silva, J., & Oliveira, M. (2015). Migrações, fronteiras e direitos na Amazônia.REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, 23(44), 157-169.), Mariz e Bógus (2013Mariz, M., & Bógus, L. (2013). Empreendedorismo Feminino: Imigrantes portuguesas em São Paulo.Brasiliana - Journal for Brazilian Studies, 2(2), 477-505.) e Oliveira (2007Oliveira, J. (2007). Empreendedorismo Sem Fronteira: desafios e conquistas dos imigrantes chineses no Brasil. In Anais do 31º Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro, RJ.) que estudaram empreendimentos de imigrantes no Brasil. Estudos sobre empreendedorismo por imigrantes estão em desenvolvimento por legisladores e pesquisadores, principalmente na Europa, onde, segundo Hammarstedt (2004Hammarstedt, M. (2004). Self-employment among immigrants in Sweden-an analysis of intragroup differences.Small Business Economics, 23(2), 115-126.), o empreendedorismo é uma importante forma de assimilação de imigrantes.

Em suma, a contribuição teórica deste artigo é a aproximação das teorias de Michel de Certeau e Tim Cresswell, considerando que a mobilidade é um fenômeno social a ser praticado, executado e que influencia constantemente seu ambiente ao longo do tempo no espaço geográfico em que ocorre. Nesse sentido, é possível compreender a imigração como práticas de organização de experiências de mobilidade multilocalizadas espacialmente corporificadas.

CAMINHOS METODOLÓGICOS

Neste artigo, a estratégia empírica que adotamos é a de natureza qualitativa, e sua utilização se justifica por tentar compreender e explicar um fenômeno social. Quanto aos fins, o trabalho é descritivo e explicativo, visto que já existem debates sobre a imigração haitiana, mas buscamos explicar como ocorre o fenômeno das práticas de organização da imigração haitiana no Brasil. Para tanto, utilizamos as técnicas de observação participante e entrevista de histórias de vida para produzir o material empírico.

Buscamos compreender como ocorre a organização dos sujeitos haitianos como imigrantes no Brasil e, portanto, a pesquisa qualitativa nos permitiu ir a campo para captar o fenômeno na perspectiva das pessoas nele envolvidas (Godoy, 1995). O objetivo da produção empírica deste trabalho é buscar compreender as experiências vividas no processo organizacional dos sujeitos pesquisados, tendo sempre em mente que nenhum método é capaz de coletar todas as variações da experiência humana continuada, mas os indivíduos podem oferecer relatos de suas ações (Denzin & Lincoln, 2006Denzin, N., & Lincoln, Y. (2006). O planejamento da pesquisa qualitativa: teoria e abordagens. Porto Alegre, RS: Artmed.).

O lócus geográfico escolhido foi a Região Metropolitana de Goiânia (RMG), pois destaca como os haitianos têm se organizado na região Centro-Oeste do Brasil. De acordo com a Lei Complementar 27 de 30 de dezembro de 1999, a Região Metropolitana de Goiânia é composta por onze municípios, nomeadamente: Abadia de Goiás, Aparecida de Goiânia, Aragoiânia, Goiânia, Goianápolis, Goianira, Hidrolândia, Nerópolis, Santo Antônio de Goiás, Senador Canedo e Trindade.

Com o objetivo de buscar um primeiro acesso ao campo e, consequentemente, poder compreender a dimensão atual de manifestação do fenômeno da imigração de sujeitos haitianos no RMG, buscamos uma porta de entrada do campo dentro da própria universidade. Foi nesse momento que descobrimos que havia um trabalho de mapeamento desses temas sendo conduzido por alguns pesquisadores da Universidade Federal de Goiás. Entramos em contato com a professora responsável e recebemos o contato do Pastor Ali2 2 Todos os nomes dos sujeitos envolvidos na pesquisa foram alterados para garantir seu anonimato. , responsável pela Igreja Metodista Expansul, principal ponto de encontro dos haitianos da comunidade.

Simultaneamente às tentativas iniciais de contato dentro da instituição de ensino, entramos em contato com a Pastoral do Imigrante de Goiânia, que tem sede na Rodoviária Interestadual de Goiânia, enviando um e-mail que explicava nossa pesquisa. Nosso contato foi prontamente atendido pela Irmã Maria, que nos convidou a participar da reunião do Grupo Inter-religioso (Grupo IR), na qual seria discutido o retorno das atividades com os imigrantes haitianos. Essa reunião aconteceria na manhã do sábado seguinte na casa do pastor Ali.

O Grupo IR é um grupo de pessoas de diferentes religiões, fundado em outubro de 2015, sob a organização da Irmã Maria e do Pastor Ali. O foco principal do grupo é apoiar sujeitos haitianos estabelecidos no RMG, porém, também prestam assistência a refugiados (principalmente sírios e venezuelanos).

No dia 5 de agosto de 2017, realizamos a primeira visita ao campo para participar do encontro, onde descobrimos que existem duas Comunidades Haitianas na Região, a Comunidade Expansul e a Comunidade Guanabara. O número aproximado de haitianos no bairro Expansul foi fornecido pelo Pastor Ali, com uma presença estimada de aproximadamente 1.000 haitianos em Aparecida de Goiânia e 3.500 no estado de Goiás. Ressaltamos que existe uma dificuldade em fazer um cálculo preciso de quantos haitianos vivem na região, pois muitos haitianos ainda estão envolvidos em fluxos migratórios em busca de oportunidades de trabalho e nem todos os imigrantes haitianos estão envolvidos nas comunidades da região.

A partir desse primeiro contato com o campo, pudemos iniciar nossa participação em suas atividades cotidianas, focando principalmente nos momentos de interação dos sujeitos haitianos. Ao todo, realizamos 18 visitas ao campo entre setembro e outubro de 2017, participando de missas nas duas comunidades, reuniões do Grupo de IR, solenidades de formatura de cursos profissionalizantes nas duas comunidades, recepção de casamento na Comunidade Guanabara, Festa de despedida de uma haitiana que estava emigrando, aulas de português nas duas comunidades e um dia de rotina em uma casa haitiana na comunidade Expansul.

A partir dessas observações, optamos também por realizar entrevistas de histórias de vida para que os sujeitos da pesquisa pudessem produzir uma narrativa sobre sua constituição subjetiva, considerando que as observações têm como características a compreensão de fenômenos sociais, mesmo que históricos, circunscritos a um relacionamento específico de espaço-tempo. As entrevistas foram realizadas com cinco haitianos que vivem na comunidade (quadro 1), e o critério utilizado para serem entrevistados foi ter a condição de imigrante haitiano no Brasil e ter participação ativa no cotidiano da comunidade.

O português, o francês e o inglês foram os idiomas utilizados na condução da pesquisa. Nas conversas informais durante o período de campo, as três línguas convergiram, mas pudemos perceber que embora o francês seja uma das línguas oficiais do país, a língua não é considerada “língua de casa”, e esta classificação pertence a Crioulo haitiano. Nas entrevistas, o idioma predominante foi o português, mas quando os entrevistados tiveram dificuldade de se expressar, recorremos a outros idiomas para conseguir a compreensão.

Quadro 1
Características Sociodemográficas dos Entrevistados

Para garantir a validade das técnicas empregadas, buscou-se realizar a técnica de triangulação (Oliveira & Piccinini, 2009Oliveira, S., & Piccinini, V. (2009). Validade e reflexividade na pesquisa qualitativa. Cadernos EBAPE.BR, 1(7), 88-98.). A triangulação pretendeu combinar o êmico (o que acontece no campo), o ético (a experiência do pesquisador no campo) e o teórico (teorizando a mobilidade como prática social), buscando assim estabelecer confiabilidade na pesquisa qualitativa. O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás.

Por fim, após a etapa de entrevistas e observações participantes, foi realizada a análise do material empírico por meio da compreensão do fenômeno de forma interpretativa. A análise interpretativa buscou compreender, por meio da interpretação, os significados, propostas e intenções que as pessoas atribuem às próprias ações e interações com os outros (Smith, 2008Smith, J. (2008). Interpretative Inquiry. In L. Given, L. (Ed.), The Sage encyclopedia of qualitative research methods. London, UK: Sage Publications.). Para subsidiar a interpretação dos resultados, foram utilizados diários de campo, fotos e vídeos dos momentos interacionais. Cavedon (2014Cavedon, N. R. (2014). Método etnográfico: da etnografia clássica às pesquisas contemporâneas. In E. M. Souza(Org.), Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: uma abordagem teórico-conceitual (pp. 65-90). Vitória, ES: EDUFES.) nos mostra que os aspectos pessoais do pesquisador podem ser registrados em diários de campo, auxiliando assim nas futuras reflexões e no entendimento ético dos pesquisadores.

CAMINHOS DA IMIGRAÇÃO HAITIANA NO BRASIL

Neste tópico, no qual nos concentraremos na apresentação e análise dos resultados do campo, faremos no texto uma tentativa de metaforizar o percurso dos sujeitos haitianos em seu processo migratório como “caminhos” percorridos. Nossa decisão de abordar a análise dessa forma foi desencadeada pela descoberta de que alguns imigrantes haitianos da Comunidade Expansul precisavam caminhar cerca de 43 quilômetros por dia, nos finais de semana, para ir e voltar do trabalho na Feira Hippie de Goiânia. A Feira Hippie é uma feira especial que tradicionalmente acontecia todos os domingos na Praça do Trabalhador, próxima ao Terminal Rodoviário Interestadual de Goiânia, mas que atualmente acontece de sexta a domingo. Alguns haitianos encontram nesta feira uma forma alternativa de subsistência, em resposta ao desemprego, atuando principalmente de duas formas: autônomos, sendo pagos por outros comerciantes por dia de trabalho; ou como empreendedores informais, vendendo suas mercadorias como vendedores ambulantes.

Conforme relatado na introdução, os resultados e suas respectivas análises serão apresentados em conjunto neste tópico para melhor fluidez dos trechos das entrevistas de histórias de vida com a teoria e com o conteúdo empírico de outras naturezas que foram produzidos e incorporados à análise.

“ABRA CAMINHO TRANQUILO PARA EU PASSAR”3 3 Parafraseamos trechos da música Fio de Prumo (Padê Onã) de Criolo com participação de Juçara Marçal nos títulos dos tópicos de análise dos resultados. : DO HAITI PARA O BRASIL

“Meu pai e minha mãe deixa país 2010, para ir lá na Venezuela. Eu ficou no Haiti, eu, minha irmã e meu irmão. Depois que eu terminar meu estudo, minha mãe vem me buscar. E estou aqui” (Fabienne, setembro de 2017).

Em sua história, o Haiti vivenciou muitas desventuras que o levaram a se tornar um país de emigração, com alguns países do continente americano participando da experiência da imigração haitiana como territórios de destino. Os países da América Latina têm sido polos de recepção de imigrantes haitianos ao longo da história, fazendo parte da Diáspora Haitiana (Ávila, 2016Ávila, O. C. (2016). O Haiti em Curitiba: um olhar interpretativo das práticas comunicativas dos haitianos no novo território (Masther Thesis). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR.), principalmente pela facilidade de acesso, tanto em termos de deslocamento quanto em processo de entrada.

Além disso, há outro fator importante a se considerar em relação à diáspora haitiana no continente americano: o poder das redes nesse processo de imigração transnacional (Cotinguiba, 2019Cotinguiba, G. C. (2019). Aletranje: a pertinência da família na ampliação do espaço social transnacional haitiano - o Brasil como uma nova baz (Doctoral Dissertation). Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO.). Para Cotinguiba (2019)Cotinguiba, G. C. (2019). Aletranje: a pertinência da família na ampliação do espaço social transnacional haitiano - o Brasil como uma nova baz (Doctoral Dissertation). Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO., a família constitui os elementos estruturais da mobilidade haitiana e a mobilidade é um elemento estrutural da sociedade haitiana. Desta forma, o fato de anteriormente haitianos terem imigrado para países da América Latina pode ter sido um dos motivos para que os fluxos atuais de imigração haitiana ocorram em direção a esses países, sendo a prática da imigração facilitada pelas redes estabelecidas.

Assim, abordamos a afirmação de Mayol (2013Mayol, P. (2013). Morar. In M. De Certeau, L. Giard, & P. Mayol (Eds.), A invenção do Cotidiano (Vol. 2, pp. 35-185). Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) de que as relações de parentesco são socialmente estruturantes ao analisar o poder das redes no processo de imigração, a partir da identificação dos sujeitos pelos valores estabelecidos no meio social por meio da participação. Por generalização teórica, pode-se afirmar que além da família, no caso da imigração, os demais vínculos estabelecidos com outros imigrantes vindos do mesmo país também geram participação por identificação, embora não no mesmo grau que nas relações familiares. Isso porque são os laços sociais e afetivos dessa população que permitem estabelecer um espaço social transnacional de mobilidade entre eles para além das fronteiras entre os países.

Neste ponto, validamos por meio deste trabalho a constatação de outros pesquisadores a respeito do caminho da imigração internacional haitiana, sendo que três dos nossos cinco entrevistados (Benjamin, Joel e Adonia) eram imigrantes em outros países (República Dominicana e Nicarágua) antes de chegar às terras brasileiras. Essas experiências anteriores foram constatadas durante a produção do material empírico, quando alguns dos imigrantes que não falavam português recorreram ao inglês e ao espanhol para se tornarem inteligíveis aos pesquisadores.

“Quando eu morava lá no Haiti, quando fui menino, meu idade não trabalhava e foi muito pouco idade para trabalhar, mas foi porque eu namora, eu comecei a namora, já outra vida, aí a gente foi, decidiu, já mudou de lugar. A gente morava na República Dominicana faz muito tempo, mora lá e foi assim, o resto da minha história do Haiti. Eu fui um tempo no Haiti, o resto foi lá na República Dominicana” (Adonia, setembro de 2017).

Porém, um diferencial que se apresenta no momento é que atualmente o fluxo de imigração para o Brasil passa por uma mudança estrutural, pois dois dos cinco entrevistados vieram legalmente (Fabienne e Cedric), tendo a autorização de imigração legal previamente adquirida no Haiti. Esses dois casos encontrados nas entrevistas se pluralizam, uma vez que Fabienne veio com o irmão, ambos já com visto, para encontrar os pais que estavam no Brasil há dois anos, enquanto Cedric tomou a decisão de imigrar com a noiva e ambos foram hospedados por parentes já estabelecido no Brasil. No caso de Cedric, ele tem o desejo de se instalar no Brasil e trazer a família, pois vê melhores perspectivas de realização de suas ambições pessoais.

É nesse sentido que De Certeau (2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.) afirma que as práticas produzem espaços sociais. Para os imigrantes haitianos, uma singularidade de seus “modos de fazer” espaciais são os laços familiares (Cotinguiba, 2019Cotinguiba, G. C. (2019). Aletranje: a pertinência da família na ampliação do espaço social transnacional haitiano - o Brasil como uma nova baz (Doctoral Dissertation). Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO.). Praticar seus laços familiares implica espacializar sua constituição coletiva a partir do princípio da mobilidade dos espaços sociais transnacionais, ainda que os laços familiares tenham sido tradicionalmente considerados como práticas de produção de lugar no sentido de “fixar” os sujeitos em uma relação de espaço e tempo, geralmente vinculados a um lugar físico. No caso da imigração haitiana, esse processo parece ocorrer na direção oposta, o que evidencia a necessidade de considerar elementos históricos e contextuais para discutir as práticas organizacionais.

Outro ponto importante é a necessidade de considerar a mobilidade dos sujeitos sociais como base para a análise dos processos organizacionais transnacionais, além das práticas de transações econômicas. No caso analisado, apesar de ser uma dimensão importante da mobilidade organizacional para os haitianos, os vínculos dentre essa população tornam essa mobilidade possível. Ou seja, como argumenta Cotinguiba (2019Cotinguiba, G. C. (2019). Aletranje: a pertinência da família na ampliação do espaço social transnacional haitiano - o Brasil como uma nova baz (Doctoral Dissertation). Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO.), a mobilidade é uma prática estrutural da sociedade haitiana, consequentemente, de sua forma de se organizar para além das fronteiras geográficas.

No entanto, deve-se notar que a trajetória internacional dos imigrantes haitianos não acabou. Durante o período da pesquisa, ficamos sabendo de uma família de haitianos que estava imigrando para a Guiana Francesa para se encontrar com seus parentes que residem lá. Além disso, a insegurança gerada por sua condição de imigrante reforça o sentimento de não territorialização desses sujeitos no espaço geográfico brasileiro. De fato, a prática da imigração haitiana não ocorre apenas a caminho do Brasil, mas também dentro do país como forma de produzir ou encontrar um lugar onde essa insegurança seja mitigada em termos econômicos, políticos ou culturais, o que será discutido no próximo tópico deste artigo.

“DOBRA A FORÇA DOS BRAÇOS”, VOU CAMINHAR PELO BRASIL

“Eu fui lá na Santa Catarina. Aí quando chegou lá não pode encontrar serviço. Aí eu deixa Santa Catarina e vem para cá” (Joel, setembro de 2017).

Neste tópico, abordaremos a trajetória que os imigrantes haitianos percorrem no Brasil até se estabelecerem na RMG. A migração nacional é a segunda forma básica de migração, segundo Cresswell (2006bCresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.), que consiste na mobilidade interna dentro do território de um país. Quatro dos entrevistados (Adonia, Joel, Cedric e Benjamin) fizeram esse caminho dentro do Brasil. De maneira geral, durante o período de campo, percebemos que a maioria dos imigrantes haitianos estava em outras cidades, geralmente em regiões de fronteira, antes de se instalarem no RMG, alguns sendo acolhidos por amigos ou parentes, mas eventualmente emigrando novamente em busca de melhores oportunidades.

De acordo com Araújo (2015Araújo, A. (2015). Reve de Brezil: a inserção de um grupo de imigrantes haitianos em Santo André, São Paulo-Brasil (Masther Thesis). Universidade Federal do ABC, Santo André, SP.), os imigrantes haitianos também tiveram cidades nas fronteiras do Brasil como representações transitórias, uma vez que as pequenas cidades das regiões de fronteira não tinham espaço suficiente no mercado de trabalho local para integrar o número de imigrantes que chegaram após 2010. Outro motivo do caminho percorrido em território nacional é a proximidade com parentes que já estão em outros estados do Brasil. Ávila (2016Ávila, O. C. (2016). O Haiti em Curitiba: um olhar interpretativo das práticas comunicativas dos haitianos no novo território (Masther Thesis). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR.) relata em seu estudo que a decisão pela imigração tem forte ligação com seus vínculos afetivos, uma vez que os imigrantes realizam práticas comunicativas entre amigos e familiares durante o processo, principalmente mediadas por tecnologias, evidenciando novamente o poder da rede nos fenômenos imigratórios.

“Por que Goiânia? Porque eu tenho meus amigos que vive lá, ele falou como é Goiânia, como é o trabalho, tudo isso, aí eu decidi de vir para cá” (Cedric, setembro de 2017).

Assim, as práticas comunicativas estão associadas às práticas de mobilidade principalmente no percurso nacional, pois os entrevistados relataram que a decisão pela migração internacional ocorreu principalmente devido ao imaginário construído no Haiti sobre o Brasil, embora a presença de amigos e familiares no país também influencie no processo. Já para a imigração nacional, os laços afetivos estavam mais presentes, muitas vezes permitindo que os haitianos se mudassem com perspectivas de emprego previamente acertadas por seus conhecidos. Mais uma vez, isso mostra o poder da rede de parentesco em decidir e constituir espaços de imigração, conforme destacado por Cotinguiba (2019Cotinguiba, G. C. (2019). Aletranje: a pertinência da família na ampliação do espaço social transnacional haitiano - o Brasil como uma nova baz (Doctoral Dissertation). Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO.).

Além disso, é possível articular essa discussão com a noção de ação social de Weber (2004Weber, M. (2004). Economia e sociedade. Brasília, DF: UnB.), quando este autor afirma que o processo comunicativo entre os indivíduos pode ser considerado como uma ação social, pois seu significado se refere ao comportamento dos outros, orientando o seu curso. Podendo ser determinada de forma afetiva, a ação social, aqui caracterizada como prática comunicativa, orienta os processos de interação entre os haitianos, sendo esta uma das práticas que produz sentido para sua mobilidade.

“Eu trabalhava, morava em Porto Velho e aí eu comecei a trabalhar, eu tinha uma pessoa mais perto da gente amizade, ela me ligou e aí eu consegui um trabalho e aí eu vim, morar mais eles, ai a gente tá aqui até agora” (Adonia, setembro de 2017).

Outra explicação para a prática da imigração nacional por esses imigrantes é a questão das fronteiras. Ao ingressarem com o pedido de refúgio, os primeiros imigrantes obtiveram a autorização para a emissão do Cadastro de Pessoa Física (CPF) e da Carteira de Trabalho (Araújo, 2015Araújo, A. (2015). Reve de Brezil: a inserção de um grupo de imigrantes haitianos em Santo André, São Paulo-Brasil (Masther Thesis). Universidade Federal do ABC, Santo André, SP.), podendo, assim, transitar legalmente no território brasileiro durante o período de concessão. No entanto, existem outras fronteiras que essa população precisa cruzar.

Cresswell (2005Cresswell, T. (2005). Place: an introduction. Nova Jersey, NJ: John Wiley & Sons.) nos mostra que a delimitação de fronteiras é uma forma de diferenciar uma determinada região das demais ao seu redor, porém, assim como há a delimitação de fronteiras do ponto de vista geográfico, De Certeau (2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.) também aborda a existência de fronteiras ou limites sociais, como parte de uma prática de poder, envolvendo o território por meio do conceito de “lugar apropriado”. As práticas estratégicas são uma arma forte de classificação, mapeamento, delineamento e divisão (De Certeau, 2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.). Nesse sentido, os limites legais, que podem ser uma prática de estratégia para classificar o “tipo de imigrante desejável”, constituem uma das principais limitações para a população haitiana conduzir práticas cotidianamente no país de acolhimento para que se integrem e transformem esse espaço em lugar, ou seja, apropriando-se dos espaços brasileiros para que se tornem suas casas.

A legislação brasileira coloca diversas fronteiras que se tornam encruzilhadas das possibilidades dessa população. Ao chegar ao Brasil, os haitianos se deparam com uma “nação de muitas contradições”, tanto política, quanto social e econômica, sendo burocrática e lenta o processo de regularização da imigração (Rodrigues & Marchese, 2016Rodrigues, V. M., & Marchese, V. F. (2016). Migração haitiana para o Brasil: problemática e perspectivas. Acesso Livre, 5, 106-124.). Esses imigrantes, que eram desamparados, tinham dificuldade de obter assistência social e acesso às políticas públicas (Rodrigues & Marchese, 2016). Mesmo que o processo de regularização tenha finalizado com sucesso, esses sujeitos ainda permaneceram com o desafio de se integrarem à sociedade, levando muitos haitianos a desanimar e desistir do sonho brasileiro, saindo do país para novas rotas de imigração (Rodrigues & Marchese, 2016Rodrigues, V. M., & Marchese, V. F. (2016). Migração haitiana para o Brasil: problemática e perspectivas. Acesso Livre, 5, 106-124.).

Portanto, o deslocamento nacional é uma forma de superar as dificuldades que o imigrante enfrenta após a imigração internacional e, nesse sentido, um atrativo da RMG para os haitianos já no Brasil foi o crescimento da comunidade imigrante na região. É relatado por alguns haitianos, durante o período em campo, que o fato de haver um local com possibilidade de participação em cultos em língua crioula haitiana e de poderem morar perto do trabalho (na Comunidade Guanabara) representa um grande diferencial. Essa valorização dessas especificidades se deve ao grande valor simbólico da igreja para os imigrantes haitianos, pois aumenta a sensação de aceitação. Diante disso, podemos dizer que a integração à sociedade também pode ocorrer localmente, em que os imigrantes haitianos se reúnem e se deslocam para locais próximos à sua comunidade, gerando integração em um contexto regional.

“MUROS DE CONCRETO INFETO”: A CAMINHO DO TRABALHO E DO LAZER

“Não tinha tempo pra gente andar, porque trabalho já pega todo tempo né? Aí só no domingo mesmo. Sábado eu trabaie o dia todo, no domingo também eu vai para igreja, só pra de tarde, só, não tem tempo pra pode andar” (Bejamin, setembro de 2017).

O percurso deste tópico corresponde ao deslocamento entre cidades e a mobilidade pendular é a terceira e última forma básica de deslocamento apontada por Cresswell (2006bCresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.), em que há deslocamento diurno para realização de suas atividades profissionais e estudantis em outras cidades. Nesse caso, expandimos a teoria de forma que ela também englobe o deslocamento para fins de lazer. A escolha de enquadrar o deslocamento de lazer como deslocamento pendular é porque as duas comunidades haitianas da RMG estão em regiões periféricas das cidades e, portanto, não há muitas opções de lazer localmente para seus dias de folga.

No caso dos sujeitos que vão a pé para o trabalho na Feira Hippie de Goiânia, a mobilidade se dá principalmente por meio de caminhadas, uma vez que esses sujeitos estão desempregados e sua renda com atividades informais não oferece valor suficiente para o uso do transporte público. De Certeau (2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.) afirma que a atividade de caminhada se caracteriza pela falta de lugar e faz parte do processo indefinido de existir e buscar o seu próprio. Os imigrantes em sua jornada ao local de suas atividades econômicas são dotados de um sentido indefinido de sua existência. Além disso, a estrada dá grande insegurança física, pois grande parte do trecho também é percorrido pela rodovia BR-153, na qual se caminha entre os gramados que dividem as estradas.

Nesse contexto, é possível considerar a coexistência de diferentes práticas de mobilidade na constituição do espaço organizacional haitiano. Essa população continua não só mantendo a mobilidade como fator estruturante em sua constituição organizacional, como neste caso em que condições econômicas resultam em seu trânsito constante entre as cidades da RMG, mas também evidencia como as cidades brasileiras não são pensadas para as pessoas. De Certeau (2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.) afirma que os conceitos de cidades são concebidos não para serem habitados pelos sujeitos, mas para fixá-los. Assim, quando as pessoas precisam caminhar por essas cidades, precisam criar novos roteiros, desvios, para que seja possível morar nesses locais. Em relação às práticas de deslocamento de haitianos nas rodovias, isso é muito evidente, na medida em que suas próprias vidas são postas em risco na convivência de caminhantes com o trânsito de automóveis, sem a infraestrutura de calçadas. Portanto, para um povo que possui mobilidade em seus elementos estruturais de constituição (Cotinguiba, 2019Cotinguiba, G. C. (2019). Aletranje: a pertinência da família na ampliação do espaço social transnacional haitiano - o Brasil como uma nova baz (Doctoral Dissertation). Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO.), caminhar é uma de suas principais práticas de resistência às condições econômicas que lhe são impostas.

Quanto à mobilidade para fins de lazer, uma de nossas principais conclusões é que os haitianos preferem não se deslocar para outras partes das cidades quando têm tempo livre. Esta decisão deve-se principalmente às suas árduas rotinas de trabalho, às suas limitações financeiras e à violência urbana da RMG.

A violência representa um paradoxo, pois há uma inversão de representações. Enquanto os imigrantes são considerados transgressores (Cogo & Silva, 2016Cogo, D., & Silva, T. (2016). Entre a fuga e a invasão: alteridade e cidadania da imigração haitiana na mídia brasileira/Between escape and invasion: otherness and citizenship of Haitian immigration in the Brazilian media. Revista FAMECOS, 23(1), 1-18.), por se estabelecerem em um espaço que “não é deles”, os imigrantes também ocupam uma posição de dupla vulnerabilidade. Esta condição duplamente vulnerável se dá porque esses imigrantes, além de serem desterritorizados em uma situação de riqueza não compartilhada entre os habitantes do país, também acabam compartilhando violência com os nacionais. Tais condições de violência compartilhada estão relacionadas à questão estrutural da cidade, onde massas localizadas em áreas periféricas estão mais expostas à violência urbana.

“O sábado como hoje eu vou lá no (shopping center) Flamboyant. Eu esperar ônibus no ponto, tem ladrão passar e tira fuzil e assalta. Mas tem muito brasileiro que é muito bom. Tem pouquinho que faz isso” (Joel, setembro de 2017).

Portanto, suas atividades de lazer estão posicionadas junto às demais práticas do cotidiano que são capazes de realizar produções sem dominação do tempo (De Certeau, 2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.), como visitar os amigos que moram nas proximidades ou frequentar a igreja, uma vez que a igreja foi apontada pelos imigrantes como sua principal fonte de lazer. Na maioria das vezes, para os haitianos imigrantes da RMG, caminhar pela cidade significa caminhar em direção ao trabalho.

“E A DOBRA DO DORSO DO OPERÁRIO NA RUA”: SITUAÇÃO ECONÔMICA

Em relação à atividade laboral, durante as primeiras visitas dos pesquisadores ao campo, em três situações, imigrantes haitianos nos procuraram pedindo ajuda para encontrar trabalho, enquanto em dois outros momentos nos pediram para ajudar seus conhecidos a encontrar trabalho. Por meio de observações participantes e entrevistas, foi possível perceber que o capital social4 4 Capital social é um conceito que foi apresentado pela primeira vez por Bourdieu, e segundo Portes e Sensenbrenner (1993) o capital social corresponde às expectativas de ação de uma coletividade e que afeta os objetivos econômicos e os comportamentos de seus membros no alcance de objetivos, mesmo nas circunstâncias em que essas expectativas não estão diretamente orientadas para uma esfera econômica. entre os haitianos em suas comunidades representa um importante componente das práticas de subsistência.

“É assim, meu amigo lá me falou: tem uma pessoa lá que está precisando de uma pessoa para trabalhar numa gráfica. Ele falou assim e depois ele mandar o telefone dele, eu falo com ele e depois eu foi para lá para fazer entrevista com ele” (Cedric, setembro de 2017).

No caso dos sujeitos entrevistados, quatro deles possuíam empregos formais, os quais também se enquadram nas estratégias práticas, pois no trabalho formal há a manipulação das relações de poder possibilitadas a partir do momento em que um sujeito de vontade e poder pode ser isolado, além de postular a estratégia como um lugar onde ela pode ser demarcada como algo que pode gerenciar relacionamentos por meio da externalização de alvos ou ameaças (De Certeau, 2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.). No entanto, a maioria dos empregos que os sujeitos conseguiram exige muito esforço físico, fato que deixa alguns haitianos insatisfeitos com seus cargos, associado à falta de perspectivas de crescimento de sua carreira. Em alguns casos, durante a pesquisa, foi compartilhado conosco o desejo de poder estudar, mas suas rotinas pesadas, que muitas vezes exigem trabalho noturno, os esgotam.

Essa relação dos haitianos com o trabalho no Brasil também destaca como o mercado de trabalho no país está estruturado. Embora esses sujeitos sejam tecnicamente qualificados para exercer funções outras que não operacionais, este é o local (De Certeau, 2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.) socialmente destinado a eles. É então necessário relacionar a categoria social do imigrante com outras categorias sociais para compreender esse processo. Conforme aponta Diehl (2016Diehl, F. (2016). As ressignificações do conceito de raça e o racismo contra os imigrantes haitianos no Brasil. In Anais do 13º Seminário InternacionaL de demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea, Santa Catarina, SC.), embora os brasileiros desenvolvam uma empatia com os estrangeiros, esse processo ocorre quando eles se originam predominantemente da Europa ou da América do Norte. Em relação aos latinos, essa empatia dos brasileiros muitas vezes está ausente e quando associada à categoria raça, como no caso dos haitianos que são em sua maioria negros, a condição de imigrantes negros torna um desafio a mais para eles no mercado de trabalho brasileiro.

DISCUSSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Argumentamos neste artigo que a imigração pode ser considerada como um conjunto de práticas para organizar experiências de mobilidade multilocalizada espacialmente incorporadas. Considerando a imigração como um processo praticado, destacamos que para além das motivações econômicas, existe uma dimensão de construção de experiências de relações espaciais e temporais, produzidas em diferentes localidades e articuladas em contextos específicos, que devem ser consideradas e que estão na base da organização de imigrantes. Nesse sentido, esta é a primeira dimensão do argumento teórico que apresentamos neste artigo ao destacar uma aproximação entre os debates propostos por Michel de Certeau sobre as práticas e por Tim Cresswell sobre a imigração para compreender o processo de imigração como experiências sociais multilocalizadas.

Portanto, uma primeira contribuição para o campo da Administração que apresentamos é a desconstrução do entendimento da migração como um fenômeno centrado nas dimensões econômicas para considerá-la como um fenômeno político, a partir das proposições de Tim Cresswell. Com efeito, foi possível aproximar essas discussões com os debates apresentados por Michel de Certeau, pois este autor destaca a necessidade de compreender a dimensão política do cotidiano também nas organizações.

Figura 1
Práticas de Organização dos Imigrantes Haitianos

Sobre os resultados (Figura 1), a primeira prática que apresentamos é a prática do deslocamento, que junto com a prática econômica fazem parte das práticas de organização que pudemos apreender na pesquisa com os imigrantes haitianos. Apresentamos a prática do deslocamento em três níveis de ocorrência, levando em consideração as formas básicas de imigração (Cresswell, 2006bCresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.): internacional, nacional e pendular. Nas práticas de deslocamento internacional, discutimos como se deu a trajetória de imigração entre o Haiti e o Brasil. No início, acontecia na condição de refugiado, mas nas chegadas mais recentes, os imigrantes haitianos vêm legalmente ao Brasil em busca de melhores condições de vida, sob o regime de visto humanitário. Nas práticas nacionais, destacamos que uma vez dentro do país, os haitianos se deslocam principalmente em busca de oportunidades econômicas e de estarem mais próximos de seus amigos/parentes, sendo essa prática relacionada à prática econômica e ao poder das redes sociais.

Nas práticas de deslocamento pendular, constatou-se que os imigrantes da RMG realizam principalmente o trajeto para o trabalho de bicicleta ou a pé e não demonstram vontade/possibilidade de sair nos dias de folga por diversos motivos (cansaço, falta de dinheiro e violência urbana). Paradoxalmente, durante esta pesquisa constatamos também que sujeitos imigrantes, que viajaram longas distâncias para o Brasil, encontram-se atualmente em situação de mobilidade dificultada pelo sistema social ao qual estão inseridos. As distâncias das duas comunidades da RMG entre si e de suas respectivas comunidades aos polos de lazer e comércio da cidade representam uma barreira estrutural, erguida no contexto urbano, que torna os imigrantes haitianos mais distantes de maiores opções de trabalho e lazer.

Em relação à situação econômica dos imigrantes haitianos, constatamos que os haitianos da região costumam ocupar cargos pesados recebendo baixos salários, além estarem sujeitos à exploração da mão de obra, o que enquadra a prática econômica nas práticas estratégicas (De Certeau, 2014De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.). No campo da Administração, os resultados encontrados na prática econômica são um alerta quanto às relações de trabalho entre os imigrantes e os empregadores brasileiros, cabendo repensar as formas de contratação e inserção dos imigrantes no mercado de trabalho. Todos esses aspectos que envolvem as práticas organizacionais são componentes do processo de integração desses sujeitos no seu cotidiano no Brasil.

Assim, pesquisas futuras também podem aprofundar as discussões aqui apresentadas, por exemplo, em termos de gênero, pois observamos que existem divisões de gênero nas comunidades haitianas e que devido à opção teórica e metodológica do trabalho não foram aqui discutidas. As mulheres geralmente são designadas para as tarefas domésticas e de cuidado, enquanto os homens são designados para serem os principais responsáveis pelas finanças domésticas, mesmo que tanto homens quanto mulheres tenham empregos remunerados.

Por fim, as discussões que promovemos neste artigo se firmam no campo dos Estudos Baseados na Prática por meio da apreensão das práticas de organização de um dos maiores fluxos de imigração da história recente do Brasil. Concluímos este trabalho apresentando uma visão conceitualmente elaborada sobre a organização dos imigrantes, dissociada da discussão pautada essencialmente na condição econômica-capitalista, que representa também uma contribuição teórica para o campo da Administração.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

REFERENCES

  • Alcadipani, R., & Rosa, A. (2011). From grobal management to glocal management: Latin American perspectives as a counter-dominant management epistemology.Canadian Journal of Administrative Sciences/Revue Canadienne des Sciences de l’Administration, 28(4), 453-466.
  • Araújo, A. (2015). Reve de Brezil: a inserção de um grupo de imigrantes haitianos em Santo André, São Paulo-Brasil (Masther Thesis). Universidade Federal do ABC, Santo André, SP.
  • Ávila, O. C. (2016). O Haiti em Curitiba: um olhar interpretativo das práticas comunicativas dos haitianos no novo território (Masther Thesis). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR.
  • Cavedon, N. R. (2014). Método etnográfico: da etnografia clássica às pesquisas contemporâneas. In E. M. Souza(Org.), Metodologias e analíticas qualitativas em pesquisa organizacional: uma abordagem teórico-conceitual (pp. 65-90). Vitória, ES: EDUFES.
  • Clegg, S., & Hardy, C. (1996). Organizations, organization and organizing. In CLEGG, S., & C. HARDY(Eds.), Handbook of organization studies(pp. 1-28). Thousand Oaks, CA: Sage.
  • Cogo, D., & Silva, T. (2016). Entre a fuga e a invasão: alteridade e cidadania da imigração haitiana na mídia brasileira/Between escape and invasion: otherness and citizenship of Haitian immigration in the Brazilian media. Revista FAMECOS, 23(1), 1-18.
  • Cotinguiba, G. C. (2014). Imigração haitiana para o Brasil: a relação entre trabalho e processos migratórios (Masther Thesis). Fundação Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO.
  • Cotinguiba, G. C. (2019). Aletranje: a pertinência da família na ampliação do espaço social transnacional haitiano - o Brasil como uma nova baz (Doctoral Dissertation). Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, RO.
  • Courpasson, D. (2017). The politics of everyday.Organization Studies, 38(6), 843-859.
  • Cresswell, T. (2005). Place: an introduction Nova Jersey, NJ: John Wiley & Sons.
  • Cresswell, T. (2006a). On the move: Mobility in the modern western world London, UK: Taylor & Francis.
  • Cresswell, T. (2006b). The right to mobility: the production of mobility in the courtroom.Antipode, 38(4), 735-754.
  • Cresswell, T. (2010). In place-out of place: geography, ideology, and transgression Minneapolis, Minnesota: University of Minnesota Press.
  • Cresswell, T., & Merriman, P. (2010). Geographies of mobilities: Practices, spaces, subjects Farnham: Ashgate Publishing, Ltd.
  • De Certeau, M.(2014). A invenção do cotidiano: 1 Artes de fazer Petrópolis, RJ: Ed. Vozes.
  • Denzin, N., & Lincoln, Y. (2006). O planejamento da pesquisa qualitativa: teoria e abordagens Porto Alegre, RS: Artmed.
  • Diehl, F. (2016). As ressignificações do conceito de raça e o racismo contra os imigrantes haitianos no Brasil. In Anais do 13º Seminário InternacionaL de demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea, Santa Catarina, SC.
  • Fernandes, D. O. (2015). Brasil e a migração internacional no século XXI: notas introdutórias. In E. J. P. Prado, & R. Coelho (Orgs.), Migrações e trabalho Brasília, DF: Ministério Público do Trabalho.
  • Fernandes, D., & Castro, M. C. G. (2014). Estudos sobre a migração haitiana ao Brasil e diálogo bilateral Belo Horizonte, MG: Organização Internacional das Migrações.
  • Gherardi, S. (2010). Telemedicine: A practice-based approach to technology.Human relations, 63(4), 501-524.
  • Godoy, A. (1995).Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais.Revista de Administração de empresas, 35(3), 20-29.
  • Hammarstedt, M. (2004). Self-employment among immigrants in Sweden-an analysis of intragroup differences.Small Business Economics, 23(2), 115-126.
  • Hoof, F., & Boell, S. (2019). Culture, technology, and process in ‘media theories’: Toward a shift in the understanding of media in organizational research.Organization, 26(5), 636-654.
  • Junquilho, G., Almeida, R., & Silva, A. (2012). As “artes do fazer” gestão na escola pública: uma proposta de estudo.Cadernos EBAPE.BR, 10(2), 329-356.
  • Mariz, M., & Bógus, L. (2013). Empreendedorismo Feminino: Imigrantes portuguesas em São Paulo.Brasiliana - Journal for Brazilian Studies, 2(2), 477-505.
  • Mayol, P. (2013). Morar. In M. De Certeau, L. Giard, & P. Mayol (Eds.), A invenção do Cotidiano (Vol. 2, pp. 35-185). Petrópolis, RJ: Editora Vozes.
  • Mejía, M. R. G. (2015). Relato da experiência migratória de mulheres haitianas no Sul do Brasil. In Anais do 13º Congreso Latinoamericano de Antropología, Florianopolis, SC.
  • Mezzadra, S., & Neilson, B. (2013). Border as Method, or, the Multiplication of Labor Durham, North Carolina: Duke University Press.
  • Oliveira, J. (2007). Empreendedorismo Sem Fronteira: desafios e conquistas dos imigrantes chineses no Brasil. In Anais do 31º Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro, RJ.
  • Oliveira, J., & Cavedon, N. (2017). Os Circos Contemporâneos como Heterotopias Organizacionais: Uma Etnografia Multissituada no Contexto Brasil-Canadá.RAC-Revista de Administração Contemporânea, 21(2), 142-162.
  • Oliveira, M. (2014). O tema da imigração na sociologia clássica.Dados-Revista de Ciências Sociais, 57(1), 73-100.
  • Oliveira, S., & Piccinini, V. (2009). Validade e reflexividade na pesquisa qualitativa. Cadernos EBAPE.BR, 1(7), 88-98.
  • Portes, A., & Sensenbrenner, J. (1993). Embeddedness and immigration: Notes on the social determinants of economic action.American journal of sociology, 98(6), 1320-1350.
  • Quaresma, E. A. Jr., Peixoto, D., & Carrieri, A. (2013). A cristalização de uma microrrevolução francesa: o caso das cooperativas de Salinas-MG.RAM - Revista de Administração Mackenzie, 14(6), 162-184.
  • Ribeiro, R. C. L., Ipiranga, A. S. R., Oliveira, F. F. T. D., & Dias, A. D. (2019). Uma “estética de lances” de uma “heroína ordinária”: o reorganizar de práticas de resistências de uma artesã.Cadernos EBAPE.BR,17(3), 590-606.
  • Rodrigues, V. M., & Marchese, V. F. (2016). Migração haitiana para o Brasil: problemática e perspectivas. Acesso Livre, 5, 106-124.
  • Sampaio, I., Fortunato, G., & Bastos, S. (2013). A estratégia como prática social: o pensar e o agir em um programa social governamental.Organizações & Sociedade, 20(66), 479-499.
  • Schatzki, T. (2005). Peripheral vision: The sites of organizations. Organization studies, 26(3), 465-484.
  • Silva, A., Carrieri, A., & Souza, E. M. (2012). A constructionist approach for the study of strategy as social practice.BAR-Brazilian Administration Review, 9(esp), 1-18.
  • Silva, C., & Yen-Tsang C. (2015). Tem Comida Chinesa no Prato dos Brasileiros: Como Empreendem os Imigrantes Chineses no Brasil. In Anais do 39º Encontro da ANPAD, Maringá, PR.
  • Silva, J., & Oliveira, M. (2015). Migrações, fronteiras e direitos na Amazônia.REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, 23(44), 157-169.
  • Smith, J. (2008). Interpretative Inquiry. In L. Given, L. (Ed.), The Sage encyclopedia of qualitative research methods London, UK: Sage Publications.
  • Véran, J., Noal, D. S., & Fainstat, T. (2014). Nem refugiados, nem migrantes: a chegada dos haitianos à cidade de Tabatinga (Amazonas). Revista Dados, 57(4), 1007-1041.
  • Weber, M. (2004). Economia e sociedade Brasília, DF: UnB.
  • Wooding, B., & Moseley-WilliamS, R. (2004). Needed but unwanted London, UK: Catholic Institute for International Relations.
  • 1
    Esse tipo de visto já havia sido aprovado pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIG) e pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) no Brasil, mas inicialmente esse tipo de visto era concedido de forma limitada e condicionada à concessão dos Órgãos Estaduais.
  • 2
    Todos os nomes dos sujeitos envolvidos na pesquisa foram alterados para garantir seu anonimato.
  • 3
    Parafraseamos trechos da música Fio de Prumo (Padê Onã) de Criolo com participação de Juçara Marçal nos títulos dos tópicos de análise dos resultados.
  • 4
    Capital social é um conceito que foi apresentado pela primeira vez por Bourdieu, e segundo Portes e Sensenbrenner (1993) o capital social corresponde às expectativas de ação de uma coletividade e que afeta os objetivos econômicos e os comportamentos de seus membros no alcance de objetivos, mesmo nas circunstâncias em que essas expectativas não estão diretamente orientadas para uma esfera econômica.
  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    19 Jan 2020
  • Aceito
    11 Set 2020
Fundação Getulio Vargas, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Rua Jornalista Orlando Dantas, 30 - sala 107, 22231-010 Rio de Janeiro/RJ Brasil, Tel.: (21) 3083-2731 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernosebape@fgv.br