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Práticas de consumo incertas em um futuro incerto

Resumo

Esta edição especial do Cadernos EBAPE.BR buscou provocar uma reflexão focada em práticas de consumo incertas em um futuro incerto. Enquanto pesquisas anteriores de marketing e consumo têm explorado práticas de consumo circunscritas em um contexto institucionalizado, conhecido e mais ou menos previsível, o conjunto de artigos aprovados nesta edição revela nuances diferentes. De relatos experienciais de luto ao papel da música no enfrentamento do isolamento e da sobreposição de papéis sociais, os artigos publicados podem nos ajudar a refletir sobre o que podemos fazer juntos, como sociedade, para enfrentar os desafios trazidos pela COVID-19, não apenas em nível local, mas também globalmente.

Palavras-chave:
COVID-19; Coronavírus; Pandemia; Consumo; Cultura do consumidor

Abstract

This special issue of Cadernos EBAPE.BR sought to provoke a reflection focused on uncertain consumption practices in an uncertain future. While prior marketing and consumer research has explored consumer practices framed by an institutionalized, known, and more or less predictable context, the set of articles approved in this edition reveals different nuances. From experiential accounts of grief to the role of music in coping with the struggles of isolation to the overlap of social roles, these papers may help us to reflect on what we can do together, as a society, to tackle the challenges brought by COVID-19 not only at the local level but also globally.

Keywords:
COVID-19; Coronavirus; Pandemic; Consumption; Consumer culture

Resumen

Este número especial de Cadernos EBAPE.BR se propuso provocar una reflexión centrada en las prácticas de consumo inciertas en un futuro incierto. Si bien investigaciones previas de marketing y consumo han explorado prácticas de consumo enmarcadas en un contexto institucionalizado, conocido y más o menos predecible, el conjunto de artículos seleccionados para esta edición revela diferentes matices. Desde relatos experienciales de duelo hasta el papel de la música para sobrellevar el aislamiento y la superposición de roles sociales, estos artículos pueden ayudarnos a reflexionar sobre lo que podemos hacer juntos, como sociedad, para enfrentar los desafíos planteados por la COVID-19 no solo a nivel local sino también global.

Palabras clave:
COVID-19; Coronavirus; Pandemia; Consumo; Cultura de consumo

INTRODUÇÃO

Em abril de 2022, mais de 5 milhões de pessoas em todo o mundo morreram após contrair COVID-19 (Weitemeyer, 2022Weitemeyer, J. (2022). COVID-19/Coronavirus. Statista. Retrieved from https://www.statista.com/page/covid-19-coronavirus
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). EUA, Brasil e Índia são os países mais brutalmente afetados, juntos totalizam mais de 1,5 milhão de mortes até o momento. Como observam Ward (2020Ward, P. R. (2020). A sociology of the Covid-19 pandemic: A commentary and research agenda for sociologists. Journal of Sociology, 56(4), 726-735. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1177/1440783320939682
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) e outros (e.g., Aboelenien, Arsel, & Cho, 2021Aboelenien, A., Arsel, Z., & Cho, C. H. (2021). Passing the Buck versus Sharing Responsibility: The Roles of Government, Firms, and Consumers in Marketplace Risks during COVID-19. Journal of the Association for Consumer Research, 6(1), 149-158. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1086/711733
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; Lee & Goldsmith, 2022Lee, A. Y., & Goldsmith, K. (2022). Looking Back and Looking Forward: (Re)Interpreting Consumer Insights in a Time of Transition. Journal of the Association for Consumer Research, 7(1), 1-7. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1086/718146
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), os desafios trazidos pela pandemia da COVID-19 vão além de sua complexidade biológica e capacidade de mutações.

De fato, a pandemia mudou a vida social “como a conhecemos” por meio dos inúmeros ajustes impostos a nós pelos governos ou daqueles escolhidos por nós. Durante a pandemia, assistimos à falta de oxigênio em muitas unidades de saúde levando pacientes à morte por asfixia (Maisonnave, 2020Maisonnave, F. (2020, July 07). Lack of Oxygen in the Amazon. ReVista - Harvard Review of Latin America, 19(3), 132-136.), casos de assédio a profissionais de saúde, especialmente mulheres (Souadka, Essangri, Benkabbou, Amrani, & Majbar, 2020Souadka, A., Essangri, H., Benkabbou, A., Amrani, L., & Majbar, M. A. (2020, May). COVID-19 and Healthcare worker’s families: behind the scenes of frontline response. EClinicalMedicine, 23, 100373. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1016/j.eclinm.2020.100373
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), e a distribuição limitada de vacinas para países pobres, ao mesmo tempo que países ricos já recebem doses de reforço (Singh & Chattu, 2021Singh, B., & Chattu, V. K. (2021, August). Prioritizing ‘equity’ in COVID-19 vaccine distribution through Global Health Diplomacy. Health Promotion Perspect, 11(3), 281-287. Retrieved fromhttps://doi.org/10.34172/hpp.2021.36
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). Alfa, Beta, Gamma, Delta e agora Omicron são variantes do coronavírus em termos de suas características biológicas e em virtude da desigualdade na saúde pública global no enfrentamento da pandemia (Tatar, Shoorekchali, Faraji, & Wilson, 2021Tatar, M., Shoorekchali, J. M., Faraji, M. R., & Wilson, F. A. (2021). International COVID-19 vaccine inequality amid the pandemic: Perpetuating a global crisis? Journal of global health, 11, 03086. Retrieved fromhttps://doi.org/10.7189/jogh.11.03086
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).

Em tempos da COVID-19, há um novo ditado popular que diz: “Não estamos no mesmo barco. Estamos na mesma tempestade, mas definitivamente não no mesmo barco. Seu navio pode naufragar e o meu não. Ou vice-versa”. Para lidar e navegar em uma tempestade tão turbulenta, as pessoas empregam estratégias diferentes, dadas as suas possibilidades pessoais e restrições estruturais (Budimir, Probst, & Pieh, 2021Budimir, S., Probst, T., & Pieh, C. (2021). Coping strategies and mental health during COVID-19 lockdown. Journal of Mental Health, 30(2), 156-163. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1080/09638237.2021.1875412
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).

As tensões entre o micro e o macro, o meu e o seu, o público e o privado, o justo e o injusto, o certo e o errado tornaram-se mais fortes, provocando adaptação e ressignificação de muitas práticas de consumo. O que aponta, portanto, que as ideologias de consumo - ideias e ideais manifestados nas representações sociais dos consumidores e comunicados pelos mercados - têm um papel significativo (Schmitt, Brakus, & Biraglia, 2021Schmitt, B., Brakus, J. J., & Biraglia, A. (2021, August). Consumption Ideology. Journal of Consumer Research, ucab044. Retrieved from https://doi.org/10.1093/jcr/ucab044
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).

No caso do trabalho remoto, por exemplo, o uso de plataformas de streaming de vídeo, como o Zoom, transformaram nossas salas privadas, quartos, cozinhas e qualquer espaço disponível da casa em espaços públicos compartilhados. Reuniões online de negócios realizadas em casa, assim como conversas técnicas, palestras, treinamentos, happy hours e outros são agora espaços liminares onde o real e o surreal eventualmente se encontram.

Alguns de nós usam suas meias favoritas do Batman, calças de pijama e uma camisa social, ajustada e elegante para “ficar bem” na tela. Alguns de nós, cansados de toda a falta de limites temporais entre trabalho e lazer, fazem uso de aplicativos como os filtros Signature Face da L’Oréal (Pays, 2020Pays, C. (2020, November 23). L’Oréal launches makeup filters to wear for your next Zoom meeting. Vogue. Retrieved from https://www.vogue.fr/beauty-tips/article/loreal-signature-face-filters-makeup-virtual-meeting
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) para mascarar olheiras - e por não “[...] sentir-se bem, estar bonito(a), saudável ou bem” (Chen et al., 2021Chen, J., Chow, A., Fadavi, D., Long, C., Sun, A. H., Cooney, C. M., … Broderick, K. P. (2021). The Zoom Boom: How Video Calling Impacts Attitudes Towards Aesthetic Surgery in the COVID-19 Era. Aesthetic Surgery Journal, 41(12), NP2086-NP2093. Retrieved from https://doi.org/10.1093/asj/sjab274
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; Leong et al., 2021Leong, J., Pataranutaporn, P., Mao, Y., Perteneder, F., Hoque, E., Baker, J. M., … Maes, P. (2021). Exploring the Use of Real-Time Camera Filters on Embodiment and Creativity. In Proceedings of the CHI Conference on Human Factors in Computing Systems Extended Abstracts, Yokohama, Japan. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1145/3411763.3451696
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). Agora é possível comprar roupas virtuais para nossa presença virtual em aplicativos de reunião. Muitos de nós, para o bem ou para o mal, transformam seus quartos com fundos Zoom que podem funcionar como uma rota de fuga simbólica para sonhos pessoais (por exemplo, uma praia no Rio de Janeiro) ou simplesmente para mascarar o caos da vida real por trás da tela (Schmitt et al., 2021Schmitt, B., Brakus, J. J., & Biraglia, A. (2021, August). Consumption Ideology. Journal of Consumer Research, ucab044. Retrieved from https://doi.org/10.1093/jcr/ucab044
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).

Dois anos após o início da pandemia, as pessoas ainda estão involuntariamente fazendo malabarismos entre aqui e ali, na esperança de encontrar significados antigos e novos em suas atividades cotidianas. De muitas maneiras, houve um desmantelamento do que se entendia como “ordem”, tanto individual quanto coletivamente (Andreescu, 2021Andreescu, F. C. (2021). A meditation on Covid-19 social trauma. Journal for Cultural Research, 25(2), 220-235. Retrieved from https://doi.org/10.1080/14797585.2021.1937251
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). Nossa segurança ontológica (Giddens, 1991Giddens, A. (1991). Modernity and Self-Identity: Self and Society in the Late Modern Age. Stanford, CA: Stanford University Press.), o senso de confiança que, como indivíduos, temos na continuidade de nossas identidades e papéis sociais, e a constância de nossos ambientes sociais e materiais circundantes não são mais facilmente percebidos.

Isso é especialmente desafiador quando os governos contribuem para essa insegurança, não atribuindo nenhum valor à vida humana. Em resposta a essas reações desumanas, Purnell (2021Purnell, K. (2021, December). Bodies Coming Apart and Bodies Becoming Parts: Widening, Deepening, and Embodying Ontological (In)Security in the Context of the COVID-19 Pandemic. Global Studies Quarterly, 1(4), 1-9. Retrieved fromhttps://doi.org/10.1093/isagsq/ksab037
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, p. 2) observa apropriadamente uma característica politizada das pandemias: “[...] pessoas vivem em um mundo socialmente construído, onde alguém visto e conhecido como uma pessoa absolutamente amada e insubstituível para alguém pode se tornar reduzida a como ‘apenas’ seu corpo”. Infelizmente, assim como os produtos desatualizados, os seres humanos se tornaram ainda mais descartáveis aos olhos de alguns.

Em meio a esse cenário complexo, muitos de nós questionam a própria noção de tempo e, talvez, mais do que nunca, sentem sua relatividade (Robinson, Veresiu, & Babić Rosario, 2021). O tempo gasto com nossos entes queridos pode ser muito curto, já que a vida é imprevisível, assim como o coronavírus (Losada-Baltar et al., 2021Losada-Baltar, A., Jiménez-Gonzalo, L., Gallego-Alberto, L., Pedroso-Chaparro, M. D. S., Fernandes-Pires, J., & Márquez-González, M. (2021, January). “We Are Staying at Home.” Association of Self-perceptions of Aging, Personal and Family Resources, and Loneliness With Psychological Distress During the Lock-Down Period of COVID-19. Journals of Gerontology: Psychological Sciences, 76(2), e10-e16. Retrieved from https://doi.org/10.1093/geronb/gbaa048
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). Nesse cenário, muitos de nós, pais, mães e entes queridos, tentam fazer da restrição de circulação nas ruas uma chance de acompanhar cada desenvolvimento inicial de seus filhos.

OS ARTIGOS NESSA EDIÇÃO ESPECIAL

É verdade que a pandemia tem um impacto global, mas, certamente, a maioria das nossas experiências são muito contextualizadas localmente. Uma dessas experiências que podem ser vivenciadas por todos nós na atual pandemia é o luto - tema do primeiro artigo desta edição especial (Special Issue [SI]).

Abrindo esta edição, Fernanda Scussel e Maribel Carvalho Suarez argumentam que, apesar do interesse pelo papel do consumo no processo de luto, o conceito de luto do consumidor e o processo que os consumidores vivenciam no luto permanecem subteorizados. Considerando a ruptura trazida pela pandemia da COVID-19 e a necessidade de entender como os consumidores respondem a esse cenário, esse artigo tem como objetivo conceituar o luto do consumidor, entendendo os mecanismos criados por ele para lidar com a perda. Tendo em vista a importância de experiências extraordinárias devido ao seu poder corporificado, social e transformacional, o estudo netnográfico explora a perda de uma experiência extraordinária com consumidores de maratonas. O consumidor lida com a perda da experiência por meio de um processo composto por cinco mecanismos, mediados pelas redes sociais, que lhe permitem reverter, reenquadrar e restabelecer a experiência. Os mecanismos de refutação, desespero, abstenção-compensação, transgressão e aceitação mostram como os consumidores se comportam nos diferentes momentos de luto, permitindo-lhes construir suas trajetórias no processo de luto, individual e coletivamente. Como contribuição, o estudo expande a literatura sobre o luto do consumidor. Focando neste conceito específico, explica os processos pelos quais os consumidores passam quando lidam com a perda de uma experiência. Além disso, é apresentada uma perspectiva coletiva sobre o processo de luto, deslocando a análise do luto de um indivíduo ou de uma unidade familiar para a socialização do luto.

O segundo artigo é escrito por de Elisa Priori de Deus, Roberta Dias Campos e Ana Raquel Coelho Rocha. Nele, a vulnerabilidade do consumidor é explicada como uma condição de desequilíbrio na relação consumidor-mercado, que o leva a perder o controle na relação. A pandemia da COVID-19 é um evento externo que tem contribuído para este desequilíbrio. O artigo explica como o consumidor vive a experiência da vulnerabilidade percebida na pandemia, e o papel do consumo para lidar com os efeitos dessa vulnerabilidade. O artigo interpreta a realidade do consumidor idoso aposentado e afluente, com saúde e capital cultural para realizar seus planos. Foi realizada uma pesquisa interpretativista, usando entrevistas em profundidade com 31 idosos afluentes brasileiros, e outras fontes, como memes, artigos jornalísticos e propagandas. Identificou-se um evento externo que tornou consumidores idosos vulneráveis apenas pela idade. Antes da pandemia, estes consumidores não se consideravam vulneráveis. A resposta do mercado à pandemia ajudou a devolver a sensação de invulnerabilidade desses consumidores, enquanto o consumo revelou ser uma estratégia para lidar com as consequências da vulnerabilidade.

Considerando o tema “vulnerabilidade” por outra perspectiva, Camilla Pinto Luna, Rosana Oliveira da Silva e Denise Franca Barros exploram questões de gênero durante a pandemia. Em plena situação de pandemia, além do aumento de casos da COVID-19, também houve um crescimento considerável de ocorrências de violência doméstica baseada em gênero no Brasil. Observou-se que tal situação alarmante inspirou alguns indivíduos e organizações à criação de iniciativas para lidar com esta realidade, que acabou, também, por afetar o mercado. Assim, o artigo busca compreender como as relações entre as práticas de mercado podem influenciar questões sociais, tais como a vulnerabilidade de mulheres frente à violência doméstica. O caminho metodológico começa baseando-se na iniciativa do Magazine Luiza (um dos maiores varejistas brasileiras): o botão de pânico no app Magalu. Foi construído um corpus por meio de uma notícia que deu visibilidade a essa prática de mercado. Embora as práticas de mercado do Magalu possam ser vistas como influentes na luta contra a violência de gênero, existe um iminente perigo de relegar somente à esfera do mercado a defesa das mulheres, quando a criação da resiliência é, sem sombra de dúvida, resultado da ação conjunta da sociedade como um todo.

O quarto artigo da edição especial detalha um fenômeno que muitos de nós, professores e pesquisadores, experimentaram: aulas online. O artigo de Breno Giordane dos Santos Costa, Helga Silva Espigão e Marcelo de Rezende Pinto discute os resultados da pesquisa, cujo objetivo foi entender como a migração do ensino presencial para o ensino remoto ocorreu (ou tem ocorrido) devido ao distanciamento social provocado pela pandemia da COVID-19. O framework teórico do trabalho é a teoria da prática. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas conduzidas com 12 professores de diferentes instituições de ensino brasileiras, e analisados seguindo o princípio da análise de discurso francesa. Uma das conclusões é que dominar uma certa tecnologia não é o suficiente para o uso individual em atividades profissionais. Considerando os professores entrevistados, foi necessária a mudança de alguns elementos subjetivos; mais especificamente, precisaram modificar alguns entendimentos e cadeias de valores e projetos inerentes à prática de ensino presencial. Os achados do trabalho podem trazer contribuições aos pesquisadores envolvidos no campo do consumo e aos interessados em identificar o que acontece quando um grupo de consumidores adota uma nova tecnologia durante uma ruptura ou momento de incerteza. Além disso, os resultados também lançam luz sobre o porquê de alguns consumidores conhecerem as vantagens de certos produtos e tecnologias, sem, contudo, adotá-las em suas atividades diárias.

O último, mas não menos importante trabalho, é o de Frederico Leocádio Ferreira, Juliana Maria Magalhães Christino, Laura de Oliveira Cardoso e Ana Luíza Silva Noronha. O fenômeno de assistir lives musicais popularizou-se durante a pandemia da COVID-19 como um ato de lazer dentro de casa. Durante três meses elas fizeram parte da rotina de brasileiros e estrangeiros, para, então, perder audiência de forma exponencial. Essa trajetória, estudada sob o prisma da teoria da prática, é o objeto de pesquisa desse trabalho, que buscou entender os elementos formadores dessa prática de consumo, sua sincronia com outras práticas do cotidiano, bem como fenômenos externos que atuam na consolidação (ou não) de uma prática. Para tal, foram coletadas entrevistas em profundidade com 24 praticantes, e os resultados analisados por meio de uma análise temática. Os achados dão pistas sobre os motivos pelos quais a prática decaiu, com destaque para a sobreposição de práticas pertencentes à rotina criada no isolamento social pelos praticantes, e redução da originalidade (entendimento) inicial de lives mais intimistas, que se perdem em meio à busca por inovações dessa prática. Possíveis desdobramentos sobre o futuro das lives pós-pandemia, contribuições teóricas e gerenciais também são discutidos.

CONCLUSÃO

Os artigos nesta edição especial são complementares entre si e essenciais para um melhor entendimento de práticas de consumo incertas em um futuro incerto. Com relatos experienciais de luto, à abordagem do papel da música no enfrentamento das lutas do isolamento, esses artigos podem nos ajudar a refletir sobre o que podemos fazer juntos, como sociedade, para “sair da tempestade, mesmo em barcos diferentes”, especialmente aqueles que não têm um barco.

Do ponto de vista metodológico, todos os artigos deste número especial são baseados em metodologias qualitativas ou conceituais. Enquanto nós, editores convidados, gostaríamos de incluir artigos baseados em múltiplos métodos, a fase exploratória que o contexto da pandemia da COVID-19 sugere inspirou artigos mais qualitativos do que quantitativos. Dito isso, pesquisas futuras podem explorar ainda mais os temas e fenômenos aqui delineados por meio de diferentes abordagens metodológicas. Isso pode ser especialmente relevante para os formuladores de políticas públicas, no caso de trabalhos longitudinais e grandes conjuntos de dados.

Outro aspecto que acreditamos merecer uma investigação mais aprofundada é a concepção de práticas de consumo e mercados no mundo pós-COVID-19. Em um futuro tão incerto, como os consumidores podem vivenciar momentos efêmeros de conforto, segurança, felicidade, bem-estar etc. em restaurantes, hotéis, parques temáticos, universidades, hospitais, entre outros? Independentemente do contexto, esses insights futuros podem eventualmente permitir, como sociedade, que nos preparemos para amanhãs melhores; sejam eles quais forem. Que todos nós mantenhamos nossos corações, cabeças e esperanças no lugar certo. Mantenha-se saudável e seguro.

AGRADECIMENTOS

Os editores convidados gostariam de agradecer aos revisores que trabalharam nos artigos desta edição especial. Conforme mencionado pelos autores, a gentileza, os insights e o feedback construtivo dos revisores foram realmente inestimáveis para alcançar todo o potencial e as contribuições dos artigos. Também gostaríamos de agradecer aos autores por seu interesse, esforço e perseverança durante o processo de revisão em benefício de nossa busca conjunta.

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  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2022
  • Aceito
    20 Jun 2022
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