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A ascensão e decadência do consumo de lives musicais durante a pandemia: uma análise sob o prisma da teoria da prática

Resumo

O fenômeno de assistir lives musicais popularizou-se durante a pandemia do COVID-19, enquanto um ato de lazer dentro de casa. Durante três meses elas pertenceram à rotina de brasileiros e estrangeiros, para então perder audiência de forma exponencial. Essa trajetória é o objeto de pesquisa desse trabalho, estudada sob o prisma da teoria da prática, o qual buscou entender os elementos formadores dessa prática de consumo, sua sincronia com outras práticas do cotidiano, bem como fenômenos externos que atuam na consolidação (ou não) de uma prática. Para tal, foram coletadas entrevistas em profundidade com 24 praticantes, sendo os resultados analisados por meio de uma análise temática. Os achados dão pistas sobre os motivos pelos quais a prática decaiu, com destaque para a sobreposição de práticas pertencentes à rotina criada no isolamento social pelos praticantes, e redução da originalidade (entendimento) inicial de lives mais intimistas, que se perdem em meio à busca por inovações na prática. Possíveis desdobramentos sobre o futuro das lives pós pandemia, contribuições teóricas e gerenciais também são discutidos.

Palavras-chave:
COVID-19; Lives musicais; Teoria da prática; Elementos da prática; Consumo

Abstract

The phenomenon of watching live online music events became popular during the COVID-19 pandemic as a leisure activity practiced at home while social distancing. For 3 months, they were part of the routine of Brazilians and foreigners, before exponentially losing their audience. This trajectory is the object of research for this paper, studied under the prism of practice theory to understand the elements that form this consumption practice, its synchrony with other everyday practices, and external phenomena that act in the consolidation (or not) of a practice. In-depth interviews were conducted with 24 practitioners, and the results were analyzed through a thematic analysis. The findings provide clues as to why the practice declined, emphasizing the overlapping of practices belonging to the routine created during social distancing and the reduction of the initial originality (understanding) of more intimate lives that get lost in the search for innovations in practice. Possible developments in the future of post-pandemic live events and theoretical and managerial contributions are also discussed.

Keywords:
COVID-19; Live online music events; Practice theory; Elements of practice; Consumption

Resumen

El fenómeno de ver lives musicales se hizo popular durante la pandemia de COVID-19, como un acto de ocio en casa. Durante tres meses pertenecieron a la rutina de brasileños y extranjeros, y luego perdieron su audiencia de manera exponencial. Esta trayectoria es el objeto de investigación de este trabajo, estudiada bajo el prisma de la teoría de la práctica, que buscó comprender los elementos que forman esta práctica de consumo, su sincronía con otras prácticas cotidianas, así como los fenómenos externos que actúan en la consolidación (o no) de una práctica. Para ello, se realizaron entrevistas en profundidad a 24 practicantes, y los resultados se analizaron mediante un análisis temático. Los hallazgos dan pistas sobre las razones por las que la práctica declinó, con énfasis en la superposición de prácticas pertenecientes a la rutina creada en el aislamiento social por los practicantes, y la reducción de la originalidad (opinión) inicial de lives más intimistas, que se pierden en medio de la búsqueda de innovaciones en la práctica. También se discuten los posibles desarrollos sobre el futuro de las lives pospandemia y las contribuciones teóricas y gerenciales.

Palabras clave:
COVID-19; Lives musicales; Teoría de la práctica; Elementos de la práctica; Consumo

INTRODUÇÃO

COVID-19 é uma doença respiratória que se disseminou pelo mundo em 2020 causando uma pandemia mundial. O vírus é proveniente de uma mutação e foi descoberto em 2019. Devido à falta de prognóstico e de uma vacina, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e órgãos de saúde sugeriram diversas medidas sanitárias para conter o avanço do vírus em larga escala, entre elas, o isolamento social (OMS, 2020World Health Organization. (2020). Coronavirus disease (COVID-19). Retrieved from https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/question-and-answers-hub/q-a-detail/coronavirus-disease-covid-19
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). Com o isolamento, atividades fora do ambiente doméstico foram restritas, causando impactos em diversos setores, inclusive na cultura, no lazer, entretenimento e turismo (Guidolini & R. S. Silva, 2020Guidolini, P. O. S., & Silva, R. S. (2020). Em meio a pandemia, arte! A condição dos artistas brasileiros em meio à pandemia. Revista Pet Economia UFES, 1(1), 46-49.; Sousa, L. V. H. A. S. Ribeiro, Santos, Soares, & Raasch, 2020Sousa, J. H., Jr., Ribeiro, L. V. H. A. S., Santos, W. S., Soares, J. C., & Raasch, M. (2020). “#fiqueemcasa e cante comigo”: estratégia de entretenimento musical durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Boletim de Conjuntura, 2(4), 72-85.).

O isolamento social mudou a rotina e as relações humanas de indivíduos ao redor do mundo, transformando o lar em um habitat doméstico, de trabalho e de lazer (O. C. F. Ribeiro, Santana, Tengan, L. W. M. Silva, & Nicolas, 2020Ribeiro, O. C. F., Santana, G. J., Tengan, E. Y. M., Silva, L. W. M., & Nicolas, E. A. (2020). Os Impactos da Pandemia da Covid-19 no Lazer de Adultos e Idosos. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 391-428.; Teodoro, Brito, Camargo, M. R. Silva, & Bramantes, 2020Teodoro, A. P. E. G., Brito, G. A. P., Camargo, L. A. R., Silva, M. R., & Bramante, A. C. (2020). A dimensão tempo na gestão das experiências de lazer em período de pandemia da covid-19 no Brasil. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 126-162.). O lazer na contemporaneidade é entendido enquanto válvula de escape, apontado como benéfico para a saúde física e mental, principalmente durante a pandemia (Clemente & Stoppa, 2020Clemente, A. C. F., & Stoppa, E. A. (2020). Lazer Doméstico em Tempos de Pandemia da Covid-19. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 460-484.; Ficanha et al., 2020Ficanha, E. E., Silva, E. V., Rocha, V. M. P., Badke, M. R., Cogo, S. B., Silva, E. V ., ... Jacobi, L. F. (2020). Aspectos biopsicossociais relacionados ao isolamento social durante a pandemia de Covid-19: uma revisão integrativa. Research, Society and Development, 9(8), 1-22.; O. C. F. Ribeiro et al., 2020Ribeiro, O. C. F., Santana, G. J., Tengan, E. Y. M., Silva, L. W. M., & Nicolas, E. A. (2020). Os Impactos da Pandemia da Covid-19 no Lazer de Adultos e Idosos. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 391-428.). A saúde mental, inclusive, é bastante afetada pelo isolamento social e pela pandemia, devido aos sentimentos de impotência, tédio, solidão, tristeza e medo, que contribuem para o aumento de estresse, ansiedade e depressão, entre outras comorbidades (Pereira et al., 2020Pereira, M. D., Oliveira, L. C., Costa, C. F. T., Bezerra, C. M. O., Pereira, M. D ., Santos, C. K. A. ... Dantas, E. H. M. (2020). A pandemia de COVID-19, o isolamento social, consequências na saúde mental e estratégias de enfrentamento: uma revisão integrativa. Research, Society and Development, 9(7), 1-35.; Lima, 2020Lima, R. C. (2020). Distanciamento e isolamento sociais pela Covid-19 no Brasil: impactos na saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 30(2), e300214.).

Para mitigar esses efeitos, as mídias sociais tiveram um papel fundamental em encurtar distâncias e juntar famílias, bem como contribuir para o lazer, apresentando um aumento expressivo em sua utilização durante a pandemia (Clemente & Stoppa, 2020Clemente, A. C. F., & Stoppa, E. A. (2020). Lazer Doméstico em Tempos de Pandemia da Covid-19. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 460-484.; Ficanha et al., 2020Ficanha, E. E., Silva, E. V., Rocha, V. M. P., Badke, M. R., Cogo, S. B., Silva, E. V ., ... Jacobi, L. F. (2020). Aspectos biopsicossociais relacionados ao isolamento social durante a pandemia de Covid-19: uma revisão integrativa. Research, Society and Development, 9(8), 1-22.; O. C. F. Ribeiro et al., 2020Ribeiro, O. C. F., Santana, G. J., Tengan, E. Y. M., Silva, L. W. M., & Nicolas, E. A. (2020). Os Impactos da Pandemia da Covid-19 no Lazer de Adultos e Idosos. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 391-428.; Teodoro et al., 2020Teodoro, A. P. E. G., Brito, G. A. P., Camargo, L. A. R., Silva, M. R., & Bramante, A. C. (2020). A dimensão tempo na gestão das experiências de lazer em período de pandemia da covid-19 no Brasil. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 126-162.). Entre os lazeres mediados pela internet, tiveram destaque as lives musicais (Lupinacci, 2020Lupinacci, L. (2021). “Da minha sala pra sua”: teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Galáxia, 46, e49052.).

As lives musicais não são um fenômeno da pandemia; pelo contrário, é uma prática que existe desde 2008, quando o Youtube começou a transmitir suas seções ao vivo, intensificando-se a partir de 2011, quando grandes festivais como Lollapallooza, Coachella e Festival de Salvador, antes televisionados, passaram também para a plataforma, permitindo uma maior amplitude de transmissão e redefinindo as dimensões de plateia (Sá & Bittencourt, 2014Sá, S. P., & Bittencourt, L. (2014). Espaços urbanos e plateias virtuais: o YouTube e as transmissões de espetáculos ao vivo. Logos, 1(24), 158-172.). Esses eventos, apesar de terem atraído a atenção de outras plataformas como Facebook, Instagram, Snaptchat, ainda ocupavam uma posição secundária nas práticas dos usuários (Lupinacci, 2020Lupinacci, L. (2021). “Da minha sala pra sua”: teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Galáxia, 46, e49052.). Com a pandemia, esta prática foi reconfigurada e se popularizou, principalmente no Brasil, nos meses de fevereiro a abril, sob a #fiqueemcasa, visando levar o lazer para dentro da casa do espectador e arrecadar doações para indivíduos em situação de vulnerabilidade (Clemente & Stoppa, 2020Clemente, A. C. F., & Stoppa, E. A. (2020). Lazer Doméstico em Tempos de Pandemia da Covid-19. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 460-484.; Cruz, 2020aCruz, F. B. (2020a, May 12). Brasil lidera ranking das dez maiores audiências em lives no YouTube. Retrieved from https://veja.abril.com.br/cultura/brasil-lidera-ranking-das-dez-maiores-audiencias-em-lives-no-youtube/
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; Guidolini & R. S. Silva, 2020Guidolini, P. O. S., & Silva, R. S. (2020). Em meio a pandemia, arte! A condição dos artistas brasileiros em meio à pandemia. Revista Pet Economia UFES, 1(1), 46-49.; Lupinacci, 2021Lupinacci, L. (2021). “Da minha sala pra sua”: teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Galáxia, 46, e49052.; Sousa et al., 2020Sousa, J. H., Jr., Ribeiro, L. V. H. A. S., Santos, W. S., Soares, J. C., & Raasch, M. (2020). “#fiqueemcasa e cante comigo”: estratégia de entretenimento musical durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Boletim de Conjuntura, 2(4), 72-85.). Prova disso é que, no ranking das 10 maiores audiências do Youtube, 7 são do Brasil (inclusive o primeiro e segundo lugar) e todas ocorreram durante a pandemia (Cruz, 2020aCruz, F. B. (2020a, May 12). Brasil lidera ranking das dez maiores audiências em lives no YouTube. Retrieved from https://veja.abril.com.br/cultura/brasil-lidera-ranking-das-dez-maiores-audiencias-em-lives-no-youtube/
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), contando com 85 milhões de espectadores brasileiros.

Porém, o fenômeno das lives começou a cair drasticamente, sendo que a busca pelas lives no Google decaíram 67% em julho, em comparação com abril, chegando a cair 41% em agosto (Cruz, 2020bCruz, F. B. (2020b, July 27). Queda de quase 70% nas buscas por lives sinaliza cansaço com a fórmula. Retrieved from https://veja.abril.com.br/cultura/queda-de-quase-70-nas-buscas-por-lives-sinaliza-cansaco-com-a-formula/
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). As lives musicais até mostraram um sinal de recuperação, mas o engajamento e os números em visualizações não chegaram perto do fenômeno de 2021 (Neves & Ortega, 2021Neves, M., & Ortega, R. (2021, April 07). Lives de volta? Após período de baixa, busca por transmissões musicais volta a subir. Retrieved from https://g1.globo.com/pop-arte/lives/noticia/2021/04/07/lives-de-volta-apos-periodo-de-baixa-busca-por-transmissoes-musicais-volta-a-subir.ghtml
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). Para fornecer uma base de comparação, de acordo com dados extraídos do YouTube, enquanto as lives musicais da Marília Mendonça excederam 50 milhões de visualizações em 2020, as lives que a artista transmitiu em 2021 não excederam 4 milhões.

Um dos motivos relatados foi a de saturação dos consumidores, seja devido à grande oferta de lives transmitidas ou ao isolamento social em si, que vem apresentando queda em suas taxas de adesão (Cruz, 2020bCruz, F. B. (2020b, July 27). Queda de quase 70% nas buscas por lives sinaliza cansaço com a fórmula. Retrieved from https://veja.abril.com.br/cultura/queda-de-quase-70-nas-buscas-por-lives-sinaliza-cansaco-com-a-formula/
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; Rosário, 2020Rosário, M. (2020, March 19). Isolamento social cai 41%, mas casos e mortes se mantêm em queda. Retrieved from https://veja.abril.com.br/saude/isolamento-social-cai-41-mas-casos-e-mortes-se-mantem-em-queda/
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). Para a visão adotada por este trabalho, a explicação do fenômeno vai além da agência humana, englobando o consumo de lives musicais enquanto uma prática, um conjunto de atividades, nexus de fazeres e dizeres, formados por entendimentos, procedimentos, engajamentos e itens de consumo (Warde, 2005Warde, A. (2005). Consumption and theories of practice. Journal of consumer culture, 5(2), 131-153.). A proposição deste estudo é que o declínio das lives estaria mais relacionado à força desses elementos supracitados, reconfigurados ao estímulo da pandemia e do isolamento social, da sinergia com outras práticas que formam o cotidiano dos praticantes, bem como da força de agentes externos que atuam na (não) normalização e consolidação da prática.

Este trabalho se dedica a entender a prática de consumo das lives musicais, sua ascensão e decadência. Seguindo a teoria da prática (Reckwitz, 2002Reckwitz, A. (2002). Toward a theory of social practices: A development in culturalist theorizing. European journal of social theory, 5(2), 243-263.; Schatzki, 2001Schatzki, T. R. (2001). Introduction: Practice Theory. In T. R. Schatzki, K. Knorr-Cetina, & E. von Savigny (Eds.), The Practice Turn in Contemporary Theory(pp. 1-14). London, UK: Routledge.; Warde, 2005Warde, A. (2005). Consumption and theories of practice. Journal of consumer culture, 5(2), 131-153.), a ordem social é definida por práticas sociais que existem no ambiente, em forma de elementos que, ao serem estimulados, se reúnem em um nexus de fazeres e dizeres que, performados, configuram-se e podem (ou não) consolidar-se. Para que essa consolidação ocorra, depende da força de seus elementos e da ligação entre eles (Philip, Ozanne, & Ballantine, 2019Philip, H. E., Ozanne, L. K., & Ballantine, P. W. (2019). Exploring online peer-to-peer swapping: a social practice theory of online swapping. Journal of Marketing Theory and Practice, 27(4), 413-429.; M. Salo, Mattinen-Yurvev, & Nissinen, 2019Salo, M., Mattinen-Yuryev, M. K., & Nissinen, A. (2019, January). Opportunities and limitations of carbon footprint calculators to steer sustainable household consumption - Analysis of Nordic calculator features. Journal of Cleaner Production, 207, 658-666.), de sua sincronicidade com outras práticas que formam o cotidiano do indivíduo — aqui chamado de praticante (Devaney & Davies, 2017Devaney, L., & Davies, A. R. (2017). Disrupting household food consumption through experimental HomeLabs: Outcomes, connections, contexts. Journal of Consumer Culture, 17(3), 823-844.; Hebrok & Heidenstrøm, 2019Hebrok, M., & Heidenstrøm, N. (2019, February). Contextualising food waste prevention-Decisive moments within everyday practices. Journal of Cleaner Production, 210, 1435-1448.) — bem como de fatores externos que podem ajudar na normalização e consolidação da prática (Bulmer, Elms, & Moore, 2018Bulmer, S., Elms, J., & Moore, S. (2018, May). Exploring the adoption of self-service checkouts and the associated social obligations of shopping practices. Journal of Retailing and Consumer Services, 42, 107-116.; Heisserer & Rau, 2017Heisserer, B., & Rau, H. (2017). Capturing the consumption of distance? A practice-theoretical investigation of everyday travel. Journal of Consumer Culture, 17(3), 579-599.). A proposição que se levanta, então, é entender como todos esses elementos se articularam, na tentativa de buscar insights que favorecem a compreensão do fenômeno.

Teoricamente, este trabalho tem sua inovação por se debruçar no fenômeno das lives musicais e na sua trajetória, de forma sistêmica, desde a reestruturação de seus elementos devido a um estímulo, além de aprofundar na força desses elementos formadores, na sua sinergia, nas resistências que envolvem essa prática rumo à normalização, e buscar por pistas que indicam uma possível consolidação ou declínio (Retamal, 2019Retamal, M. (2019, June). Collaborative consumption practices in Southeast Asian cities: Prospects for growth and sustainability. Journal of Cleaner Production, 222, 143-152.). Além de investigar teoricamente o objeto empírico em questão, este trabalho também contribui com uma demanda latente em se estudar as práticas de se ouvir músicas em suas múltiplas formas, bem como seus novos atores e dispositivos (Fuentes, Hagberg, & Kjellberg, 2019Fuentes, C., Hagberg, J., & Kjellberg, H. (2019). Soundtracking: music listening practices in the digital age. European Journal of Marketing, 53(3), 483-503.). Salvo melhor juízo, este é o primeiro estudo sobre o consumo de lives musicais sob o prisma da teoria da prática. Gerencialmente, esta pesquisa pode inspirar melhores práticas mercadológicas, na medida em que aponta os fatores que atuam para que uma prática consiga se estabelecer, gerando, por sua vez, um consumo que não seja momentâneo, e que se estenda para além da pandemia e do futuro incerto que ela traz como consequente.

Os resultados mostraram uma fraqueza nos elementos que compõem o consumo de lives musicais. Destaca a importância de considerar a força dos elementos que formam a prática e sua sincronicidade com práticas tradicionais e já consolidadas na rotina do praticante. O artigo foi dividido em fundamentações teóricas, providenciando um overview da teoria da prática e o consumo de música e lives musicais; uma descrição do método utilizado; resultados divididos em grandes categorias de acordo com Sauerbronn, Teixeira, e Lodd (2019Sauerbronn, J. F. R., Teixeira, C. S., & Lodi, M. D. F. (2019). Saúde, estética e eficiência: relações entre práticas de consumo de alimentos as mulheres e seus corpos. Cadernos EBAPE.BR, 17(2), 389-402.) e Warde (2005Warde, A. (2005). Consumption and theories of practice. Journal of consumer culture, 5(2), 131-153.); e considerações finais, contribuições e sugestões para futuras pesquisas.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Práticas de consumo

Reckwitz (2002Reckwitz, A. (2002). Toward a theory of social practices: A development in culturalist theorizing. European journal of social theory, 5(2), 243-263.) define práticas, ou praktic, enquanto um tipo rotinizado de comportamento, que consiste em diversos elementos, interconectados, na forma de atividades corporais, mentais, objetos e seus usos, conhecimento na forma de entendimento, know-how, estado de emoções e conhecimento motivacional. A prática depende da conexão e existência desses elementos, e não pode ser reduzida a um ou outro elemento. Um indivíduo, por sua vez, age enquanto um portador de práticas, diversas, muitas vezes, não coordenadas umas às outras. Assim, uma prática é uma maneira rotinizada na qual corpos se movem, objetos são manuseados, sujeitos são tratados, coisas são descritas e o mundo é entendido.

A maioria das práticas requer e implica consumo. Aqui, consumo está além da simples troca monetária e é definido por Warde (2005Warde, A. (2005). Consumption and theories of practice. Journal of consumer culture, 5(2), 131-153.) como um processo pelo qual os agentes se engajam na apropriação e apreciação, para uso utilitário, expressivo ou contemplativo, de bens, serviços, performances, informações e ambientações, buscados ou não, sobre o qual o agente possui algum tipo de critério. Sendo assim, o consumo não é somente uma prática, mas, sim, um momento em cada uma das práticas (Warde, 2005Warde, A. (2005). Consumption and theories of practice. Journal of consumer culture, 5(2), 131-153.).

A prática, enquanto entidade, pode ser estimulada rumo à mudança, por exemplo: por meio da introdução de novas tecnologias, como checkouts de autoatendimento em supermercados (Bulmer et al., 2018Bulmer, S., Elms, J., & Moore, S. (2018, May). Exploring the adoption of self-service checkouts and the associated social obligations of shopping practices. Journal of Retailing and Consumer Services, 42, 107-116.), sistemas de produto-serviço sustentável (Mylan, 2015Mylan, J. (2015). Understanding the diffusion of Sustainable Product-Service Systems: Insights from the sociology of consumption and practice theory. Journal of Cleaner Production, 97(2015), 13-20.), calculadoras de emissão de carbono (Naus & van der Horst, 2017Naus, J., & van der Horst, H. M. (2017). Accomplishing information and change in a smart grid pilot: Linking domestic practices with policy interventions. Environment and Planning C: Politics and space, 35(3), 379-396.) e sistemas Smart-Grid de controle de recursos energéticos (M. Salo et al., 2019Salo, M., Mattinen-Yuryev, M. K., & Nissinen, A. (2019, January). Opportunities and limitations of carbon footprint calculators to steer sustainable household consumption - Analysis of Nordic calculator features. Journal of Cleaner Production, 207, 658-666.); por meio de programas institucionais, como políticas empresariais pró-ambientais (T. Hargreaves, 2011Hargreaves, T. (2011). Practice-ing behaviour change: Applying social practice theory to pro-environmental behaviour change. Journal of consumer culture, 11(1), 79-99.; Heisserer & Rau, 2017Heisserer, B., & Rau, H. (2017). Capturing the consumption of distance? A practice-theoretical investigation of everyday travel. Journal of Consumer Culture, 17(3), 579-599.) e mudanças no design de programas televisivos (Petersen, 2016), de websites (Philip et al., 2019Philip, H. E., Ozanne, L. K., & Ballantine, P. W. (2019). Exploring online peer-to-peer swapping: a social practice theory of online swapping. Journal of Marketing Theory and Practice, 27(4), 413-429.) ou do próprio produto (Gruen, 2017Gruen, A. (2017). Design and the creation of meaningful consumption practices in access-based consumption. Journal of Marketing Management, 33(3-4), 226-243.); e por meio de programas governamentais, como sistemas de controle alimentar (O’Keefe, McMachlan, Gough, Mander, & Bowis-Larkin, 2016O’Keefe, L., Mclachlan, C., Gough, C., Mander, S., & Bows-Larkin, A. (2016). Consumer responses to a future UK food system. British Food Journal, 118(2), 412-428.), políticas de conscientização à diminuição do desperdício alimentar (Hebrok & Heidenstrom, 2019Hebrok, M., & Heidenstrøm, N. (2019, February). Contextualising food waste prevention-Decisive moments within everyday practices. Journal of Cleaner Production, 210, 1435-1448.), locais experimentais para apoiar práticas alimentares caseiras mais sustentáveis (Devaney & Davies, 2017Devaney, L., & Davies, A. R. (2017). Disrupting household food consumption through experimental HomeLabs: Outcomes, connections, contexts. Journal of Consumer Culture, 17(3), 823-844.) e reformas econômicas (Hanssen, 2017Hansen, A. (2017). Transport in transition: Doi moi and the consumption of cars and motorbikes in Hanoi. Journal of Consumer Culture, 17(2), 378-396.).

Em conclusão, estes artigos mostram que a força da prática está no acoplamento dos elementos formadores, diretamente proporcional à resistência a mudanças e inovações (Mylan, 2015Mylan, J. (2015). Understanding the diffusion of Sustainable Product-Service Systems: Insights from the sociology of consumption and practice theory. Journal of Cleaner Production, 97(2015), 13-20.; Pettersen, 2016Pettersen, I. N. (2016, September). Fostering absolute reductions in resource use: the potential role and feasibility of practice-oriented design. Journal of Cleaner Production, 132, 252-265.). Sendo assim, intervenções bem-sucedidas devem levar em conta todos os elementos formadores da prática, que dão suporte aos nós que sustentam o nexus de fazeres e dizeres, fortalecendo-os e aumentando a probabilidade de que mudanças conseguirão se estabelecer e integrar-se ao cotidiano (Gruen, 2017Gruen, A. (2017). Design and the creation of meaningful consumption practices in access-based consumption. Journal of Marketing Management, 33(3-4), 226-243., Naus & van der Horst, 2017Naus, J., & van der Horst, H. M. (2017). Accomplishing information and change in a smart grid pilot: Linking domestic practices with policy interventions. Environment and Planning C: Politics and space, 35(3), 379-396.; Philip et al., 2019Philip, H. E., Ozanne, L. K., & Ballantine, P. W. (2019). Exploring online peer-to-peer swapping: a social practice theory of online swapping. Journal of Marketing Theory and Practice, 27(4), 413-429.; M. Salo et al., 2019Salo, M., Mattinen-Yuryev, M. K., & Nissinen, A. (2019, January). Opportunities and limitations of carbon footprint calculators to steer sustainable household consumption - Analysis of Nordic calculator features. Journal of Cleaner Production, 207, 658-666.). Esses elementos devem trabalhar em sinergia, o que pode exigir adequações entre elementos novos e tradicionais, entre práticas novas e aquelas já estabelecidas no cotidiano — o que evidencia a necessidade de um conhecimento holístico para que a intervenção e mudança/reorganização da prática possam ser efetivas (Devaney & Davies, 2017Devaney, L., & Davies, A. R. (2017). Disrupting household food consumption through experimental HomeLabs: Outcomes, connections, contexts. Journal of Consumer Culture, 17(3), 823-844.; T. Hargreaves, 2011Hargreaves, T. (2011). Practice-ing behaviour change: Applying social practice theory to pro-environmental behaviour change. Journal of consumer culture, 11(1), 79-99.; Hebrok & Heidenstrøm, 2019Hebrok, M., & Heidenstrøm, N. (2019, February). Contextualising food waste prevention-Decisive moments within everyday practices. Journal of Cleaner Production, 210, 1435-1448.; Naus & van der Horst, 2017Naus, J., & van der Horst, H. M. (2017). Accomplishing information and change in a smart grid pilot: Linking domestic practices with policy interventions. Environment and Planning C: Politics and space, 35(3), 379-396.; Nyborg, 2015Nyborg, S. (2015). Pilot users and their families: Inventing flexible practices in the smart grid. Science & Technology Studies, 28(3), 54-80.; O’Keefe et al., 2016O’Keefe, L., Mclachlan, C., Gough, C., Mander, S., & Bows-Larkin, A. (2016). Consumer responses to a future UK food system. British Food Journal, 118(2), 412-428.).

O cotidiano do praticante é formado por uma série de práticas que modelam sua vida diária, e, quando o mesmo adere a novas práticas — ou reorganiza uma já existente —, deve haver uma harmonia com as demais práticas do cotidiano, dando suporte ou sendo suportada por elas, enquanto competem por tempo e espaço (House, 2019House, J. (2019). Modes of eating and phased routinisation: Insect-based food practices in the Netherlands. Sociology, 53(3), 451-467.; Koponen & Niva, 2020Koponen, S., & Niva, M. (2020). New Nordic upmarket bistros and the practical configurations of artful dining. Food, Culture & Society, 23(1), 30-45.; Plessz & Étile, 2019Plessz, M., & Étilé, F. (2019). Is cooking still a part of our eating practices? Analysing the decline of a practice with time-use surveys. Cultural Sociology, 13(1), 93-118.; Robinson & Arnould, 2019Robinson, T. D., & Arnould, E. (2020). Portable technology and multi-domain energy practices. Marketing Theory, 20(1), 3-22.). Esses praticantes podem enfrentar desafios quando não conseguem encaixar essa prática dentro do nexus, ou quando não conseguem aderir-se emocionalmente à prática, como as outras práticas da sua vida diária — assim como quando alguém não consegue encontrar-se responsável na mudança que essa nova prática irá incitar em sua vida diária (Gonzalez-Arcos, Joubert, Scaraboto, Guesalaga, & Sandberg, 2021Gonzalez-Arcos, C., Joubert, A. M., Scaraboto, D., Guesalaga, R., & Sandberg, J. (2021). “How Do I Carry All This Now?” Understanding Consumer Resistance to Sustainability Interventions. Journal of Marketing, 85(3), 44-61.).

Uma prática de consumo não existe sozinha, estando envolvida em um nexus de outras práticas adjacentes e de suporte (Schatzki, 1996Schatzki, T. R. (1996). Social practices: A Wittgensteinian approach to human activity and the social. Cambridge, UK: Cambridge University Press.; Warde, 2005Warde, A. (2005). Consumption and theories of practice. Journal of consumer culture, 5(2), 131-153.). É também apontada a força de fatores externos — como a pressão social, sistema de provisão, caráter afetivo, discursos de mídia, contato com situações prejudiciais ao longo da vida e prescrições — para normalizar novas práticas ao longo da sua evolução social (Bulmer et al., 2018Bulmer, S., Elms, J., & Moore, S. (2018, May). Exploring the adoption of self-service checkouts and the associated social obligations of shopping practices. Journal of Retailing and Consumer Services, 42, 107-116.; Hansen, 2017Hansen, A. (2017). Transport in transition: Doi moi and the consumption of cars and motorbikes in Hanoi. Journal of Consumer Culture, 17(2), 378-396.; Heisserer & Rau, 2017Heisserer, B., & Rau, H. (2017). Capturing the consumption of distance? A practice-theoretical investigation of everyday travel. Journal of Consumer Culture, 17(3), 579-599.). Ademais, ressalta-se seu caráter contextual, ou seja, para intervenções, é necessário contextualizar socialmente e geograficamente essa prática (Devaney & Davies, 2017Devaney, L., & Davies, A. R. (2017). Disrupting household food consumption through experimental HomeLabs: Outcomes, connections, contexts. Journal of Consumer Culture, 17(3), 823-844.).

Práticas de consumo musical

O consumo musical enquanto prática tem sido parte da cultura humana, usado para múltiplos propósitos, como lazer, terapia, aprendizado (Cockrill, Sullivan, & Norbury, 2011Cockrill, A., Sullivan, M., & Norbury, H. L. (2011). Music consumption: Lifestyle choice or addiction. Journal of Retailing and Consumer Services, 18(2), 160-166.), reconfigurando-se em torno de três objetivos/engajamentos: (i) regulação emocional, que denota até que ponto a música pode evocar sentimentos particulares no indivíduo; (ii) alcance de autoconsciência, que envolve aspectos cognitivos e emocionais, em termos de formação de identidade e autopercepção por meio de interações e consumo musical; e (iii) estabelecimento e manutenção de relações interpessoais, conectando-se por meio da música e provocando um senso de pertencimento (D. J. Hargreaves & North, 1999Hargreaves, D. J., & North, A. C. (1999). The functions of music in everyday life: Redefining the social in music psychology. Psychology of music, 27(1), 71-83.; Hesmondhalgh, 2008Hesmondhalgh, D. (2008). Towards a critical understanding of music, emotion and self-identity. Consumption, markets and culture, 11(4), 329-343.; Hollebeek, Malthouse, & Block, 2016Hollebeek, L. D., Malthouse, E., & Block, M. (2016). Sounds of music: exploring consumers’ musical engagement. Journal of Consumer Marketing, 33(6), 417-427.; Schäfer, Seldmeier, Städtler, & Huron, 2013Schäfer, T., Sedlmeier, P., Städtler, C., & Huron, D. (2013). The psychological functions of music listening. Frontiers in psychology, 4(511), 1-33.). Hollebeek et al. (2016)Hollebeek, L. D., Malthouse, E., & Block, M. (2016). Sounds of music: exploring consumers’ musical engagement. Journal of Consumer Marketing, 33(6), 417-427. acrescentam também o senso de escapismo, diversão ou relaxamento provocado pela música.

A prática do consumo musical sofreu uma série de mudanças ao longo das últimas décadas, principalmente relacionadas à sua digitalização, que permitiu a onipresença da música, acessada, de forma ilimitada, em qualquer tempo e lugar, sem precisar de armazenamento físico e sem a obrigatoriedade de ouvir um álbum completo para encontrar a música desejada (Cockrill et al., 2011Cockrill, A., Sullivan, M., & Norbury, H. L. (2011). Music consumption: Lifestyle choice or addiction. Journal of Retailing and Consumer Services, 18(2), 160-166.; Morris & Powers, 2015Morris, J. W., & Powers, D. (2015). Control, curation and musical experience in streaming music services. Creative Industries Journal, 8(2), 106-122.; Sinclair, Tinson, & Dolan, 2019Sinclair, G., Tinson, J., & Dolan, P. (2019). Music in the time-spectrum: routines, spaces and emotional experience. Leisure Studies, 38(4), 509-522.). Essa disponibilidade e onipresença mudaram a experiência musical, em um convite a uma escuta casual, experimentada na periferia da atenção humana, misturando-se a outras práticas, seja movimentando-se pela cidade, dirigindo durante uma viagem, na academia, praticando corrida, trabalhando, funcionando enquanto suporte ou incentivador dessas práticas (Bull, 2005Bull, M. (2005). No dead air! The iPod and the culture of mobile listening. Leisure studies, 24(4), 343-355.; Denegri-Knott, 2005Denegri-Knott, J. (2005). MP3. Consumption Markets & Culture, 18(5), 397-401.; Fuentes et al., 2019Fuentes, C., Hagberg, J., & Kjellberg, H. (2019). Soundtracking: music listening practices in the digital age. European Journal of Marketing, 53(3), 483-503.; Heye & Lamont, 2010Heye, A., & Lamont, A. (2010). Mobile listening situations in everyday life: The use of MP3 players while travelling. Musicae Scientiae, 14(1), 95-120.; Kerrigan, Larsen, Hanratty, & Korta, 2014Kerrigan, F., Larsen, G., Hanratty, S., & Korta, K. (2014). ‘Gimme shelter’: Experiencing pleasurable escape through the musicalisation of running. Marketing Theory, 14(2), 147-166.; Sinclair et al., 2019Sinclair, G., Tinson, J., & Dolan, P. (2019). Music in the time-spectrum: routines, spaces and emotional experience. Leisure Studies, 38(4), 509-522.), provocando uma resposta positiva quando ouvida em contextos apropriados (North & D. J. Hargreaves, 2000North, A. C., & Hargreaves, D. J. (2000). Musical preferences during and after relaxation and exercise. American journal of psychology, 113(1), 43-68.), em que o indivíduo a ajusta às demandas de diferentes espaços (Sinclair et al., 2019Sinclair, G., Tinson, J., & Dolan, P. (2019). Music in the time-spectrum: routines, spaces and emotional experience. Leisure Studies, 38(4), 509-522.).

Nesse contexto, as mídias sociais tornam-se essenciais, encurtando distância entre consumidores e artistas, criando um senso de afinidade e interação bidirecional entre membros, reforçando sua identidade social, aumentando o escopo e a abrangência geográfica desse grupo, no qual interações são moldadas (e moldam) por significados, percepções, atitudes, comportamentos e experiências com a marca, constantemente negociados dentro de um espaço cultural e conceitual (Obiegbu, Larsen, Ellis, & O’Reilly, 2018Obiegbu, C. J., Larsen, G., Ellis, N., & O’Reilly, D. (2019). Co-constructing loyalty in an era of digital music fandom. European Journal of Marketing, 53(3), 463-482.; J. Salo, Lankinen & Mäntymäki, 2013Salo, J., Lankinen, M., & Mäntymäki, M. (2013). The use of social media for artist marketing: Music industry perspectives and consumer motivations. International Journal on Media Management, 15(1), 23-41.).

As mídias sociais permitiram também a reprodução de shows ao vivo pelas plataformas digitais, reconfigurando o significado de plateia e entretenimento (Sá & Bittencourt, 2014Sá, S. P., & Bittencourt, L. (2014). Espaços urbanos e plateias virtuais: o YouTube e as transmissões de espetáculos ao vivo. Logos, 1(24), 158-172.), as quais foram intensificadas, ressignificadas e popularizadas durante o isolamento social, provocado pela pandemia do coronavírus em 2020 (Clemente & Stoppa, 2020Clemente, A. C. F., & Stoppa, E. A. (2020). Lazer Doméstico em Tempos de Pandemia da Covid-19. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 460-484.; Lupinacci, 2021Lupinacci, L. (2021). “Da minha sala pra sua”: teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Galáxia, 46, e49052.; Sousa et al., 2020Sousa, J. H., Jr., Ribeiro, L. V. H. A. S., Santos, W. S., Soares, J. C., & Raasch, M. (2020). “#fiqueemcasa e cante comigo”: estratégia de entretenimento musical durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Boletim de Conjuntura, 2(4), 72-85.). A prática de ver lives musicais transforma-se em uma maneira de lazer dentro de casa, trazendo a intimidade e vulnerabilidade do artista em voga, e teve destaque nos meses de fevereiro a abril de 2020 com audiências de 85 milhões de praticantes (Cruz, 2020aCruz, F. B. (2020a, May 12). Brasil lidera ranking das dez maiores audiências em lives no YouTube. Retrieved from https://veja.abril.com.br/cultura/brasil-lidera-ranking-das-dez-maiores-audiencias-em-lives-no-youtube/
https://veja.abril.com.br/cultura/brasil...
, 2020bCruz, F. B. (2020b, July 27). Queda de quase 70% nas buscas por lives sinaliza cansaço com a fórmula. Retrieved from https://veja.abril.com.br/cultura/queda-de-quase-70-nas-buscas-por-lives-sinaliza-cansaco-com-a-formula/
https://veja.abril.com.br/cultura/queda-...
), aportando benefícios à saúde mental de brasileiros e estrangeiros que, podados das formas de lazer outdoors, obtinham nas lives uma válvula de escape. Outrossim, sublinha-se o suporte à classe artística, profundamente prejudicada com a pandemia, e à população vulnerável, alvo de ações filantrópicas dessas mesmas lives (Clemente & Stoppa, 2020; Ficanha et al., 2020Ficanha, E. E., Silva, E. V., Rocha, V. M. P., Badke, M. R., Cogo, S. B., Silva, E. V ., ... Jacobi, L. F. (2020). Aspectos biopsicossociais relacionados ao isolamento social durante a pandemia de Covid-19: uma revisão integrativa. Research, Society and Development, 9(8), 1-22.; Guidolini & R. S. Silva, 2020Guidolini, P. O. S., & Silva, R. S. (2020). Em meio a pandemia, arte! A condição dos artistas brasileiros em meio à pandemia. Revista Pet Economia UFES, 1(1), 46-49.; Lima, 2020Lima, R. C. (2020). Distanciamento e isolamento sociais pela Covid-19 no Brasil: impactos na saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 30(2), e300214.; Pereira et al., 2020Pereira, M. D., Oliveira, L. C., Costa, C. F. T., Bezerra, C. M. O., Pereira, M. D ., Santos, C. K. A. ... Dantas, E. H. M. (2020). A pandemia de COVID-19, o isolamento social, consequências na saúde mental e estratégias de enfrentamento: uma revisão integrativa. Research, Society and Development, 9(7), 1-35.; O. C. F. Ribeiro et al., 2020Ribeiro, O. C. F., Santana, G. J., Tengan, E. Y. M., Silva, L. W. M., & Nicolas, E. A. (2020). Os Impactos da Pandemia da Covid-19 no Lazer de Adultos e Idosos. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 391-428.; Sousa et al., 2020Sousa, J. H., Jr., Ribeiro, L. V. H. A. S., Santos, W. S., Soares, J. C., & Raasch, M. (2020). “#fiqueemcasa e cante comigo”: estratégia de entretenimento musical durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Boletim de Conjuntura, 2(4), 72-85.).

As lives musicais redesenhadas durante a pandemia foram configuradas como performances musicais ao vivo dentro da casa dos artistas, objetivando levar lazer para a casa do espectador e levantar fundos para pessoas em situação de vulnerabilidade (Clemente & Stoppa, 2020Clemente, A. C. F., & Stoppa, E. A. (2020). Lazer Doméstico em Tempos de Pandemia da Covid-19. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 460-484.; Sousa et al., 2020Sousa, J. H., Jr., Ribeiro, L. V. H. A. S., Santos, W. S., Soares, J. C., & Raasch, M. (2020). “#fiqueemcasa e cante comigo”: estratégia de entretenimento musical durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Boletim de Conjuntura, 2(4), 72-85.). Segundo Lupinacci (2020), as lives musicais diferem de formatos prévios por quatro critérios: temporalidade, espacialidade, senso de realidade e sociabilidade. Temporalidade envolve a originalidade, não reprodutibilidade e performance instantânea — similar a performances não mediadas pela tecnologia —, mas, ao mesmo tempo, envolve a performance da tecnologia por si só, que denota, por exemplo, a necessidade de uma transmissão de qualidade (Lupinacci, 2020Lupinacci, L. (2021). “Da minha sala pra sua”: teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Galáxia, 46, e49052.). Espacialidade é localizada dentro do espaço do artista, o backstage se torna parte da atração e denota pouca produção e uma possibilidade de proximidade entre artista e audiência (Araujo & Cipiniuk, 2020Araujo, M. T. M., & Cipiniuk, A. (2020). O entretenimento online-A sociedade espetacular das lives nos tempos de pandemia. Revista interdisciplinar internacional de artes visuais-art&sensorium, 7(2), 193-206.; Lupinacci, 2021Lupinacci, L. (2021). “Da minha sala pra sua”: teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Galáxia, 46, e49052.). O senso de realidade está relacionado à espontaneidade da performance, com a ausência de um script e uma aparente falta de filtro (Lupinacci, 2020Lupinacci, L. (2021). “Da minha sala pra sua”: teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Galáxia, 46, e49052.). Finalmente, sociabilidade é considerada um dos pontos mais significativos nessa reformulação da prática de ver lives musicais: um senso de coletividade foi criado e se manteve mesmo diante do isolamento social — os participantes são propensos a interagir com amigos e estranhos em chats e redes sociais, assim como com o artista em si, que lê comentários, pede por sugestões de músicas, entre outros tipos de interação (M. A. Aguiar & L. A. Aguiar, 2021Aguiar, M. A., & Aguiar, L. A. (2021). A pandemia da Covid-19 e seus impactos no setor cultural brasileiro. Sociedade e Cultura, 24, 1-33.; Lupinacci, 2021Lupinacci, L. (2021). “Da minha sala pra sua”: teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Galáxia, 46, e49052.).

METODOLOGIA

A parte empírica do presente trabalho vem de uma pesquisa de campo, que consistiu em 24 entrevistas em profundidade, realizadas no período de 04 de junho a 23 de julho de 2020. As entrevistas duraram de 00:32:09s até 1:07:12s, contabilizando 18:40 horas de entrevistas, com 151.784 palavras transcritas. As que ocorreram durante a pandemia se deram todas por meio de conferência on-line e transcritas manualmente.

As entrevistas foram conduzidas em português, analisadas, e os resultados foram transcritos para o inglês. Os participantes foram recrutados por meio de anúncios iniciais postados nas redes sociais de todos os autores, e os passos posteriores seguiram a abordagem da bola de neve. O tamanho da amostra seguiu um processo de saturação, ou seja, em torno da vigésima entrevista, quando os dados começaram a se tornar repetitivos e não ofereciam novos padrões de resultados, mais quatro entrevistas finais foram realizadas para confirmar a saturação. O Quadro 1 apresenta um overview do perfil dos respondentes relacionado ao sexo, à idade, ocupação, às pessoas com quem reside e ao número de lives musicais a que assistiram.

Quadro 1
Perfil da Amostra

Entrevistas em profundidade foram utilizadas por outros trabalhos sob o prisma da teoria da prática no campo do comportamento do consumidor (C. Derbaix & M. Derbaix, 2019Derbaix, C., & Derbaix, M. (2019). Intergenerational transmissions and sharing of musical taste practices. Journal of Marketing Management, 35(17-18), 1600-1623.; Feiereisen, Rasolofoarison, Valck, & Schmitt, 2018; Fuentes et al., 2019Fuentes, C., Hagberg, J., & Kjellberg, H. (2019). Soundtracking: music listening practices in the digital age. European Journal of Marketing, 53(3), 483-503.; Gruen, 2017Gruen, A. (2017). Design and the creation of meaningful consumption practices in access-based consumption. Journal of Marketing Management, 33(3-4), 226-243.; Philip et al., 2019Philip, H. E., Ozanne, L. K., & Ballantine, P. W. (2019). Exploring online peer-to-peer swapping: a social practice theory of online swapping. Journal of Marketing Theory and Practice, 27(4), 413-429.), sob a justificativa de que dá a oportnidade de questionar sobre o comportamento e os pensamentos sobre o comportamento dos praticantes, capturando práticas contemporâneas e históricas, bem como permite que informantes falem sobre situações que, de forma indireta, seriam invasivas (Fuentes et al., 2019Fuentes, C., Hagberg, J., & Kjellberg, H. (2019). Soundtracking: music listening practices in the digital age. European Journal of Marketing, 53(3), 483-503.). O indivíduo ainda é um ponto cruzado de práticas, e é por meio das performances mentais e incorporadas que as práticas e seus links com o consumo são totalmente compreendidos (Feiereisen et al., 2018Feiereisen, S., Rasolofoarison, D., Valck, K., & Schmitt, J. (2019, February). Understanding emerging adults’ consumption of TV series in the digital age: A practice-theory-based approach. Journal of Business Research, 95, 253-265.).

A fim de se examinar os dados, utilizou-se uma análise temática para identificar, investigar e reportar padrões dentro dos dados, organizados e descritos em detalhes, seguindo os passos indicados por Braum e Clarke (2006)Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis inpsychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101.: (i) imersão nos dados, lendo, relendo e procurando por significados e padrões; (ii) codificação inicial de ideias sobre os dados e o que há de interessante neles para a análise; (iii) procurar temas, o que envolve agrupar os códigos em grandes temas potenciais — com base nos temas propostos por Warde (2005Warde, A. (2005). Consumption and theories of practice. Journal of consumer culture, 5(2), 131-153.); (iv) revisar os temas, considerando que códigos podem transitar e mudar de lugar entre os temas; (v) elaborar e escrever os resultados. A escolha pela análise temática deve-se ao fato de que os temas já existiam e eram consolidados na literatura. Para além, objetivou-se seguir trabalhos anteriores que também usaram a teoria da prática aplicada ao consumo, como Dyen e Siriex (2016Dyen, M., & Sirieix, L. (2016). How does a local initiative contribute to social inclusion and promote sustainable food practices? Focus on the example of social cooking workshops. International Journal of Consumer Studies, 40(6), 685-694.), Nairn e Spotswood (2015Nairn, A., & Spotswood, F. (2015). “Obviously in the cool group they wear designer things”: A social practice theory perspective on children’s consumption. European Journal of Marketing, 49( 9/10), 1460-1483.), e Philip et al. (2019Philip, H. E., Ozanne, L. K., & Ballantine, P. W. (2019). Exploring online peer-to-peer swapping: a social practice theory of online swapping. Journal of Marketing Theory and Practice, 27(4), 413-429.).

Toda prática tem uma trajetória, um caminho de desenvolvimento, uma história. A principal implicação da teoria da prática é que a fonte de mudança comportamental permanece no desenvolvimento da prática por si só. Essa prática se junta por meio de um eixo, formado por entendimentos práticos e gerais sobre o que fazer e como fazer; procedimentos, regras, instruções e normas de como fazer; e engajamentos emocionais e normativos que dão nexo às práticas (Warde, 2005Warde, A. (2005). Consumption and theories of practice. Journal of consumer culture, 5(2), 131-153.). Sauerbronn et al. (2019Sauerbronn, J. F. R., Teixeira, C. S., & Lodi, M. D. F. (2019). Saúde, estética e eficiência: relações entre práticas de consumo de alimentos as mulheres e seus corpos. Cadernos EBAPE.BR, 17(2), 389-402.) seguiram uma visão sóciotecnológica e adicionaram itens de consumo à análise — assim como outros autores como Shove, Pantzar, e Watson (2012Shove, E., Pantzar, M., & Watson, M. (2012). The dynamics of social practice: Everyday life and how it changes. Thousand Oaks, CA: Sage.) e Gram-Hanssen (2011Gram-Hanssen, K. (2011). Understanding change and continuity in residential energy consumption. Journal of consumer culture, 11(1), 61-78.) — enquanto tecnologias, materiais e objetos que são parte e dão suporte para que a prática aconteça. Este estudo irá se basear nesses elementos categóricos: entendimentos, procedimentos, engajamentos e itens de consumo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entendimentos

No que concerne às lives musicais em relação aos entendimentos práticos e gerais, a live é: (i) vista enquanto um entretenimento; (ii) compreendida em relação à sua qualidade técnica; (iii) vista enquanto uma forma de pertencer a um contexto social; e (iv) vista enquanto uma forma de ajuda e conscientização em tempos de pandemia.

Quadro 2
Entendimentos sobre live musical

Para aqueles que compreendem a prática de ver live enquanto um entretenimento, a live é compreendida enquanto um show, ao vivo, transmitido on-line para todos que tenham acesso à internet, de forma gratuita e abrangente, o que condiz com o significado da live musical proposto por Sá e Bittencourt (2014Sá, S. P., & Bittencourt, L. (2014). Espaços urbanos e plateias virtuais: o YouTube e as transmissões de espetáculos ao vivo. Logos, 1(24), 158-172.). No contexto do isolamento social, tal transmissão representa igualmente uma forma de o artista conseguir visibilidade e continuar divulgando sua arte em um cenário no qual a cultura sofre uma série de restrições (Guidolini & R. S. Silva, 2020Guidolini, P. O. S., & Silva, R. S. (2020). Em meio a pandemia, arte! A condição dos artistas brasileiros em meio à pandemia. Revista Pet Economia UFES, 1(1), 46-49.; Sousa et al., 2020Sousa, J. H., Jr., Ribeiro, L. V. H. A. S., Santos, W. S., Soares, J. C., & Raasch, M. (2020). “#fiqueemcasa e cante comigo”: estratégia de entretenimento musical durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Boletim de Conjuntura, 2(4), 72-85.). A performance do artista também é importante para os entrevistados e denota uma mudança no significado, visto que se espera que o artista interaja com seu público, conte histórias, mostre vulnerabilidade frente ao isolamento, promova uma identificação com a sua audiência, deixando de lado a sua persona de palco e se mostre enquanto cozinha, brinca e se embriaga. Parafraseando uma entrevistada, cita-se “o que a gente mais quer na pandemia é dialogar” (E6), levando em conta que a live musical durante a pandemia encurta a distância entre cantor/audiência por meio das interações e faz com que o praticante “desligue o Spotify e assista à live musical”.

Para aqueles que entendem a live pela técnica envolvida, conceitos como qualidade do som, dos cantores, da imagem, da sincronia da conexão, sem interrupções, foram pontuados. Quando a live começa a travar e o problema não é corrigido, os espectadores desistem da live, e o mesmo ocorre quando a qualidade técnica não é atendida. Para essas pessoas, a estrutura da live é importante, valorizando o cenário e a iluminação. O significado para essas pessoas da live musical permanece o de shows ao vivo, transmitidos pela internet, de forma assíncrona, em que a performance não é tão importante — eles podem, inclusive, assistir ao show em outro horário e utilizar edições sem as interações, com o foco apenas na música (Sá & Bittencourt, 2014Sá, S. P., & Bittencourt, L. (2014). Espaços urbanos e plateias virtuais: o YouTube e as transmissões de espetáculos ao vivo. Logos, 1(24), 158-172.).

A live musical foi entendida enquanto forma de socialização entre família, com o cônjuge, com amigos — estes últimos, principalmente, por videoconferência ou redes sociais, na tentativa de trazer a sensação de aglomeração para o ambiente de casa — ou mesmo com os outros praticantes pelo chat da live. Todas essas tentativas de socialização criam uma experiência coletiva que acentua a sensação de pertencimento e a ressignifica se comparada à época pré-pandemia.

Essa sensação de pertencimento foi relatada, de forma mais acentuada, no início do fenômeno (fevereiro a abril de 2020), com postagens em redes sociais, muitas vezes, envolvendo um preparo elaborado, almejando mostrar pertencer àquele contexto, àquele lugar cibernético e experiencial, e trazer de volta sensações semelhantes às de outrora (Skandalis, Banister, & Byrom, 2018Skandalis, A., Banister, E., & Byrom, J. (2018). The spatial aspects of musical taste: Conceptualizing consumers’ place-dependent identity investments. Marketing Theory, 18(2), 249-265.; Skandalis, Byrom, & Banister, 2017Skandalis, A., Byrom, J., & Banister, E. (2017). Spatial taste formation as a place marketing tool: the case of live music consumption. Journal of Place Management and Development, 10(5), 497-503.). O sentimento de nostalgia também esteve presente, com composições que remetiam a experiências antes da pandemia e performances de artistas que já não se apresentavam e incentivavam a socialização, quando os entrevistados comentavam com amigos, reuniam família e relembravam o passado, o que evidencia a importância dos pares e da família para a prática do consumo musical desses praticantes (C. Derbaix & M. Derbaix, 2019Derbaix, C., & Derbaix, M. (2019). Intergenerational transmissions and sharing of musical taste practices. Journal of Marketing Management, 35(17-18), 1600-1623.; Meuleman, Lubbers, & Verkuyten, 2018Meuleman, R., Lubbers, M., & Verkuyten, M. (2018). Parental socialization and the consumption of domestic films, books and music. Journal of Consumer Culture, 18(1), 103-130.), bem como da música enquanto reguladora do humor (Hollebeek et al., 2016Hollebeek, L. D., Malthouse, E., & Block, M. (2016). Sounds of music: exploring consumers’ musical engagement. Journal of Consumer Marketing, 33(6), 417-427.; Schäfer et al., 2013Schäfer, T., Sedlmeier, P., Städtler, C., & Huron, D. (2013). The psychological functions of music listening. Frontiers in psychology, 4(511), 1-33.). Porém, devido ao grande volume de lives musicais e à repetitividade, o caráter inédito e a experiência coletiva foram perdendo sua força: “se eu perdesse a live, na outra semana tinha outra” (E14).

O significado da live musical se modifica também em seu caráter filantrópico, ressaltado para alguns entrevistados que apontam a importância de artistas angariarem fundos para ajudar instituições de caridade e indivíduos em situação de vulnerabilidade perante a pandemia (Clemente & Stoppa, 2020Clemente, A. C. F., & Stoppa, E. A. (2020). Lazer Doméstico em Tempos de Pandemia da Covid-19. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 460-484.; Lupinacci, 2021Lupinacci, L. (2021). “Da minha sala pra sua”: teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Galáxia, 46, e49052.; Sousa et al., 2020Sousa, J. H., Jr., Ribeiro, L. V. H. A. S., Santos, W. S., Soares, J. C., & Raasch, M. (2020). “#fiqueemcasa e cante comigo”: estratégia de entretenimento musical durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Boletim de Conjuntura, 2(4), 72-85.).

Procedimentos

Os procedimentos ao redor da live envolvem: a busca ou recebimento de informações sobre a live; o preparo para assistir à live; o assistir à live; e o pós-live.

Os entrevistados variam na sua forma de recebimento de informação. Alguns possuem uma postura ativa e buscam por lives que aconteceram, seja por meio das páginas dos artistas que seguem — Facebook, Instagram, Twitter —, por meio de sites de notícias que postavam cronogramas semanais, ou pelo próprio Youtube, que divulga hora e data. Já outros possuem uma postura passiva e recebem informações por meio das redes sociais dos artistas, por meio de amigos e familiares, ou por meio de publicidade do Youtube ou de algum digital influencer.

Quadro 3
Procedimentos sobre a prática de assistir a lives musicais

O preparo para assistir à live varia de acordo com a finalidade. A live, quando significada enquanto um lazer para relaxamento individual, envolve a sintonia com outras práticas do cotidiano, como a coordenação das atividades de home office para encaixar um horário de lazer ou deixar de assistir a alguma outra coisa para assistir à live (Devaney & Davies, 2017Devaney, L., & Davies, A. R. (2017). Disrupting household food consumption through experimental HomeLabs: Outcomes, connections, contexts. Journal of Consumer Culture, 17(3), 823-844.; Hebrok & Heidenstrøm, 2019Hebrok, M., & Heidenstrøm, N. (2019, February). Contextualising food waste prevention-Decisive moments within everyday practices. Journal of Cleaner Production, 210, 1435-1448.; Naus & van der Horst, 2017Naus, J., & van der Horst, H. M. (2017). Accomplishing information and change in a smart grid pilot: Linking domestic practices with policy interventions. Environment and Planning C: Politics and space, 35(3), 379-396.; Nyborg, 2015Nyborg, S. (2015). Pilot users and their families: Inventing flexible practices in the smart grid. Science & Technology Studies, 28(3), 54-80.), preparar os dispositivos, tomar banho. A prática pode envolver bebida alcóolica, em uma tentativa de aproximar o ato aos momentos de lazer que existiam antes da pandemia, o que é acompanhado geralmente de um tira-gosto, e pode gerar comoção no sentido até de se arrumar para assistir e postar nos stories, como se fosse um evento (Earl, 2001Earl, P. E. (2001). Simon’s travel theorem and the demand for live music. Journal of economic psychology, 22(3), 335-358.; Rondán-Cataluña & Martín-Ruiz, 2010Rondán-Cataluña, F. J., & Martín-Ruiz, D. (2010). Customers’ perceptions about concerts and CDs. Management Decision, 48(9), 1410-1421.; Sá & Bittencourt, 2014Sá, S. P., & Bittencourt, L. (2014). Espaços urbanos e plateias virtuais: o YouTube e as transmissões de espetáculos ao vivo. Logos, 1(24), 158-172.). A prática pode não envolver bebida alcóolica e representar um embalo para o sono, o que abarca o ritual de tomar banho, vestir pijama, preparar a cama, comer algo e escovar os dentes; ritual semelhante à prática enquanto trilha sonora, uma companhia para outras atividades, que também pode, simplesmente, só se preparar para não perder o início da live e continuar com suas atividades, principalmente se estiver desempenhando tarefas domésticas. Algumas dessas pessoas relataram não passar por preparo nenhum, além de colocar o relógio para despertar — inclusive, pode acontecer de o entrevistado saber da live de última hora, por meio das redes sociais, e, consequentemente, do jeito em que se encontra, começa a prática. Quando a live envolve algum tipo de socialização com amigos — seja via videoconferência ou presencial — o preparo se assemelha ao lazer fora de casa, envolvendo compra de bebida e comida, além do ato de se arrumar, preparar a comida e armazenar bebidas. A conexão de dispositivos ocorre por parte do anfitrião, podendo se dar em caixas de som ou até mesmo automóveis.

Durante a prática da live, percebe-se que a tentativa de pertencer a uma experiência coletiva é bem presente, com os entrevistados relatando compartilhar o link com os amigos e familiares que tenham gosto semelhante, fazendo videoconferência — que podiam durar uma parte específica da live, ou todo o evento —, comentando sobre a transmissão em redes sociais ou acompanhando seu engajamento. A experiência de ir a um show ao vivo pode sofrer uma tentativa de ressignificação, então começavam o evento bem antes e ficavam bebendo, comendo, celebrando, até o horário da live, como “se fosse um esquenta para o show” (E1). O foco também pode ser inteiramente na live musical, com interações bem pontuais, mas é mais raro entre os entrevistados. Ademais, a experiência socializadora do consumo musical é evocada de uma maneira ou de outra, até mesmo para aqueles que assistem às lives em uma prática análoga ao assistir a um filme, geralmente se preparando para dormir (Schäfer et al., 2013Schäfer, T., Sedlmeier, P., Städtler, C., & Huron, D. (2013). The psychological functions of music listening. Frontiers in psychology, 4(511), 1-33.; Hollebeck, Maltthouse, & Block, 2016; Earl, 2001Earl, P. E. (2001). Simon’s travel theorem and the demand for live music. Journal of economic psychology, 22(3), 335-358.; Rondán-Cataluña & Martín-Ruiz, 2010Rondán-Cataluña, F. J., & Martín-Ruiz, D. (2010). Customers’ perceptions about concerts and CDs. Management Decision, 48(9), 1410-1421.).

Nos momentos de socialização com a família e com o cônjuge, a live se torna um pano de fundo na maioria das vezes, uma trilha sonora embalando jantares, jogos, bebidas e momentos de relaxamento, o que se assemelha a ver um filme. A atenção principal na live nesses momentos é rara, e o consumo musical retorna para a atenção periférica dos praticantes (Bull, 2005Bull, M. (2005). No dead air! The iPod and the culture of mobile listening. Leisure studies, 24(4), 343-355.; Denegri-Knott, 2005Denegri-Knott, J. (2005). MP3. Consumption Markets & Culture, 18(5), 397-401.; Heye & Lamont, 2010Heye, A., & Lamont, A. (2010). Mobile listening situations in everyday life: The use of MP3 players while travelling. Musicae Scientiae, 14(1), 95-120.). As interações em redes sociais, ou até mesmo no chat das lives, concentram-se nos momentos de socialização com a família, em que o compartilhar da live com praticantes com gosto semelhante foi comum.

Por fim, o pós-live costuma envolver, em sua maioria, dormir ou procurar algo mais pra ver — uma série de TV, um filme, vídeos aleatórios no Youtube — ou pode envolver estender o momento de lazer com mais músicas, outras lives, o que envolve mais bebida, comida e socialização. Envolver-se em conversas nas redes sociais é comum, bem como, para quem usa o momento da live para socializar por videoconferência, estender o tempo da chamada por mais alguns minutos antes de dormir. Igualmente, é possível envolver arrumar a bagunça do local.

Engajamentos

A prática de assistir à live pode ser motivada para suprir o entretenimento do lazer do final de semana, um entretenimento paliativo, uma vez que as restrições de circulação trazidas com a pandemia obrigam os entrevistados a ficarem em suas casas, restringindo suas opções de lazer fora de casa (Clemente & Stoppa, 2020Clemente, A. C. F., & Stoppa, E. A. (2020). Lazer Doméstico em Tempos de Pandemia da Covid-19. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 460-484.; Lupinacci, 2021Lupinacci, L. (2021). “Da minha sala pra sua”: teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Galáxia, 46, e49052.; Sousa et al., 2020Sousa, J. H., Jr., Ribeiro, L. V. H. A. S., Santos, W. S., Soares, J. C., & Raasch, M. (2020). “#fiqueemcasa e cante comigo”: estratégia de entretenimento musical durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Boletim de Conjuntura, 2(4), 72-85.).

Quadro 4
Engajamentos relacionados à prática de assistir à live

A live também é um lazer que incentiva interações sociais, seja virtual ou pessoalmente (Obiegbu et al., 2018; Sá & Bittencourt, 2014Sá, S. P., & Bittencourt, L. (2014). Espaços urbanos e plateias virtuais: o YouTube e as transmissões de espetáculos ao vivo. Logos, 1(24), 158-172.; J. Salo et al., 2013Salo, J., Lankinen, M., & Mäntymäki, M. (2013). The use of social media for artist marketing: Music industry perspectives and consumer motivations. International Journal on Media Management, 15(1), 23-41.). A live aproxima pessoas, que compartilham o momento com amigos que estão longe, comentando sobre a live, mandando trechos, pedaços de música e memes, acompanhando e interagindo por meio das redes sociais, que é uma facilitadora de toda a experiência coletiva proporcionada pela prática de assistir a lives musicais (Ficanha et al., 2020Ficanha, E. E., Silva, E. V., Rocha, V. M. P., Badke, M. R., Cogo, S. B., Silva, E. V ., ... Jacobi, L. F. (2020). Aspectos biopsicossociais relacionados ao isolamento social durante a pandemia de Covid-19: uma revisão integrativa. Research, Society and Development, 9(8), 1-22.; Lupinacci, 2021Lupinacci, L. (2021). “Da minha sala pra sua”: teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Galáxia, 46, e49052.; Teodoro et al., 2020Teodoro, A. P. E. G., Brito, G. A. P., Camargo, L. A. R., Silva, M. R., & Bramante, A. C. (2020). A dimensão tempo na gestão das experiências de lazer em período de pandemia da covid-19 no Brasil. Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer, 23(3), 126-162.). Há também aqueles que optam pela chamada de vídeo, como forma de mitigar a distância entre eles e o social, tentando aproximar a experiência de ver a live à experiência socializadora pré-pandemia. E ainda, existem aqueles que burlam o isolamento e reúnem-se em quantidades menores para: ou assistir unicamente ao evento, o que gera uma atenção principal voltada à live; ou para socializar, sendo que a live fica em um segundo plano, como um show gravado, ou uma playlist no Spotify, enquanto conversam, interagem ou jogam alguma coisa. A live também pode funcionar enquanto uma experiência de socialização familiar, em que alguns entrevistados usam esse artifício para realizar jantares, churrascos e outros momentos de confraternização, um tempo de relaxamento em família durante a pandemia. Nesses momentos, os entrevistados costumam abrir mão da sua preferência musical para agradar aos seus familiares e, assumidamente, colocam a música como paano de fundo e usam a experiência para interagir com os familiares.

Agora, quando o entrevistado não consegue ver a live ao vivo, ou quando não consegue terminar tudo no mesmo dia e deixa parte para ver depois, ou, ainda, quando revê aquela transmissão, o significado da live muda, a qual passa a ser uma trilha sonora entre outras atividades que o indivíduo venha desempenhar (Fuentes et al., 2019Fuentes, C., Hagberg, J., & Kjellberg, H. (2019). Soundtracking: music listening practices in the digital age. European Journal of Marketing, 53(3), 483-503.; Kerrigan et al., 2014Kerrigan, F., Larsen, G., Hanratty, S., & Korta, K. (2014). ‘Gimme shelter’: Experiencing pleasurable escape through the musicalisation of running. Marketing Theory, 14(2), 147-166.; Sinclair et al., 2019Sinclair, G., Tinson, J., & Dolan, P. (2019). Music in the time-spectrum: routines, spaces and emotional experience. Leisure Studies, 38(4), 509-522.), como ouvir um álbum ao vivo em alguma plataforma digital. Existem também casos — poucos casos — em que a prática da live nunca chega a ser uma prática principal, é sempre uma trilha sonora, embutida nas atividades do cotidiano, sejam atividades para o momento de lazer, sejam afazeres domésticos.

Itens de consumo

De acordo com os engajamentos previstos na seção anterior, alguns itens de consumo se mostraram parte fundamental em cada uma dessas práticas. Para fins de análise, dividiram-se esses itens em 4 grandes grupos: itens de vestuário, de ambientação, tecnológico, e comidas e bebidas.

O vestuário é algo importante. O pijama está presente principalmente quando não há uma pretensão de socialização ou de suprir um lazer semelhante ao sair no final de semana. Os entrevistados relataram também se arrumar em algumas práticas, o que pode envolver maquiagem, arrumar cabelo, mas sua proeminência nas práticas concentra-se principalmente nos atos de socialização presencial ou on-line.

A ambientação divide-se em quarto, cozinha, sala, área externa e sítio. O quarto e a sala podem ser ambientados para assistir à live, ocasião em que o cenário se assemelha ao de ver um filme, envolvendo, no máximo, uma comida, algo tranquilo, preparado pra dormir. Nesse caso, a ambientação inclui o sofá ou a cama, cobertas, travesseiros, uma comida ou não, acompanhada dos pais ou do animal doméstico. Quando o quarto e a sala estão ambientados para um lazer envolvendo álcool ou uma socialização, outros objetos entram no cenário, como escrivaninha, mesa de centro, mesa de jantar e cadeiras, rede de deitar, jogos de tabuleiro. A socialização pode acontecer na cozinha, enquanto um jantar é preparado, com a ambientação envolvendo mesa, cadeira, fogão. Na área externa e no sítio, é possível haver uma churrasqueira, piscina, jogos.

Em relação aos itens tecnológicos, o computador e a televisão são os mais utilizados, principalmente pelo fato de o celular representar um limitador de interações sociais, que são pleiteadas em quase todas as práticas. Envolve internet e o modem. O celular funciona como dispositivo, principalmente, quando a live é ressignificada enquanto trilha sonora de outras atividades, o que pode abranger um fone de ouvido ou não. Os carregadores sempre estão por perto, assim como tomadas — e quando não estão, existem extensores de energia.

Figura 1
A prática de ver lives musicais e o nexus ao qual pertence

Por fim, algo proeminente em quase todas as práticas é o consumo de comidas e bebidas. Isso envolve todos os utensílios necessários — copos, pratos, bandejas, talheres, geladeira — e, quando a comida demanda um preparo maior, ou representa uma refeição, compreende todos os utensílios de preparo — panelas, fogão a gás, talheres maiores. O ato de fumar faz parte desse procedimento para alguns praticantes. Reitera-se que existem práticas em que a comida e a bebida não estão presentes, principalmente quando a live funciona enquanto trilha sonora, ou quando a live funciona como um filme ou parte de um ritual antes de ir dormir. A Figura 1 representa a prática de assistir a lives musicais, com base nas entrevistas conduzidas, e o nexus de práticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prática de assistir à live musical, antes restrita a transmissões de shows esporádicos ou de festivais como Coachella e Lollapalloza (Sá & Bittencourt, 2014Sá, S. P., & Bittencourt, L. (2014). Espaços urbanos e plateias virtuais: o YouTube e as transmissões de espetáculos ao vivo. Logos, 1(24), 158-172.), teve seu formato repaginado e popularizado durante o período de isolamento social, ocasionado pela pandemia da COVID-19 (Lupinacci, 2020Lupinacci, L. (2021). “Da minha sala pra sua”: teorizando o fenômeno das lives em mídias sociais. Galáxia, 46, e49052.; Souza et al., 2020Sousa, J. H., Jr., Ribeiro, L. V. H. A. S., Santos, W. S., Soares, J. C., & Raasch, M. (2020). “#fiqueemcasa e cante comigo”: estratégia de entretenimento musical durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Boletim de Conjuntura, 2(4), 72-85.). Em outros termos, a prática sofreu um estímulo, que reconfigurou seus elementos. O entendimento foi alterado, de grandes shows a apresentações intimistas. O engajamento muda, gerando uma sensação de pertencimento, uma experiência coletiva que mitiga a sensação do isolamento, seja virtual ou presencialmente, além de gerar lazer em um cenário no qual o espaço do entretenimento sofre uma série de restrições.

Essa reconfiguração, por sua vez, gera conflitos. O primeiro se referente ao tempo, que tem que coincidir com o momento de tempo livre, em sincronia com o home office e com outras atividades de lazer do cotidiano. Os praticantes, habituados ao isolamento, foram buscando novos hobbies e atividades para preencher seu cotidiano; dessa forma, juntamente às taxas de isolamento em queda, as lives passaram a assumir um papel coadjuvante na mídia. Segundo a fragilidade da prática se manifesta, quando se percebe a tentativa de “manter o mesmo entretenimento do final de semana antes da pandemia” (E7), exemplificado, por exemplo, ao se tentar projetar na prática o mesmo ritual efetuado para ir a um show presencial. Terceiro, a tentativa de inovação, mudando cenários, trazendo parcerias inéditas, que afeta elementos ressignificados, como a intimidade e a conscientização frente ao isolamento. Quarto, a questão do pertencimento também se perde, considerando que toda a experiência socializadora coletiva, que trazia um sentimento paliativo de aglomerar-se, começa a decair, com menos engajamento em redes sociais e menos preparo e elaboração.

A maioria dos entrevistados enxerga a fragilidade da prática e sugere um retorno a algo semelhante ao que acontecia antes da pandemia: um evento on-line para divulgar algum trabalho ou show específico, mas sem essa periodicidade ou comoção. Alguns entrevistados, que conseguiram consolidar a prática em suas rotinas, seja por já ser uma prática anterior à pandemia, ou por utilizar o momento para socialização — virtual ou presencial — enxergam um cenário positivo, almejando assistir a uma live musical com amigos, dentro ou fora do ambiente doméstico. Mas, de qualquer forma, a configuração dos elementos da prática pós-pandemia seria diferente e merece ser fruto de nova investigação.

Como contribuição teórica, esta pesquisa, mesmo estudando um fenômeno aparentemente momentâneo, detectou a trajetória da prática, desde seu surgimento, passando pela resistência enfrentada pela falta de sincronia com outras práticas e fragilizada pela comparação com elementos já consolidados, até a sua decadência. Mesmo que o trabalho tenha uma abordagem transversal, foi possível detectar pistas sobre os motivos que levam uma prática a não conseguir se estabelecer no cotidiano dos seus praticantes, reforçando o potencial explicativo da teoria quando realizado de maneira mais holística. Outra contribuição teórica diz respeito ao consumo musical e o consumo musical de lives, olhando além do viés individualista/estruturalista, para enxergar as práticas que moldam esse consumo, demonstrando que, para além do gosto, a prática de assistir a lives tem que ser inserida em um nexus de outras práticas cotidianas. Ademais, dependem também do seu nível de pertencimento, conscientização e identificação para ser bem-sucedida, bem como da força dos elementos formadores da prática.

Por fim, dentro do campo de pesquisas do marketing, acredita-se que os estudos da área do comportamento do consumidor ganham contribuições promissoras, uma vez que a utilização da teoria da prática fomenta a análise do consumo e suas variantes, enquanto realizações recorrentes, que se situam em cruzamentos de múltiplas práticas e relações sociais (Halkier & Jensen, 2011Halkier, B., & Jensen, I. (2011). Methodological challenges in using practice theory in consumption research. Examples from a study on handling nutritional contestations of food consumption. Journal of Consumer Culture, 11(1), 101-123.), avançando, assim, no entendimento desse complexo fenômeno que é o consumo.

Gerencialmente, para que a prática possa se consolidar, não como um fenômeno da pandemia, mas como algo perene, seus elementos formadores devem ser fortalecidos pelos gestores do segmento, sendo que a possibilidade de sincronia com práticas já estabelecidas, auxiliando-as ou dando suporte no nexus de práticas que formam o cotidiano do praticante, fortaleceria a continuidade do consumo de lives. Aparentemente, a possibilidade de usar as lives como um canal de comunicação mais intimista, e não como uma réplica do palco convencional, pode ser um caminho com potencial para diversificar e ampliar a proximidade entre os artistas e seu público.

A pesquisa teve como principal limitação a coleta de dados realizada unicamente por meio de entrevistas em profundidade. Para trabalhos futuros, sugere-se a adoção de multimétodos, como análise de dados secundários, foto elucidação e observações participantes, bem como trabalhos longitudinais. A amostra deste estudo concentrou-se em praticantes de classe média, com fácil acesso à internet, e com a faixa etária predominante dos 18 aos 40 anos. O cenário pode mudar, de acordo com o nível socioeconômico, com outras faixas demográficas, bem como de acordo com a facilidade de acesso e manuseio da tecnologia necessária, aspectos que merecem investigação futura. Outras práticas foram ressignificadas com a pandemia, como as compras de supermercado, o trabalhar, o se alimentar (dentro e fora de casa), bem como práticas que se popularizaram, especialmente no comércio eletrônico. Esses campos de investigação são frutíferos, verificando sua consolidação em um futuro próximo — e incerto — que a pandemia propiciou.

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  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2021
  • Aceito
    09 Dez 2021
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