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A flexibilização do trabalho como regra no capitalismo: conceituação e proposições teórico-analíticas

La flexibilización del trabajo como norma en el capitalismo: conceptualización y propuestas teórico-analíticas

Resumo

O objetivo deste artigo é explorar a temática da flexibilização do trabalho no contexto do capitalismo flexível, com vistas a propor um modelo teórico-analítico das diferentes classificações desse fenômeno. A partir de uma literatura de cunho crítico, apresentamos como questão fundamental a compreensão sobre quais são as múltiplas manifestações de flexibilidade e como elas afetam os trabalhadores e suas práticas produtivas. Buscando aventar o debate, o modelo proposto compreende 3 níveis analíticos interdependentes: flexibilidade contratual, flexibilidade funcional e flexibilidade espaço temporal. Cada nível apresenta 2 subcategorias que permitem classificar e analisar uma atividade de trabalho quanto a formas de vínculo, remuneração, conteúdo, autonomia, local de execução e duração. Ao longo do ensaio, apresentamos uma definição alternativa ao conceito de flexibilização do trabalho e defendemos que se trata de um fenômeno incompatível com o aprimoramento do processo de trabalho em favor dos trabalhadores, representando mais um movimento de acirramento do conflito capital versus trabalho. Configura-se, portanto, num mecanismo de exploração dos trabalhadores e de ampliação da produtividade da força de trabalho em busca de maior acumulação privada de capital.

Palavras-chave:
Flexibilização do trabalho; Capitalismo flexível; Exploração do trabalho

Resumen

El objetivo de este artículo es explorar el tema de la flexibilización del trabajo en el contexto del capitalismo flexible, con miras a proponer un modelo teórico-analítico de las diferentes clasificaciones de este fenómeno. A partir de una literatura de carácter crítico, presentamos como cuestión fundamental la comprensión de cuáles son las múltiples manifestaciones de la flexibilidad y cómo estas afectan a los trabajadores y sus prácticas productivas. Para suscitar el debate, el modelo propuesto comprende tres niveles analíticos interdependientes: flexibilidad contractual, flexibilidad funcional y flexibilidad espacio-temporal. Cada nivel tiene dos subcategorías que permiten clasificar y analizar una actividad laboral en función de la modalidad de trabajo, remuneración, contenido, autonomía, lugar de ejecución y duración. A lo largo del ensayo, presentamos una definición alternativa al concepto de flexibilización del trabajo y argumentamos que se trata de un fenómeno incompatible con la mejora del proceso de trabajo a favor de los trabajadores, y representa otro movimiento para agudizar el conflicto entre el capital y el trabajo. Es, por tanto, un mecanismo de explotación de los trabajadores y de ampliación de la productividad de la fuerza de trabajo en busca de una mayor acumulación privada de capital.

Palabras clave:
Trabajo flexible; Capitalismo flexible; Explotación del trabajo

Abstract

This essay aims to explore flexible work in the context of flexible capitalism to propose a theoretical-analytical model of the different classifications of this phenomenon. From a critical literature review, we present fundamental problems - understanding the multiple manifestations of flexibility and how they affect workers and their productive practices. The proposed model comprises three interdependent analytical levels: contractual flexibility, functional flexibility, and workplace flexibility and flexitime. Each level has two subcategories that classify and analyze a work activity in terms of working arrangements, remuneration, tasks, autonomy, where work is accomplished, and work scheduling. Throughout this theoretical essay, we present an alternative definition to the concept of flexible work and argue that flexibilization is a phenomenon incompatible with the enhancement of the labor process in favor of workers and represents another movement of conflict between capital and labor. Therefore, flexibilization is configured in a mechanism of exploitation of workers and expansion of the labor force’s productivity in search of greater private accumulation of capital.

Keywords:
Flexible work; Flexible capitalism; Exploitation of labor

INTRODUÇÃO

A ampliação da força produtiva do trabalho exige contínua alteração dos arranjos técnicos e sociais (Marx, 2012Marx, K. (2012). O capital: crítica da economia política (Livro I: O processo de produção do capital). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.). Na esteira do tempo e dos distintos padrões de produção (Druck, 2011Druck, G. (2011). Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH, 24(1), 37-57. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0103-49792011000400004
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), os modos de organização, gestão e exploração do trabalho têm se diversificado, acompanhando as mudanças estruturais que permeiam a sociedade capitalista. Em meados da década de 1970, com a crise de acumulação do padrão taylorista-fordista, desencadeou-se a reestruturação produtiva pela dobradinha flexibilização-desregulamentação (Alves, 2007Alves, G. (2007). Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. Porto Alegre, RS: Práxis.; Antunes, 2009Antunes, R. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho (2a ed.). São Paulo, SP: Boitempo.). Concomitantemente à emergência do toyotismo, o mundo do trabalho foi permeado por inovações, enquanto novas formas de organização e gestão, pautadas sobretudo por discursos e mecanismos de flexibilidade, foram estabelecidas pelas organizações (Alves, 2007Alves, G. (2007). Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. Porto Alegre, RS: Práxis.; André, R. O. Silva, & Nascimento, 2019André, R. G., Silva, R. O., & Nascimento, R. P. (2019). “Precário não é, mas eu acho que é escravo”: análise do trabalho dos motoristas da Uber sob o enfoque da precarização. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 18(1), 7-34. Recuperado dehttps://doi.org/10.21529/RECADM.2019001
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; Antunes, 2018; Campos, 2017Campos, M. R. (2017). Trabalho, alienação e adoecimento mental: as metamorfoses no mundo do trabalho e seus reflexos na saúde mental dos trabalhadores. Revista de Políticas Públicas, 21(2), 797-812. Recuperado dehttps://doi.org/10.18764/2178-2865.v21n2p797-812
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; Dal Rosso, 2017Dal Rosso, S. (2017). O ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. São Paulo, SP: Boitempo .; Harvey, 1992Harvey, D. (1992). Condição pós-moderna. São Paulo, SP: Edições Loyola.).

Apesar de não se tratar de um tema recente, as questões associadas à flexibilização do trabalho estão longe de se esgotar, em especial ao considerar as diversas configurações e as distintas perspectivas que o tema engendra (Dal Rosso, 2017Dal Rosso, S. (2017). O ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. São Paulo, SP: Boitempo .; Dettmers, Kaiser, & Fietze, 2013Dettmers, J., Kaiser, S., & Fietze, S. (2013). Theory and practice of flexible work: organizational and individual perspectives. Introduction to the special issue. Management Revue, 24(3), 155-161.Recuperado de https://doi.org/10.5771/0935-9915-2013-3-155
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). Em resumo, a flexibilização do trabalho pode ser vista como um movimento profícuo no capitalismo contemporâneo, de modo semelhante a outras expressões típicas, como a globalização, as políticas neoliberais, o crescimento do setor de serviços, as redes de empresas, a financeirização da economia e as inovações tecnológicas (Antunes, 2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.; Azevedo & Tonelli, 2014Azevedo, M. C., & Tonelli, M. J. (2014). Os diferentes vínculos de trabalho entre trabalhadores qualificados brasileiros. RAM - Revista de Administração Mackenzie, 15(3), 191-220. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1678-69712014/administracao.v15n3p191-220
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; Katz & Krueger, 2019Katz, L. F., & Krueger, A. B. (2019). The rise and nature of alternative work arrangements in the United States, 1995-2015. Industrial and Labor Relations, 72(2), 382-416. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0019793918820008
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; Spreitzer, Cameron, & Garrett, 2017Spreitzer, G., Cameron, L., & Garrett, L. (2017). Alternative work arrangements: two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 4, 473-499. Recuperado de https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
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).

Em termos teóricos, constata-se uma forte dualidade do conceito, que se expressa, por exemplo, em polêmicas controvérsias: ser flexível ou ter flexibilidade, flexibilidade para o trabalhador ou flexibilidade do trabalhador (Cañibano, 2019Cañibano, A. (2019). Workplace flexibility as a paradoxical phenomenon: exploring employee experiences. Human Relations, 72(2), 444-470. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0018726718769716
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; Dettmers et al., 2013Dettmers, J., Kaiser, S., & Fietze, S. (2013). Theory and practice of flexible work: organizational and individual perspectives. Introduction to the special issue. Management Revue, 24(3), 155-161.Recuperado de https://doi.org/10.5771/0935-9915-2013-3-155
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; Klindžić & Marić, 2019Klindžić, M., & Marić, M. (2019). Flexible work arrangements and organizational performance: the difference between employee and employer-driven practices. Drustvena Istrazivanja, 28(1), 89-108. Recuperado de https://doi.org/10.5559/di.28.1.05
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). Por um lado, há a defesa e a difusão do entendimento de que a flexibilização do trabalho pode supostamente proporcionar benefícios mútuos à organização - permitindo a adequação da força de trabalho às demandas do mercado e de produção - e aos trabalhadores - possibilitando, em algum nível, tomar decisões quanto ao próprio trabalho (Cano, Espelt, & Morell, 2021Cano, M. R., Espelt, R., & Morell, M. F. (2021). Flexibility and freedom for whom? Precarity, freedom and flexibility in on-demand food delivery. Work Organisation, Labour & Globalisation, 15(1), 46-68. Recuperado de https://doi.org/10.13169/workorgalaboglob.15.1.0046
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; Dettmers et al., 2013; Hill et al., 2008Hill, E. J., Grzywacz, J. G., Allen, S., Blanchard, V. L., Matz-Costa, C., Shulkin, S., … Pitt-Catsouphes, M. (2008). Defining and conceptualizing workplace flexibility. Community, Work and Family, 11(2), 149-163. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/13668800802024678
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). Por outro lado, o que se verifica sob a égide do sistema capitalista é a imposição da degradação salarial e das condições de trabalho, compelindo os trabalhadores a escassas possibilidades (Vasapollo, 2005Vasapollo, L. (2005). O trabalho atípico e a precariedade. São Paulo, SP: Expressão Popular.), marcadas por intensificação, precarização e exploração do trabalho (Antunes, 2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.). Difunde-se a substituição de padrões laborais por arranjos alternativos, como o trabalho parcial, temporário, terceirizado e outros (Abílio, 2020Abílio, L. C. (2020). Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos Avançados, 34(98), 111-126. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.008
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; Antunes, 2011; Spreitzer et al., 2017Spreitzer, G., Cameron, L., & Garrett, L. (2017). Alternative work arrangements: two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 4, 473-499. Recuperado de https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
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).

Alinhado a uma perspectiva teórica de cunho crítico e atendendo ao chamado à pesquisa em busca de soluções às questões postas pelas relações de trabalho no atual contexto de profundas mudanças (Ferraz, 2021Ferraz, D. L. S. (2021). Todos queremos de fato saber? A necessidade de uma ciência radical. In Anais do 41º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Maringá, PR.), neste ensaio, procuramos explorar a temática da flexibilização do trabalho no contexto do capitalismo flexível, com vistas a propor um modelo teórico-analítico de suas diferentes classificações. A flexibilização do trabalho é aqui tratada como um fenômeno controverso, complexo, polissêmico e multidisciplinar. Apresentamos como questão fundamental a compreensão sobre quais são as múltiplas manifestações de flexibilidade e como elas afetam os trabalhadores e suas práticas produtivas. Ao longo do texto, procuramos compreender o contexto em que a flexibilização se fez dominante e defendemos que, não obstante suas controvérsias, trata-se de um fenômeno incompatível com o aprimoramento do processo de trabalho em favor dos trabalhadores, resultando em maior exploração e ampliação da produtividade da força de trabalho, em busca de maior acumulação privada de capital.

A EMERGÊNCIA DA FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHO NO “NOVO” CAPITALISMO

A necessidade do sistema capitalista de expandir a acumulação de capital promoveu o modelo taylorista-fordista de produção, predominante durante quase todo o século XX. No taylorismo, o controle do capital sobre as atividades que dependiam da intervenção humana era efetivado por meio da divisão técnica e sistemática das tarefas, cujas consequências para os trabalhadores se expressavam na extrema especialização e rotinização de atividades, bem como no controle e na padronização de tempos e movimentos. Inspirado no taylorismo, o fordismo representou um passo adicional em direção à reestruturação produtiva ao introduzir as linhas de montagem móvel e a produção em massa (Campos, 2017Campos, M. R. (2017). Trabalho, alienação e adoecimento mental: as metamorfoses no mundo do trabalho e seus reflexos na saúde mental dos trabalhadores. Revista de Políticas Públicas, 21(2), 797-812. Recuperado dehttps://doi.org/10.18764/2178-2865.v21n2p797-812
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; Harvey, 1992Harvey, D. (1992). Condição pós-moderna. São Paulo, SP: Edições Loyola.).

A partir da década de 1970, após um longo período de ascensão, o modelo taylorista-fordista entrou em processo de estagnação e começou a apresentar sinais de desgaste motivados por uma ampla e estrutural crise do sistema capitalista (Alves, 2007Alves, G. (2007). Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. Porto Alegre, RS: Práxis.; Antunes, 2009Antunes, R. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho (2a ed.). São Paulo, SP: Boitempo.; Harvey, 1992Harvey, D. (1992). Condição pós-moderna. São Paulo, SP: Edições Loyola.). Como expressões marcantes desse contexto, podemos citar a redução das taxas de lucro em função do aumento do preço da força de trabalho; o esgotamento da “organização científica do trabalho” para a promoção dos ganhos de produtividade, que esbarravam na intensificação do trabalho e nas limitações da capacidade humana; a crise do welfare state (ou estado de bem-estar social); e a retração do consumo provocada pelas altas taxas de desemprego (Antunes, 2009; Campos, 2017Campos, M. R. (2017). Trabalho, alienação e adoecimento mental: as metamorfoses no mundo do trabalho e seus reflexos na saúde mental dos trabalhadores. Revista de Políticas Públicas, 21(2), 797-812. Recuperado dehttps://doi.org/10.18764/2178-2865.v21n2p797-812
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).

Sob esse cenário, para manter sua trajetória de hegemonia e acumulação, foi necessário ao capitalismo se reinventar, a partir de uma redefinição de seu sistema ideológico e político de dominação (Antunes, 2009Antunes, R. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho (2a ed.). São Paulo, SP: Boitempo.). Surgiu, assim, o regime de acumulação flexível (Harvey, 1992Harvey, D. (1992). Condição pós-moderna. São Paulo, SP: Edições Loyola.), também denominado de capitalismo flexível (Sennett, 2016Sennett, R. (2016). A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo(2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: BestBolso.). Trata-se de um novo modelo de acumulação de capital, que subordina a esfera produtiva à financeira, contaminando todas as práticas produtivas e de gestão do trabalho (Druck, 2011Druck, G. (2011). Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH, 24(1), 37-57. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0103-49792011000400004
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; Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras.; Vasapollo, 2005Vasapollo, L. (2005). O trabalho atípico e a precariedade. São Paulo, SP: Expressão Popular.). Apoiado num projeto político e econômico de cunho neoliberal, o regime tem entre seus principais alicerces: a financeirização da economia e da produção, a intensificação da reestruturação produtiva e do trabalho, os avanços tecnológicos, a globalização, a mundialização do capital e a ideologia gerencial (Antunes, 2018; Azevedo & Tonelli, 2014Azevedo, M. C., & Tonelli, M. J. (2014). Os diferentes vínculos de trabalho entre trabalhadores qualificados brasileiros. RAM - Revista de Administração Mackenzie, 15(3), 191-220. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1678-69712014/administracao.v15n3p191-220
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; Katz & Krueger, 2019Katz, L. F., & Krueger, A. B. (2019). The rise and nature of alternative work arrangements in the United States, 1995-2015. Industrial and Labor Relations, 72(2), 382-416. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0019793918820008
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; Spreitzer et al., 2017Spreitzer, G., Cameron, L., & Garrett, L. (2017). Alternative work arrangements: two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 4, 473-499. Recuperado de https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
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).

O capitalismo flexível busca cumprir uma função política, econômica e social, produzindo resultados concretos, sendo sua própria reprodução o maior deles (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras.). Sob esse contexto, pautadas na lógica e no discurso de flexibilização, são promovidas inúmeras transformações no trabalho, de modo a permitir que as empresas respondam de maneira eficaz às demandas do mercado, maximizem seus ganhos e determinem estratégias de gestão orientadas essencialmente (ou com exclusividade?) por operações e interesses financeiros (Sennett, 2016Sennett, R. (2016). A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo(2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: BestBolso.). O trabalho é considerado “uma variável secundária que é preciso tornar flexível” (Gaulejac, 2007, p. 47). A “força de trabalho é deixada completamente descoberta, seja em relação ao próprio trabalho atual, para o qual não possui garantias, seja em relação ao futuro, seja em relação à renda, já que ninguém o assegura nos momentos de não ocupação” (Vasapollo, 2005Vasapollo, L. (2005). O trabalho atípico e a precariedade. São Paulo, SP: Expressão Popular., p. 10).

Emergem, assim, novos modelos de organização do trabalho, como o toyotismo (Antunes, 2011Antunes, R. (2011). Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho (15a ed.). São Paulo, SP: Cortez.; T. Wood, 1992Wood, T. Jr. (1992). Fordismo, toyotismo e volvismo: os caminhos da indústria em busca do tempo perdido. Revista de Administração de Empresas, 32(4), 6-18.Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0034-75901992000400002
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), “tão somente mais um elemento compositivo do longo processo de racionalização da produção capitalista e de manipulação do trabalho vivo que teve origem com o fordismo-taylorismo” (Alves, 2007Alves, G. (2007). Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. Porto Alegre, RS: Práxis., p. 156). Instaura-se o modelo de produção enxuta, marcado por baixos níveis de estoque (o mínimo necessário); produção variada, diversificada e sob demanda; reengenharia; procedimentos just-in-time; lean manufacturing; flexibilidade da produção; qualidade total; e trabalhadores com maior autonomia para contribuir para a racionalização do trabalho e exercer o controle de qualidade (Antunes, 2011; T. Wood, 1992). Desenvolvem-se ainda novas técnicas de gestão de pessoas, teoricamente mais flexíveis e participativas, destacando-se as chamadas células de produção, os times de trabalho, os círculos de controle de qualidade (CCQ) e os grupos semiautônomos. Para Antunes (2009), tais técnicas nada mais representam do que um processo manipulador de organização do trabalho, que preserva a alienação dos trabalhadores e cuja finalidade real é a intensificação das condições de exploração dos operários.

O capitalismo flexível (o novo), porém, vai muito além daquilo que pode ser associado ao toyotismo, pois, “mais que uma variação sobre um velho tema”, ele ataca a rigidez do capitalismo burocrático (o velho) e torna a flexibilização uma ideologia hegemônica (Sennett, 2016Sennett, R. (2016). A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo(2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: BestBolso., p. 9). Dessa forma, o flexível é visto como o futuro, e o rígido, como o passado (Dal Rosso, 2017Dal Rosso, S. (2017). O ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. São Paulo, SP: Boitempo .), exigindo que todos se tornem flexíveis: as organizações, a gestão, o trabalho e, finalmente, os trabalhadores (Harvey, 1992Harvey, D. (1992). Condição pós-moderna. São Paulo, SP: Edições Loyola.). A flexibilização se torna a regra, não mais a exceção. A relação entre os indivíduos e a sociedade é vista por uma lógica instrumental, utilitarista e contábil, na qual os trabalhadores são renegados à condição de meros recursos da empresa; portanto, gerenciáveis (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras.). Pela reificação, o trabalhador é rebaixado à mercadoria, a mercadoria mais miserável (Marx, 2013Marx, K. (2013). Manuscritos econômico-filosóficos. Porto Alegre, RS: Martin Claret.), e “se torna um capital que convém tornar produtivo” (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras., p. 28).

Isso leva a um implacável processo de cooptação do indivíduo e de sua subsunção à lógica do capitalismo flexível: “o trabalhador é chamado a pensar para o capital” (Previtali & Fagiani, 2014Previtali, F. S., & Fagiani, C. C. (2014). Organização e controle do trabalho no capitalismo contemporâneo: a relevância de Braverman. Cadernos EBAPE.BR, 12(4), 756-769. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1679-395115088
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, p. 761). Assim, ocorre a “desespecialização” do trabalhador típico da era fordista, substituído agora pelo flexível, multifuncional, temporário, terceirizado e subcontratado. Os trabalhadores são cada vez mais envoltos pela lógica manipulatória do novo capitalismo, que propaga um discurso de maior participação e autonomia no processo produtivo (Antunes, 2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.; Sennett, 2016Sennett, R. (2016). A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo(2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: BestBolso.). Esse discurso, todavia, é falacioso, uma vez que “a concepção efetiva dos produtos, a decisão do que e de como produzir, não pertence aos trabalhadores. O resultado do processo de trabalho [...] permanece alheio e estranho ao produtor” (Antunes, 2011Alves, G. (2007). Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. Porto Alegre, RS: Práxis., p. 40). Em síntese, utiliza-se um ideário de libertação por meio da participação, a falaciosa ideia de “administração participativa”, em um sistema no qual as supostas autonomia e flexibilidade significam efetivamente mais implicação e mais trabalho (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras.).

Sob o capitalismo flexível, “pede-se aos trabalhadores que sejam ágeis, estejam abertos a mudanças a curto prazo, assumam riscos continuamente, dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais” (Sennett, 2016Sennett, R. (2016). A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo(2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: BestBolso., p. 9). Mas não basta ser rápido; é necessário ser o mais rápido e o mais eficiente. Fala-se em empregabilidade, criatividade e adaptabilidade, haja vista que o mercado de trabalho está continuamente mais enxuto, restando apenas vagas àqueles que se comprometem com os interesses organizacionais e se tornam verdadeiros escravos em busca de alto desempenho (Nascimento, Damasceno, & Neves, 2016Nascimento, R. P., Damasceno, L. C. M., & Neves, D. R. (2016). Between reward and suffering: the bank workers’ view of the flexibility discourse. RAM - Revista de Administração Mackenzie, 17(4), 15-38. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1678-69712016/administracao.v17n4p13-37
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). Pode-se dizer que “o valor de cada um é mensurado em função de critérios financeiros. Os improdutivos são rejeitados porque eles se tornam os inúteis do mundo” (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras., p. 77). Tem-se aqui mais um agravante desse novo capitalismo: mais desemprego, mais precarização, mais informalidade e mais subemprego (Alves, 2007Alves, G. (2007). Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. Porto Alegre, RS: Práxis.; Antunes, 2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.).

O maior exemplo talvez seja o que se descortina nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI: uma forte diminuição do operariado industrial, seguido de uma explosão de crescimento do setor de serviços (Antunes, 2011Antunes, R. (2011). Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho (15a ed.). São Paulo, SP: Cortez.; Harvey, 1992Harvey, D. (1992). Condição pós-moderna. São Paulo, SP: Edições Loyola.). Esse crescimento só é possível porque o capital, sob o disfarce da narrativa moderna e positiva de que a flexibilização é, em si própria, benéfica aos trabalhadores (Dal Rosso, 2017Dal Rosso, S. (2017). O ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. São Paulo, SP: Boitempo .), passa a exigir que o trabalho, sobretudo no setor de serviços, seja o mais flexível possível. Os trabalhadores têm contratos alternativos (quando há contratos) e com menos direitos trabalhistas; tornam-se temporários, terceirizados, intermitentes, com jornada e remuneração flexíveis, e até sem local de trabalho predeterminado (Antunes, 2018). Nessa nova sociedade se impõe uma cultura de alto desempenho (rentabilidade, produtividade e eficiência) que põe o mundo, o trabalho e os trabalhadores sob pressão, desencadeando as mais diversas e perigosas patologias, como esgotamento físico e mental, estresse, sofrimento e depressão (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras.).

No Brasil, a reforma trabalhista ocorrida em 2017, por meio da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. (2017). Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm
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, é um exemplo emblemático desse novo contexto. Sustentada em bases neoliberais, a reforma ampliou a flexibilização e a precarização dos direitos trabalhistas, inclusive por meio de “novidades” como o trabalho intermitente, as demissões por “comum acordo” e a prevalência do “acordado” sobre o legislado (Guimarães & E. B. Silva, 2020Guimarães, S. D. Jr., & Silva, E. B. (2020). A “reforma” trabalhista brasileira em questão: reflexões contemporâneas em contexto de precarização social do trabalho.Farol - Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 7(18), 117-163. Recuperado de https://doi.org/10.25113/farol.v7i18.5503
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). Os trabalhadores foram encurralados por um discurso manipulador e perverso: ou direitos ou empregos.

O que está posto é o ardil da flexibilidade (Dal Rosso, 2017Dal Rosso, S. (2017). O ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. São Paulo, SP: Boitempo .); é o tempo dos “novos (des)empregados, de homens empregáveis no curto prazo, através das (novas) e precárias formas de contrato” (Druck, 2011Druck, G. (2011). Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH, 24(1), 37-57. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0103-49792011000400004
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, p. 43). Na contemporaneidade do capitalismo flexível, há um processo de precarização estrutural do trabalho, em que o desemprego e a informalidade são suas manifestações mais contundentes. Nesse contexto, a contratação precária por meio de distintos modelos supostamente flexíveis ou o trabalho intensificado e explorado parece representar um paradoxal privilégio concedido pelo capital, do qual somente os mais competentes (ou sortudos) trabalhadores são dignos: o privilégio da servidão (Antunes, 2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.).

A FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHO ENQUANTO OBJETO DE PESQUISA

É possível identificar na literatura nacional e internacional 2 principais vertentes sobre o tema. A primeira, em termos aprazíveis, mais otimista, entende a flexibilização como um benefício aos trabalhadores e uma prática moderna de gestão (Atkinson, 1984Atkinson, J. (1984). Manpower strategies for flexible organisations. Personnel Management, 16, 28-31.; Cañibano, 2019Cañibano, A. (2019). Workplace flexibility as a paradoxical phenomenon: exploring employee experiences. Human Relations, 72(2), 444-470. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0018726718769716
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; Hill et al., 2008Hill, E. J., Grzywacz, J. G., Allen, S., Blanchard, V. L., Matz-Costa, C., Shulkin, S., … Pitt-Catsouphes, M. (2008). Defining and conceptualizing workplace flexibility. Community, Work and Family, 11(2), 149-163. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/13668800802024678
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;). A segunda, mais crítica, ainda que sob diferentes orientações ontológicas e epistêmicas, ressalta a potencial precarização, fragilização e corrosão do trabalho e dos trabalhadores associada à flexibilização (Antunes, 2011Antunes, R. (2011). Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho (15a ed.). São Paulo, SP: Cortez., 2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.; Dal Rosso, 2017Dal Rosso, S. (2017). O ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. São Paulo, SP: Boitempo .; Druck, 2011Druck, G. (2011). Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CRH, 24(1), 37-57. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0103-49792011000400004
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; Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras.; Sennett, 2016Sennett, R. (2016). A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo(2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: BestBolso.).

Essas 2 perspectivas se confrontam porque o que significa flexibilização para a organização/empresa não necessariamente representará o mesmo para os trabalhadores (Cano et al., 2021Cano, M. R., Espelt, R., & Morell, M. F. (2021). Flexibility and freedom for whom? Precarity, freedom and flexibility in on-demand food delivery. Work Organisation, Labour & Globalisation, 15(1), 46-68. Recuperado de https://doi.org/10.13169/workorgalaboglob.15.1.0046
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; Chung & Tijdens, 2013Chung, H., & Tijdens, K. (2013). Working time flexibility components and working time regimes in Europe: using company-level data across 21 countries. International Journal of Human Resource Management, 24(7), 1418-1434. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/09585192.2012.712544
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; Dettmers et al., 2013Dettmers, J., Kaiser, S., & Fietze, S. (2013). Theory and practice of flexible work: organizational and individual perspectives. Introduction to the special issue. Management Revue, 24(3), 155-161.Recuperado de https://doi.org/10.5771/0935-9915-2013-3-155
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; Hill et al., 2008Hill, E. J., Grzywacz, J. G., Allen, S., Blanchard, V. L., Matz-Costa, C., Shulkin, S., … Pitt-Catsouphes, M. (2008). Defining and conceptualizing workplace flexibility. Community, Work and Family, 11(2), 149-163. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/13668800802024678
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). Há que mencionar ainda que os termos flexível, flexibilidade e flexibilização não são neutros, uma vez que são carregados de positividade - se o oposto de flexível é a rigidez, é natural que se prefira o primeiro (Jonsson, 2007Jonsson, D. (2007). Flexibility and stability in working life. London, UK: Palgrave Macmillan.).

Em termos analíticos, a literatura costuma contrapor o trabalho considerado tradicional (ou padrão) àquele considerado flexível (Azevedo & Tonelli, 2014Azevedo, M. C., & Tonelli, M. J. (2014). Os diferentes vínculos de trabalho entre trabalhadores qualificados brasileiros. RAM - Revista de Administração Mackenzie, 15(3), 191-220. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1678-69712014/administracao.v15n3p191-220
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), o que representa uma profunda limitação do conceito (Cappelli & Keller, 2013Cappelli, P., & Keller, J. R. (2013). Classifying work in the new economy. Academy of Management Review, 38(4), 575-596. Recuperado dehttps://doi.org/10.5465/amr.2011.0302
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). Sob essa perspectiva, no primeiro grupo, encontra-se o trabalho formal, com jornada integral, amparado juridicamente, com a garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários, com perspectiva de estabilidade. No Brasil, esse grupo representa os trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e também os servidores públicos vinculados a regimes próprios (Azevedo & Tonelli, 2014Antunes, R. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho (2a ed.). São Paulo, SP: Boitempo.). Já no segundo, costumam ser enquadradas todas as demais formas de relações de trabalho, em geral denominadas de “arranjos alternativos”. A limitação a que se referem Cappelli e Keller (2013) decorre do fato de esse tipo de classificação se restringir apenas à dimensão contratual e jurídica, geralmente sendo utilizada para distinguir um bom emprego (primeiro grupo) de um mau (segundo grupo), o que é insuficiente para explicar as múltiplas configurações de trabalho que podem ser consideradas flexíveis.

Atkinson (1984Atkinson, J. (1984). Manpower strategies for flexible organisations. Personnel Management, 16, 28-31.), um dos pioneiros no assunto, identificou 3 dimensões principais da flexibilidade do trabalho: funcional, numérica e financeira. A primeira se refere à necessidade dos trabalhadores de executarem diferentes funções e tarefas à medida que os produtos e os métodos de produção se modificam em curto e médio prazos. A segunda diz respeito à facilidade com que a empresa pode aumentar ou diminuir seu quantitativo de trabalhadores, conforme suas necessidades. Para isso, devem ser adotados contratos flexíveis, com maior facilidade de contratação e demissão. Já a terceira está relacionada à estrutura da remuneração, com a substituição da rigidez salarial por alternativas como a remuneração variável, por produtividade, e bônus.

A classificação apresentada por Smith (1997Smith, V. (1997). New forms of work organization. Annual Review of Sociology, 23(1), 315-339. Recuperado de https://doi.org/10.1146/annurev.soc.23.1.315
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) compreende apenas as flexibilidades funcional e numérica, mas com interpretações ligeiramente diferentes das de Atkinson (1984Atkinson, J. (1984). Manpower strategies for flexible organisations. Personnel Management, 16, 28-31.). A autora enfatiza que a flexibilidade funcional envolve um conjunto de mecanismos e inovações - entre os quais novas tecnologias, ampliação do trabalho e equipes autogerenciadas - para promover maior envolvimento do trabalhador, treiná-lo e explorar seu conhecimento e suas habilidades. A flexibilidade numérica, por sua vez, compreende a ascensão de arranjos alternativos de trabalho, como o temporário, em contrapartida ao declínio de contratos mais tradicionais.

Piccinini, S. R. Oliveira, e Rübenich (2005Piccinini, V. C., Oliveira, S. R., & Rübenich, N. V. (2005). Formal, flexível ou informal? Reflexões sobre o trabalho no Brasil. In Anais do 29º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Brasília, DF.), investigando os tipos de flexibilização do trabalho encontrados nas organizações brasileiras, apresentam 5 categorias de análise de flexibilização: 1) quantitativa externa - modelos que deslocam atividades-meio ou atividades-fim para outras organizações, como a terceirização, as cooperativas e o trabalho em domicílio -; 2) quantitativa interna - baseada nas contratações atípicas, como contratos temporários, tempo parcial e estágios -; 3) externa das formas de trabalho -flexibilização, fora da empresa, dos horários e locais onde o trabalho será realizado, como o teletrabalho -; 4) interna das formas de trabalho - flexibilização, dentro da empresa, dos horários e locais onde o trabalho será realizado, como a adoção de banco de horas -; 5) funcional.

Na contramão das classificações anteriores, Cappelli e Keller (2013Cappelli, P., & Keller, J. R. (2013). Classifying work in the new economy. Academy of Management Review, 38(4), 575-596. Recuperado dehttps://doi.org/10.5465/amr.2011.0302
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) apresentam um modelo alternativo baseado na noção de controle sobre o processo de trabalho, o qual regula a relação empregado-empregador. Para os autores, há duas distinções: arranjos trabalhistas, respaldados pelo direito do trabalho e que envolvem uma relação direta ou por meio de terceiros de contratação entre empregado e empregador, que tem controle sobre com o que e como o empregado trabalha; e arranjos contratuais, regidos pelo direito contratual e que envolvem uma relação em que o trabalhador presta um serviço a um cliente, tanto uma empresa quanto uma pessoa, por tempo determinado ou não. Aqui, o contratante não tem controle direto sobre a atividade do trabalhador.

Spreitzer et al. (2017Spreitzer, G., Cameron, L., & Garrett, L. (2017). Alternative work arrangements: two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 4, 473-499. Recuperado de https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
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), apesar de reconhecerem a validade e a relevância da classificação apresentada por Cappelli e Keller (2013Cappelli, P., & Keller, J. R. (2013). Classifying work in the new economy. Academy of Management Review, 38(4), 575-596. Recuperado dehttps://doi.org/10.5465/amr.2011.0302
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), apontam que ela negligencia outras importantes dimensões relacionadas aos novos arranjos de trabalho, como as flexibilidades de horários e locais de trabalho. Para os autores, além dessas 2 dimensões, deve-se incluir uma terceira: a flexibilidade nas relações de trabalho, que se aproxima das demais classificações relacionadas aos tipos de contrato.

Por fim, uma classificação mais diversa é apresentada por Cañibano (2019Cañibano, A. (2019). Workplace flexibility as a paradoxical phenomenon: exploring employee experiences. Human Relations, 72(2), 444-470. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0018726718769716
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). Para a autora, a flexibilidade no trabalho vai além de políticas e práticas de gestão de pessoas ou de modelos contratuais, emergindo e se materializando principalmente por experiências e vivências dos funcionários em relação ao trabalho. A flexibilidade é apresentada como uma dualidade: uma contribuição ou uma necessidade para o funcionamento da empresa - exigindo, por exemplo, que os funcionários tenham disponibilidade de horários ou para viajar a trabalho - e um incentivo concedido pela empresa aos trabalhadores, autorizando-os a tomar decisões relativas ao trabalho, escolhendo, entre outros, horários e local de atuação.

PROPOSIÇÃO DE UM MODELO TEÓRICO-ANALÍTICO

A análise dos diferentes modelos supracitados evidencia sua amplitude e a consequente dificuldade de conceituar e classificar a flexibilização do trabalho de maneira uníssona. Para os propósitos deste ensaio, entendemos o conceito de forma mais ampla, indo muito além de modelos contratuais (Cappelli & Keller, 2013Cappelli, P., & Keller, J. R. (2013). Classifying work in the new economy. Academy of Management Review, 38(4), 575-596. Recuperado dehttps://doi.org/10.5465/amr.2011.0302
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) ou de aspectos e decisões relativas a como, onde, quando e por quanto tempo o trabalho é realizado (Z. E. Bayazit & M. Bayazit, 2019Bayazit, Z. E., & Bayazit, M. (2019). How do flexible work arrangements alleviate work-family-conflict? The roles of flexibility i-deals and family-supportive cultures. The International Journal of Human Resource Management, 30(3), 405-435. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/09585192.2017.1278615
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; Hill et al., 2008Hill, E. J., Grzywacz, J. G., Allen, S., Blanchard, V. L., Matz-Costa, C., Shulkin, S., … Pitt-Catsouphes, M. (2008). Defining and conceptualizing workplace flexibility. Community, Work and Family, 11(2), 149-163. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/13668800802024678
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). Assim, buscando oferecer uma definição alternativa e alinhada a uma perspectiva crítica, entendemos que a flexibilização do trabalho pode ser concebida como um movimento organizacional disruptivo, gestado na processualidade sócio-histórica de desenvolvimento capitalista, e impulsionado por metamorfoses estruturais dos padrões de produção e dos instrumentos de acumulação. Trata-se da inserção de elementos alternativos, de forma permanente ou temporária, às relações, às condições, ao conteúdo e aos modos de organizar o trabalho, ajustando-o aos interesses e às demandas de acumulação privada dos detentores do capital.

Com base nesse entendimento e visando compilar, classificar, conceituar e atualizar as diferentes concepções sobre o tema, o Quadro 1 apresenta uma proposta de um modelo teórico-analítico que contempla vários arranjos e possibilidades de flexibilização do trabalho, considerando em especial a realidade brasileira. O modelo compreende 3 níveis analíticos interdependentes de flexibilidade: contratual, funcional e espaço temporal. Cada nível apresenta 2 subcategorias, que permitem classificar e analisar um trabalho quanto às suas formas de vínculo, remuneração, conteúdo, autonomia, local de execução e duração.

Quadro 1
Modelo teórico-analítico proposto

Essa classificação é esquemática e serve a fins teórico-analíticos, não podendo ser vista como um modelo rígido e padronizado. Isso porque, na prática, os tipos de flexibilidade podem se confundir, se sobrepor ou mesmo não se relacionar. É perfeitamente possível, por exemplo, um trabalhador contratado num modelo padrão de emprego - tempo integral, direitos trabalhistas e previdenciários garantidos, estabilidade - executar suas tarefas de forma remota ou receber bônus por produtividade. Os próximos tópicos abordam, de maneira pormenorizada, cada uma das formas de flexibilização apresentadas no modelo.

FLEXIBILIDADE CONTRATUAL

A flexibilidade contratual é a mais diretamente observada na literatura e compreende as formas de contratação, ainda que informal e/ou precarizada, e de remuneração do trabalhador. Configura, portanto, uma relação de trabalho entre 2 agentes: o tomador do serviço/empregador e o prestador do serviço/trabalhador. O Quadro 2 apresenta a descrição das principais modalidades de arranjos alternativos de contratação observados na literatura, em especial no Brasil. Ressalta-se que não é o objetivo apresentar todas as possibilidades existentes, muito em função de que as formas de contratação variam de país para país e são influenciadas significativamente pela legislação vigente.

Quadro 2
Arranjos alternativos de contratação

Os arranjos alternativos de contratação parecem deixar de ser exceção para se tornar regra na sociedade capitalista contemporânea - desde os trabalhadores terceirizados, quarteirizados e temporários até os intermitentes, todos estão em franco crescimento no cenário mundial (Antunes, 2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.). Observações adicionais devem ser feitas à uberização do trabalho. Essa modalidade cria mercados de trabalhos intermitentes, em que compradores/contratantes e vendedores/trabalhadores se conectam por meio de plataformas virtuais de empresas para a realização de tarefas específicas (Davis & Sinha, 2021Davis, G. F., & Sinha, A. (2021, janeiro). Varieties of uberization: how technology and institutions change the organization(s) of late capitalism. Organization Theory. Recuperado de https://doi.org/10.1177/2631787721995198
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; Moraes, M. A. G. Oliveira, & Accorsi, 2019Moraes, R. B. S, Oliveira, M. A. G., & Accorsi, A. (2019). Uberização do trabalho: a percepção dos motoristas de transporte particular por aplicativo. Revista Brasileira de Estudos Organizacionais, 6(3), 647-681.), nas quais se estabelecem precedentes de recrutamento, controle e remuneração por meio do gerenciamento algorítmico (Amorim & Moda, 2020Amorim, H., & Moda, F. B. (2020). Trabalho por aplicativo: gerenciamento algorítmico e condições de trabalho dos motoristas da Uber. Fronteiras - Estudos Midiáticos, 22(1), 59-71. Recuperado de https://doi.org/10.4013/fem.2020.221.06
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; Duggan, Sherman, Carbery, & McDonnell, 2020Duggan, J., Sherman, U., Carbery, R., & McDonnell, A. (2020). Algorithmic management and app-work in the gig economy: a research agenda for employment relations and HRM. Human Resource Management Journal, 30(1), 114-132. Recuperado de https://doi.org/10.1111/1748-8583.12258
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; A. J. Wood, Graham, Lehdonvirta, & Hjorth, 2019Wood, A. J., Graham, M., Lehdonvirta, V., & Hjorth, I. (2019). Good gig, bad gig: autonomy and algorithmic control in the global gig economy. Work, Employment and Society, 33(1), 56-75. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0950017018785616
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).

No arranjo do trabalho uberizado, é estabelecido um novo modo de acumulação capitalista (Franco & Ferraz, 2019Franco, D. S., & Ferraz, D. L. S. (2019). Uberização do trabalho e acumulação capitalista. Cadernos EBAPE.BR, 17(Especial), 844-856. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1679-395176936
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). Sob a desfaçatez de promover um trabalho mais flexível e autônomo, a relação de subordinação e o vínculo de assalariamento entre o capital e o trabalho são acobertados (Abílio, 2020Abílio, L. C. (2020). Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos Avançados, 34(98), 111-126. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.008
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). A apologia dos trabalhadores como empreendedores pertence ao receituário desmobilizador de lutas de classe. O trabalhador acredita ser burguês-de-si-mesmo à medida que é rebaixado a proletário-de-si-mesmo (Antunes, 2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.). Acentua-se drasticamente a exploração do trabalhador e a apropriação de mais-valia gerada pelo seu serviço. O trabalhador agora passa a assumir os riscos e os custos para execução do trabalho em um contexto de precarização absoluta, insegurança, incerteza, competição e sequestro de seu tempo e de sua subjetividade (Abílio, 2020Abílio, L. C. (2020). Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos Avançados, 34(98), 111-126. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.008
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; André et al., 2019André, R. G., Silva, R. O., & Nascimento, R. P. (2019). “Precário não é, mas eu acho que é escravo”: análise do trabalho dos motoristas da Uber sob o enfoque da precarização. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 18(1), 7-34. Recuperado dehttps://doi.org/10.21529/RECADM.2019001
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).

A flexibilização da remuneração, outro componente da dimensão contratual, compreende a introdução de mecanismos menos rígidos para tornar a remuneração do trabalhador suscetível a indicadores de desempenho e produtividade. Os principais exemplos são a remuneração variável, as comissões - em especial no setor varejista -, a participação em lucros e resultados (PLR), os bônus por desempenho e o pagamento baseado no desenvolvimento de habilidades (skill-based pay). Busca-se, segundo Antunes (2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.), a introdução de salários flexíveis condizentes com um sistema de gestão por metas que, como não poderia deixar de ser, também é flexível - as metas de amanhã serão sempre maiores que as de hoje.

FLEXIBILIDADE FUNCIONAL

A flexibilidade funcional diz respeito à relação estabelecida entre o trabalhador e sua tarefa. Por um lado, abrange o conteúdo do trabalho, com a possibilidade de execução de diferentes tarefas, em diferentes postos de trabalho, dentro ou fora da empresa. Por outro, refere-se ao nível de autonomia e de controle sobre o próprio trabalho, inclusive quanto ao desenvolvimento de múltiplas competências e habilidades, bem como à capacidade de tomada de decisão e de exercício de liderança.

Trata-se de um dos elementos-chave nas discussões sobre o tema, pois busca transformar os indivíduos em trabalhadores polivalentes e multiqualificados (Antunes, 2011Antunes, R. (2011). Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho (15a ed.). São Paulo, SP: Cortez.). Os maiores exemplos são: a rotação de cargos - revezamento entre pessoas envolvidas em diferentes tarefas -; a ampliação do cargo em suas modalidades horizontal - atribuição ao trabalhador de tarefas de mesma natureza e complexidade - e vertical - atribuição de tarefas de natureza e complexidade superiores -; o enriquecimento de cargos - aplicação simultânea das ampliações horizontal e vertical -; os grupos semiautônomos, as equipes autogerenciadas e os círculos de controle da qualidade (CCQ); o empowerment - descentralização de responsabilidade e do poder decisório -; e a preparação para o exercício de cargos de gestão e liderança.

Não obstante a relevância da flexibilidade funcional para as transformações no bojo da organização do trabalho, há controvérsias sobre seus impactos (Azevedo & Tonelli, 2014Azevedo, M. C., & Tonelli, M. J. (2014). Os diferentes vínculos de trabalho entre trabalhadores qualificados brasileiros. RAM - Revista de Administração Mackenzie, 15(3), 191-220. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1678-69712014/administracao.v15n3p191-220
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). Algumas visões a consideram benéfica por estimular maior envolvimento e participação do trabalhador em múltiplas funções e o contínuo desenvolvimento de novas qualificações, evitando a alienação do trabalho rotinizado (Atkinson, 1984Atkinson, J. (1984). Manpower strategies for flexible organisations. Personnel Management, 16, 28-31.; Smith, 1997Smith, V. (1997). New forms of work organization. Annual Review of Sociology, 23(1), 315-339. Recuperado de https://doi.org/10.1146/annurev.soc.23.1.315
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). Sob outro viés, as críticas destacam a intensificação do trabalho (Nascimento et al., 2016Nascimento, R. P., Damasceno, L. C. M., & Neves, D. R. (2016). Between reward and suffering: the bank workers’ view of the flexibility discourse. RAM - Revista de Administração Mackenzie, 17(4), 15-38. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1678-69712016/administracao.v17n4p13-37
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; Salerno, 2004Salerno, M. S. (2004). Da rotinização à flexibilização: ensaio sobre o pensamento crítico brasileiro de organização do trabalho. Gestão & Produção, 11(1), 21-32. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-530X2004000100003
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); a difusão de mecanismos de controle menos explícitos, disfarçados sob a retórica da participação, do envolvimento, e exercidos pelos próprios colegas de trabalho, - de que são exemplo os CCQs -; e a busca pela redução do tempo de produção e de circulação do capital, levando ao aumento da exploração dos trabalhadores (Antunes, 2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.).

No bojo da flexibilidade funcional, constam ainda as atuais mudanças na organização do trabalho decorrentes de uma suposta quarta revolução industrial, que emerge no âmbito da chamada Economia 4.0 e, mais especificamente, da Indústria 4.0. Caracterizada por uma série de avanços tecnológicos, a Indústria 4.0 tem na flexibilização da produção e do trabalho um de seus pilares fundamentais (Paula & Paes, 2021Paula, A. P. P., & Paes, K. D. (2021). Fordismo, pós-fordismo e ciberfordismo: os (des)caminhos da Indústria 4.0. Cadernos EBAPE.BR, 19(4), 1047-1058. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1679-395120210011
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). Fala-se em maior digitalização do trabalho, maior automação de mão de obra e necessidade de desenvolvimento de uma série de competências funcionais, comportamentais e sociais para que os trabalhadores possam se adaptar a esse novo contexto (Tessarini & Saltorato, 2018Tessarini, G., & Saltorato, P. (2018). Impactos da Indústria 4.0 na organização do trabalho: uma revisão sistemática da literatura. Revista Produção Online, 18(2), 743-769. Recuperado de https://doi.org/10.14488/1676-1901.v18i2.2967
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). Para os autores críticos, contudo, trata-se de eufemismos para minimizar a subsunção real dos trabalhadores ao capital (Antunes, 2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.) e intensificar os processos de reestruturação produtiva e seus efeitos mais drásticos: redução da força de trabalho, diminuição de direitos e garantias dos trabalhadores e aumento da concentração de capital e do monopólio das forças de produção (Caruso, 2017Caruso, L. (2018). Digital innovation and the fourth industrial revolution: epochal social changes? AI & Society, 33(3), 379-392. Recuperado dehttps://doi.org/10.1007/s00146-017-0736-1
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).

FLEXIBILIDADE ESPAÇO TEMPORAL

A execução do trabalho fora das dependências da organização define o que se convencionou chamar de flexibilização do local de trabalho (Hill et al., 2008Hill, E. J., Grzywacz, J. G., Allen, S., Blanchard, V. L., Matz-Costa, C., Shulkin, S., … Pitt-Catsouphes, M. (2008). Defining and conceptualizing workplace flexibility. Community, Work and Family, 11(2), 149-163. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/13668800802024678
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; Piccinini et al., 2005Piccinini, V. C., Oliveira, S. R., & Rübenich, N. V. (2005). Formal, flexível ou informal? Reflexões sobre o trabalho no Brasil. In Anais do 29º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Brasília, DF.). Essa possibilidade se apoia no uso massivo de tecnologias de informação e comunicação, as quais permitiram o surgimento e o crescimento do trabalho remoto/teletrabalho e do home office (Antunes, 2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.; Rocha & Amador, 2018Rocha, C. T. M., & Amador, F. S. (2018). O teletrabalho: conceituação e questões para análise. Cadernos EBAPE.BR, 16(1), 152-162. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1679-395154516
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). Nos últimos anos, a flexibilização do local de trabalho também foi potencializada pela adoção do home office no quadro de distanciamento/isolamento social em busca de conter a propagação da COVID-19 (Araújo & Lua, 2021Araújo, T. M. D., & Lua, I. (2021). O trabalho mudou-se para casa: trabalho remoto no contexto da pandemia de covid-19. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 46, e27. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/2317-6369000030720
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; Carli, 2020Carli, L. L. (2020). Women, gender equality and covid-19. Gender in Management, 35(7/8), 647-655. Recuperado de https://doi.org/10.1108/GM-07-2020-0236
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).

Apesar de muitas vezes tratados como sinônimos, existem diferenças conceituais entre teletrabalho e home office (Rocha & Amador, 2018Rocha, C. T. M., & Amador, F. S. (2018). O teletrabalho: conceituação e questões para análise. Cadernos EBAPE.BR, 16(1), 152-162. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1679-395154516
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). O primeiro diz respeito à utilização da tecnologia para realizar atividades diretamente da casa dos trabalhadores ou de localidades diversas, como cafeterias, shoppings ou espaços compartilhados - os chamados coworkings (Spreitzer et al., 2017Spreitzer, G., Cameron, L., & Garrett, L. (2017). Alternative work arrangements: two images of the new world of work. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 4, 473-499. Recuperado de https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-032516-113332
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). No Brasil, o teletrabalho foi regulamentado pela reforma trabalhista ocorrida em 2017. Já o home office é uma categoria específica de teletrabalho que trata da peculiaridade de sua execução diretamente da casa dos trabalhadores e ainda não tem regulamentação própria (Rocha & Amador, 2018). Ele pertence ao universo de experimentações do trabalho on-line que vêm sendo implantadas, as quais tendem a ser adotadas em diversos setores, acarretando vertiginoso crescimento (Antunes, 2020Antunes, R. (2020). Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. São Paulo, SP: Boitempo .).

Inúmeros aspectos positivos e negativos são associados ao teletrabalho, em suas diferentes configurações. Entre os benefícios, estão: redução do deslocamento casa-trabalho, e vice-versa (Antunes, 2018Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo.; Rocha & Amador, 2018Rocha, C. T. M., & Amador, F. S. (2018). O teletrabalho: conceituação e questões para análise. Cadernos EBAPE.BR, 16(1), 152-162. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1679-395154516
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); melhor equilíbrio entre as demandas laborais, sociais e familiares (Z. E. Bayazit & M. Bayazit, 2019Bayazit, Z. E., & Bayazit, M. (2019). How do flexible work arrangements alleviate work-family-conflict? The roles of flexibility i-deals and family-supportive cultures. The International Journal of Human Resource Management, 30(3), 405-435. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/09585192.2017.1278615
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); maior autonomia para tomar decisões relativas ao próprio trabalho (Cañibano, 2019Cañibano, A. (2019). Workplace flexibility as a paradoxical phenomenon: exploring employee experiences. Human Relations, 72(2), 444-470. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0018726718769716
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); aumento da produtividade (Bloom, Liang, Roberts, & Ying, 2015Bloom, N., Liang, J., Roberts, J., & Ying, Z. J. (2015). Does working from home work? Evidence from a Chinese experiment. The Quarterly Journal of Economics, 130(1), 165-218. Recuperado dehttps://doi.org/10.1093/qje/qju032
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) e da satisfação com o trabalho (Virick, N. Silva, & Arrington, 2010Virick, M., Silva, N., & Arrington, K. (2010). Moderators of the curvilinear relation between extent of telecommuting and job and life satisfaction: the role of performance outcome orientation and worker type. Human Relations, 63(1), 137-154. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/0018726709349198
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). Já as principais desvantagens apontadas na literatura são: riscos à eliminação dos direitos trabalhistas e previdenciários (Antunes, 2018); menores oportunidades de ascensão profissional (Rocha & Amador, 2018Rocha, C. T. M., & Amador, F. S. (2018). O teletrabalho: conceituação e questões para análise. Cadernos EBAPE.BR, 16(1), 152-162. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1679-395154516
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); medo da organização em perder o comando sobre os trabalhadores, levando ao estabelecimento de novos mecanismos de controle (Rocha & Amador, 2018Rocha, C. T. M., & Amador, F. S. (2018). O teletrabalho: conceituação e questões para análise. Cadernos EBAPE.BR, 16(1), 152-162. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1679-395154516
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; Sennett, 2016Sennett, R. (2016). A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo(2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: BestBolso.); conflitos e dificuldade de separação entre trabalho e família, aspecto que afeta especialmente as mulheres e se contrapõe ao suposto melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal (I. L. Aderaldo, C. V. L. Aderaldo, & Lima, 2017Aderaldo, I. L., Aderaldo, C. V. L., & Lima, A. C. (2017). Aspectos críticos do teletrabalho em uma companhia multinacional. Cadernos EBAPE.BR, 15(Especial), 511-533. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1679-395160287
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; Carli, 2020Carli, L. L. (2020). Women, gender equality and covid-19. Gender in Management, 35(7/8), 647-655. Recuperado de https://doi.org/10.1108/GM-07-2020-0236
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); isolamento e perda de sociabilidade e convívio coletivo (Antunes, 2018); menor integração entre empresa-trabalhador (Rocha & Amador, 2018Rocha, C. T. M., & Amador, F. S. (2018). O teletrabalho: conceituação e questões para análise. Cadernos EBAPE.BR, 16(1), 152-162. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1679-395154516
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); sobrecarga de trabalho (I. L. Aderaldo et al., 2017Aderaldo, I. L., Aderaldo, C. V. L., & Lima, A. C. (2017). Aspectos críticos do teletrabalho em uma companhia multinacional. Cadernos EBAPE.BR, 15(Especial), 511-533. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1679-395160287
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).

Como aponta Sennett (2016Sennett, R. (2016). A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo(2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: BestBolso., p. 66), “trabalhar em casa é a ilha última do novo regime”. Embora naturalmente seja influenciado por questões pessoais, familiares, organizacionais e sociais, o teletrabalho suscita um debate ambíguo no que refere às demandas da vida laboral e pessoal: é uma fonte de equilíbrio ou de conflito?

A questão do controle no trabalho remoto merece ser mais bem observada. Diante do medo de que os trabalhadores abusem da flexibilidade e da suposta liberdade concedida, tornando-se improdutivos, as empresas criam uma série de mecanismos de controle para regular o processo de trabalho, como o monitoramento por resultados e metas, além de supervisão por meio de intranets, e-mails e dispositivos móveis. Os trabalhadores trocam “uma forma de submissão ao poder - cara a cara - por outra, eletrônica” (Sennett, 2016Sennett, R. (2016). A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo(2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: BestBolso., p. 66). Mais do que isso, são compilados à autodisciplina e ao autocontrole para atender às demandas impostas pela empresa/mercado ou por si mesmos, como no caso dos trabalhadores independentes (Gaulejac, 2007Gaulejac, V. (2007). Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo, SP: Ideias e Letras.). Cria-se uma falsa autonomia que jamais é concretizada plenamente - os trabalhadores podem até controlar o local de trabalho, mas não adquirem maior controle sobre o trabalho em si (Rocha & Amador, 2018Rocha, C. T. M., & Amador, F. S. (2018). O teletrabalho: conceituação e questões para análise. Cadernos EBAPE.BR, 16(1), 152-162. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/1679-395154516
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; Sennett, 2016Sennett, R. (2016). A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo(2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: BestBolso.).

Outro componente da dimensão espaço temporal, a flexibilização do tempo de trabalho compreende diferentes mecanismos que permitem o ajuste das horas trabalhadas às demandas de produção (Jonsson, 2007Jonsson, D. (2007). Flexibility and stability in working life. London, UK: Palgrave Macmillan.). As mais comuns são a utilização de horas extras, bancos de horas, contratos por turnos e formas de redução da jornada de trabalho (Chung & Tijdens, 2013Chung, H., & Tijdens, K. (2013). Working time flexibility components and working time regimes in Europe: using company-level data across 21 countries. International Journal of Human Resource Management, 24(7), 1418-1434. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/09585192.2012.712544
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). Em síntese, a flexibilização temporal atende a uma tripla finalidade: transformar o tempo de não trabalho em tempo de trabalho, maximizando a produtividade dos trabalhadores; ampliar a liberdade de gestão do tempo de trabalho, permitindo ajustes ao longo do tempo em função das demandas de produção, o que se dá principalmente por meio das mudanças na legislação trabalhista; e proporcionar maior vinculação dos trabalhadores à empresa, mesmo fora do horário de expediente (Krein, 2007Krein, J. D. (2007). A tendência de flexibilização do tempo de trabalho. Revista Abet, 6(2), 47-72.).

A questão do tempo de trabalho ganha relevância, inclusive, em termos de pesquisa acadêmica, haja vista que tem um forte componente social, pois afeta a qualidade de vida das pessoas, interferindo na possibilidade de usufruir ou não de mais tempo livre, além de definir a quantidade de tempo que elas se dedicam às atividades econômicas e estabelecer relações diretas entre as condições de saúde, o tipo e o tempo de trabalho executado (Dal Rosso, 2017Dal Rosso, S. (2017). O ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. São Paulo, SP: Boitempo .).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diferentes classificações e abordagens são necessárias para compreender um tema complexo, multidisciplinar e dinâmico como a flexibilização do trabalho. As metamorfoses organizacionais do trabalho flexibilizado sugerem que alguns dos modelos antes identificados têm aplicação limitada, tendo em vista que enfatizam questões ligadas aos arranjos alternativos de contratação e deixam à margem outras possibilidades, como a emergência da flexibilidade espaço temporal e as novas dinâmicas tecnológicas presentes na flexibilidade funcional.

Visando contribuir para o preenchimento dessas lacunas, neste artigo, apresentamos uma definição de flexibilização do trabalho mais ampla e essencialmente crítica, enfatizando como suas diferentes manifestações visam atender aos interesses do capital. Considerando essa definição, buscamos apresentar um modelo teórico-analítico de flexibilização do trabalho a partir do alinhamento, da síntese e da atualização de distintas abordagens identificadas na literatura nacional e internacional. A proposta visa ampliar a discussão sobre a temática, ao considerar as múltiplas possibilidades de flexibilização do trabalho, bem como suas causas e consequências. Aproximamos essa discussão da atual realidade organizacional do trabalho, em especial no advento e na hegemonia do capitalismo flexível, que reclama vigilância e contramovimentos propositivos. Todavia, há que se ressaltar que, dadas a complexidade e a capacidade inequívoca de reinvenção do sistema capitalista, o conceito de flexibilização assume diferentes significados e arranjos no mundo do trabalho. Portanto, o modelo ora proposto não tem a pretensão de esgotar o tema ou representar todas as possibilidades inseridas nas diversas economias capitalistas e nas totalidades das relações sociais de produção.

Considerando suas limitações, acreditamos que o modelo possa contribuir para futuras pesquisas no entendimento das diferentes formas de flexibilização do trabalho; no posicionamento do estudo na literatura, conforme sua contribuição e seu foco de investigação, na identificação de outras variáveis aqui não incluídas; e na efetivação de estudos de caso, em perspectiva comparada, possibilitando analisar as semelhanças, as diferenças e os impactos da flexibilização em cada organização, pública ou privada.

Espera-se também que o artigo contribua para reflexões e questões pertinentes ao trabalho, indo ao encontro de discussões, movimentos e lutas que visem à reorganização da vida laboral e à ressignificação do sentido do trabalho. Por fim, fazemos um chamado às/aos que reconhecem a necessidade de difusão de um pensamento crítico nas ciências administrativas que se oponha ao mainstream gerencial, cujos conhecimentos desenvolvidos são, em grande parte, comprometidos com o hegemonismo organizacional de disciplinamento dos trabalhadores e o aprimoramento dos padrões de produção, com vistas a maximizar a exploração da mercadoria força de trabalho.

O próprio processo de flexibilização laboral está hipotecado a um vasto arcabouço de teorias organizacionais, as quais têm guiado as mais perversas experimentações, nas dimensões contratual, funcional ou espaço temporal. Até quando a administração continuará a contribuir para legitimar e naturalizar esses processos? É necessário contraposição, indicando a incompatibilidade do trabalho verdadeiramente estruturante, livre, autônomo e emancipador com o capitalismo, cada vez mais flexível, neoliberal, globalizado e a serviço da acumulação de alguns poucos pela exploração de muitos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2023

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2022
  • Aceito
    05 Maio 2022
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