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O risco político da guerra da Ucrânia para o mercado global de combustíveis: o caso da British Petroleum na Rússia

El riesgo político de la guerra de Ucrania para el mercado global de combustibles: el caso de British Petroleum en Rusia

Resumo

Em fevereiro de 2022, a Rússia invadiu os territórios do leste da Ucrânia. Pressionada pela opinião pública e pelo governo britânico, a British Petroleum (BP) anunciou, três dias após a invasão, o abandono da sua participação acionária de quase 20% na estatal russa Rosneft, com custo avaliado em USD 25 bilhões para a empresa. O caso coloca o leitor na posição do CEO da multinacional, Bernard Looney, para refletir sobre o redesenho da estratégia da empresa no que diz respeito à avaliação do impacto do risco político em seus demais negócios do mundo. O caso foi pensado para alunos de graduação e pós-graduação em administração, relações internacionais e áreas afins que queiram tratar de temas como geopolítica do petróleo, estratégia empresarial, risco político e negócios internacionais.

Palavras-chave:
Guerra da Ucrânia; Petróleo e gás; Risco político; Negócios internacionais

Resumen

En febrero de 2022, Rusia invadió los territorios orientales de Ucrania. Presionada por la opinión pública y el gobierno británico, British Petroleum (BP) anunció, tres días después de la invasión, el abandono de su participación accionaria de casi el 20% en la estatal rusa Rosneft, con un costo estimado de USD 25 mil millones para la compañía. El caso pone al lector en la posición del CEO de la multinacional, Bernard Looney, para reflexionar sobre el rediseño de la estrategia de la compañía con respecto a evaluar el impacto del riesgo político en sus otros negocios en el mundo. El caso fue concebido para estudiantes de grado y posgrado de Administración de Empresas, Relaciones Internacionales y áreas afines que quieran abordar temas como geopolítica petrolera, estrategia empresarial, riesgo político y negocios internacionales.

Palabras clave:
Guerra en Ucrania; Petróleo y gas; Riesgo político; Negocios internacionales

Abstract

In February 2022, Russia invaded the eastern territories of Ukraine. Three days after the invasion, pressured by public opinion and the British government, British Petroleum (BP) announced the abandonment of its almost 20% equity shareholding in Russian state-owned Rosneft at an estimated cost of USD 25 billion for the company. The case puts the reader in the position of CEO Bernard Looney to reflect on the redesign of the company’s strategy with regard to assessing the impact of political risk on its other businesses in the world. The case was designed for undergraduate and graduate students in Business Administration, International Relations, and related areas who want to address topics such as oil geopolitics, business strategy, political risk, and international business.

Keywords:
War in Ukraine; Oil and Gas; Political risk; International business

A GUERRA DA UCRÂNIA E O MERCADO GLOBAL DE COMBUSTÍVEIS

No dia 24 de fevereiro de 2022, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou o que chamou de “operação militar especial” em solo ucraniano, sob o pretexto de defender, em caráter unilateral, as repúblicas separatistas da região do Donbass, localizadas no leste da Ucrânia (Anexo 1). Para analistas internacionais, no entanto, a invasão foi uma resposta do governo russo ao “alargamento” das fronteiras da aliança militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para o leste europeu, sobretudo após a invasão dos próprios russos à Península da Crimeia, no sul da Ucrânia, em 2014, território originalmente cedido à Ucrânia pelo regime soviético em 1954. Mas a importância das regiões da Rússia e da Ucrânia para a geopolítica mundial é histórica, uma vez que os primeiros conflitos entre ambos os territórios são datados ainda do século XVI. Após a desintegração, em 1991, da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), no entanto, a Ucrânia, antes sob domínio soviético, passa a exercer um papel de zona-tampão1 Eduardo Russo - Doutor em Administração de Empresas pelo Instituto COPPEAD de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPEAD/UFRJ); Pesquisador de Pós-Doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPEAD/UFRJ). E-mail: eduardo.russo@coppead.ufrj.br 1 Termo em geografia política que designa uma região situada entre blocos ou países hostis e que, pela sua própria existência, possui o papel de prevenir o conflito entre as partes. Geralmente, estados-tampão realmente independentes optam por uma orientação de neutralidade em sua política externa. Recuperado de https://www.merriam-webster.com/dictionary/buffer%20state Eduardo Russo - Ph.D. in Business Management by The COPPEAD Graduate School of Business, Federal University of Rio de Janeiro (COPPEAD/UFRJ); Postdoctoral researcher at the Federal University of Rio de Janeiro (COPPEAD/UFRJ). E-mail: eduardo.russo@coppead.ufrj.br 1 Term in political geography that designates a region located between hostile blocs or countries and which, by its very existence, has the role of preventing conflict between the parties. Generally, truly independent buffer states opt for a neutrality orientation in their foreign policy. Retrieved from https://www.merriam-webster.com/dictionary/buffer%20state entre as fronteiras do Oriente e Ocidente.

Imediatamente após a invasão, pressões do Ocidente, lideradas pelos Estados Unidos e pela União Europeia, recaíram sobre a Rússia. A partir daquele momento, o que se pôde observar foi uma série de embargos e sanções impostos que incluíram, em um primeiro momento: o congelamento de ativos do Banco Central russo no exterior; a suspensão dos bancos russos do sistema de pagamentos internacionais swift; o fechamento do espaço aéreo para companhias aéreas russas; a suspensão do comércio internacional com o país e o banimento das mídias russas, além de sanções pessoais contra Putin e seus aliados. Além destes, países do oeste europeu, até então muito dependentes do petróleo e gás russo, começam a buscar alternativas de abastecimento no sentido de, gradativamente, substituir suas importações.

As pressões para as empresas ocidentais que ali mantinham negócios não foram diferentes. Nos poucos dias que se sucederam à invasão, uma série de corporações símbolo da reabertura política da década de 1990 acabaram deixando a Rússia, como McDonald, Coca-Cola, Visa, Toyota e Nike, além das gigantes do petróleo ExxonMobill, Shell, Total, Equinor e a própria British Petroleum (BP). O comunicado oficial que anunciou a saída da BP veio no dia 27 de fevereiro, por meio de seu CEO, Bernard Looney, que divulgou publicamente a intenção da empresa em abandonar a sua participação acionária de 19,75% na estatal russa de petróleo Rosneft, com a qual mantinha uma parceria desde 2013.

Além de uma baixa contábil que custaria cerca de USD 25 bilhões aos livros da BP, a companhia acabaria perdendo acesso também a cerca de metade das suas reservas de petróleo e gás natural, gerando um impacto negativo de quase um terço em tudo o que a empresa produziu em 2021. Até junho de 2022, cerca de 300 multinacionais já haviam saído completamente da Rússia, além de outras mil, que suspenderam por tempo indeterminado negócios com o país.

HISTÓRICO DA EMPRESA

A história da precursora da British Petroleum vem do início do século XX, mais precisamente em 1901, quando o investidor britânico William D’Arcy obtém a sua primeira concessão para explorar as bacias de petróleo da região da Pérsia, atual Irã. A busca por petróleo na região, no entanto, levou algum tempo e só foi possível após aporte financeiro da também britânica Burmah Oil Company no ano de 1905, que passou para a empresa o controle acionário de 97% do capital da recém-fundada Anglo-Persian Oil Company (APOC). A descoberta de petróleo em quantidades comerciais no sudoeste da região, em maio de 1908, possibilitou à empresa, que viria a ser precursora da BP, viver, nos anos seguintes, uma forte expansão internacional, quando, na década de 1920, passou a também explorar bacias localizadas no Canadá, na América do Sul, na África e na Europa.

O mundo e a região do Oriente Médio, no entanto, passavam por momentos conturbados politicamente. Em 1935, após um golpe militar que derrubou a dinastia Qajar, a empresa passa a se chamar Anglo-Iranian Oil Company (AOIC), por causa da mudança do nome do país para Irã no mesmo ano. Sob controle da dinastia Pahlevi, o país vivia um período de grande modernização, inspirada no modelo ocidental, que levou à sua abertura a empresas e ao capital estrangeiro. O período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), no entanto, foi um dos mais devastadores para a empresa, que, após contribuir para os esforços de guerra por meio do abastecimento das linhas de suprimento de combustíveis do governo britânico, viu mais da metade da sua frota de navios-tanque ser afundada pelo bloqueio promovido pelos países do Eixo, liderados pela Alemanha nazista.

A política internacional e os combustíveis fósseis sempre estiveram ligados desde o momento em que o petróleo e o gás natural tornaram-se as principais fontes de matriz energética dos países desenvolvidos no pós-Revolução Industrial, ainda no início do século passado. A concessão dos direitos de exploração das bacias de propriedade dos estados quase sempre envolve complexas negociações entre grandes corporações e braços de governos estrangeiros. Diante disso, no início da década de 1950, seguiu-se um período de crise para a empresa, provocado pela nacionalização de todos os ativos da AOIC no Irã, que, àquela altura, representavam o maior investimento britânico no exterior, conforme apontou o The New York Times (2000). Após três longos anos de negociações lideradas pelo governo norte-americano, em 1954, conseguiu-se fazer com que a produção e exportação do petróleo iraniano fossem restabelecidas para o restante do mundo. A partir desse momento, a então Anglo-Iranian Oil Company passa a se chamar British Petroleum Company, ficando responsável por 40% dos ativos do consórcio.

Apesar da Guerra Fria, a década de 1960 foi um período de grandes investimentos, sobretudo na área de pesquisa e desenvolvimento. Esses esforços levaram a empresa a descobrir, em 1965, petróleo nas águas inglesas do Mar do Norte. A prospecção por novas bacias se seguiu como estratégia de diversificação e diluição do elevado risco político encontrado na região do Oriente Médio. Em 1969, descobriu-se também uma das maiores bacias petrolíferas do mundo, dessa vez situada na gélida região do Alasca, no extremo noroeste dos Estados Unidos. Assim, a necessidade de administrar essas reservas fez com que a empresa adquirisse 25% da carteira de ações da Standard Oil Company, participação esta que, até 1975, viria a se tornar majoritária. Essa estratégia de crescimento, por meio de fusões e aquisições, inaugurada naquele momento viria a ser amplamente utilizada pela BP nos anos que se seguiriam.

Durante a década de 1970, em meio ao que ficou conhecido como o primeiro (1973) e o segundo (1979) choque do petróleo, os países ocidentais perderam acesso às reservas produzidas pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep)2 Ariane Roder Figueira - Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP); Professora Associada do Instituto COPPEAD de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPEAD/UFRJ). E-mail: ariane.roder@coppead.ufrj.br 2 Organização intergovernamental formada por 13 países (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque, Líbia, Kuwait, Nigéria, Argélia, Angola, Gabão, Congo, Guiné Equatorial e Venezuela) e fundada em 1960. Seus membros atuais possuem mais de 80% das reservas de petróleo conhecidas no mundo, o que dá ao grupo grande influência nos preços globais do produto. Recuperado de https://www.opec.org/opec_web/en/about_us/24.htm Ariane Roder Figueira - Ph.D. in Political Science by the University of São Paulo (USP); Associate Professor at The COPPEAD Graduate School of Business, Federal University of Rio de Janeiro (COPPEAD/UFRJ). E-mail: ariane.roder@coppead.ufrj.br 2 An intergovernmental organization formed by 13 countries (Saudi Arabia, United Arab Emirates, Iran, Iraq, Libya, Kuwait, Nigeria, Algeria, Angola, Gabon, Congo, Equatorial Guinea, and Venezuela) founded in 1960. Its current members own more than 80% of the known oil reserves in the world, which gives the group great influence on global product prices. Retrieved from https://www.opec.org/opec_web/en/about _us/24.htm , o que trouxe maior necessidade de diversificação para a British Petroleum. De forma a nivelar suas fontes de receita, altamente impactadas pelo bloqueio, a empresa, além de ingressar em outros mercados de energia, como o de carvão e minerais (BP Coal), criou também uma nova divisão interna que ficaria conhecida como BP Nutrition, responsável por oferecer produtos à base de proteína para atender aos setores de nutrição animal e humana.

Na década de 1980, por sua vez, a empresa passa por um profundo processo de reestruturação. Em 1986, a sua divisão de proteína adquire a norte-americana Purina Mills, à época uma das mais tradicionais do setor. No entanto, logo no ano seguinte, em 1987, o governo britânico vende a participação acionária que ainda possuía no grupo. Em 1988, o grupo seguiu com a sua estratégia de expansão, por meio de fusões e aquisições, com a compra a Britoil como parte do objetivo de ampliar sua área de exploração no Mar do Norte, além de buscar grandes reservas em áreas ainda inexploradas no mundo. Essa agora total privatização da BP fez com que o grupo recebesse novas injeções de capital e, aos poucos, fosse se desfazendo de áreas não essenciais e pouco produtivas, como a de minerais e nutrição, até o ano de 1990, para, de fato, focar em seu core business, que residia na exploração, no refino, no transporte e na comercialização de petróleo e seus derivados.

Depois de um período de recuperação financeira nos primeiros anos da década de 1990 provocado pela queda do preço da comodity no mundo, a partir de 1995, já era possível observar a maior expansão do grupo, que viria a se tornar uma das maiores empresas de energia do mundo. Em 1998, o grupo liderou a maior fusão industrial do mundo vista até então, ao se juntar com a American Oil Company (Amoco). Esse novo arranjo, que teve que ser revisado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, foi importante também para lançar a BP no mercado de varejo, ao ter acesso aos milhares de postos da Amoco espalhados pelo mercado norte-americano. Em meio ao crescimento das discussões sobre o desenvolvimento sustentável global e após uma nova rodada de aquisições da Atlantic Richfield Company (Arco) e Burmah Castrol, a BP, em 1999, muda o significado da sua logomarca para uma nova sigla, que passa a representar “Beyond Petroleum”, de forma a melhor explorar o potencial das energias renováveis que surgiam.

Com a virada do milênio, nos anos 2000, a BP inaugura uma nova estratégia de apostar em iniciativas mais “limpas” e que pudessem trazer um retorno mais sustentável para as sociedades afetadas. Nesse período, foi possível observar a inauguração de postos com autonomia elétrica pelo uso de fontes alternativas de energia, além do desenvolvimento de uma linha de combustível menos poluente, como o EcoSuper, ou que apresentasse melhor rendimento, como o BP Ultimate, no ano de 2003. Em 2005, é fundada a BP Alternative Energy, uma nova divisão inteiramente pensada para investir em energias limpas e renováveis como a solar, a eólica e de células de hidrogênio, de forma que pudessem propor alternativas que diminuíssem a pegada de carbono da companhia, por diversas vezes acusada de greenwashing3 3 Praticado por empresas, indústrias públicas ou privadas, organizações não governamentais e até governos, é, basicamente, uma estratégia de marketing que promove discursos, ações e propagandas sustentáveis, mas que não se sustentam na prática. Recuperado de https://corporatefinanceinstitute.com/resources/esg/greenwashing/ 3 Practiced by companies, public or private industries, non-governmental organizations, and even governments, it is basically a marketing strategy that promotes sustainable speeches, actions, and advertisements, but which are not sustainable in practice. Retrieved from https://corporatefinanceinstitute.com/resources/esg/greenwashing/ por organizações como o Greenpeace.

Até 2010, a BP era tida como a terceira maior empresa de energia do mundo, atrás apenas da Exxon Mobil e da Shell. Com operações em mais de 80 países em todo o mundo e cerca de 23 mil postos de combustíveis em boa parte situados no mercado norte-americano, até aquele mesmo ano, a BP mantinha 80 mil funcionários e 17 refinarias, o que permitia à empresa uma produção diária na faixa de 4 milhões de barris e um faturamento anual na casa de 240 bilhões de dólares. A empresa afirmava ainda manter regularmente reservas totais na faixa de 18,5 bilhões de barris, ficando atrás apenas da Exxon Mobil nesse quesito. Com valor de mercado avaliado em 88 bilhões de dólares, entre os anos de 2003 e 2004, a empresa chegou a ocupar o top 2 do ranking da Fortune, que aponta as empresas mais valiosas do mundo no período. Até a véspera de seu primeiro acordo com a gigante russa Rosneft, em 2011 - pivô dos acontecimentos que se seguiriam -, o grupo BP era considerado a quarta empresa mais valiosa do mundo.

A BP NA RÚSSIA

Após a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a desintegração da URSS, o início da década de 1990 foi um período de grandes oportunidades para marcas do Ocidente que queriam entrar nos mercados das antigas repúblicas soviéticas. Após décadas vivendo por detrás da Cortina de Ferro, a Rússia, detentora de uma das maiores reservas de petróleo e, sobretudo, de gás natural do mundo (Anexo 2), precisava de uma solução para seguir explorando essas fontes de energia ainda de propriedade exclusiva de um sistema estatal. A estratégia do governo russo de ceder ativos e participação societal em empresas estatais do período da União Soviética em troca de investimentos e expertise de empresas estrangeiras inaugurou um período de relacionamento do país com muitas outras empresas petrolíferas, bancos de investimento e prestadores de serviços ocidentais.

A relação da BP com a Rússia começou com a abertura de um escritório comercial na capital Moscou, em 1990, de forma que a companhia estivesse mais próxima, política e geograficamente, dos vastos campos de petróleo localizados na região da Sibéria. Economicamente, o país passava por uma grave crise econômica, com uma inflação alta e o rublo, a moeda local, em forte desvalorização. A Rússia, naquela época, detinha 7% das reservas de petróleo e cerca de um terço do gás natural do mundo. Além de toda a complexidade política de um território repleto de jogos de poder e oligarquias4 4 Caracterizada por um pequeno grupo de interesse que controla as políticas sociais e econômicas em benefício próprio. Termo também aplicado a grupos sociais que monopolizam o mercado econômico ou político de um país ainda que “democrático”. 4 Characterized by a small interest group that controls social and economic policies for their own benefit. Term also applied to social groups that monopolize the economic or political market of a country, even if it is “democratic”. , os riscos do empreendimento não paravam por aí e atingiam também os aspectos operacionais. Ainda assim, o país foi visto como uma nova esperança de diversificação após a empresa ter perdido acesso aos campos do Oriente Médio durante a década de 1970.

Depois de uma prospecção inicial, a BP conseguiu assegurar uma área de exploração no norte do país. O grande movimento da empresa na Rússia, no entanto, só se deu em 1996, quando ela investiu USD 571 milhões para montar uma rede de postos de combustíveis. Um ano depois, em 1997, fez o seu primeiro movimento societal, ao adquirir 10% da propriedade da Sidanco, uma petrolífera russa dirigida pelo oligarca Vladimir Potanin. No entanto, após apenas dois anos de investimentos e operações altamente lucrativas, o negócio BP e Sidanco começou a entrar em atrito. Em 1999, a Sidanco entrou com pedido de falência em um remoto tribunal localizado em uma cidade da Sibéria. Os espólios da empresa, por sua vez, foram adquiridos, em uma espécie de liquidação, por outro oligarca russo, Mikhail Fridman, dono da Tyumen Oil Company (TNK).

Àquela altura, a BP já havia perdido cerca de USD 200 milhões de seu investimento inicial. Ainda assim, apesar do elevado risco político observado, em vez de se afastar, a empresa ampliou seus investimentos ao adquirir 15% adicionais do que restara dos ativos da Sidanco. Anos depois, em 2003, após um longo período de uma relação altamente conturbada e, ao mesmo tempo, lucrativa para as partes, BP e TNK concordaram em firmar uma joint-venture 50:50, que combinou os ativos remanescentes da Sidanco e da TKN com o investimento em postos de gasolina da BP. No acordo, a BP teve ainda que desembolsar USD 8 bilhões adicionais no que ficou conhecido, segundo o The New Yort Times (NYT), como o maior investimento estrangeiro já feito na Rússia até então.

Vladimir Putin já havia sido eleito presidente nos anos 2000 e, desde então, era visto por executivos da empresa como um grande reformista capaz de apagar o passado do país e colocar a Rússia, de fato, no século XXI. A assinatura do acordo entre BP e TKN foi tão importante para a relação entre a Rússia e o Ocidente que sua assinatura foi feita em frente ao então primeiro-ministro britânico, Tony Blair, durante viagem oficial de Putin à Inglaterra. No mesmo período, em 2003, outras gigantes petrolíferas, como a ExxonMobil e a Shell, investiram conjuntamente mais de USD 20 bilhões em acordos de prospecção e exploração de poços de petróleo no país de acordo com dados do NYT. Até 2008, a exportação do petróleo e de gás natural russo para a Europa Ocidental e o restante do mundo já havia se tornado uma realidade em larga escala.

Em 2011, a empresa assinou um novo acordo de exploração que envolveu uma troca de ações com a Rosneft, uma gigante do petróleo de controle de Igor Sechin, aliado de Putin. No entanto, o comando da operação, que tendia, cada vez mais, a ir para as mãos da BP, fez com que surgisse uma nova escalada de tensões da BP com o mercado local. Naquele mesmo ano, o acordo BP-Rosneft acabaria sofrendo um bloqueio judicial, em um episódio que envolveu, inclusive, a invasão do escritório da BP em Moscou pela polícia russa. Com a BP colocada de lado, a norte-americana ExxonMobil acabou assumindo seu lugar para explorar os campos da Rosneft na Sibéria.

Com pressão do governo Russo, Putin conseguiu que a BP transferisse 50% dos ativos da TNK-BP em troca de USD 12 bilhões e 18,5% das ações da Rosneft, de acordo com dados da Reuters (Bousso & Zhdannikov, 2022Bousso, R., & Zhdannikov, D. (2022, fevereiro 28). BP deixa a Rússia em prejuízo de até US$ 25 bilhões após invasão da Ucrânia. Reuters. Recuperado de https://www.reuters.com/business/energy/britains-bp-says-exit-stake-russian-oil-giant-rosneft-2022-02-27/
https://www.reuters.com/business/energy/...
). Apesar de a empresa ter lucrado mais uma vez com a operação, o acordo não dava uma “saída” para a BP da Rússia, assim, representou o fim do período mais lucrativo para a empresa no país (Anexo 3). Além dessa quantia recebida em dinheiro, a BP acumulou, desde o seu primeiro acordo com a TNK de 2003, cerca de 19 bilhões em dividendos, além de outros 5 bilhões da participação acionária da Rosneft entre 2013 e 2022. Apesar de todas as tensões e rupturas, ainda assim, o aporte de capital realizado pela BP na Rússia foi um dos melhores investimentos que a empresa já fizera em toda a sua história. Ao mesmo tempo, no entanto, os riscos em se relacionar com as instituições russas tornavam-se cada vez mais evidentes para os executivos da companhia.

A posição minoritária assegurada pela BP na Rosneft era também muito dependente do momento político vivido entre o governo russo e o Ocidente. Diante disso, a relação BP-Rosneft ficou muito abalada, sobretudo depois de 2014, quando a Rússia anexou a região da Crimeia, também pertencente à Ucrânia. Com as primeiras sanções impostas à Rússia pelos Estados Unidos e a União Europeia, o plano da BP e das demais petroleiras ocidentais para o país acabaram sendo colocados em stand-by. Apesar de a empresa não ter retirado, naquele momento, seus investimentos locais, o sentimento entre seus altos executivos passava por um recuo gradual.

Na direção da BP desde 2019, a estratégia de Bernard Looney era de que a empresa reduzisse sua produção de petróleo em 40% até 2030, de forma a focar em outras fontes renováveis de energia e, com isso, ficar menos vulnerável ao chamado “risco russo”. A linha do tempo completa da empresa no país pode ser vista no Anexo 4, adiante.

A BUSCA POR UMA NOVA ESTRATÉGIA

Apesar de Looney afirmar que, no médio prazo e no longo prazo, o abandono da posição da BP na Rosneft não afetaria as metas financeiras da companhia, que já passava por um processo de diversificação e transição da sua principal matriz energética do petróleo e gás para combustíveis de baixo carbono e outras energias renováveis. No entanto, a agora menor disponibilidade de receita, que Looney admitiu não saber como seria suprida, deveria limitar os investimentos do grupo no segmento de energias mais limpas, atrasando a transição. Essa deterioração da performance financeira do grupo, que já não chega a ser um fenômeno recente, fica ainda mais evidente ao observar que, em 2022, a BP ocupava apenas a posição de número 35 no ranking de empresas mais valiosas do mundo, uma queda de 17 pontos na posição em relação a 2021 e bem distante da quarta colocação de 2011, quando começou a sua relação com a Rosneft (Anexo 5).

Diante dos acontecimentos recentes, Looney questiona-se sobre o saldo positivo dos últimos 30 anos de relação da BP com o mercado russo. Apesar de reconhecer que, desde a década de 1990, o projeto russo rendera para a empresa alto lucros e que, de certa forma, foi um dos principais responsáveis por fazer da BP o que ela é hoje comercial e politicamente, os desgastes constantes o fizeram avaliar se a empresa não deveria ter deixado o país em 2019 quando assumiu a direção do grupo. Ele reflete que se o risco político tivesse sido levado em consideração, certamente essa saída poderia ter sido mais estratégica, gradual, e os USD 25 bilhões de hit poderiam ter sido evitados. Ao mesmo tempo que pensa em formas de diluir, nas estruturas da empresa, o custo associado à retirada da Rússia, por meio de operações em outros 78 países pelo mundo (Anexo 6), Looney precisa redefinir os critérios de avaliação de risco político das operações da BP em nível global, bem como refletir sobre possíveis estratégias de mitigação, de forma que episódios como os observados na Rússia em fevereiro de 2022 não voltem a se repetir, e a companhia possa se antecipar ante potenciais novos riscos.

A grande questão é que muitos desses países com os quais a BP mantém operações podem ser classificados - assim como a Rússia - como mercados emergentes. Tais mercados, apesar de apresentarem boas oportunidades de negócios e um baixo nível de concorrência, possuem desafios de âmbito político-institucional consideráveis. Essas dificuldades se expressam, muitas vezes, por meio de grandes burocracias, ineficiência do sistema público e baixa legitimidade das leis e instituições locais.

O grande potencial de crescimento característico desses mercados se configurou, ao longo das últimas décadas, como um dos principais motivos que levaram à entrada de multinacionais provenientes de países desenvolvidos. Tais empresas, assim como a BP fizera na Rússia em 1990, acabaram apostando na potencialidade econômica apresentada por esses mercados periféricos como uma alternativa de diversificação dos próprios mercados de origem, que, por serem maduros, costumam apresentar alta competitividade e requerer grandes investimentos em troca de parcelas mínimas de ganhos de marketshare.

Enquanto convocava seu board de diretores, Looney sabia, no entanto, que um grande trabalho precisaria ser feito, sobretudo no que diz respeito ao levantamento de dados locais e à percepção de gestores e parceiros dos negócios da empresa nos diferentes países. Além disso, uma nova metodologia de avaliação e classificação de risco político capaz de levar em consideração informações do macromercado e do micromercado e, assim, atender às necessidades do projeto de reavaliação global do portfólio de operações da BP ainda precisaria ser internalizada. Seriam somente os indicadores de risco-país disponibilizados por agências de rating suficientes para responder a essa equação? (Anexo 7).

Com essa ferramenta em mãos, no entanto, a ideia de Looney seria avaliar, um a um, entre as suas bases de operação, os locais em que seria necessário um foco de atenção por parte da BP. Além disso, ter essa análise seria importante para que Looney pudesse desenvolver estratégias de mitigação para o elevado risco político identificado em algumas das localidades. Para alguns casos extremos, o CEO sabia ainda que uma retirada estratégica, de forma que a companhia pudesse focar suas forças em outros mercados - em um movimento semelhante ao que já fizera em 1980 -, não poderia ser descartada. Em meio a tantos desafios e um quantitativo de recursos limitados a ser investido no projeto, a grande questão que pairava pela cabeça de Looney era: por onde começar?

ANEXOS

Anexo 1
Ucrânia e as regiões contestadas de Donbass e Crimeia

Anexo 2
Reservas de petróleo e gás natural russos em porcentagem do total do mundo

Anexo 3
Dividendos colhidos pela BP de suas operações na Rússia em USD (bilhões)

Anexo 4
Linha do Tempo da BP na Rússia

Anexo 5
Histórico do ranking do valor da marca BP

Anexo 6
Principais operações da BP no mundo

Anexo 7
Mapa de risco-país

NOTAS DE ENSINO

Objetivos de ensino

O caso tem por objetivo colocar os alunos no lugar do protagonista Bernard Looney, CEO da BP, de forma que possam reavaliar o impacto do risco político nos negócios globais da organização. Por meio da discussão do caso, se busca convidar os participantes para refletirem sobre possibilidades estratégicas capazes de levar ao reposicionamento do portfólio de investimento nos diversos países com os quais empresas multinacionais possuem negócios, no intuito de evitar prejuízos semelhantes ao observado pela BP no mercado russo. No final da discussão, espera-se que os alunos sejam capazes de: 1) compreender os principais componentes formadores do risco político; 2) mapear as localidades com a maior incidência desses riscos para as corporações multinacionais; e 3) discorrer sobre estratégias de mitigação do risco político e institucional.

Público-alvo

O caso “A guerra da Ucrânia e o risco político no mercado global de combustíveis: o caso da British Petroleum na Rússia” foi pensado para alunos de graduação, pós-graduação e os demais cursos de educação executiva nas áreas de administração e relações internacionais que queiram tratar de temas como geopolítica do petróleo, estratégia empresarial, risco político e negócios internacionais.

Fontes de informação

A coleta dos dados ocorreu entre os meses de fevereiro e setembro de 2022, por meio de fontes de dados secundárias, como artigos científicos, relatórios de consultoria e material jornalístico, que reuniu relatos de correspondentes internacionais das principais agências de notícia do mundo, como CNN Brasil (Nikolskaya, 2022Nikolskaya, P. (2022, fevereiro 21). Tanques são vistos em Donetsk após Putin reconhecer regiões separatistas. CNN Brasil. Recuperado de https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/tanques-sao-vistos-em-donetsk-apos-putin-reconhecer-regioes-separatistas/
https://www.cnnbrasil.com.br/internacion...
), Reuters (Bousso & Zhdannikov, 2022Bousso, R., & Zhdannikov, D. (2022, fevereiro 28). BP deixa a Rússia em prejuízo de até US$ 25 bilhões após invasão da Ucrânia. Reuters. Recuperado de https://www.reuters.com/business/energy/britains-bp-says-exit-stake-russian-oil-giant-rosneft-2022-02-27/
https://www.reuters.com/business/energy/...
) e Financial Times (Wilson, 2022Wilson, T. (2022). Oligarchs, power and profits: the history of BP in Russia. Financial Times. Recuperado de https://www.ft.com/content/e9238fa2-65a2-4753-a845-ce8129f93a0c
https://www.ft.com/content/e9238fa2-65a2...
). Além disso, experiências gerenciais e perspectivas profissionais dos autores também foram adicionadas de forma a contribuir com o enredo do caso.

PLANO DE ENSINO SUGERIDO

Perguntas para discussão em pequenos grupos

  1. Quais as características mais marcantes do mercado do petróleo na Rússia? Quais os principais riscos políticos que consegue identificar?

  2. Acredita que o hit financeiro de USD 25 bilhões retratado no caso poderia ter sido evitado ou mitigado pela BP? De que maneira?

  3. Se você estivesse no board de diretores, que recomendações daria a Bernard Looney para a sequência das operações da BP após a saída da Rússia?

  4. Que outros mercados em que a empresa opera deveriam ser alvos imediatos de ações estratégicas de mitigação de risco político? Convém a empresa desenhar estratégias de desinternacionalização?

  5. Como a empresa pode se preparar para o futuro, seja pela expansão para outros mercados, seja pela consolidação de sua presença internacional?

Plano de aula

Esse plano de ensino considera que tenha havido preparação prévia por parte dos alunos e uma aula de duas horas de duração, conforme proposta abaixo:

  • Início da aula e divisão da sala em pequenos grupos de quatro a cinco alunos (5 minutos);

  • Discussão em pequenos grupos (30 minutos);

  • Apresentação do caso (10 minutos);

  • Discussão em plenária (70 minutos);

  • Encerramento (5 minutos).

PLANO DE DISCUSSÃO E ANÁLISE

Introdução

Para aquecer a discussão do caso, durante os momentos iniciais, é sugerido que o instrutor dialogue com os participantes acerca das localidades com as quais a BP mantém operações e que merecem maior atenção. Nesse momento, a seguinte pergunta de abertura poderá ser apresentada ao grupo:

Sob a perspectiva do risco político, quais são os países em que a BP opera e que precisam ser observados de forma a evitar um novo prejuízo igual ao que ocorreu com a Rosneft na Rússia?

Nesse momento, sugere-se que o instrutor compartilhe com o grupo a planilha Country Report Table 20225 5 A planilha Country Report Table 2022 está disponibilizada em https://www.researchgate.net/publication/365925997_Country_Report_Table_-_BP_2022_-_pt_br 5 The Country Report Table 2022 is available at https://www.researchgate.net/publication/365926342 _Country_Report_Table_-_BP_2022_-_ing , desenvolvida pelos autores, com base em informações da British Petroleum (2022) e da Allianz Trade (2022). Na primeira aba da planilha, é possível observar todas as empresas grupo BP subdivididas por país e tipo de operação; na segunda aba, se encontram os indicadores de risco-país que levam em consideração cinco variáveis, incluindo o risco político. A metodologia completa da composição dos índices pode ser observada na terceira aba da mesma planilha.

Com isso, sugere-se que o instrutor, com os alunos, utilize as ferramentas de filtro, seleção e ordenamento do arquivo para identificar as localidades de operação da BP de maior risco. Para verificar as regiões de maior potencial de impacto desses riscos sobre o investimento, na aba 1, o instrutor poderá selecionar somente os países nos quais a empresa possui unidades de fabricação e produção, uma vez que essas modalidades costumam exigir investimentos internacionais maiores e mais complexos (Buckley & Casson, 1981). Paralelamente, na aba 2, é possível fazer o filtro dos países de maior risco, que é expresso pela combinação do Medium-Term Rating de “AA” a “D”, em que “D” é o mais arriscado, com o Short-Term Rating de “1” a “4”, em que 4 apresenta o risco mais elevado. Dessa forma, é sugerido que, nesse momento, seja realizado um trabalho de crosschecking com o intuito de identificar os países com os quais a BP mantinha operações de fabricação e produção classificadas como “D-4” (alto risco no curto e médio prazo). Em 2022, esses países eram Irã, Iraque, Líbia e Paquistão. Se for o objetivo, outras configurações de filtro e seleção são incentivadas, de forma a deixar a amostra mais abrangente.

Depois desse levantamento inicial, a seguinte pergunta de transição poderá ser feita ao grupo pelo instrutor:

Análise

(TQ-1) Quais outros fatores vocês acreditam que precisam ser levados em consideração por corporações multinacionais ao se mapear o risco político de um país?

Mapear e avaliar o risco político de um país pode ser uma atividade complexa e desafiadora até mesmo para as maiores organizações, sobretudo por causa da diversidade de formas que esse conceito pode assumir (Clark, 2018Clark, E. (2018). Evaluating country risks for international investments: tools, techniques and applications. London, UK: World Scientific). De acordo com Bremmer e Keat (2010Bremmer, I., & Keat, P. (2010). The fat tail: the power of political knowledge in an uncertain world. Oxford, UK: Oxford University Press.), o risco político pode ser entendido como qualquer evento capaz de afetar, direta ou indiretamente, o valor econômico dos ativos de uma pessoa, organização ou até mesmo governo em determinadas localidades. Ainda segundo os autores, uma declaração de guerra, um ato de terrorismo, uma lei de estatização e mudanças das regras normativas internas responsáveis por regulamentar investimentos ou tributos seriam exemplos clássicos de risco político. Tais eventos trariam ainda diferentes repercussões, a depender de quem absorveria seus piores impactos. Com isso, companhias poderiam perder pessoal, investimentos ou infraestrutura da noite para o dia como resultado de eventos políticos (Busse & Hefeker, 2007Busse, M., & Hefeker, C. (2007). Political risk, institutions and foreign direct investment. European Journal of Political Economy, 23(2), 397-415. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.ejpoleco.2006.02.003
https://doi.org/10.1016/j.ejpoleco.2006....
).

Para melhor mapear os riscos políticos e contribuir para a discussão do caso, no Quadro 1, são apresentados os principais tipos de evento gerador de risco político e seus exemplos.

Quadro 1
Tipos de risco político

Nesse momento, aconselha-se que o instrutor escreva no quadro de aula os principais tipos de risco político levantados pela turma. Após esse mapeamento inicial, o Quadro 1 poderia ser apresentada de forma a gerar um comparativo com os exemplos trazidos pelo grupo. A partir daí, uma breve análise sobre os exemplos de risco político identificados no caso ainda poderá ser realizada, conforme sugestão a seguir:

Geopolítico - a invasão russa à Ucrânia representa, de fato, o maior conflito armado que o continente europeu já viveu desde o final da Segunda Guerra Mundial, colocando, assim, uma grande pressão no teatro de operações geopolítico, com repercussões regionais e globais. O uso, em larga escala, de embargos e sanções econômicas, sobretudo por países ocidentais, impactou diretamente os negócios de empresas estrangeiras que atuavam ou mantinham comércio com a Rússia.

Energia global - grande parte do interesse de outras nações do mundo no conflito Rússia × Ucrânia diz respeito ao mercado global de energia. Por ser detentora de grandes reservas de petróleo e gás natural, o embargo à Rússia provoca significativas pressões à cadeia global de suprimentos, que leva a crises de abastecimento energético e ao aumento dos preços das commodities, contribuindo para a inflação mundial.

Terrorismo - apesar de o conflito não ser um exemplo clássico de terrorismo ao qual o mundo ficou acostumado a partir do 11 de setembro de 2001, desde o início, o governo ucraniano tem pressionado as demais lideranças mundiais para reconhecer a Rússia como um país praticante de terrorismo de Estado (Blakeley, 2009Blakeley, R. (2009). State terrorism and neoliberalism: the north in the south. London, UK: Routledge.).

Conflitos políticos internos - o episódio da invasão acabou desencadeando grande agitação social na própria Rússia por parte de grupos opositores ao governo Putin e pela opinião pública internacional diante do posicionamento de outros países perante o conflito.

Expropriações - a operação militar acabou gerando expropriações forçadas de empresas atuantes no território ocupado, com destaque para algumas usinas de energia nuclear ucranianas, como a de Zaporizhzhia, que tiveram que ser desligadas ou passaram a transmitir energia para o território russo.

Quebra de contrato - até mesmo antes do conflito, a própria BP vivera relações contratuais conturbadas com seus parceiros russos. Após a invasão, no entanto, o que se viu foi uma evasão em massa de empresas estrangeiras com negócios na Rússia, deixando para trás um grande passivo jurídico contratual.

Risco ao mercado de capitais - as sanções adotadas por países ocidentais a empresas, bancos e oligarcas russos com capital no exterior geraram impactos significativos à economia russa, causando desvalorização monetária e inflação logo nos primeiros meses do conflito.

Discriminação e favorecimento - o sistema de oligarquias presente no processo de desestatização de empresas nacionais vivido pelo país com o fim da URSS, em 1991, evidencia um sistema de favorecimento a pessoas influentes e próximas ao governo. Além disso, a própria BP, ao longo de seus anos de atuação no país, chegou a sofrer pelo fato de ser uma empresa estrangeira com controle acionário majoritário de ativos russos, como no caso da parceria com a TNK.

Desconhecidos ou incertos - para o mercado de combustíveis especificamente, as mudanças recentes no conceito global de sustentabilidade (Ray, 2019Ray, P. (2019). Renewable energy and sustainability. Clean Technologies and Environmental Policy, 21(8), 1517-1533. Recuperado de https://doi.org/10.1007/s10098-019-01739-4), bem como a escassez de combustíveis fósseis e a busca por fontes renováveis e mais limpas de energia, devem afetar significativamente o tabuleiro geopolítico do setor nos próximos anos.

O objetivo desta análise qualitativa dos eventos de risco político mapeados (Bremmer & Keat, 2010Bremmer, I., & Keat, P. (2010). The fat tail: the power of political knowledge in an uncertain world. Oxford, UK: Oxford University Press.) ante as informações disponíveis no caso se faz relevante de forma a possibilitar que trabalho semelhante possa ser realizado em localidades também mapeadas como de elevado risco. Se houver conhecimento do grupo ou do instrutor sobre variáveis ambientais que caracterizem o risco político de outros países, outros exemplos que não o da Rússia poderiam ser desenvolvidos nessa etapa. Com isso, para dar sequência à análise do caso, a seguinte pergunta poderia ser direcionada à turma:

(DQ 1): Diante da identificação e compreensão dos principais eventos capazes de influenciar o risco político, que estratégias de mitigação poderiam ser adotadas por corporações multinacionais em regiões de elevado risco observado?

Por causa das rápidas mudanças no ambiente político institucional nos países e o choque entre economias de grandes potências em razão do avanço do comércio internacional e do alargamento das fronteiras dos mercados, a gestão dos riscos nos negócios passa a ser uma prioridade para gestores de empresas multinacionais (Haendel & Jordan, 2019), que se tornam ainda mais expostas quando operam em mercados estrangeiros. Dessa forma, em uma conjuntura marcada por elevada incerteza política e conflitos internacionais, torna-se cada vez mais importante que empresas e governos desenvolvam novas estratégias capazes de reduzir esses riscos desestabilizadores (Giambona, Graham, & Harvey, 2017Giambona, E., Graham, J. R., & Harvey, C. R. (2017). The management of political risk. Journal of International Business Studies, 48(4), 523-533. Recuperado de https://doi.org/10.1057/s41267-016-0058-4
https://doi.org/10.1057/s41267-016-0058-...
).

Antes pouco abordado pela literatura de negócios internacionais, o chamado risco político e institucional tem ganhado cada vez mais relevância entre os autores da área, que têm se preocupado em compreender como as instituições locais afetam as operações, a performance, a legitimidade e até mesmo a sobrevivência de subsidiárias multinacionais (Kostova, Roth, & Dacin, 2008Kostova, T., Roth, K., & Dacin, M. T. (2008). Institutional theory in the study of multinational corporations: a critique and new directions. Academy of Management Review, 33(4), 994-1006. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amr.2008.34422026
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). Ainda segundo os autores, essa preocupação se dá, sobretudo, por causa do avanço de corporações multinacionais em mercados emergentes, que, apesar de comumente apresentarem boas oportunidades de negócios, costuma manifestar debilidades institucionais de igual tamanho. Mas para a efetiva identificação dessas fragilidades institucionais, é importante que os atores envolvidos no processo sejam capazes de identificar as características das instituições locais críticas para os seus negócios, uma vez que, por definição, podem assumir sentido amplo, sendo compreendidas, muitas vezes, como as regras e normas, formais ou informais, que regem as relações sociais, políticas e econômicas de determinada localidade (North, 1990North, D. C. (1990). A transaction cost theory of politics. Journal of Theoretical Politics, 2(4), 355-367. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0951692890002004001
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).

A ineficiência de muitas instituições em regular determinados setores da indústria, gerar transparência e fazer cumprir a legislação faz com que organizações multinacionais tenham que desenvolver estratégias próprias de mitigação de risco, de forma que seja possível elaborar projetos globais complexos de maneira bem-sucedida em diferentes mercados (Kardes, Ozturk, Cavusgil, & Cavusgil, 2013Kardes, I., Ozturk, A., Cavusgil, S. T., & Cavusgil, E. (2013). Managing global megaprojects: complexity and risk management. International Business Review, 22(6), 905-917. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.ibusrev.2013.01.003
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), inclusive emergentes. Dessa maneira, Zhu e Sardana (2020Zhu, Y., & Sardana, D. (2020). Multinational enterprises’ risk mitigation strategies in emerging markets: A political coalition perspective. Journal of World Business, 55(2), 101044. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jwb.2019.101044) apresentam quatro estratégias possíveis de mitigação do risco político e institucional que variam de acordo com a capacidade da empresa de medir e gerenciar situações complexas de risco, chamada capacidade política e expressa pelo eixo vertical, diante de maior ou menor risco institucional encontrado no país anfitrião, chamada complexidade institucional e expressa pelo eixo horizontal, conforme observado na Figura 1.

Figura 1
Estratégias de mitigação de risco versus contexto ambiental

Em situações em que se tem baixa capacidade política corporativa aliada a menores desafios político-institucionais, a empresa poderia focar em táticas de compliance (Caixa 1), com o intuito de se adaptar às normas locais de um setor específico de indústria, com o objetivo de criar legitimidade. No entanto, Zhu e Sardana (2020Zhu, Y., & Sardana, D. (2020). Multinational enterprises’ risk mitigation strategies in emerging markets: A political coalition perspective. Journal of World Business, 55(2), 101044. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jwb.2019.101044) argumentam que em um mesmo ambiente de menor complexidade institucional, se a capacidade política da organização for maior por causa da experiência acumulada em outros contextos complexos, a empresa poderá assumir uma postura empreendedora (Caixa 2), de forma a tentar maximizar seus lucros ao contornar burocracias ou preencher vazios institucionais. Tal abordagem, similar ao empreendedorismo institucional de Kostova et al. (2008Kostova, T., Roth, K., & Dacin, M. T. (2008). Institutional theory in the study of multinational corporations: a critique and new directions. Academy of Management Review, 33(4), 994-1006. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amr.2008.34422026
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), trata de assumir uma postura ativa por parte da organização com o mercado.

Já em mercados que apresentem elevadas complexidades político-institucionais, mesmo que a empresa possua alta capacidade política, é sugerida a adoção de uma estratégia de coalizão (Caixa 3). Essa estratégia, além de exigir uma postura ativa por parte da organização, tem seu sucesso associado não à performance individual, mas à capacidade da empresa em firmar coalizões bem-sucedidas com parceiros de negócio externos, por exemplo, lideranças políticas locais, fornecedores, distribuidores, consumidores e até mesmo competidores. Por fim, em regiões de elevada complexidade institucional, em que a organização não esteja disposta a aprimorar sua capacidade política ou desenvolver coalizões, Zhu e Sardana (2020Zhu, Y., & Sardana, D. (2020). Multinational enterprises’ risk mitigation strategies in emerging markets: A political coalition perspective. Journal of World Business, 55(2), 101044. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.jwb.2019.101044) recomendam que ela evite investir na região no sentido de evitar perdas.

Tendo em vista essas estratégias vis-à-vis acontecimentos do caso, de fato, observamos que, por vezes, a BP, após alguns anos iniciais de avaliação, passou a assumir uma postura ativa com o mercado russo, ao utilizar, inclusive, táticas de coalizão, vindo a se aproximar, ao longo dos anos, de oligarcas, empresas estatais e órgãos do governo local. Ainda assim, uma avaliação limitada da escalada das complexidades políticas e institucionais do mercado russo, sobretudo com a invasão da Crimeia, em 2014, que resultou no aumento das tensões com o Ocidente, fez com que a empresa desconsiderasse uma possível estratégia de evitar prejuízo (Caixa 4), perdendo, assim, o timing de retirada do mercado sem grandes prejuízos a seus ativos residentes no país.

Encerramento

De forma a propor um encerramento para a discussão do caso, aconselhamos que o instrutor apresente a seguinte pergunta final ao grupo:

Nos locais em que fossem evidenciados elevados riscos políticos à permanência da BP e as demais estratégias de mitigação não tivessem demonstrado eficácia, na sua visão, a empresa deveria considerar a desinternacionalização (Benito & Welch, 1997Benito, G. R. G., & Welch, L. S. (1997). De-internationalization. MIR: Management International Review, 37, 7-25.) como uma possibilidade?

Após rápida votação e contabilização das respostas, o instrutor poderá, ainda, solicitar que um membro de cada grupo (contra × a favor) justifique brevemente as respostas.

Disclaimer

Apesar de o nome das empresas e dos personagens retratados no caso serem reais, toda a narrativa do caso foi montada com base em fontes de dados secundários, disponíveis para o grande público, que não necessariamente representam a opinião ou o ponto de vista dos atores citados. Além disso, os autores não possuem conflito de interesse a declarar nem receberam nenhum tipo de auxílio ou suporte financeiro para a condução desta pesquisa.

REFERÊNCIAS

SUGESTÕES DE LEITURA

  • 1
    Termo em geografia política que designa uma região situada entre blocos ou países hostis e que, pela sua própria existência, possui o papel de prevenir o conflito entre as partes. Geralmente, estados-tampão realmente independentes optam por uma orientação de neutralidade em sua política externa. Recuperado de https://www.merriam-webster.com/dictionary/buffer%20state
  • 2
    Organização intergovernamental formada por 13 países (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque, Líbia, Kuwait, Nigéria, Argélia, Angola, Gabão, Congo, Guiné Equatorial e Venezuela) e fundada em 1960. Seus membros atuais possuem mais de 80% das reservas de petróleo conhecidas no mundo, o que dá ao grupo grande influência nos preços globais do produto. Recuperado de https://www.opec.org/opec_web/en/about_us/24.htm
  • 3
    Praticado por empresas, indústrias públicas ou privadas, organizações não governamentais e até governos, é, basicamente, uma estratégia de marketing que promove discursos, ações e propagandas sustentáveis, mas que não se sustentam na prática. Recuperado de https://corporatefinanceinstitute.com/resources/esg/greenwashing/
  • 4
    Caracterizada por um pequeno grupo de interesse que controla as políticas sociais e econômicas em benefício próprio. Termo também aplicado a grupos sociais que monopolizam o mercado econômico ou político de um país ainda que “democrático”.
  • 5
    A planilha Country Report Table 2022 está disponibilizada em https://www.researchgate.net/publication/365925997_Country_Report_Table_-_BP_2022_-_pt_br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2022
  • Aceito
    03 Nov 2022
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