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ESG: novo conceito para velhos problemas

As questões ambientais, sociais e de governança (Environmental, Social and Governance [ESG]) estão permeando cada vez mais as decisões das empresas sobre quais práticas adotar e quais desempenho e retorno a serem esperados pela sociedade e pelos seus stakeholders. O conceito de ESG (em português, Ambiental, Social e Governança) é um conjunto bastante amplo de questões, desde a pegada de carbono até as práticas trabalhistas e de corrupção, que justificam a criação de critérios e práticas que direcionam o papel e a responsabilidade dos negócios em direção aos fatores ambientais, sociais e de governança corporativa.

Embora a sigla ESG tenha surgido apenas em 2005UN Global Compact. (2005). Who cares wins 2005 conference report: investing for long-term value. Recuperado de https://pt.scribd.com/fullscreen/16876744?access_key=key-mfg3d0usaiuaob4taki
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, no relatório “Who Cares Wins” - resultado de uma iniciativa liderada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em que propunha diretrizes e recomendações sobre como contemplar questões ambientais, sociais e de governança na gestão de ativos, serviços de corretagem de títulos e pesquisas relacionadas ao tema -, a base teórica e a justificativa conceitual de grande parte dos estudos de ESG - acadêmicos ou não - consistem em Responsabilidade Social Empresarial (RSE) ou Responsabilidade Social Corporativa (RSC).

A discussão moderna da RSE foi iniciada com a publicação do livro Social responsabilities of the businessman, de Howard Bowen, em 1953. Já em termos filosóficos, a noção de RSE manifestou-se inicialmente sob a forma de filantropia, na década de 1920, conforme se constata com a criação de fundações caritativas pelos grandes empresários John D. Rockefeller, Henry Ford e Andrew Carnegie.

Autores seminais de responsabilidade corporativa como William Frederick (1960Frederick, W. C. (1960). The growing concern over business responsibility. California Management Review, 2(4), 54-61. Recuperado dehttps://doi.org/10.2307/41165405
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), Joseph W. McGuire (1963McGuire, J. W. (1963). Business and society. Technology and Culture, 5(3), 478-480. Recuperado de https://doi.org/10.2307/3101288
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) e Archie B. Carroll (1999Carroll, A. B. (1999). Corporate social responsibility: evolution of a definitional construct. Business & Society, 38(3), 268-295. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/000765039903800303
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) já postulavam que as empresas deveriam assumir certas responsabilidades perante a sociedade, as quais se estendem para além de suas obrigações legais e econômicas. Para que um negócio seja considerado socialmente responsável, deve pautar suas ações por uma gestão ética e contemplar questões como a qualidade de vida dos seus empregados, o relacionamento com os stakeholders e a redução de impactos negativos na comunidade e no ambiente eventualmente causados por suas operações.

Há, ainda, outra publicação relevante a reforçar a base da discussão atual de ESG: o relatório Brundtland, intitulado “Nosso Futuro Comum” (Our Common Future), publicado em 1987, coordenado pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland; à época, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento propagou o conceito de desenvolvimento sustentável, que já vinha sendo discutido desde a década de 1970.

O conceito de desenvolvimento sustentável agrega o desenvolvimento econômico, a conservação da natureza e a redução da desigualdade mundial como objetivos éticos comuns. O relatório Brundtland indicou que a pobreza dos países do Terceiro Mundo e o consumismo elevado dos países do Primeiro Mundo representavam as causas fundamentais que impediam um desenvolvimento igualitário no mundo e, consequentemente, produziam graves crises ambientais.

Algumas décadas depois, o Relatório Ecossistêmico do Milênio (2005)Millenium Ecosystem Assessment. (2005). Ecosystems and human well-being: our human planet - summary for decision-makers. Washington, DC: Island Press. salientou que continuamos a viver além do que os nossos meios permitem, com poucos progressos significativos na consolidação de uma ética intergeracional e dos objetivos de desenvolvimento do milênio. Já em 2015Nações Unidas. (2015). Transformando nosso mundo: a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. Recuperado dehttps://brasil.un.org/sites/default/files/2020-09/agenda2030-pt-br.pdf
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, a Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio do relatório “Transformando o nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, lança os atuais 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A Agenda representa um esforço conjunto, de países, empresas, instituições e sociedade civil, com objetivos focados na erradicação da pobreza, no combate à desigualdade e à injustiça e na proteção do planeta, reafirmando uma visão do desenvolvimento como um processo contínuo, integrado e ético.

Mas o que justifica a emergência e importância do ESG agora? Existem paralelos contínuos sendo traçados entre os riscos imprevistos de uma pandemia e a crise climática, ambos impactando substancialmente a economia global. Isso fez muitos investidores e formuladores de políticas perceberem uma necessidade maior de acelerar os investimentos e o progresso em negócios que priorizam ESG e, por consequência, o cumprimento das ODS. Afinal, nossa sociedade não depende mais apenas do governo, mas também de negócios que funcionem bem e que atendam às suas necessidades, que vão desde a geração de empregos, crescimento equitativo, proteção dos recursos naturais, defesa dos interesses dos consumidores, entre outros.

Os desafios atuais da sociedade também têm tornado a gestão dos negócios uma tarefa com muitas nuances, que exige tomada de decisões importantes relacionadas a estratégias de negócios, bem-estar dos funcionários, mitigação de riscos e gerenciamento dos stakeholders em um ambiente sem precedentes. Discurso que remete as organizações a proclamar a relevância e a aplicação do ESG como novos requisitos e ideias revolucionárias para avaliar a qualidade das empresas. No entanto, ao longo do tempo, o que se constata é que velhos problemas persistem e que precisaremos, cada vez mais, investigá-los e combatê-los.

Convidamos, assim, os leitores à apreciação de bons exemplos de pesquisas, descritas a seguir, que avançam nestas temáticas.

Esta edição inicia-se com o artigo “Negócios inclusivos liderados por mulheres empreendedoras: busca por avanços teóricos e empíricos”, de Edson Sadao Iizuka e Heise Santos Costa, que se aprofundam nas reflexões teóricas e empíricas sobre as mulheres empreendedoras - sob o prisma do feminismo pós-estruturalista - e sobre os negócios inclusivos à luz da literatura acadêmica que trata da pobreza e exclusão social.

Simone Ruchdi Barakat, Natalia Luiz dos Santos e Michelle Caçapava Vigueles apresentam o artigo “Engajamento de stakeholders em empresas da economia criativa: estratégias para o enfrentamento da crise da COVID-19”. Os autores discutem o potencial de contribuição da Economia Criativa (EC) para o desenvolvimento socioeconômico. Segundo as autoras, se implantada estrategicamente, a EC pode ter um papel de destaque nas agendas de países emergentes e em desenvolvimento, suscitando a colaboração e o engajamento de stakeholders.

Em “Construção e validação de uma escala de percepção da corrupção ao nível do cidadão”, Kelmara Mendes Vieira, Monize Sâmara Visentini e Ricardo Teixeira Cunha propõem e validam uma Escala de Percepção da Corrupção (EPC), composta por cinco dimensões de nível individual (conhecimento, comportamento, reflexos, controle e atitude), que posicionam o cidadão como protagonista da análise do fenômeno.

Silas Dias Mendes Costa, Kely César Martins de Paiva e Andrea Leite Rodrigues, no artigo “Sentidos do trabalho, vínculos organizacionais e engajamento: proposição de um modelo teórico integrado”, buscam avançar nas possibilidades de teorização sobre sentidos do trabalho, vínculos organizacionais, comprometimento, entrincheiramento e consentimento, apresentando uma proposta de modelo integrado.

Do explícito ao sutil: existe discriminação percebida pelo consumidor LGBTI+ no Brasil?” trata-se de artigo em que Janaína Gularte Cardoso e Rudimar Antunes da Rocha apresentam a interseção entre a diversidade sexual e a discriminação no consumo, fornecendo evidências que podem ser usadas como subsídios para o desenvolvimento de ações e campanhas voltadas à prevenção e ao combate à violência e à discriminação às pessoas LGBTI+.

Julianna Gripp Spinelli de Sá, Ana Heloísa da Costa Lemos, Lucia Barbosa de Oliveira, no artigo “Para além dos estereótipos: os sentidos do trabalho para mulheres da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro”, contribuem para a literatura voltada ao sentido do trabalho recorrendo à perspectiva de um grupo de mulheres que atua em uma profissão estereotipada como masculina. O estudo indica que os obstáculos enfrentados por estas profissionais em suas carreiras parecem não comprometer os sentidos positivos associados ao trabalho que realizam.

No artigo “Aproximações entre a metodologia da investigação temática e a abordagem decolonial: uma proposta para a área dos Estudos Organizacionais”, Vanessa Faria Silva e Sergio Wanderley apresentam um exemplo de planejamento metodológico para uma pesquisa sob a perspectiva decolonial, da área dos Estudos Organizacionais (EOR), utilizando como metodologia a investigação temática.

Em “Capacidades dinâmicas para gestão de stakeholders ”, Carine Dalla Valle e Greici Sarturi efetuam uma revisão sistemática sobre quais as capacidades dinâmicas que podem ser usadas pelas empresas para melhorar seu desempenho em um ambiente dinâmico e competitivo, focando na gestão de stakeholders. A pesquisa propõe um modelo para a análise da influência das capacidades dinâmicas entre si e de sua relação com a vantagem competitiva das empresas.

Em “Distorções comunicativas em relatórios de sustentabilidade: uma análise pautada no pensamento habermasiano”, Ewerton Roberto Inocêncio e Ricardo Lebbos Favoreto analisam os relatórios de sustentabilidade de quatro corporações listadas na carteira de índice de sustentabilidade empresarial (ISE), baseando-se no pensamento de Jürgen Habermas sobre a noção de distorção comunicativa. Os resultados da análise alertam para o risco de os relatórios instrumentalizarem a ideia de sustentabilidade, nela imprimindo a visão corporativa, porém, esvaindo-a de sentido.

Na resenha bibliográfica “As crônicas anticapitalistas”, Julice Salvagni e Victória Mendonça da Silva sumarizam o que o autor David Harvey debate sobre o anti-imperialismo e as desigualdades sociais frente à atual agenda política e intelectual.

Finalizando esta edição, temos o estudo de caso & ensino “Lucro ou crescimento: em qual focar? O caso do Grupo Fleury”, por Danilo Soares-Silva, Luiz Carlos Di Serio, Fernando Lopes Alberto e Rodolfo Modrigais Strauss Nunes. Os autores apresentam as escolhas estratégicas do Grupo Fleury frente ao cenário econômico brasileiro e às particularidades do setor privado de serviços de saúde no Brasil, convidando o leitor a refletir sobre os possíveis desafios que emergem diante de uma orientação estratégica para a lucratividade, o crescimento, ou ambos.

Boa leitura a todos!

PROF. DR. HÉLIO ARTHUR REIS IRIGARAY

EDITOR-CHEFE

PROF. DR. FABRICIO STOKER

EDITOR ADJUNTO

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2022
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