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Quem somos nós e quem são eles? Transformações históricas da violência na relação homem-animal à luz de expressões artísticas

El papel de las relaciones raciales en el mercado de trabajo brasileño: procesos de reclutamiento y selección en el punto de mira

Resumo

Este estudo investiga o percurso das transformações da violência presente na relação homem-animal, em múltiplos períodos do tempo, recorrendo a expressões artísticas, de forma a trazer contribuições para esta temática. O estudo utiliza uma abordagem multidisciplinar dos campos das Artes, História e Filosofia buscando contribuições à literatura de marketing e comportamento do consumidor. A análise crítica visual é a metodologia utilizada na análise de seis obras de artes de diferentes períodos históricos e compreensão da relação homem-animal no tempo. Os achados sugerem formas de violência que estão presentes nessa relação e se transformam. A pesquisa desafia o domínio da discussão sobre a relação homem-animal no campo do marketing, circunscrita a experiências positivas com animais de companhia; traz interpretações dos caminhos da violência na relação homem-animal ao longo do tempo para melhor compreender significados e práticas do presente; adiciona elementos visando discussões e reflexões, necessárias a pesquisadores e profissionais de marketing, sobre a relação homem-animal e violência.

Palavras-chave:
Relação homem-animal; Violência; Artes; Marketing; Cultura do Consumo

Resumen

Este estudio investiga el curso de las transformaciones de la violencia presente en la relación humano-animal, en múltiples períodos del tiempo, utilizando expresiones artísticas, con el fin de traer contribuciones a esta temática. El estudio utiliza un enfoque multidisciplinario de los campos de las Artes, la Historia y la Filosofía en busca de contribuciones a la literatura sobre marketing y comportamiento del consumidor. El análisis crítico visual es la metodología utilizada para analizar seis obras de arte de diferentes períodos históricos y comprender la relación humano-animal a lo largo del tiempo. Los hallazgos sugieren formas de violencia que están presentes en esta relación y se transforman. La investigación desafía el dominio de la discusión sobre la relación humano-animal en el campo del marketing, limitada a experiencias positivas con animales de compañía; trae interpretaciones de las formas de violencia en la relación humano-animal a lo largo del tiempo para comprender mejor los significados y prácticas del presente; añade elementos destinados a discusiones y reflexiones, necesarias para investigadores y profesionales del marketing, sobre la relación humano-animal y la violencia.

Palabras clave:
Relación humano-animal; Violencia; Arte; Marketing; Cultura de consumo

Abstract

This study investigates the course of the transformations of violence present in the human-animal relationship in multiple periods of time, using artistic expressions to contribute to this theme. The study uses a multidisciplinary approach from the fields of Arts, History, and Philosophy seeking contributions to the literature on marketing and consumer behavior. Visual critical analysis is the methodology used to analyze six works of art from different historical periods and to understand the human-animal relationship over time. Findings suggest that forms of violence are present in the transforming human-animal relationship. The research challenges the marketing domain of the discussion about this relationship, limited to positive experiences with companion animals; it brings interpretations of the ways of violence in the human-animal relationship over time to understand the meanings and practices of the present; adds elements aimed at discussions and reflections necessary for researchers and marketing professionals, on the human-animal relationship and violence.

Keywords:
Human-animal relationship; Violence; Art; Marketing; Consumer culture

INTRODUÇÃO

Recentemente diferentes polêmicas da relação homem-animal ganharam destaque com a pandemia da COVID-19. Primeiro, o uso e a exploração de animais silvestres como origem da disseminação do vírus e, depois, o protagonismo dos animais usados em testes de laboratório nos acelerados esforços científicos para o desenvolvimento de vacinas. Nas redes sociais, encontramos compartilhamentos de hashtags denunciando violências e em defesa dos direitos dos animais (#vacinavegana, #covidanimals, #TireAsPandemiasDoCardápio). Grupos ligados à ciência também criaram hashtags, mas em defesa dos testes em animais (#AnimalScience, #AnimalTesting, #AnimalResearch). Localizamos polêmicas envolvendo celebridades que se declaram ativistas da causa animal com manifestações antivacina e até com proposta de substituição de teste em animais por teste em presidiários (Folha de São Paulo, 2021aFolha de São Paulo. (2021a, março 26). Xuxa sugere usar presos para testes de remédios: “Que sirvam para alguma coisa”. Recuperado de https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2021/03/xuxa-sugere-usar-presos-para-testes-de-remedios-que-sirvam-para-alguma-coisa.shtml
https://f5.folha.uol.com.br/celebridades...
, 2021bFolha de São Paulo. (2021b, julho 11). Dado Dolabella diz que vai aguardar imunizante vegano para se vacinar. Recuperado de https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2021/07/dado-dolabella-diz-que-vai-aguardar-imunizante-vegano-para-se-vacinar.shtml
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).

O período pandêmico é apenas um exemplo de controvérsias que envolvem a violência entre homens e animais. Essa complexa e paradoxal relação tem se transformado ao longo do tempo, sendo atravessada por sentimentos violentos e também de adoração, submissão, amor e compaixão (Belk, 1996Belk, R. W. (1996). Metaphoric Relationships with Pets. Society & Animals, 4(2), 121-145. Recuperado dehttps://doi.org/10.1163/156853096x00115
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; Hirschman, 1994Hirschman, E., & Stern, B. (1994). Women As Commodities: Prostitution As Depicted in the Blue Angel, Pretty Baby, and Pretty Woman. In C. T. Allen & D. R. John (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 21, pp. 576-581). Provo, UT: Association for Consumer Research. Recuperado de https://www.acrwebsite.org/volumes/5985/volumes/v21/NA-21
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). Animais podem tanto representar a fonte da subsistência ou do prazer, ou de amor, companhia e entretenimento para as pessoas (Oliveira, 2016Oliveira, J. (2016). Animais humanos e não humanos, vis-à-vis: olhares transversais. In M. Manduca (Ed.), Filosofia Animal: humano, animal, animalidade (pp. 7-19). Curitiba, PR: PUCPRess.). Pesquisadores têm explorado a relação homem-animal e os sentimentos e práticas paradoxais de afeto e violência que permeiam a relação (Bettany & Kerrane, 2018Bettany, S., & Kerrane, B. (2018). Figuring the pecking order. European Journal of Marketing, 52(12), 2334-2355. Recuperado dehttps://doi.org/10.1108/ejm-10-2017-0749
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; Oleschuk, Johnston, & Baumann, 2019Oleschuk, M., Johnston, J., & Baumann, S. (2019). Maintaining Meat: Cultural Repertoires and the Meat Paradox in a Diverse Sociocultural Context. Sociological Forum, 34(2), 337-360. Recuperado dehttps://doi.org/10.1111/socf.12500
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).

Localizamos diversos estudos de consumo explorando aspectos positivos da relação afetiva com os animais de estimação (Apaolaza, Hartmann, Paredes, Trujillo, & D’Souza, 2021Apaolaza, V., Hartmann, P., Paredes, M., Trujillo, A., & D’Souza, C. (2021, março). What motivates consumers to buy fashion pet clothing? The role of attachment, pet anthropomorphism, and self-expansion. Journal of Business Research, 141, 367-379. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/J.JBUSRES.2021.11.037
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; Bertuzzi, 2022Bertuzzi, N. (2022, fevereiro). Becoming hegemony: The case for the (Italian) animal advocacy and veganwashing operations. Journal of Consumer Culture, 22(1), 207-226. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/1469540520926234
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; B. Brockman, Taylor, & C. Brockman, 2008Brockman, B., Taylor, V., & Brockman, C. (2008). The price of unconditional love: Consumer decision making for high-dollar veterinary care. Journal of Business Research, 61(5), 397-405. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/J.JBUSRES.2006.09.033
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; Cheetham & McEachern, 2013Cheetham, F., & McEachern, M. (2013). Extending Holt’s consuming typology to encompass subject-subject relations in consumption: Lessons from pet ownership. Consumption Markets and Culture, 16(1), 91-115. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/10253866.2011.652826
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; Hirschman, 1994Hirschman, E., & Stern, B. (1994). Women As Commodities: Prostitution As Depicted in the Blue Angel, Pretty Baby, and Pretty Woman. In C. T. Allen & D. R. John (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 21, pp. 576-581). Provo, UT: Association for Consumer Research. Recuperado de https://www.acrwebsite.org/volumes/5985/volumes/v21/NA-21
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; Holak, 2008Holak, S. (2008). Ritual blessings with companion animals. Journal of Business Research, 61(5), 534-541. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2007.07.026
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; Kirk, 2019Kirk, C. (2019, junho). Dogs have masters, cats have staff: Consumers’ psychological ownership and their economic valuation of pets. Journal of Business Research, 99, 306-318. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/J.JBUSRES.2019.02.057
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; Maille & Hoffmann, 2013Maille, V., & Hoffmann, J. (2013). Compliance with veterinary prescriptions: The role of physical and social risk revisited. Journal of Business Research, 66(1), 141-144. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2012.09.006
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; Rötzmeier-Keuper, Hendricks, Wünderlich, & Schmitz, 2018Rötzmeier-Keuper, J., Hendricks, J., Wünderlich, N., & Schmitz, G. (2018, abril). Triadic relationships in the context of services for animal companions. Journal of Business Research, 85, 295-303. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2018.01.003
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; Syrjälä, 2016Syrjälä, H. (2016). Turning point of transformation: Consumer communities, identity projects and becoming a serious dog hobbyist. Journal of Business Research, 69(1), 177-190. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2015.07.031
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; Wünderlich et al., 2021Wünderlich, N., Mosteller, J., Beverland, M., Downey, H., Kraus, K., Lin, M., … Syrjälä, H. (2021). Animals in our Lives: An Interactive Well-Being Perspective. Journal of Macromarketing, 41(4), 646-662. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/0276146720984815
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). No entanto, apenas alguns estudos abordam aspectos negativos (Beverland, Farrelly, & Lim, 2008Beverland, M., Farrelly, F., & Lim, E. (2008). Exploring the dark side of pet ownership: Status- and control-based pet consumption. Journal of Business Research, 61(5), 490-496. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2006.08.009
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; Littlefield & Ozanne, 2011Littlefield, J., & Ozanne, J. (2011). Socialization into consumer culture: Hunters learning to be men. Consumption Markets and Culture, 14(4), 333-360. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/10253866.2011.604494
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; McGuigan, 2017McGuigan, L. (2017). The hunting industry: Exploring the marriage of consumerism, sport hunting, and commercial entertainment. Journal of Consumer Culture, 17(3), 910-930. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/1469540516634415
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; Simon, 2019Simon, A. (2017). The competitive consumption and fetishism of wildlife trophies. Journal of Consumer Culture, 19(2), 151-168. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/1469540517690571
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; Souza, Casotti, & Lemme, 2013Souza, M., Casotti, L., & Lemme, C. (2013). Consumo consciente como determinante da sustentabilidade empresarial: respeitar os animais pode ser um bom negócio? Revista de Administração da UFSM, 6(Especial), 229-246. Recuperado dehttps://doi.org/10.5902/198346599022
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).

Poucos pesquisadores (Ayrosa & Oliveira, 2018Ayrosa, E., & Oliveira, R. (2018). Marketing and the production of consumers’ objective violence. In M. Tadajewski, M. Higgins, J. Denegri-Knott, & R. Varman (Eds.), The Routledge Companion to Critical Marketing (pp. 482-499). Abingdon, UK: Routledge.; Oliveira, Ayrosa, & Sauerbronn, 2019Oliveira, R., Ayrosa, E., & Sauerbronn, J. (2019). A Fantasia Social Brasileira: Consumo, Violência Objetiva e Vergonha. In Anais do 10º Congresso Nacional de Administração e Contabilidade, Rio de Janeiro, RJ.) têm se dedicado a investigar a violência não apenas na relação homem-animal, mas também em diferentes relações de consumo. Esse quase silêncio parece inibir a abertura de mais espaços para compreender significados e práticas nas esferas da violência, inclusive possíveis efeitos positivos em experiências de consumo em contextos tais como os de videogames, filmes e esportes (Frota & Casotti, 2022Frota, R., & Casotti, L. (2022). Violence as a Consumption Object: Contributions from Other Fields to the Understanding of the Phenomenon. In T. W. Bradford, A. Keinan, & M. M. Thomson (Eds.), NA - Advances in Consumer Research(Vol. 49, pp. 78-81). Duluth, MN: Association for Consumer Research. Recuperado de https://www.acrwebsite.org/volumes/3000713/volumes/v49/NA-49
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). A perspectiva sociocultural do consumo (Arnould & Thompson, 2005Arnould, E., & Thompson, C. (2005). Consumer Culture Theory (CCT): Twenty Years of Research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. Recuperado dehttps://doi.org/10.1086/426626
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) pode contribuir para a pesquisa sobre violência ao investigar significados e práticas nas diversas relações humanas.

Esta pesquisa dedica-se a analisar a presença e transformação da violência em expressões artísticas com representações de homens e animais produzidas em diferentes períodos da história. O estudo identifica significados e práticas culturais autênticos de cada época. Reconhecemos a história como local de negociação e fixação de significados culturais que circulam na sociedade (Hall, 1997). Importantes pesquisadores têm recorrido ao passado como alicerce para a compreensão do consumo contemporâneo (Crockett, 2017Crockett, D. (2017). Paths to Respectability: Consumption and Stigma Management in the Contemporary Black Middle Class. Journal of Consumer Research, 44(3), 554-581. Recuperado dehttps://doi.org/10.1093/jcr/ucx049
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; Karababa & Ger, 2011Karababa, E., & Ger, G. (2011). Early Modern Ottoman Coffeehouse Culture and the Formation of the Consumer Subject. Journal of Consumer Research, 37(5), 737-760. Recuperado dehttps://doi.org/10.1086/656422
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; Trentmann, 2009Trentmann, F. (2009). Crossing Divides: Consumption and globalization in history. Journal of Consumer Culture, 9(2), 187-220. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/1469540509104374
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). Defendemos, como Smith e Lux (1993)Smith, R., & Lux, D. (1993). Historical Method in Consumer Research: Developing Causal Explanations of Change. Journal of Consumer Research, 19(4), 595-610. Recuperado dehttps://doi.org/10.1086/209325
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, que a pesquisa histórica possibilita interpretar mudanças ao longo do tempo, de forma a expandir a compreensão sobre significados e práticas do presente.

O uso de expressões artísticas como escolha metodológica tem inspiração no livro A História da Beleza, em que o filósofo Umberto Eco (2004Eco, U. (2004). História da beleza. Rio de Janeiro, RJ: Record.) traz diferentes pinturas, esculturas, arquitetura e objetos para construir a história das transformações das representações de beleza na cultura ocidental. Estudos de consumo (Hirschman, 2000Hirschman, E. (2000). Use of Intertextuality and Archetypes. In S. J. Hoch & R. J. Meyer (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 27, pp. 57-63). Provo, UT: Association for Consumer Research. Recuperado de https://www.acrwebsite.org/volumes/8359/volumes/v27/NA-27
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; Hirschman, Scott, & Wells, 1998Hirschman, E. C. (1988). The Ideology of Consumption: A Structural-Syntactical Analysis of “Dallas” and “Dynasty”. Journal of Consumer Research, 15(3), 344-359. Recuperado dehttps://doi.org/10.1086/209171
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; Holbrook & Grayson, 1986Holbrook, M., & Grayson, M. (1986). The Semiology of Cinematic Consumption: Symbolic Consumer Behavior in Out of Africa. Journal of Consumer Research, 13(3), 374-381. Recuperado dehttps://doi.org/10.1086/209076
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) reconhecem obras de artes como textos elegíveis para análise sob a perspectiva sociocultural e como mediadoras de construções simbólicas que envolvem a prática de rituais de consumo diversos.

A primeira contribuição deste estudo está em contrapor o domínio da discussão ampliando-a para além das experiências positivas com animais de companhia, temática predominante nos estudos de marketing e comportamento do consumidor. A segunda contribuição é trazer interpretações dos caminhos da violência na relação homem-animal, ao longo do tempo, para melhor compreender significados e práticas do presente. Nossa terceira contribuição é abrir múltiplas avenidas para pesquisas e promover a reflexão de profissionais de marketing adicionando elementos para discussões necessárias sobre a relação homem-animal e sobre violência.

A seguir, trazemos uma revisão dos estudos de marketing e comportamento do consumidor que falam da relação homem-animal. Descrevemos, em seguida, as perspectivas históricas de H. W. Janson e A. Janson (2009Janson, H. W., & Janson, A. (2009). Iniciação à História da Arte. São Paulo, SP: Martins Fontes.) e Thomas (1998)Thomas, K. (1998). O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e os animais. São Paulo, SP: Companhia das Letras.usadas para posicionar as obras de arte no tempo. Também sintetizamos a perspectiva filosófica sobre violência do filósofo coreano Byung-Chul Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.), que serviu de apoio no processo de análise das obras. Um quadro-resumo traça um paralelo entre as contribuições das três áreas de conhecimento - História, Arte e Filosofia - finalizando as contribuições teóricas utilizadas no estudo. Posteriormente, fazemos uma descrição das etapas para a utilização do método da análise visual crítica (Schroeder, 2006)Schroeder, J. (2006). Critical Visual Analysis. In R. Belk (Ed.), Handbook of Qualitative Research Methods in Marketing(pp. 303-321). Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing.. Após o que, apresentamos uma discussão dos achados e considerações finais.

RELAÇÃO HOMEM-ANIMAL: ESTUDOS DE MARKETING E COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR

O crescimento da importância da relação homem-animal na pesquisa de marketing pode ser exemplificado com o número especial do periódico Journal of Business Research, que foi dedicado à relação entre pets e humanos (Holbrook & Woodside, 2008Holbrook, M., & Woodside, A. (2008, maio). Animal Companions, Consumption Experiences, and the Marketing of Pets: Transcending Boundaries in the Animal-Human Distinction. Journal of Business Research, 61(5), 377-381. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2007.06.024
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). Pesquisadores examinaram diversas experiências com pets e como a relação com eles pode preencher lugares imaginados para seres humanos: companhia, amizade e membro da família (Downey & Ellis, 2008Downey, H., & Ellis, S. (2008). Tails of animal attraction: Incorporating the feline into the family. Journal of Business Research, 61(5), 434-441. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2007.07.015
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; Kennedy & McGarvey, 2008Kennedy, P., & McGarvey, M. (2008). Animal-companion depictions in women’s magazine advertising. Journal of Business Research, 61(5), 424-430. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2007.07.013
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; Mosteller, 2008Mosteller, J. (2008). Animal-companion extremes and underlying consumer themes. Journal of Business Research, 61(5), 512-521. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2007.07.004
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). Alguns estudiosos localizam, nesse número especial, movimentos de transcendência dos limites da distinção animal-humano, por exemplo, quando animais são considerados seres possuidores de alma ou origem de amor incondicional (Brockman et al., 2008Brockman, B., Taylor, V., & Brockman, C. (2008). The price of unconditional love: Consumer decision making for high-dollar veterinary care. Journal of Business Research, 61(5), 397-405. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/J.JBUSRES.2006.09.033
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; Holak, 2008Holak, S. (2008). Ritual blessings with companion animals. Journal of Business Research, 61(5), 534-541. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2007.07.026
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). Pesquisas desse número especial se preocuparam também com aspectos da gestão de marketing nos contextos do crescente mercado de produtos e serviços destinados aos pets, o que inclui a percepção de aumentos crescentes dos gastos com esses animais (Brockman et al., 2008Brockman, B., Taylor, V., & Brockman, C. (2008). The price of unconditional love: Consumer decision making for high-dollar veterinary care. Journal of Business Research, 61(5), 397-405. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/J.JBUSRES.2006.09.033
https://doi.org/10.1016/J.JBUSRES.2006.0...
; Ridgway, Kukar-Kinney, Monroe, & Chamberlin, 2008Ridgway, N., Kukar-Kinney, M., Monroe, K., & Chamberlin, E. (2008). Does excessive buying for self-relate to spending on pets? Journal of Business Research, 61(5), 392-396. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2007.07.002
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).

Os artigos de Belk (1996Belk, R. W. (1996). Metaphoric Relationships with Pets. Society & Animals, 4(2), 121-145. Recuperado dehttps://doi.org/10.1163/156853096x00115
https://doi.org/10.1163/156853096x00115...
) e Hirschman (1994Hirschman, E., & Stern, B. (1994). Women As Commodities: Prostitution As Depicted in the Blue Angel, Pretty Baby, and Pretty Woman. In C. T. Allen & D. R. John (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 21, pp. 576-581). Provo, UT: Association for Consumer Research. Recuperado de https://www.acrwebsite.org/volumes/5985/volumes/v21/NA-21
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)são destaque na pesquisa de marketing e referenciados como precursores dos estudos de comportamento do consumidor de animais de companhia. Esses artigos, localizados na perspectiva da cultura do consumo (Arnould & Thompson, 2005Arnould, E., & Thompson, C. (2005). Consumer Culture Theory (CCT): Twenty Years of Research. Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. Recuperado dehttps://doi.org/10.1086/426626
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), criaram, por meio de metáforas, uma tipologia da relação homem-animal que influenciou artigos posteriores no âmbito dessa temática. Hirschman (1994)Hirschman, E., Scott, L., & Wells, W. (1998). A Model of Product Discourse: Linking Consumer Practice to Cultural Texts. Journal of Advertising, 27(1), 33-50. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/00913367.1998.10673541
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organizou os animais de companhia em duas grandes categorias com subgrupos, conforme apresentado no Quadro 1.

Quadro 1
Os papéis dos animais de companhia de acordo com Hirschman (1994Hirschman, E., & Stern, B. (1994). Women As Commodities: Prostitution As Depicted in the Blue Angel, Pretty Baby, and Pretty Woman. In C. T. Allen & D. R. John (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 21, pp. 576-581). Provo, UT: Association for Consumer Research. Recuperado de https://www.acrwebsite.org/volumes/5985/volumes/v21/NA-21
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)

Belk (1996Belk, R. W. (1996). Metaphoric Relationships with Pets. Society & Animals, 4(2), 121-145. Recuperado dehttps://doi.org/10.1163/156853096x00115
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) organiza os animais de companhia em quatro grandes grupos, que trazem semelhanças com a proposta de Hirschman (1994Hirschman, E., & Stern, B. (1994). Women As Commodities: Prostitution As Depicted in the Blue Angel, Pretty Baby, and Pretty Woman. In C. T. Allen & D. R. John (Eds.), NA - Advances in Consumer Research (Vol. 21, pp. 576-581). Provo, UT: Association for Consumer Research. Recuperado de https://www.acrwebsite.org/volumes/5985/volumes/v21/NA-21
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): “Pets como prazer, Pets como problemas”; “Pets como partes do self”; “Pets como membros da família”; e “Pets como brinquedos”. Belk (1996)Belk, R. W. (1996). Metaphoric Relationships with Pets. Society & Animals, 4(2), 121-145. Recuperado dehttps://doi.org/10.1163/156853096x00115
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traz um olhar diferente sobre pets quando os categoriza tanto como fonte de prazer quanto de problemas, lembrando não só das alegrias, mas das dificuldades de criar um animal de estimação em casa com prováveis danos, interrupções e confusões provocadas pela convivência.

Localizamos poucos estudos na área de marketing e comportamento do consumidor com perspectivas diferentes ou críticas sobre a relação homem-animal. A relação de oposição entre homens e animais, por exemplo, aparece superficialmente em pesquisas no contexto da caça enquanto esporte e indústria (Littlefield & Ozanne, 2011Littlefield, J., & Ozanne, J. (2011). Socialization into consumer culture: Hunters learning to be men. Consumption Markets and Culture, 14(4), 333-360. Recuperado dehttps://doi.org/10.1080/10253866.2011.604494
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; McGuigan, 2017McGuigan, L. (2017). The hunting industry: Exploring the marriage of consumerism, sport hunting, and commercial entertainment. Journal of Consumer Culture, 17(3), 910-930. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/1469540516634415
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; Simon, 2017McMullen, C. (2008). Romancing the alpaca: Passionate consumption, collection, and companionship. Journal of Business Research, 61(5), 502-508. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2007.07.023
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).Alguns estudos trazem discussões sobre a objetificação dos animais pelos homens em situações em que são tratados como brinquedos, elementos de status no meio social, itens colecionáveis ou para uso em exibições e concursos (Bettany & Daly, 2008Bettany, S., & Daly, R. (2008). Figuring companion-species consumption: A multi-site ethnography of the post-canine Afghan hound. Journal of Business Research, 61(5), 408-418. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2006.08.010
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; Beverland et al., 2008Beverland, M., Farrelly, F., & Lim, E. (2008). Exploring the dark side of pet ownership: Status- and control-based pet consumption. Journal of Business Research, 61(5), 490-496. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2006.08.009
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2006.0...
; McMullen, 2008McMullen, C. (2008). Romancing the alpaca: Passionate consumption, collection, and companionship. Journal of Business Research, 61(5), 502-508. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2007.07.023
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; Syrjälä, 2016Syrjälä, H. (2016). Turning point of transformation: Consumer communities, identity projects and becoming a serious dog hobbyist. Journal of Business Research, 69(1), 177-190. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.jbusres.2015.07.031
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; Syrjälä & Norrgrann, 2019Syrjälä, H., & Norrgrann, A. (2019). When Your Dog Matches Your Decor. In D. Bajde, D. Kjeldgaard, & R. W. Belk (Eds.), Consumer Culture Theory (Research in Consumer Behavior, Vol. 20, pp. 39-54). Bingley, UK: Emerald Publishing Limited.). A oposição e objetificação existentes na relação homem-animal podem ser também entendidas como expressões de violência, ou seja, como aspectos negativos que têm sido pouco contemplados por estudos da área de marketing, embora exista uma violência historicamente legitimada da relação homem-animal, estudada pelo historiador Keith Thomas (1998)Thomas, K. (1998). O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e os animais. São Paulo, SP: Companhia das Letras., representada em obras de artes analisadas pelos pesquisadores H. W. Janson e A. Janson (2009Janson, H. W., & Janson, A. (2009). Iniciação à História da Arte. São Paulo, SP: Martins Fontes.), descrita a seguir.

RELAÇÃO HOMEM-ANIMAL: PERSPECTIVA HISTÓRICA

Em seus estudos, H. W. Janson e A. Janson (2009Janson, H. W., & Janson, A. (2009). Iniciação à História da Arte. São Paulo, SP: Martins Fontes.) fornecem-nos um panorama histórico das fases da história e da arte originada em cada uma delas. Segundo eles (H. W. Janson & A. Janson, 2009Janson, H. W., & Janson, A. (2009). Iniciação à História da Arte. São Paulo, SP: Martins Fontes.), na pré-história, o ser humano buscava sua sobrevivência em um ambiente hostil, com ameaças constantes à sua vida. O consumo de animais tinha como finalidade principal a alimentação, mas também o uso de partes para fazer ferramentas, adornos, utensílios, entre outros. Manifestações dessa necessidade podem ser observadas nas representações rupestres de caça de bisões, veados, cavalos e bois.

Ainda segundo H. W. Janson e A. Janson (2009Janson, H. W., & Janson, A. (2009). Iniciação à História da Arte. São Paulo, SP: Martins Fontes.), posteriormente, na Idade Antiga, muitos animais já haviam sido domesticados, indicando uma alteração na relação humana com esses seres. Nas obras de arte do período, os animais aparecem como símbolos de divindades, glorificados, humanizados ou humilhados. H. W. Janson e A. Janson (2009)Janson, H. W., & Janson, A. (2009). Iniciação à História da Arte. São Paulo, SP: Martins Fontes. apontam que, ao dotar os animais de força e coragem magníficas, os artistas desse período enalteciam o rei ou o herói que os derrotava.

Na Idade Média, o entendimento da existência dos animais para servir às necessidades humanas amplia-se até se tornar a sua principal finalidade. Vemos nos estudos de H. W. Janson e A. Janson (2009Janson, H. W., & Janson, A. (2009). Iniciação à História da Arte. São Paulo, SP: Martins Fontes.) que as crenças religiosas subordinam animais aos interesses e desejos dos homens, seja para fins práticos, morais ou estéticos. Imagens, por exemplo, são utilizadas simbolicamente para fins religiosos e também em mitos, fábulas, ritos. Nas representações artísticas da época, os animais aparecem como alimento, instrumento de guerra, transporte e proteção.

Na Idade Moderna, compreendida entre a tomada da Cidade de Constantinopla pelos turco-otomanos e a Revolução Francesa, a visão de subordinação dos animais aos seres humanos criada na Idade Média permanece. As artes refletiam a visão antropocêntrica da sociedade ocidental e retratavam os animais prioritariamente por seu uso prático, podendo incluir conotações morais e estéticas (Thomas, 1998Thomas, K. (1998). O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e os animais. São Paulo, SP: Companhia das Letras.). O historiador Keith Thomas dedicou-se a estudar as relações entre o homem e a natureza. Thomas (1998)Thomas, K. (1998). O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e os animais. São Paulo, SP: Companhia das Letras. observa que a diferença deste período em relação ao anterior está no pensamento fundamentado em crenças mais racionais, e menos em religiosas.

Na contemporaneidade, há uma ruptura com essa visão. O homem deixa de ser o centro do mundo. A amplificação dos conhecimentos científicos nas áreas da Botânica, Zoologia e Astronomia contribuíram para uma relação mais igualitária entre seres humanos e outras espécies. Thomas (1998)Thomas, K. (1998). O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e os animais. São Paulo, SP: Companhia das Letras. afirma que, nesta época, o homem passa a se perceber apenas como mais um elo na natureza, tão importante quanto qualquer outro. Surgiram movimentos contra a crueldade e os maus tratos dos animais e a favor dos seus direitos (Thomas, 1998Trentmann, F. (2009). Crossing Divides: Consumption and globalization in history. Journal of Consumer Culture, 9(2), 187-220. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/1469540509104374
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), bem como os sentimentos dos animais passaram a ser objeto de expressões artísticas. O filósofo Byung-Chul Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) ajuda-nos a compreender transformações nas representações das relações humanas com os demais animais ao tratar os diferentes lugares da violência ao longo da história.

VIOLÊNCIA HUMANA: PERSPECTIVA FILOSÓFICA

No livro Topologia da Violência, o filósofo coreano Byung-Chul Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) avalia que a violência do ser humano manifestou-se de maneira diferente durante a história. Ele divide a violência humana em três momentos: fases pré-moderna, moderna e pós-moderna.

Na pré-modernidade, período que vai desde a pré-história à Idade Média, a sociedade era arcaica. Ela é caracterizada por valores de soberania e sangue. A violência era generalizada e ostensiva. Tortura e sangue eram comuns e presentes em rituais espetaculares, como decapitações e duelos. A violência servia como meio para a solução de conflitos e um direito natural e legítimo para o alcance de objetivos.

De maneira diversa, na modernidade, a violência perdeu seu protagonismo. A sociedade moderna possuía um caráter racional, envergonhava-se dos atos violentos e os escondia. A violência, que anteriormente era usada para a comunicação política e social, “[...] desloca-se do visível para o invisível, do direto para o discreto, do físico para o psíquico, do marcial para o medial e do frontal para o viral” (Han, 2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes., p. 8). Han cita como exemplo as câmaras de gás utilizadas para matar milhares de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial. Em vez de sanguinário e público, esse tipo de violência é asséptico e discreto. São característicos deste período o terrorismo e a ciberguerra, cuja coerção se dará mais no campo psíquico e muito menos por ameaças físicas externas.

Até este momento da história, existe uma clara bipolaridade no contexto da violência, com forças opositoras entre “inimigos” (Han, 2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes., p. 41), sejam eles externos ou internos ao indivíduo. Han classifica este conflito como uma forma de negatividade. Contudo, na sociedade pós-moderna, o processo de globalização contribuiu para a suspensão de fronteiras e redução da negatividade e da diferenciação. O indivíduo não se percebe mais obrigado a obedecer e, portanto, não impõe objeção às regras. Com uma falsa ausência de “inimigo”, a violência está livre para atuar.

Na sociedade de desempenho, assim nomeada por Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.), a lógica de produção capitalista desenvolveu-se e amadureceu a ponto de haver pouca necessidade de controle. Simulando um ambiente de liberdade e de escolha individuais, no qual o ser humano pressiona a si mesmo a determinado comportamento, em uma relação de autocoerção, o indivíduo obedece a si mesmo, atuando no papel de vítima e algoz. Sem uma força significativa de resistência, o ambiente promove a hiperatividade com o excesso de estímulos de comunicação, produção e desempenho. Para sentir prazer, o indivíduo é programado para consumir e produzir desenfreadamente, e levado, em última instância, ao esgotamento e autodestruição. A violência, que, no início, tinha uma fonte externa, passou a ser gerada dentro do indivíduo, no âmbito psíquico, e, agora, tem como fonte ele próprio, provocando um estado de autoagressão.

ENCONTROS DE HISTÓRIA, ARTE E FILOSOFIA DA VIOLÊNCIA

A evolução histórica da humanidade, o consequente deslocamento das formas de violência e o reflexo dessas mudanças nas artes plásticas foram organizados no Quadro 2. Buscamos integrar a história da arte trazida por H. W. Janson e A. Janson (2009Janson, H. W., & Janson, A. (2009). Iniciação à História da Arte. São Paulo, SP: Martins Fontes.) e Thomas (1998)Thomas, K. (1998). O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e os animais. São Paulo, SP: Companhia das Letras. e o pensamento filosófico de Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.). As divisões do tempo dessas diferentes disciplinas nem sempre coincidem perfeitamente. Pode-se observar, por exemplo, que a modernidade entendida por Han compreende um período distinto do período da Idade Moderna da história, adentrando a Idade Contemporânea. Ainda assim, a integração permite um sistema de linguagem que constrói a compreensão histórica da relação homem-animal e a violência aí envolvida. Essa integração contribui para o entendimento e reflexão de estudiosos de marketing e comportamento do consumidor, e de outras áreas de conhecimento.

Quadro 2
Paralelo entre história, arte e violência ao longo do temp

O ESTUDO

Este estudo segue uma perspectiva cultural e se apoia no pensamento de Hall (1997)Hall, S. (1997). A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, 22(2), 15-46. Recuperado de https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71361
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, que divide a cultura em duas dimensões: uma “substantiva”, ligada à estruturação empírica da realidade, e outra, “epistemológica”, que é o foco neste trabalho. Essa dimensão busca a transformação de modelos conceituais com os quais representamos o mundo, ou seja, como temos representado e transformado a relação homem-animal ao longo do tempo.

Textos culturais, tais como filmes, anúncios, programas de televisão, músicas, livros, memes, entre outros, são manifestações que representam comportamentos e pensamentos vigentes (Deus, Campos, & Rocha, 2022Deus, E., Campos, R., & Rocha, A. (2022). Memes as Shortcut to Consumer Culture: A Methodological Approach to Covert Collective Ideologies. Revista de Administração Contemporânea, 26(4), 1-15. Recuperado dehttps://doi.org/https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2022210005.en
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). A análise desses textos pode ser utilizada como estratégia de pesquisa, possibilitando a compreensão de crenças, imaginários, normas, padrões, contextos e ideologias que constroem e modificam a cultura na qual estão inseridos (Hirschman, 1988Hirschman, E. C. (1988). The Ideology of Consumption: A Structural-Syntactical Analysis of “Dallas” and “Dynasty”. Journal of Consumer Research, 15(3), 344-359. Recuperado dehttps://doi.org/10.1086/209171
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; Hirschman & Stern, 1994Hirschman, E. (1994). Consumers and Their Animal Companions. Journal of Consumer Research, 20(4), 616-632. Recuperado dehttps://doi.org/10.1086/209374
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). Hall (1997)Hall, S. (1997). A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, 22(2), 15-46. Recuperado de https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71361
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localiza a atividade artística como parte constitutiva da dimensão cultural, pois pode ser compreendida em termos de “significados partilhados”.

A nossa pesquisa documental de textos culturais ocorreu em sites de museus e de notícias bem-conceituados. Os desenhos e pintura escolhidos formam manifestações culturais existentes desde o homem primitivo até o contemporâneo, atendendo ao objetivo do estudo de apresentar um panorama histórico da relação entre homens e animais. Usamos como critério para a seleção dos objetos de análise artistas ou obras de valor histórico e cultural consagrados. Uma obra originária de cada período histórico foi selecionada de forma a atender simultaneamente à abordagem histórica da arte de H. W. Janson e A. Janson (2009Janson, H. W., & Janson, A. (2009). Iniciação à História da Arte. São Paulo, SP: Martins Fontes.) e Thomas (1998)Thomas, K. (1998). O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e os animais. São Paulo, SP: Companhia das Letras. e à filosófica sobre a violência de Byung-Chul Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.). O interesse estava na representação da violência entre homens e animais, construída e organizada pelo discurso de cada época. Não foram selecionadas imagens de afeto e adoração. Uma primeira versão deste estudo foi apresentada à comunidade acadêmica no campo da cultura e consumo em congresso nacional e recebeu sugestões de melhoria. A seleção das obras também recebeu opiniões e validação de grupos de estudos do campo de cultura do consumo.

As artes foram contextualizadas (Skinner, 2002Skinner, Q. (2002). Visions of Politics (Volume I: Regarding Method). Cambridge, UK: Cambridge University Press.) nos seus devidos períodos históricos, com as contribuições filosóficas e históricas de Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.). A análise deste material seguiu o método da análise visual crítica (critical visual analysis) proposto por Schroeder (2006)Schroeder, J. (2006). Critical Visual Analysis. In R. Belk (Ed.), Handbook of Qualitative Research Methods in Marketing(pp. 303-321). Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing. com o intuito de entender e contextualizar imagens sob a perspectiva sociocultural e contribuir para o conhecimento em marketing. A análise visual crítica propõe as seguintes categorias: descrição, assunto, forma, meio, estilo, gênero e comparação, que são apresentadas no Quadro 3.

Quadro 3
Categorias analíticas para análise visual crítica, segundo Schroeder (2006)Schroeder, J. (2006). Critical Visual Analysis. In R. Belk (Ed.), Handbook of Qualitative Research Methods in Marketing(pp. 303-321). Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing.

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS OBRAS SELECIONADAS

A relação homem-animal está descrita e analisada com base em tensões, contradições, contingências e transformações históricas. Essa parte foi contextualizada nos três períodos preconizados por Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.). O primeiro período, a Pré-Modernidade, foi dividido em Pré-História, Idade Antiga e Idade Média, seguindo a divisão clássica da história. A Modernidade foi dividida em Idade Moderna e Idade Contemporânea. A Pós-Modernidade abrange os dias atuais.

Pré-História

O desenho pré-histórico é um registro da expressão humana, e a cor vermelha possivelmente tem origem no sangue de um animal abatido (Berger, 1980Berger, J. (1980). About Looking. London, UK: Writers and Reader Publishing Cooperative.). O sangue é matéria prima e meio para esta manifestação. Na cena do búfalo sendo caçado (Figura 1), podem-se observar figuras humanas com instrumentos de caça, em formato similar a lanças, sendo apontados na direção do animal. O búfalo é proporcionalmente maior que as figuras humanas e do que seria uma representação da realidade, o que parece indicar uma relação de inferioridade e temor dos homens diante do animal ou mesmo de superioridade e força do animal diante do homem.

Figura 1
Cena de um búfalo sendo caçado - autor desconhecido

Esta é uma parte selecionada de um painel de quase cinco metros de largura, que mostra a caça de búfalos e porcos selvagens (Aubert et al., 2019Aubert, M., Lebe, R., Oktaviana, A., Tang, M., Burhan, B., Hamrullah, A. … Brumm, A. (2019). Earliest hunting scene in prehistoric art. Nature, 576(7787), 442-445. Recuperado dehttps://doi.org/10.1038/s41586-019-1806-y
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). Os seres humanos representados seriam na verdade teriantropos - seres fantásticos capazes de se transformarem em animais, segundo Aubert et al. (2019)Apaolaza, V., Hartmann, P., Paredes, M., Trujillo, A., & D’Souza, C. (2021, março). What motivates consumers to buy fashion pet clothing? The role of attachment, pet anthropomorphism, and self-expansion. Journal of Business Research, 141, 367-379. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/J.JBUSRES.2021.11.037
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.

Idade Antiga

Diferente do período anterior, na Idade Antiga, alguns animais já estão domesticados e são assim retratados artisticamente. Situações de luta ou de sacrifícios religiosos envolvendo animais, que aparecem em diferentes artes, sugerem que ainda permanece uma violência ostensiva contra eles.

Segundo descrição em The British Museum (2022)The British Museum. (2022). Amphora. Recuperado de http://www.britishmuseum.org/collection/object/G_1839-1109-2
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, no desenho feito sobre uma ânfora de cerâmica da Grécia Antiga (Figura 2), foi utilizada uma técnica de imagens vermelhas sobre fundo preto. A cena representa um dos doze trabalhos de Hércules - derrotar o Leão de Nemeia. Na pintura do vaso grego (Figura 2), pode-se observar Héracles (conhecido como Hércules na mitologia romana) lutando com um leão selvagem. Ele está nu e barbudo, ajoelhado e segurando a cabeça do leão para baixo sobre o ombro esquerdo, desferindo um golpe que sugere que o leão será arremessado ao chão. À esquerda, está a deusa Atena e, à direita, o herói Iolaos.

Foi necessária a força de um semideus para derrotar o animal, algo de que os seres humanos comuns não foram capazes. O mito inflaciona tanto a força de Héracles como a do leão, mas o herói foi capaz de vencer o monstro mesmo assim.

Figura 2
Héracles e o leão de Nemeia - detalhe de pintura sobre ânfora de cerâmica - autoria atribuída ao pintor Andokides ou ao pintor Lisípides

Idade Média

Na época da Baixa Idade Média, eram comuns na Europa os bestiários, livros utilizados para descrever, registrar e estudar animais reais e imaginários. A cena de caça a uma macaca e seus filhotes, desenhada no Bestiário de Aberdeen, criado no ano de 1200, na Inglaterra, representa este período (Figura 3). A figura colorida foi desenhada sobre um fundo de ouro e os contornos realçados em tons escuros. O título do capítulo do livro do qual a imagem foi retirada é “Macacos”. A descrição de cada animal do Bestiário era acompanhada de mensagens moralizadoras, como o seguinte trecho (University of Aberdeen, 2022University of Aberdeen. (2022). The Aberdeen Bestiary. Recuperado de https://www.abdn.ac.uk/bestiary
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) da ilustração examinada:

Uma característica do macaco é que, quando a mãe dá à luz gêmeos, ela ama um e despreza o outro. Se acontecer de ela ser perseguida por caçadores, ela carrega aquele que ela ama diante de si em seus braços e aquele que ela detesta em seus ombros. Mas quando ela está cansada de ficar em pé, ela deliberadamente deixa cair aquele que ela ama e relutantemente carrega aquele que ela odeia. O macaco não tem cauda. O Diabo tem a forma de um macaco, com cabeça, mas sem cauda (University of Aberdeen, 2022University of Aberdeen. (2022). The Aberdeen Bestiary. Recuperado de https://www.abdn.ac.uk/bestiary
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, tradução nossa).

Diferente da Pré-História e da Idade Antiga, a arte medieval traz uma representação de superioridade da figura humana em relação ao animal. Na Figura 3, uma única pessoa com uma lança parece ser capaz de caçar ou afugentar uma macaca e seus filhotes. Nesta situação, a caça não parece ser para a alimentação, já que europeus não costumam comer este animal.

Figura 3
Caça a um macaco fêmea e seus filhotes - autor desconhecido

As três pinturas escolhidas para representar a Pré-Modernidade mostram a violência explícita sobre os animais. Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) descreveu a violência como sendo ostensiva e ampla na sociedade arcaica. Podemos identificar por meio das obras a progressão da soberania do homem sobre os animais, de um menor para um maior grau. A representação da relação entre homens e animais (H. W. Janson & A. Janson, 2009Janson, H. W., & Janson, A. (2009). Iniciação à História da Arte. São Paulo, SP: Martins Fontes.) tem início com a caça como meio de alimentação (Figura 1) e, por sua vez, sobrevivência; passa pela construção mitológica de heróis capazes de enfrentar e humilhar um leão aterrorizador (Figura 2); e se desenvolve até a utilização do animal como entretenimento humano (Figura 3).

Idade Moderna

Como expressão artística da modernidade foram selecionados desenhos de Leonardo da Vinci que fazem parte de estudos preparatórios (Figura 4) realizados em 1505 para a pintura do quadro “A Batalha de Anghiari”, que nunca foi concluído. O artista dedicava-se à pesquisa da anatomia dos animais antes de pintá-los. Devido às precisões de seus desenhos, acredita-se que Leonardo dissecava animais para elaborar suas composições (O’Malley & Saunders, 2012O’Malley, C., & Saunders, J. (2012). Os Cadernos Anatômicos de Leonardo da Vinci. Cotia, SP: Ateliê Editorial.).

Desenhos monocromáticos feitos com caneta e tinta sobre papel mostram expressões de fúria de um cavalo, de um leão e de um homem, o que sugere um caso de anatomia comparada. Esses elementos fariam parte da cena de fundo do mural da Batalha de Anghiari, que mostraria extrema violência envolvendo animais (The Royal Collection Trust, 2022The Royal Collection Trust. (2022). Expressions of fury in horses, a lion and a man; (Verso:) Notes and diagrams on astronomy and geometry, and the head of a horse. Recuperado de https://www.rct.uk/collection/themes/exhibitions/leonardo-da-vinci-a-life-in-drawing//expressions-of-fury-in-horses-a-lion-and-a-man-verso-notes-and-diagrams-on-astronomy-and-geometry
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).

Figura 4
Estudos anatômicos de animais - autoria de Leonardo Da Vinci

Os desenhos mostram a dedicação de da Vinci na investigação detalhada de animais e figuras humanas, com cuidados científicos que eram característicos da época. Na representação artística moderna, a “besta” medieval ganha uma função estética e dramática. A violência contra o animal já não é evidente como antes (Han, 2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.). A morte do cavalo não está mais na tela, mas em um ambiente fora dela.

Idade Contemporânea

O quadro “Guernica” (Figura 5), de 1937, pintado por Pablo Picasso, foi selecionado como manifestação artística do início da Idade Contemporânea e como expressão da violência psicológica moderna pensada por Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.). A obra mostra pessoas e animais sob bombardeio à cidade de Guernica durante a Guerra Civil Espanhola. Anthony Blunt (1969Blunt, A. (1969). Picasso’s Guernica. Oxford, UK: Oxford University Press.), estudioso da obra, faz uma conexão entre a composição em tons de preto e branco com as cores das fotos de jornais da época. Blunt divide “Guernica” em dois grupos de protagonistas: um grupo formado por animais - o touro, o cavalo e o pássaro, ao fundo, à esquerda - e outro grupo formado por figuras humanas, dentre as quais há um soldado morto e várias mulheres - uma mulher (no canto superior direito) segurando uma lâmpada e inclinando-se por uma janela; a mãe (à esquerda) segurando a filha morta; uma mulher que corre (à direita); outra que grita com os braços erguidos e parece tentar escapar do fogo.

Figura 5
Quadro “Guernica” - autoria de Pablo Picasso

Tanto humanos quanto animais são retratados com expressões faciais e corporais de drama e desespero, sugerindo que ambos são dotados de sentimentos e capazes de emocionar o espectador da obra (Thomas, 1998). Essa semelhança difere das relações desiguais expressas em fases anteriores, quando animais eram retratados como superiores ou figuras humanas eram retratadas como soberanas diante de animais. “Guernica” não mostra lutas, apenas sofrimento. Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) observa na Modernidade, concomitantemente ao início da Idade Contemporânea, uma violência não explícita e que não envolve sangue; muitas vezes, ela é invisível, pois ocorre fora de cena. Han fala da depressão psicológica como uma característica da época. As imagens deformadas das pessoas em Picasso parecem buscar mais a expressão da violência psíquica e emocional e menos uma violência física (Han, 2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.).

Pós-Modernidade

Do período contemporâneo, dentro da perspectiva mais recente que é denominada por Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) como Pós-Modernidade, foi selecionada outra obra. A arte urbana sem título (Figura 6), creditada ao artista Banksy, traz um graffiti de tinta preta sobre fundo branco pintado em um muro de um local desconhecido. Ela mostra figuras de macacos com antenas e carregando placas com os dizeres “Laugh now, but one day we’ll be in charge” (em português, “Ria agora, mas um dia estaremos no comando”) e “Keep it real” (em português, “Seja realista”).

Figura 6
Graffiti creditado ao artista Banksy

Essa obra em estêncil coloca os macacos em posição superior em relação ao ser humano, pois alerta sobre o caminho de autodestruição da sociedade, sugerindo criticamente um retrocesso (Han, 2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.). Assim como “Guernica”, de Picasso, a violência não está explícita, é indicada pela ideia de que, no futuro próximo, os macacos comandarão a vida no planeta em condições extremas, causadas pelo próprio homem.

Se voltamos à primeira figura pré-histórica com sinalizações sobre a inferioridade dos homens na expressão artística rupestre do grande búfalo, temos a possibilidade de fazer conexões simbólicas com a arte urbana de Banksy, que também sinaliza a inferioridade dos humanos que seguem um caminho de autodestruição.

DISCUSSÃO: QUEM SOMOS NÓS E QUEM SÃO ELES?

Assim como a relação do homem com os objetos, a relação do homem com a natureza está baseada em uma conexão ontológica, histórica, profunda e com diversas interfaces, como a interface com a violência. Neste estudo, sugere-se um caminho de questionamento e crítica da violência e de sua legitimidade partindo da relação homem-animal e provocando reflexões em outras relações e contextos.

Tomando como exemplo a relação humana com objetos e animais, vislumbramos relações de dependência entre ambos e crenças de que humanos controlam objetos e são hierarquicamente superiores aos animais. Nas ciências sociais e no marketing, temos uma vasta literatura que discute a cultura material e as relações dos humanos com os objetos (Appadurai, 1988Appadurai, A. (1988). The social life of things: Commodities in cultural perspective. Cambrigde, UK: Cambridge University Press.; Belk, 1988Belk, R. W. (1988). Possessions and the Extended Self. Journal of Consumer Research, 15(2), 139-168. Recuperado dehttps://doi.org/10.1086/209154
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; Belk, Wallendorf, & Sherry, 1989Belk, R. W., Wallendorf, M., & Sherry, J. (1989). The Sacred and the Profane in Consumer Behavior: Theodicy on the Odyssey. Journal of Consumer Research, 16(1), 1-38. Recuperado dehttps://doi.org/10.1086/209191
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; Douglas & Isherwood, 1979Douglas, M., & Isherwood, B. (1979). The World of Goods. Nova York, NY: Basic Books.; Epp & Price, 2010Epp, A., & Price, L. (2010). The Storied Life of Singularized Objects: Forces of Agency and Network Transformation. Journal of Consumer Research, 36(5), 820-837. Recuperado dehttps://doi.org/10.1086/603547
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). Não identificamos nessas mesmas áreas de conhecimento uma literatura que fale dos complexos significados e práticas da “cultura animal”, ou seja, como humanos se relacionam com os animais. Predominam nos estudos de marketing os aspectos positivos do animal como companhia. Localizamos algumas exceções em pesquisas que sinalizam a violência na relação homem-animal, como a objetificação de animais e experiências que envolvem a caça. A objetificação parece compor a construção da imagem de superioridade e força humana em relação aos animais ou, visto de outra forma, compõe um marcante antropocentrismo que se fortalece principalmente a partir da Idade Moderna. Belk (1996)Belk, R. W. (1996). Metaphoric Relationships with Pets. Society & Animals, 4(2), 121-145. Recuperado dehttps://doi.org/10.1163/156853096x00115
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lembra-nos da construção sociocultural que coloca os demais seres vivos à disposição do homem para servir a desejos e necessidades humanos. Contudo sabemos que animais sempre existiram no planeta de forma independente de experiências e significados impostos por humanos. A atual literatura de marketing, portanto, permitiu-nos entender a situação contemporânea dessa relação de forma restrita no tempo e nos grupos de interesse envolvidos, sendo pouco capaz de nos ajudar na discussão dessa relação por uma perspectiva histórica mais ampla e transversal.

Este estudo sugere formas de violência presentes na relação homem-animal que vão se transformando. Experiências contemporâneas associadas à relação homem-animal fazem parte, portanto, de uma lógica historicamente construída envolta em textos culturais que parecem ter escondido ou disfarçado a violência dos humanos com os animais e realçado a violência dos animais, tidos como selvagens, com os humanos. O antropomorfismo que circunda a relação homem-animal (Mitman & Daston, 2005Mitman, G., & Daston, L. (2005). Thinking with Animals: New Perspectives on Anthropomorphism. New York, NY: Columbia University Press.) parece contribuir para esse apagamento da violência existente na relação, ao mesmo tempo que animais assumem comportamentos humanos em fábulas, filmes, propagandas e outras expressões culturais.

O grafitti de Bansky (Figura 6) também pode ser visto como uma manifestação cultural antropomórfica e invertida, visto que macacos advertem ironicamente os humanos sobre suas fraquezas ou perda de centralidade no mundo. O grafitti sugere simbolicamente animais em posição hierarquicamente superior aos seres humanos. Parece curioso que a expressão artística da Figura 6 possa sugerir um retorno a uma relação pré-histórica, quando homens temiam os animais como na Figura 1. O que é novo é também velho, como nos lembra o filósofo Bruno Latour (1993Latour, B. (1993). We have never been modern. Cambridge, UK: Harvard University Press.).

O campo do marketing e de comportamento do consumidor se caracteriza por estudar formas contemporâneas recentes de consumo. Muitas formas de violência estão presentes na cultura de consumo e parecem obscurecidas pela proposta de escolhas livres da ideologia neoliberal. Este estudo reforça a importância dos caminhos históricos e mostra que o contemporâneo está situado em um continuum de contextos sócio-históricos.

Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) menciona a falta de transparência, um processo de acobertamento da violência relacionada aos animais na contemporaneidade, o que inclui práticas presentes em diferentes mercados consumidores. Empresas de alimentos têm sido discretas em relação ao abate dos animais, assim como as indústrias ligadas à saúde em relação à experimentação necessária em animais, como no caso recente das vacinas contra a COVID-19. Movimentos de proteção legal contra a crueldade animal e a favor da criação de selos associados à proteção ou bem-estar dos animais sugerem não somente reações à violência animal historicamente legitimada e presente em diversos mercados, como também mudanças na visão sobre quem somos nós, humanos, e quem são eles, os não humanos ou pós-humanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Expressões visuais simbólicas, como as expressões artísticas analisadas neste estudo, são culturalmente construídas e parte de um processo em contínuo movimento no tempo. Este estudo contribui para uma compreensão histórica da relação homem-animal e da violência nela envolvida com apoio da topologia da violência trazida por Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) e da perspectiva de história da arte de H. W. Janson e A. Janson (2009Janson, H. W., & Janson, A. (2009). Iniciação à História da Arte. São Paulo, SP: Martins Fontes.) e Thomas (1998)Thomas, K. (1998). O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e os animais. São Paulo, SP: Companhia das Letras.. O estudo apresenta uma pesquisa interdisciplinar, ao reconhecer que estudos de marketing, em geral, e da cultura de consumo, em especial, não contemplavam a temática que se buscava explorar. Seguimos pesquisadores da cultura de consumo (Askegaard, 2021Askegaard, S. (2021). Putting the anthropos back in consumer research: Beyond reductionisms. Recherche et Applications en Marketing, 36(1), 90-102. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/2051570720980430
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) que defendem a abertura de mais diálogos com teorias e áreas de conhecimento para entender o complexo ser humano.

O longo período histórico percorrido neste estudo mostrou que a presença de violência na relação homem-animal foi transformada, invisibilizada e/ou escondida por meio dos saltos históricos. A arte e seus movimentos históricos permitiram uma compreensão inovadora da relação homem-animal e da violência contida nessa relação. A primeira contribuição deste estudo é desafiar a discussão do campo de marketing e comportamento do consumidor, cujas pesquisas estão centradas predominantemente nas experiências positivas com pets. O campo de pesquisa foi aqui provocado a refletir sobre o aspecto violento da relação entre homens e animais domesticados ou não.

MacInnis et al. (2020MacInnis, D., Morwitz, V., Botti, S., Hoffman, D., Kozinets, R., Lehmann, D. … Pechmann, C. (2020). Creating Boundary-Breaking, Marketing-Relevant Consumer Research. Journal of Marketing, 84(2), 1-23. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/0022242919889876
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) lembram da importância de examinar o passado para compreender o comportamento do consumidor no presente, ou seja, os caminhos da violência na relação homem-animal do passado podem apoiar uma melhor compreensão de significados e práticas do presente com o apoio dos lugares de violência mapeados na obra de Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.). A segunda contribuição é sugerir a história não apenas como caminho para interpretar significados e práticas da violência na relação homem-animal, mas como protagonista de teorias, como apoio a estudos empíricos, como fornecedora de insights inovadores e também como capaz de contribuir para impactar esferas da gestão de marketing e melhores práticas de políticas públicas. Defende-se a importância de se compreender o que se encontra encapsulado ao longo da história.

A terceira contribuição deste estudo é abrir múltiplas avenidas para pesquisas adicionando a violência como elemento necessário para discutir a relação homem-animal. Existem variados lugares da violência na relação homem-animal e precisamos de interdisciplinaridade para melhor compreender essa relação. São diversos os mercados que envolvem animais e que promovem o afeto e a oposição à invisibilização ou coisificação de animais. Um caminho possível para pesquisas futuras é a investigação da violência contemporânea internalizada e/ou socialmente aceita em comportamentos de consumo. A autoagressão humana está presente, por exemplo, em estudos sobre compulsividade, mas não identificamos muitos estudos que se propõem a compreender o ser humano contemporâneo, individualmente ou coletivamente, em manifestações da violência no consumo.

Defrontamo-nos algumas vezes com a sensação de que as coisas não são exatamente o que parecem, o que desperta a curiosidade do pesquisador. Este estudo se inicia com essa sensação e termina com ela, já que envolve muitas complexidades e fronteiras de conhecimento. Aqui, foram lançados desafios para que estudos de marketing possam explorar as estreitas conexões do consumo com a relação homem-animal, não só as relações de amor, mas também aquelas que envolvem violência. O texto é finalizado em meio a violentos acontecimentos mundiais de origens diversas, que trouxeram à luz defesas de políticas econômicas que banalizam o valor da vida humana. A pandemia sem precedentes na história e a eclosão de uma guerra na Europa, envolvendo potências com poder bélico nuclear, fazem lembrar a autoagressão trazida por Han (2017Han, B. C. (2017). Topologia da violência. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) e seu possível efeito de autodestruição da vida humana. As artes costumam antecipar acontecimentos; assim, na expressão artística de Banksy (Figura 6), observa-se um alerta para um futuro sombrio.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos as valiosas contribuições dos revisores dos Cadernos EBAPE.BR e dos revisores da versão inicial do estudo submetida ao EMA-Encontro de Marketing/Anpad. Agradecemos também as contribuições dos professores Peter Wanke (Coppead-UFRJ) e Alexandre Saldanha (Unicap).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2022
  • Aceito
    31 Jul 2022
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