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Racismo estrutural e cotas nas carreiras jurídicas: a perspectiva decolonial

Racismo estructural y cuotas en las carreras jurídicas: la perspectiva decolonial

Resumo

O objetivo do estudo foi investigar os efeitos da implementação das cotas raciais na representatividade de negros no setor jurídico, tendo por base o racismo estrutural como prática escravocrata de discriminação racial. Para tanto, adotou-se uma abordagem qualitativa, com a realização de entrevistas semiestruturadas e análise documental dos editais e resultados dos concursos públicos com previsão de cotas raciais para as carreiras jurídicas do estado do Rio de Janeiro nos últimos dez anos. Foram selecionados 11 ocupantes de posições de liderança nas carreiras jurídicas - promotor, juiz, procurador e defensor - autodeclarados negros. Baseando-se na percepção dos entrevistados, realizou-se uma análise da aplicação da política de cotas nos concursos públicos para as carreiras jurídicas. Os resultados apontam evidências de falhas na implementação dessa política, tanto com base nos dispositivos legais e na análise documental, quanto na percepção dos respondentes. Conclui-se que a simples previsão de reserva de vagas não foi suficiente para aumentar a diversidade racial burocrática e que o racismo estrutural é um dos impedimentos para o sucesso da política de cotas.

Palavras-chave:
Racismo Estrutural; Diversidade; Cotas nos concursos públicos; Decolonialismo

Resumen

El objetivo del estudio fue investigar los efectos de la implementación de cuotas raciales en la representación de los negros en el sector legal, a partir del racismo estructural como práctica esclavista de discriminación racial. Se adoptó una metodología cualitativa, con entrevistas semiestructuradas y análisis documental de avisos públicos y resultados de concursos públicos que prevén cuotas raciales para carreras de derecho en el estado de Río de Janeiro en los últimos diez años. Se seleccionaron once titulares de cargos directivos en carreras jurídicas ‒fiscal, juez, procurador fiscal y defensor‒ autodeclarados negros. Con base en la percepción de los entrevistados, se realizó un análisis de la aplicación de la política de cuotas en las licitaciones públicas de las carreras de derecho. Los resultados indican evidencias de fallas en la implementación de esta política, tanto con base en disposiciones legales y análisis de documentos, como en la percepción de los encuestados. Se concluye que la simple previsión de reserva de vacantes no fue suficiente para aumentar la diversidad racial burocrática y que el racismo estructural es uno de los impedimentos para el éxito de la política de cuotas.

Palabras clave:
Racismo estructural; Diversidad; Cuotas en licitaciones públicas; Decolonialismo

Abstract

This study investigates the effects of the implementation of racial quotas on the representation of black people in the legal sector, based on structural racism as a slave-holding practice of racial discrimination. A qualitative methodology was adopted, with semi-structured interviews and documental analysis of public notices and results of public tenders, with a prediction of racial quotas for legal careers in the state of Rio de Janeiro in the last ten years. Eleven holders of leadership positions in legal careers were selected - prosecutor, judge, attorney, and defender - self-declared black. Based on the interviewees’ perception’, an analysis was made of applying the quota policy in public tenders for legal careers. The results point to evidence of failures in the implementation of this policy, both based on legal provisions and document analysis, and on the respondents’ perceptions. It is concluded that the simple prediction of vacancies was not enough to increase bureaucratic racial diversity and structural racism is one of the impediments to the success of the quota policy.

Keywords:
Structural Racism; Diversity; Quotas in public competitive hiring; Decolonialism

INTRODUÇÃO

No Brasil, atualmente, pretos e pardos constituem 56,10% da população (Petruccelli & Saboia, 2018Petruccelli, J. L., & Saboia, A. L. (2018). Características Étnicos-Raciais da População: classificações e identidades. Rio de janeiro, RJ: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Recuperado de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf
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). Todavia, quando se analisa a participação dessas pessoas no mercado de trabalho, pretos e pardos fazem parte de 64,1% da população desocupada (Petruccelli & Saboia, 2018Petruccelli, J. L., & Saboia, A. L. (2018). Características Étnicos-Raciais da População: classificações e identidades. Rio de janeiro, RJ: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Recuperado de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf
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). Essa discrepância relacionada a subutilização da força de trabalho dos pretos e pardos, seu rendimento médio, diferença salarial, ocupação em cargos de direção e chefia, dentre outras, só demonstra que os negros estão sub-representados em importantes esferas da sociedade.

Um relatório publicado pela Oxford Committee for Famine Relief (Ahmed et al., 2022Ahmed, N., Marriott, A., Dabi, N., Lowthers, M., Lawson, M., & Mugehera, L. (2022). A Desigualdade Mata: a incomparável ação necessária para combater a desigualdade sem precedentes decorrente da Covid-19. São Paulo, SP: OXFAM. Recuperado de https://www.oxfam.org.br/a-desigualdade-mata/
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), intitulado “A desigualdade mata”, apontou que a fome e a miséria explodiram no Brasil durante a pandemia. Em dezembro de 2020, a situação de insegurança alimentar alcançava 55% da população brasileira; dentre estes, 10,7% dos lares de pessoas negras eram atingidos pela fome, frente a 7,5% dos lares de pessoas brancas. Segundo a pesquisa, essas distorções têm uma relação direta com os legados históricos do racismo, incluindo a escravidão e o colonialismo. Os dados publicados sobre a pandemia do coronavírus, em 2020, revelam a vulnerabilidade da população negra - a mais afetada pelas mazelas da doença -, instigando a ampliação do debate sobre as questões raciais no país, o que Machado (2021Machado, L. M. (2021). Legado de uma pandemia: 26 vozes conversam sobre os aprendizados para política pública. Rio de Janeiro, RJ: Editora Autografia.) destaca como um dos principais legados da pandemia.

No cenário pandêmico houve piora dos indicadores sociais e, neste contexto, o desemprego negro ampliou o já existente déficit de participação negra no mercado de trabalho, sobretudo nos espaços de poder das empresas e da Administração Pública (AP) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2021Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2021). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Recuperado de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101892.pdf
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). Essa falta de representatividade no poder público vem provocando ausência de legitimidade e eficácia em suas políticas, fomentando debates acadêmicos que foquem no desenvolvimento de inovações institucionais com vistas a complementar o sistema representativo (Gaspardo & Ferreira, 2017Gaspardo, M., & Ferreira, M. (2017). Inovação institucional e democracia participativa: mapeamento legislativo da Emenda do Programa de Metas. Revista de Administração Pública, 51(1), 129-146. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0034-7612148181
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).

Nesse contexto, inovações institucionais, como a política de cotas raciais, pressupõem (ou deveriam pressupor) estratégias de gestão que incluam o compromisso relacional entre o meio e seus diversos sujeitos. Nesse ponto, a perspectiva decolonial torna-se indispensável à formulação e implementação de políticas afirmativas legítimas de reparação histórica (Bernardino-Costa & Borges, 2021Bernardino-Costa, J., & Borges, A. (2021). Um Projeto Decolonial Antirracista: Ações Afirmativas na Pós-Graduação da Universidade de Brasília. Educação & Sociedade, 42, e253119. Recuperado de https://doi.org/10.1590/ES.253119
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).

O aperfeiçoamento dos mecanismos de subalternização racial - incorporados ao país pela elite intelectual que importava as teorias raciais euro-estadunidenses dos meados do séc. XIX (Barbosa, 2016Barbosa, M. R. J. (2016). A influência das teorias raciais na sociedade brasileira (1870-1930) e a materialização da Lei n.º 03.10.639 Revista Eletrônica de Educação, 10(2), 260-272. Recuperado de https://doi.org/10.14244/198271991525
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) - pode ser identificado com o racismo estrutural, atualmente algoz da população negra no Brasil. Dentro dos aspectos do decolonialismo, rompendo a hegemonia do saber e do universalismo, o ponto de partida epistemológico e metodológico da presente pesquisa restringiu, intencionalmente, o escopo do estudo a servidores negros da AP, com o objetivo de investigar o racismo estrutural com base em suas vivências e, não, de uma perspectiva objetivista, atentando para a natureza local de suas experiências (Guevara, 2020Guevara, V. M. A. (2020). La Teoría Crítica y el pensamiento decolonial: hacia un proyecto emancipatorio post-occidental. Revista mexicana de ciencias políticas y sociales, 65(238), 131-154. Recuperado de https://doi.org/10.22201/fcpys.2448492xe.2020.238.67363
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).

Este estudo teve por objetivo analisar se a implementação da política de cotas nos concursos públicos das carreiras de promotor, juiz, defensor e procurador do estado do Rio de Janeiro surtiu o efeito esperado, qual seja, o aumento da representatividade negra nessas carreiras jurídicas; e/ou se a política encontra dificuldades de implementação sobretudo pelos efeitos do racismo estrutural/institucional que perpetuam as práticas discriminatórias da escravidão. Temas como a escravidão, seus resíduos, sua forma contemporânea e o racismo foram, ao longo dos anos, negligenciados nos estudos de gestão (Araújo & Carneiro, 2020Araújo, C. C. S., & Carneiro, E. S. Jr. (2020). A Bibliometric Analysis of the Intellectual Structure of Studies on Slavery in the 21st Century. International Journal of Professional Business Review, 5(1), 105-127. Recuperado de https://doi.org/10.26668/businessreview/2020.v5i1.175
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), na medida em que, ao excluir o “outro”, não euro-estadunidense, da produção de um conhecimento de qualidade, passou a limitar a capacidade de produção de um pensamento científico, válido e universalizável ao homem branco-europeu-masculino-heterossexual (Jammulamadaka, Faria, Jack, & Ruggunan, 2021Jammulamadaka, N., Faria, A., Jack, G., & Ruggunan, S. (2021). Decolonising managementional knowledge (MOK): Praxistical theorising for potential worlds. Organization, 28(5), 717-740. Recuperado de https://doi.org/10.1177/13505084211020463
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).

Nesse sentido, esta pesquisa utiliza uma perspectiva decolonial para problematizar o tema central do estudo, contribuindo para o debate acerca do alijamento dos negros dos espaços de poder e dos impedimentos que o racismo impõe na superação dessas distorções históricas de subjugações. Segundo Almeida (2019Almeida, S. L. (2019). Racismo estrutural. São Paulo, SP: Pólen Produção Editorial LTDA., 2021Almeida, S. L. (2021). Necropolítica e Neoliberalismo. Caderno CRH, 34, e021023. Recuperado de https://doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.45397
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), quando reconhecemos que o racismo se manifesta em todos os espaços como um projeto histórico de dominação política e de poder, compreendemos que todo racismo é estrutural.

PERSPECTIVAS DECOLONIAIS NA DIVERSIDADE BUROCRÁTICA

Do colonialismo à transmodernidade

Os estudos de decolonialidade vêm desenvolvendo a sua narrativa ao longo da história como um projeto acadêmico-político para contextualizar historicamente a colonialidade do poder, do ser e do saber, à luz das narrativas de existência e reexistência da população afrodiaspórica, africana, indígena e terceiro-mundistas (Bernardino-Costa, Torres, & Grosfoguel, 2018Bernardino-Costa, J., Maldonado-Torres, N., & Grosfoguel, R. (2018). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte, MG: Autêntica Editora.). A hegemonia europeia, com o mito do “descobrimento” da América, teve impactos significativos na criação do conceito de civilização e não civilização, fortalecido nos séculos XVII e XVIII pelo Iluminismo. O colonialismo eurocêntrico incitou nos estudos de gestão uma perspectiva do homem branco europeu dotado de superioridade genuína, por meio da qual se impunha a toda a população global uma hierarquia econômica, política, racial e ética (Carvalho, Ipiranga, & Faria, 2017Carvalho, V. Filho, Ipiranga, A. S. R., & Faria, A. (2017). (De)Colonialidade na educação em administração: Explorando limites e possibilidades. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, 25(47), 1-30. Recuperado de https://doi.org/10.14507/epaa.25.2676
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).

A ideia difundida de que esses sujeitos são dotados de razão e de conhecimento superior remete à negação dos saberes e da humanidade de outros povos (Couto, Honorato, & E. R. Silva, 2019Couto, F. F., Honorato, B. E. F., & Silva, E. R. (2019). Organizações Outras: Diálogos Entre a Teoria da Prática e a Abordagem Decolonial de Dussel. Revista de Administração Contemporânea, 23(2), 249-267. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2019180057
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) e ao conceito de totalidade, central na obra de Dussel (2005Dussel, E. (2005). Filosofia da libertação: Crítica à ideologia da exclusão. São Paulo, SP: Paulus.), que inclui a noção de dominação centro-periferia. Segundo Guevara (2020Guevara, V. M. A. (2020). La Teoría Crítica y el pensamiento decolonial: hacia un proyecto emancipatorio post-occidental. Revista mexicana de ciencias políticas y sociales, 65(238), 131-154. Recuperado de https://doi.org/10.22201/fcpys.2448492xe.2020.238.67363
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), trata-se do conceito da colonialidade, isto é, quando as ideias e pensamentos do colonizador continuam sendo hegemônicos ante o colonizado, que os utiliza, acriticamente, mesmo com o fim dos processos de colonização.

Contrariando essa epistemologia hegemônica, o fortalecimento do decolonialismo tem reduzido os mecanismos de subalternização dos saberes nos estudos em gestão e organização (EGO), muito pela radicalização da modernidade e do capitalismo global neoliberal (Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1679-395155249
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). A produção científica vem tentando desconstruir a assimetria geopolítica do conhecimento pautando-se nas experiências locais do colonizado ou de seus descendentes, ao considerar as características específicas das sociedades que, em suas particularidades, contradizem o universalismo epistemológico eurocêntrico (Guevara, 2020Guevara, V. M. A. (2020). La Teoría Crítica y el pensamiento decolonial: hacia un proyecto emancipatorio post-occidental. Revista mexicana de ciencias políticas y sociales, 65(238), 131-154. Recuperado de https://doi.org/10.22201/fcpys.2448492xe.2020.238.67363
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).

Nas perspectivas decoloniais, encaixam-se os conhecimentos africanos e afrodiaspóricos, evidenciados pela diáspora forçada da escravização sofrida pelos negros e seus dependentes, que criaram, a partir disso, uma nova cultura (Bernardino-Costa et al., 2018Bernardino-Costa, J., Maldonado-Torres, N., & Grosfoguel, R. (2018). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte, MG: Autêntica Editora.). Sendo assim, quando o estudo decolonial e afrodiaspórico autêntico fala sobre racismo como continuidade das práticas escravistas nos estudos críticos de administração, abre-se uma oportunidade para o debate sob os aspectos da cultura periférica historicamente oprimida pela cultura imperial.

Essa predileção pela autenticidade deve ser o ponto de partida para um diálogo intercultural (Dussel, 2016Dussel, E. (2016). Transmodernidade e interculturalidade: interpretação a partir da filosofia da libertação. Sociedade e Estado, 31(1), 51-73. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100004
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), alcançando a expansão do ser e do saber mediante a existência de uma democracia, que precisa ser reconceituada de maneira transmoderna para descolonizar-se de sua forma liberal ocidental (Grosfoguel, 2008Grosfoguel, R. (2008). Para um pluriversalismo transmoderno decolonial. Tabula Rasa, 9, 199-216.). Essa emancipação das classes e de grupos subordinados e historicamente negados passa então pela construção de uma nova forma de relacionamento entre as culturas (Guevara, 2020Guevara, V. M. A. (2020). La Teoría Crítica y el pensamiento decolonial: hacia un proyecto emancipatorio post-occidental. Revista mexicana de ciencias políticas y sociales, 65(238), 131-154. Recuperado de https://doi.org/10.22201/fcpys.2448492xe.2020.238.67363
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) - o que é nomeado transmodernidade por Dussel (2016)Dussel, E. (2016). Transmodernidade e interculturalidade: interpretação a partir da filosofia da libertação. Sociedade e Estado, 31(1), 51-73. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100004
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.

A transmodernidade abrange culturas universais assimétricas e pluriversalidade rica, é fruto de um autêntico diálogo intercultural (Dussel, 2016Dussel, E. (2016). Transmodernidade e interculturalidade: interpretação a partir da filosofia da libertação. Sociedade e Estado, 31(1), 51-73. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100004
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), contudo, não há como abordar interseção cultural sem mencionar diversidade. Vale destacar que uma práxis decolonial envolve o conceito de diversidade e, nesse ponto, a gestão de pessoas, com seu processo de provisão, é a porta de entrada para as organizações e a AP. Assim, as políticas públicas, processos seletivos e concursos transformam-se em mecanismos que impactam na composição hegemônica da branquitude ou na diversidade/representatividade do corpo burocrático dessas organizações, sendo a diversidade um tema urgente e que vem ganhando destaque no meio científico (Alves & Galeão-Silva, 2004Alves, M. A., & Galeão-Silva, L. G. (2004). A crítica da gestão da diversidade nas organizações. Revista de Administração de Empresas, 44(3), 20-29. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0034-75902004000300003
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).

Diversidade e racismo nas organizações brasileiras

No Brasil e no mundo, a diversidade nas organizações tem sido cada vez mais abordada (Ferreira, Sadoyama, Correia, & Gomes, 2015Ferreira, J. B., Sadoyama, A. S. P., Correia, A. F. C., & Gomes, P. A. T. P. (2015). Diversidade e gênero no contexto organizacional: um estudo bibliométrico. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, 9(3), 45-66. Recuperado de https://periodicos.uff.br/pca/article/view/11225
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). De acordo com Nkomo, Bell, Roberts, Joshi, e Thatcher (2019Nkomo, S. M., Bell, M. P., Roberts, L. M., Joshi, A., & Thatcher, S. M. (2019). Diversity at a critical juncture: new theories for a complex phenomenon. Academy of Management Review, 44(3), 498-517. Recuperado de https://doi.org/10.5465/amr.2019.0103
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), este é um momento crítico para reflexões sobre essa temática, pois vivenciamos um contexto social e político em dicotomia, visto que, por um lado, muitos avanços foram conquistados no que diz respeito à igualdade e inclusão, mas, por outro, vivemos em um mundo de ideologias radicais e discriminatórias, onde o discurso de ódio ainda persiste arraigado no ambiente de trabalho (Foucault, 2014Foucault, M. (2014). A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo, SP: Edições Loyola.), justificando a privação de direitos e atos de violência, mesmo que disfarçadamente, dentro das organizações (Bakhtin & Volochinov, 2006Bakhtin, M., & Volochinov, V. N. (2006). Marxismo e filosofia da linguagem (Vol. 7). São Paulo, SP: Hucitec.).

O Brasil foi o país que mais importou escravos africanos. Foram cerca de 4 milhões entre os séculos XVI e XIX, o que equivale a mais de um terço de todo o comércio negreiro, segundo o IBGE (2000Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2000). Brasil: 500 anos de povoamento. Recuperado de https://brasil500anos.ibge.gov.br/
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). Atualmente, apesar de os negros serem maioria no ensino superior, por exemplo, chegando a 50,3% no ano de 2018 (Petruccelli & Saboia, 2018Petruccelli, J. L., & Saboia, A. L. (2018). Características Étnicos-Raciais da População: classificações e identidades. Rio de janeiro, RJ: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Recuperado de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf
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), essa superioridade numérica não se reflete no mercado de trabalho, sobretudo nas posições de liderança; por exemplo: membros das carreiras jurídicas.

A desumanização dos negros e a ideia da supremacia branca como pressuposto do progresso impulsionaram as primeiras teorias racialistas para justificar a superioridade intelectual, física e moral do europeu branco (Barbosa, 2016Barbosa, M. R. J. (2016). A influência das teorias raciais na sociedade brasileira (1870-1930) e a materialização da Lei n.º 03.10.639 Revista Eletrônica de Educação, 10(2), 260-272. Recuperado de https://doi.org/10.14244/198271991525
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; Maringoni, 2011Machado, L. M. (2021). Legado de uma pandemia: 26 vozes conversam sobre os aprendizados para política pública. Rio de Janeiro, RJ: Editora Autografia.). Segundo Mbembe (2018Mbembe, A. (2018). Necropolítica. São Paulo, SP: N-1 Edições., p. 13) “[...] qualquer relato histórico do surgimento do terror moderno precisa passar pela escravidão, que pode ser considerada uma das primeiras manifestações da experimentação biopolítica”.

Os impactos das políticas eugenistas e a atenuação do racismo no Brasil, por meio do mito da democracia racial de Gilberto Freyre, em sua obra “Casa Grande & Senzala” (Freire, 2019Freyre, G. (2019). Casa-grande & senzala. São Paulo, SP: Ed. Global Editora e Distribuidora Ltda.), impediram que o país reconhecesse a presença da discriminação racial em desfavor dos negros e, consequentemente, fossem desenvolvidas políticas de inclusão social. O governo brasileiro, cujas bases econômico-sociais se pautavam, desde a sua descoberta, na desumanização dos negros por meio do processo de escravidão, somente reconheceria o racimo no país em 1995 por meio da declaração do então presidente Fernando Henrique Cardoso, um feito alcançado pela luta constante dos movimentos sociais, sobretudo movimentos sociais negros, cujas pautas reivindicavam direitos antes mesmo da Constituição de 1988 (Amorim & Castilho, 2018Amorim, F. H., & Castilho, M. L (2018). A representação social de negros e das cotas raciais em notícias da mídia on-line sobre candidato ao concurso do Itamaraty. Revista Investigações, 31(2), 224-247. Recuperado de https://doi.org/10.51359/2175-294x.2018.236997
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; Rubin, Oliveira, & Nicholsen, 2020Rubin, M., Oliveira, F. B., & Nicholsen, W. (2020). Racial Equity in Brazil. In S. Gooden (Ed.), Global Equity in Administration: Nervous Areas of Government. London, UK: Routledge.).

Segundo Alves e Galeão-Silva (2004Alves, M. A., & Galeão-Silva, L. G. (2004). A crítica da gestão da diversidade nas organizações. Revista de Administração de Empresas, 44(3), 20-29. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0034-75902004000300003
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), desde 1995, o governo brasileiro vem manifestando interesse no combate à discriminação no mercado de trabalho, todavia, o contexto histórico de subjugações pressupõe que as políticas afirmativas não devem almejar o aumento do número de negros apenas, é preciso rever as relações de poder que se constituíram ao longo da história. Para uma mudança real, faz-se necessário que essas políticas sejam um projeto decolonial, antirracista e contra-hegemônico (Bernardino-Costa & Borges, 2021Bernardino-Costa, J., & Borges, A. (2021). Um Projeto Decolonial Antirracista: Ações Afirmativas na Pós-Graduação da Universidade de Brasília. Educação & Sociedade, 42, e253119. Recuperado de https://doi.org/10.1590/ES.253119
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). No entanto, quando se trata de questões e impactos do racismo estrutural nos locais de trabalho, McCluney, Schmitz, Hicken, e Sonnega (2018McCluney, C. L., Schmitz, L. L., Hicken, M. T., & Sonnega, A. (2018, fevereiro). Structural racism in the workplace: Does perception matter for health inequalities? Social Science & Medicine, 199, 106-114. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2017.05.039
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) reforçam que a raça molda poderosamente as oportunidades ocupacionais por meio do racismo estrutural, inicialmente com políticas e, em seguida, com práticas tecidas, de fato, nas instituições do mercado de trabalho.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ethos (2016Instituto Ethos. (2016). Perfil social racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas. Recuperado de https://www.ethos.org.br/cedoc/perfil-social-racial-e-de-genero-das-500-maiores-empresas-do-brasil-e-suas-acoes-afirmativas/
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) com as 500 empresas de maior faturamento do Brasil, em 2016, aponta que, entre os cargos de trainees e aprendizes, 57% a 58% são ocupados por negros; na gerência eles são 6,3%; e no quadro executivo, a proporção é ainda menor: apenas 4,7%. No que se refere à AP, 55,3% dos funcionários públicos municipais são negros; no nível federal, a participação cai para 14,6% (T. D. Silva & Lopez, 2021Souza, J. (2017). A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro, RJ: Editora Leya.). A desigualdade é ainda maior quando se analisa a ocupação dos negros em determinados cargos de maior remuneração. Quanto à renda média mensal, os negros recebem R$1.608,00, ao passo que os brancos recebem R$2.796,00 e, quando se trata de trabalhadores subutilizados, os negros representam 29% e os brancos, 19% (T. D. Silva & Lopez, 2021Silva, T. D., & Lopez, F. (2021, julho). Perfil Racial do Serviço Civil Ativo do Executivo Federal (1999-2020) (Nota Técnica, n. 49). Brasília, DF: IPEA. Recuperado de http://dx.doi.org/10.38116/ntdiest49
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).

Um aspecto relevante a ser observado é que essas diferenças estruturais e institucionais na classificação ocupacional implicam a exposição a uma série de riscos psicossociais deletérios no trabalho (Ruiter, DeCoster, Jacobs, & Lichstein, 2011Ruiter M. E., DeCoster J., Jacobs L., & Lichstein K. L. (2011). Normal sleep in African-Americans and Caucasian-Americans: A meta-analysis. Sleep Medicine, 12(3), 209-214. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.sleep.2010.12.010
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). Não só os postos de trabalho mais baixos são sujeitos a maior estresse, mas se somam a outros estressores da vida que podem impactar desproporcionalmente os negros - por exemplo, qualidade da vizinhança, demandas familiares (Hicken et al., 2012Hicken, M. T., Gee, G. C., Morenoff, J., Connell, C. M., Snow, R. C., & Hu, H. (2012). A novel look at racial health disparities: the interaction between social disadvantage and environmental health. American Journal of Public Health, 102(12), 2344-2351. Recuperado de https://doi.org/10.2105/AJPH.2012.300774
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). Todo esse conjunto resulta em problemas de saúde mais aguçados para os trabalhadores negros, indicando que a desigualdade sistemática no local de trabalho pode ser mecanismo importante que liga o racismo e a saúde às desigualdades raciais.

Cotas raciais no serviço público

O campo da administração e/ou gestão afasta-se cada vez mais dos grandes desafios e privações vividos pelas populações em geral, não encontrando as devidas alternativas. Nesse contexto, a política de cotas nos cargos públicos parece sofrer as agruras do não reconhecimento pelo campo de gestão quanto à sua cumplicidade no expansionismo do capitalismo e na universalização dos mecanismos de empobrecimento e desigualdade financiadores desse sistema econômico (Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1679-395155249
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).

Segundo Abdalla e Faria (2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1679-395155249
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, p. 2), “[...] a divisão assimétrica entre visões de mundo e as dinâmicas correspondentes têm sido extremamente favoráveis para o avanço da classe ou elite capitalista global e dramaticamente opressoras para uma crescente população em escala global.” Nesse aspecto, a pauta racial, incluindo a influência que o racismo exerce sobre a implementação (inadequada) das políticas afirmativas de reparação histórica, precisa ser assumida pela sociedade como um todo, por meio do desenvolvimento de uma práxis de conscientização acerca da discriminação racial no país (Gonzalez, 2019Gonzalez, L. (2019). A democracia racial: uma militância. Arte & Ensaios, 38, 223-225. Recuperado de https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/27925
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).

A ação afirmativa no Brasil é praticamente vista como uma “benesse” aplicada aos negros e reduzida à política de cotas, cujo objetivo é um tratamento diferenciado a determinado grupo em razão da discriminação (Camargo & Costa, 2018Camargo, D. A., & Costa, M. M. M. (2018). Cotas Raciais em Concursos Públicos: uma forma concretização da cidadania ou de discriminação reversa? Revista Jurídica Cesumar-Mestrado, 18(1), 65-85. Recuperado de https://doi.org/10.17765/2176-9184.2018v18n1p65-85
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). Nesse contexto, como no país a desigualdade racial se confunde com a desigualdade social, as cotas, aplicadas no acesso ao ensino superior, por meio da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. (2012). Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm
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, alcançaram, em primeiro lugar, aqueles estudantes egressos da escola pública e, só dentre eles, um percentual para negros.

No que se refere às cotas nos concursos públicos federais, previstas dois anos depois pela Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. (2014). Dispõe sobre a reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm
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, a reserva de 20% das vagas passou a considerar apenas o quesito raça, sem associá-lo à condição social, uma vitória alcançada pelos movimentos sociais, sobretudo o movimento negro, que atua com toda uma estratégia de trabalho em diferentes níveis e áreas (Gonzalez, 2019Gonzalez, L. (2019). A democracia racial: uma militância. Arte & Ensaios, 38, 223-225. Recuperado de https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/27925
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). No Rio de Janeiro, as cotas nos concursos públicos foram implementadas no ano de 2011, Lei nº 6.067, de 25 de outubro de 2011Lei nº 6.067, de 25 de outubro de 2011. (2011). Dispõe sobre reserva de vagas para negros e índios nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos integrantes dos quadros permanentes de pessoal do poder executivo do estado do Rio de Janeiro e das entidades de sua administração indireta. Rio de Janeiro, RJ. Recuperado de https://gov-rj.jusbrasil.com.br/legislacao/1029724/lei-6067-11
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, reservando, em seu artigo 1º, 20% das vagas para negros e índios. Analisando os dez anos de implementação da política, falhas legislativas e operacionais se associam ao racismo estrutural para minimizar os efeitos sobre a representatividade negra nos espaços de poder da AP (Santos, 2022Santos, A. C. (2022). O racismo estrutural como manutenção do poder: cotas nos concursos públicos das carreiras jurídicas do Estado do Rio de Janeiro (Dissertação de Mestrado). Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.).

METODOLOGIA

Revisão sistemática da literatura

A revisão sistemática da literatura (Lopes & Fracolli, 2008Lopes, A. L. M., & Fracolli, L. A. (2008). Revisão sistemática de literatura e metassíntese qualitativa: considerações sobre sua aplicação na pesquisa em enfermagem. Texto & Contexto - Enfermagem, 17(4), 771-778. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-07072008000400020
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; Tranfield, Denyer, & Smart, 2003Treinta, F. T., Farias, J. R., Filho-, Sant’Anna A. P., & Rabelo, L. M. (2014). Metodologia de pesquisa bibliográfica com a utilização de método multicritério de apoio à decisão. Production, 24(3), 508-520. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0103-6513 2013005000078
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; Treinta, Farias, Sant’Anna, & Rabelo, 2014Treinta, F. T., Farias, J. R., Filho-, Sant’Anna A. P., & Rabelo, L. M. (2014). Metodologia de pesquisa bibliográfica com a utilização de método multicritério de apoio à decisão. Production, 24(3), 508-520. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0103-6513 2013005000078
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) teve como foco as bases de dados Scopus e Web of Science. Os artigos dos últimos dez anos tiveram como filtro os temas da pesquisa: teoria decolonial, racismo estrutural, negros no mercado de trabalho, concurso público e cotas. Ademais, artigos complementares obtidos por meio do serviço de busca Google Acadêmico e SciELO foram adicionados ao referencial teórico.

Pesquisa de campo

Realizou-se uma pesquisa de natureza qualitativa (J. W. Creswell & J. D. Creswell, 2021Creswell, J. W., & Creswell, J. D. (2021). Projeto de pesquisa: Métodos qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre, RS: Penso Editora.), por meio da análise documental dos dados coletados em oito editais, publicados entre 2011 - ano de implementação das cotas - e 2021, tendo sido investigados os resultados dos concursos realizados para preenchimento das carreiras de magistrado, promotor, defensor e procurador do Rio de Janeiro; e de entrevistas semiestruturadas, aplicadas para aprofundar e compreender melhor o fenômeno no contexto em que ele ocorre (Geiger, 2009Geiger, D. (2009). Revisiting the concept of practice: Toward an argumentative understanding of practicing. Management Learning, 40(2), 129-144. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1350507608101228
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). Para a análise dos dados documentais, buscou-se identificar os candidatos aprovados pelo regime de cotas neste período, comparando-os com a totalidade de aprovados que concorreram às vagas de ampla concorrência.

Quanto aos entrevistados, foram selecionados, pelo critério de acessibilidade, profissionais autodeclarados negros - 6 homens e 5 mulheres - ocupantes dos postos mais elevados dentro da hierarquia de suas instituições, conforme Quadro 1. Por ser especialmente útil em um cenário como o da área jurídica do setor público, o qual apresenta baixo número de negros, utilizou-se a técnica da bola de neve ou snowbow, por meio da qual cada entrevistado indicou outro “colega de profissão”, negro, para participar da pesquisa (Parker, Scott, & Geddes, 2019Parker, C., Scott, S., & Geddes, A. (2019). Snowball sampling. Thousand Oaks, CA: SAGE Publications. Recuperado de https://dx.doi.org/10.4135/9781526421036831710
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).

Quadro 1
Rol de entrevistados

O roteiro utilizado baseou-se no referencial teórico, na vivência dos autores com o tema e no formulário aplicado no 1º Censo Étnico-racial da Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro (Pacheco et al., 2021Pacheco, R., Haber, C. D., Xavier, L., Sena, A., Silva, G. B., Sciammarella, A. P. … Britto, A. (2021). 1° Censo Étnico-Racial da DPRJ. Rio de Janeiro, RJ: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Recuperado de https://sistemas.rj.def.br/publico/sarova.ashx/Portal/sarova/imagem-dpge/public/arquivos/relatório_Censo_étnico_racial_DPRJ_v3.pdf
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). As entrevistas foram realizadas por meio do aplicativo Zoom no segundo semestre de 2021, gravadas em áudio e vídeo, com autorização verbal prévia dos participantes para uso do áudio apenas, resguardadas as suas identidades. Na sequência, procedeu-se à degravação desses áudios e à categorização dos dados obtidos por meio da análise de conteúdo (Mozzato & Grzybovski, 2011Mozzato, A. R., & Grzybovski, D. (2011). Análise de conteúdo como técnica de análise de dados qualitativos no campo da administração: potencial e desafios. Revista de Administração Contemporânea, 15(4), 731-747. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S1415-65552011000400010
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).

Por fim, a triangulação dos dados foi utilizada (Flick, 2009Flick, U. (2009). Qualidade na pesquisa qualitativa. Porto Alegre, RS: Penso Editora.) de duas formas: 1) procurou-se confirmar as conclusões extraídas de uma entrevista com base em outra(s) entrevista(s); 2) realizou-se análise cruzada de métodos diferentes de coleta, isto é, uma análise sistêmica dos dados coletados nas entrevistas com os outros obtidos por meio da análise de editais, literatura, relatórios e dados secundários, o que possibilita emergir novas ou mais profundas dimensões (Azevedo, Oliveira, Gonzales, & Abdalla, 2013Azevedo, C. E. F., Oliveira, L. G. L., Gonzales, R. K., & Abdalla, M. M. (2013). A estratégia de triangulação: objetivos, possibilidades, limitações e proximidades com o pragmatismo. In Anais do 4º Encontro de Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade, Brasília, DF.).

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Falhas na implementação das cotas nos concursos públicos do sistema judiciário do Rio de Janeiro

A pesquisa centrou sua investigação nos editais de concursos públicos realizados entre 2011 e 2021 nas instituições investigadas, conforme Quadro 2. Em termos gerais, nota-se que neste período o número de aprovados como cotistas foi praticamente nulo, ou muito pequeno, ainda mais quando se leva em conta que a população do Rio de Janeiro é composta por 53% de negros, segundo dados da Secretaria de Saúde do Governo do Estado do Rio de Janeiro (2020). Exceção para a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPERJ), que, apesar do avanço, não atingiu a meta, conforme previsto na lei, de 20% das vagas preenchidas por candidatos negros. Além disso, em diversos casos, os poucos candidatos negros aprovados tiveram colocações altas na classificação e ingressariam na instituição independentemente do sistema de cotas.

Quadro 2
Percentual de cotistas aprovados nas instituições entre 2011/2021

Mediante a análise dos editais e respectivos resultados dos concursos do Quadro 1, a interpretação da lei de cotas e questões procedimentais na sua aplicação, como a diminuição da pontuação mínima e a retirada da chamada “cláusula de barreira”, influenciam na aprovação de negros nesses concursos, como ocorreu no último concurso da Defensoria Pública. Nos editais que se limitaram a reproduzir as disposições legais, as cotas influenciaram apenas na ordem de convocação dos candidatos, não surtindo efeito nas etapas dos concursos cujas regras são iguais para os candidatos cotistas e os de ampla concorrência.

Identificou-se também o vencimento da vigência da lei de cotas, Lei nº 6.067, de 25 de outubro de 2011, que prevê no art. 5º uma vigência de dez anos, incluindo o dever de acompanhamento permanente de seus resultados e produção de relatórios conclusivos pela Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH). Assim, a referida lei perdeu sua vigência em outubro de 2021, e não houve acompanhamento, tampouco produção dos relatórios previstos. Essa ausência de monitoramento e dados não somente influência nas falhas procedimentais de implementação da política, como também, associada à ausência ou subnotificação de dados raciais nas instituições investigadas, dificulta a aplicação da política, seu acompanhamento, aperfeiçoamento e resultados (Santos, 2022Santos, A. C. (2022). O racismo estrutural como manutenção do poder: cotas nos concursos públicos das carreiras jurídicas do Estado do Rio de Janeiro (Dissertação de Mestrado). Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.).

ANÁLISE DE CONTEÚDO

As cotas: do formalismo à implementação de leis efetivas

Considerando o objetivo da pesquisa quanto à implementação da política de cotas nos concursos públicos, perguntou-se aos entrevistados se eles acreditam que houve um aumento no número de negros nas carreiras que exercem, em função da implementação das cotas. Por meio de seus relatos, observou-se que os participantes, favoráveis às cotas (com exceção do entrevistado E6), evidenciaram a importância da implementação de políticas afirmativas que tentem amenizar as distorções raciais criadas, mantidas e aperfeiçoadas pela elite branca em desfavor dos negros (Almeida, 2021Almeida, S. L. (2021). Necropolítica e Neoliberalismo. Caderno CRH, 34, e021023. Recuperado de https://doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.45397
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; Barbosa, 2016Barbosa, M. R. J. (2016). A influência das teorias raciais na sociedade brasileira (1870-1930) e a materialização da Lei n.º 03.10.639 Revista Eletrônica de Educação, 10(2), 260-272. Recuperado de https://doi.org/10.14244/198271991525
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): “A Universidade ficou muito mais diversa depois das cotas” (E3) e “Para combater o racismo estrutural, a cota foi o primeiro passo” (E7).

No que tange a implementação e resultado, as perspectivas dos participantes revelam que existem falhas e carências na legislação, bem como na sua implementação, destacando que apenas prever a reserva de vagas em lei não é suficiente para promover o aumento do número de negros nos quadros da administração pública. Essas falhas podem indicar uma dificuldade do campo de administração/gestão de encontrar soluções eficientes para os problemas diversos da transmodernidade (Abdalla & Faria, 2017Abdalla, M. M., & Faria, A. (2017). Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 914-929. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1679-395155249
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). O distanciamento da gestão quanto a desafios e privações vividos pela população em geral dificulta o alcance do objetivo final antirracista e contra-hegemônico de uma política reparatória (Bernardino-Costa & Borges, 2021Bernardino-Costa, J., & Borges, A. (2021). Um Projeto Decolonial Antirracista: Ações Afirmativas na Pós-Graduação da Universidade de Brasília. Educação & Sociedade, 42, e253119. Recuperado de https://doi.org/10.1590/ES.253119
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). Nesse sentido, os entrevistados relataram que: “[...] essa política desacoplada dessas outras tantas variáveis que a gente conversou aqui é que acabam na prática tornando a política de cota inefetiva, ineficaz” (E11) ou “A gente está fazendo letra morta, uma coisa mais para inglês ver” (E5).

Observam-se, na fala dos entrevistados, características do formalismo na sociedade brasileira, isto é, a distância entre o texto da lei e a prática, a tornar várias normativas inefetivas, vazias, corroborando Ramos (1983Ramos, A. G. (1983). Administração e contexto brasileiro: esboço de uma teoria geral da administração. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Getulio Vargas.), que mencionava como uma das características dos países periféricos traços de influências externas que culminaram com a adesão a um repertório formal de práticas e instituições transplantadas. Esse formalismo corresponde a uma inautenticidade, a uma condição alienada decorrente de uma imposição de valores externos que não correspondiam com os costumes cotidianos, ao que Guevara (2020Guevara, V. M. A. (2020). La Teoría Crítica y el pensamiento decolonial: hacia un proyecto emancipatorio post-occidental. Revista mexicana de ciencias políticas y sociales, 65(238), 131-154. Recuperado de https://doi.org/10.22201/fcpys.2448492xe.2020.238.67363
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) chamou de colonialismo.

Ainda sobre as falhas na política de cotas, os participantes ressaltaram a ausência de monitoramento, impedindo a atividade gerencial de aferir a forma como está sendo implementada a política, sua evolução, se seus objetivos foram atingidos e os problemas que comprometem a sua eficácia (Santos, 2022Santos, A. C. (2022). O racismo estrutural como manutenção do poder: cotas nos concursos públicos das carreiras jurídicas do Estado do Rio de Janeiro (Dissertação de Mestrado). Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, RJ.), como apontado por um dos entrevistados: “A cota precisa ser aprimorada” (E8). Já outro entrevistado associou essa carência à sub-representação dos negros na instituição, que, juntamente com a homogeneidade branca, impede a criação de direitos e fortalece, ainda que disfarçadamente, o discurso de ódio (Bakhtin & Volochinov, 2006Bakhtin, M., & Volochinov, V. N. (2006). Marxismo e filosofia da linguagem (Vol. 7). São Paulo, SP: Hucitec.; Foucault, 2014Foucault, M. (2014). A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo, SP: Edições Loyola.): “A própria composição da Defensoria, que é majoritariamente branca e […] contra as cotas” (E9).

As críticas evidenciadas pelos participantes se estendem, ainda, ao que Alves e Galeão-Silva (2004Alves, M. A., & Galeão-Silva, L. G. (2004). A crítica da gestão da diversidade nas organizações. Revista de Administração de Empresas, 44(3), 20-29. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0034-75902004000300003
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) pontuou sobre o objetivo da política de reparação histórica não ser apenas o aumento do número da participação de negros, mas o de rever as relações de poder que se constituíram ao longo da história. Na perspectiva dos participantes, é preciso que outras medidas sejam providenciadas, principalmente, quanto ao letramento racial de brancos e negros, para que a questão racial seja uma preocupação de todos (Gonzalez, 2019Gonzalez, L. (2019). A democracia racial: uma militância. Arte & Ensaios, 38, 223-225. Recuperado de https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/27925
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). Segundo o E10: “Eu não vou me surpreender se os cotistas não tiverem um letramento racial afrocentrado. A gente não tem teoria crítica racial na academia, não tem aqui no Brasil, e sem a teoria crítica você não consegue entender a máquina, o racismo é um sistema de poder muito sofisticado, uma tecnologia muito sofisticada”.

O racismo estrutural nas instituições

Sobre as percepções acerca da presença de discriminação racial nas instituições às quais pertencem e o quanto isso é consequência dos efeitos do racismo estrutural (Almeida, 2019Almeida, S. L. (2019). Racismo estrutural. São Paulo, SP: Pólen Produção Editorial LTDA.), os relatos apontam que os participantes reconhecem a presença dos racismos institucional e/ou estrutural em suas instituições, mas rejeitam que exista o racismo individual. Suas percepções delimitadas ao espaço corporativo - foco da pesquisa - evidenciam um racismo que se reflete em toda a construção social. O que é confirmado por Almeida (2019), ao classificar todo racismo como estrutural, na medida em que se cria e fortalece em processos históricos - pautado nas peculiaridades de cada formação social - e político - tendo o poder público como suporte para a organização da sociedade por meio de um processo sistêmico de discriminação.

O racismo estrutural se concretiza nas desigualdades políticas, econômicas e jurídicas, sendo muito mais nefasto que o racismo individual, discriminatório em virtude das características fenotípicas do negro. Assim, os relatos remetem às distorções de representatividade nos espaços de poder (Almeida, 2021Almeida, S. L. (2021). Necropolítica e Neoliberalismo. Caderno CRH, 34, e021023. Recuperado de https://doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.45397
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; Souza, 2017Tranfield, D., Denyer, D., & Smart, P. (2003). Towards a methodology for developing evidence-informed management knowledge by means of systematic review. British journal of management, 14(3), 207-222. Recuperado de https://doi.org/10.1111/1467-8551.00375
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), no ambiente jurídico e em toda a sociedade, conforme relatado pelos entrevistados: “Então, o racismo estrutural, eu entendo aquele que está arraigado nas próprias instituições que criam a estrutura da sociedade. É quando uma pessoa vê um preto na rua e atravessa” (E1, grifo nosso).

O racismo não é chamar de macaca não [sic], o racismo institucional é, para mim, por exemplo, vara de família, chega à mulher preta com 5 filhos pedindo DNA ou alimentos, a primeira violência que ela sofre por um integrante da defensoria é perguntar se ela não conhece método contraceptivo (E10, grifo nosso).

Outra discussão importante acerca da percepção do racismo envolve o conceito do colorismo, que, não ostentando a simplicidade que o termo supõe, vai além das questões de cor de pele no Brasil (Souza, 2017Tranfield, D., Denyer, D., & Smart, P. (2003). Towards a methodology for developing evidence-informed management knowledge by means of systematic review. British journal of management, 14(3), 207-222. Recuperado de https://doi.org/10.1111/1467-8551.00375
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). Esse colorismo, interpretado com base no ideário da mestiçagem, pode ser encarado como um dos legados perversos do colonialismo. A diferenciação entre os negros de pele mais clara e os negros retintos surge ainda na sociedade patriarcal como consequência do avanço capitalista e necessidade de mais pessoas na produção. O uso das máquinas impôs uma subjugação do retinto a ofícios mecânicos ou, até mesmo, à permanência das condições excludentes de escravo, e valorizou o mestiço, intermediário, burguês, que passou a ter ofícios mais qualificados e capital cultural mais elevado (Souza, 2017Tranfield, D., Denyer, D., & Smart, P. (2003). Towards a methodology for developing evidence-informed management knowledge by means of systematic review. British journal of management, 14(3), 207-222. Recuperado de https://doi.org/10.1111/1467-8551.00375
https://doi.org/10.1111/1467-8551.00375...
).

Na esteira da valorização do mestiço mais qualificado, essa evidenciação das caraterísticas econômico-sociais do negro, porém não tão negro assim, pôde ser percebida nas falas dos participantes que destacaram qualificações individuais para justificar o seu sucesso claramente com o objetivo de afastar as imagens fixas e estereotipadas dos negros e assemelhar-se ao branco, historicamente associado ao sucesso e à ascensão social. Nesse caso, Carneiro (2020Carneiro, S. (2020). Escritos de uma vida (2a ed.). São Paulo, SP: Ed. Jandaíra., p. 93) explica tratar-se da construção da identidade por meio, ou por aproximação com o outro - com quem se deseja assemelhar - ou pelo distanciamento e subalternização do outro - aquele de quem somos diferentes e por isso os qualificamos negativamente. Conforme relatado pelos entrevistados: “Eu tenho uma trajetória muito diferente do negro que alcança um cargo de elite no Brasil. Eu tive uma vida em que nunca me faltou nada” (E5); “Eu sempre estudei em escolas públicas meio elitizadas. Os negros, em geral, têm uma vida mais difícil que a minha. Eu tive uma vida muito confortável” (E3); “Talvez eu não tenha sofrido isso [racismo] tanto por causa da condição social dos meus pais e tal, mas eu sei que existe, isso é muito claro para mim” (E2).

Essa exaltação das qualificações individuais buscando a proximidade com as características da branquitude aprofunda as fissuras intrarraciais (dentro da mesma raça), divide e enfraquece, bem como é resultado de um plano intencionalmente arquitetado pelos brancos, qual seja, a designação arbitrária de tons na cor da pele negra, ou, colorismo (Carneiro, 2020Carneiro, S. (2020). Escritos de uma vida (2a ed.). São Paulo, SP: Ed. Jandaíra.). Diante dessa imposição, os negros buscam evidenciar, sempre que podem, o seu diferencial para se distanciar do negro comum, pobre, sem cultura, que nunca ocupará o espaço que um negro de ascensão social ocupa. Essa subcategorização dos negros, que não foi desenvolvida em relação a outros grupos como os brancos e judeus, evidencia o ideário do “dividir para conquistar”, na medida em que impõe ao negro retinto um grau de racismo maior do que o racismo direcionado ao negro de pele mais clara e menos traços negroides, chamados de pardos e mais aceitos pela elite branca opressora.

Nas falas nota-se a influência do ideário do colorismo: “O colorismo, a pigmentação, o próprio cabelo, influenciam muito no grau do racismo” (E9); “Eu me identifico como parda, mas eu fico sempre na dúvida, mas também não quero me colocar como preta, porque senão eu tenho mais dificuldade” (E8). A reflexão que se faz dos relatos envolve o impacto dessa subcategorização na população negra que, sem letramento racial, vai sendo cooptada pela branquitude, que busca embranquecer aquele negro que ascendeu socialmente, amenizando suas características fenotípicas com frases como “você não é preta, é morena” ou “mas o seu nariz é fino” ou, mais sutilmente nas entrelinhas da fala, “você é exótica”.

Eu tive, várias vezes, que provar que eu sou promotora de justiça. Já teve situação, ainda mais depois que eu deixei meu cabelo encrespar de novo, porque eu alisei meu cabelo assim que eu entrei, né, e hoje eu entendo perfeitamente que era em busca de embranquecer para ser aceita e ser vista como uma pessoa que podia ocupar aquele lugar, né, porque essa é a ideia, que aquele lugar não é possível para pessoas pretas (E4).

Essa sutil perversidade do racismo, que oprime e paralisa o negro, é fruto de uma condição sub-humana que o colonialismo impôs durante anos e que naturaliza, de forma estruturada, os mecanismos de discriminação. Nesse contexto, os estudos de decolonialidade e afrodiaspóricos são ferramentas fundamentais para produzir o conhecimento com base nas histórias vividas pelos próprios negros, gerando um aquilombamento que acolhe, unifica e fortalece a população negra (Bernardino-Costa et al., 2018Bernardino-Costa, J., Maldonado-Torres, N., & Grosfoguel, R. (2018). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte, MG: Autêntica Editora.).

Desvelando o racismo estrutural sob uma perspectiva decolonial

Buscando problematizar a implementação das cotas, perguntou-se aos participantes qual a influência do racismo estrutural sobre a representatividade negra na AP. Os relatos dos participantes ressaltam traços do colonialismo e das teorias raciais adotadas no Brasil em meados do séc. XIX, numa dominação racial que atribui àqueles aos quais atinge uma condição de inferioridade (Guevara, 2020Guevara, V. M. A. (2020). La Teoría Crítica y el pensamiento decolonial: hacia un proyecto emancipatorio post-occidental. Revista mexicana de ciencias políticas y sociales, 65(238), 131-154. Recuperado de https://doi.org/10.22201/fcpys.2448492xe.2020.238.67363
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). Um dos entrevistados, por exemplo, relatou: “[...] a juíza… você via na cara dela que ela não conseguia me posicionar na mesma posição que minha amiga branca” (E8). Outro entrevistado menciona que “[...] em um evento, a copeira deu copo de vidro para todos os promotores, para mim ela deu um copo de plástico” (E4). E2 relembrou um episódio de discriminação racial ocorrido dentro do fórum do Rio de Janeiro: “Eu sou promotor, fui usar o elevador privativo de autoridades no fórum e o juiz perguntou ao ascensorista o que eu estava fazendo lá” (E2).

Apresentando um dos aspectos da geopolítica do conhecimento, que é a valorização do conhecimento eurocêntrico em detrimento dos saberes dos “outros” (Carvalho et al., 2017Carvalho, V. Filho, Ipiranga, A. S. R., & Faria, A. (2017). (De)Colonialidade na educação em administração: Explorando limites e possibilidades. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, 25(47), 1-30. Recuperado de https://doi.org/10.14507/epaa.25.2676
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), alguns participantes associaram o sucesso (ou insucesso) das políticas internas, em especial a política de cotas, à reprodução fiel (ou não) das políticas estadunidenses. Notam-se, ainda, traços do colonialismo, que Nelson Rodrigues (1993Rodrigues, Nelson. (1993). À sombra das chuteiras imortais: crônicas de futebol. São Paulo, SP: Companhia das Letras., pp. 61-62) nominou como “complexo de vira-lata”, na fala de alguns entrevistados. “[...] é por isso que para as minhas aulas eu vejo primeiro o que está acontecendo nos Estados Unidos” (E7) ou “Criar uma média diferenciada, como os Estados Unidos fizeram, tem um efeito mais imediato” (E3).

Outro ponto de reflexão se refere à letalidade do racismo como consequência da necropolítica, que tem como base o terror (Almeida, 2021Almeida, S. L. (2021). Necropolítica e Neoliberalismo. Caderno CRH, 34, e021023. Recuperado de https://doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.45397
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). Segundo Almeida (2021, p. 6, como citado em Mbembe, 2018Mbembe, A. (2018). Necropolítica. São Paulo, SP: N-1 Edições.), “[...] foi na experiência colonial que se estabeleceu de forma originária a síntese entre ‘massacre e burocracia’ que originou a criação de políticas de governo baseadas na seleção de raças.” Alguns participantes, principalmente aqueles que atuam na área do direito penal, evidenciaram as práticas governamentais da necropolítica quanto ao extermínio do povo negro.

A gente vê uma diferença de comportamento bem nítida do julgador para situações análogas [...]. Já tive uma situação em que uma pessoa negra, com pouca quantidade de droga, tinha sido presa [...] dez minutos depois, novamente, droga, só que dessa vez uma pessoa branca, [...] eu pedi a prisão, pela gravidade do caso em relação à quantidade de droga, e ele não foi preso (E2).

Da mesma forma, outros entrevistados ressaltaram a percepção de uma presença mais intensa do racismo no sistema prisional brasileiro. “Já vi casos, assim, de julgamento de dois rapazes, cometeram um crime juntos, né, JUNTOS! (sic) o branco ser absolvido e o negro ser condenado” (E4) ou “70/80% dos adolescentes em instituição de acolhimento são negros” (E8).

Os entrevistados relatam que, na hegemonia branca que compõe o corpo das instituições, não há vivência suficiente para que se desperte um olhar para as situações de racismo, bem como a falta de diversidade implica a ausência de vontade coletiva para gerar direitos reparatórios, existindo, até mesmo, um esforço para a manutenção da hegemonia branca nos espaços de poder, que pode chegar a manifestações de ódio, ainda que disfarçadas (Bakhtin & Volochinov, 2006Bakhtin, M., & Volochinov, V. N. (2006). Marxismo e filosofia da linguagem (Vol. 7). São Paulo, SP: Hucitec.; Foucault, 2014Foucault, M. (2014). A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo, SP: Edições Loyola.). A ausência da visão decolonial das pautas raciais pode ser evidenciada na fala de alguns entrevistados: “[...] você vai falar com as pessoas que o recorte racial precisa estar em todas as questões e as pessoas não veem sentido porque não enxergam como problema” (E8), e “[...] eu acho que as carreiras, elas têm que ser oxigenadas, ter uma diversificação, uma diversidade maior, não tenho dúvida disso, que isso vai mudar muito a forma de se ver a situação” (E11).

Ainda no contexto decolonial do racismo, um dos relatos traduzem com clareza os impactos do sistema econômico-político do colonialismo racista perpetuado ao longo da história por princípios necropolíticos de extermínio de negros e índios (Almeida, 20 que 21; Mbembe, 2018Mbembe, A. (2018). Necropolítica. São Paulo, SP: N-1 Edições.): “Edson Lopes Cardoso costuma dizer que ‘por mais progressista que um governo tenha sido ou seja, nenhum abriu ou abrirá mão do sangue indígena e do sangue negro como moeda de estabilidade da democracia’. E é isso.” (E10).

Como destaque desse processo de exclusão, subalternidade, sub-humanidade e morte que o racismo estrutural provoca ao povo negro, atuando como o longa manus moderno e aperfeiçoado do período escravocrata brasileiro, foram destacadas duas falas que evidenciam que o racismo atinge até mesmo os negros que romperam com a lógica da invisibilidade ao ocupar os espaços de poder, em especial nas carreiras jurídicas aqui pesquisadas: “o racismo adoece a gente” (E4) e “ser preto dói” (E10).

O estudo circunscreveu-se à perspectiva de pessoas negras com a intenção de, sob uma perspectiva decolonial, ouvir a história do “outro”, do negro historicamente silenciado pelo colonialismo europeu e estadunidense. Dessa forma, é importante que estudos futuros se dediquem a explorar a opinião dos brancos sobre o racismo, analisando em que medida as pessoas (brancas) compreendem que o racismo não é um problema só dos negros e sim de toda a sociedade. Sobre as cotas, seria importante que estudos futuros se dedicassem a analisar, de forma mais profunda e ampla, a implementação dessa política em outros órgãos e outros estados, já que, ainda que timidamente, mostra-se como relevante instituto que aciona a acessibilidade dos negros aos espaços de poder.

CONCLUSÕES

Neste artigo, procurou-se investigar os efeitos da implementação das cotas nas carreiras jurídicas do Rio de Janeiro e a influência do racismo estrutural no corpo dessas instituições. Foram encontradas evidências de que a política de cotas, na forma em que vem sendo implementada, não produz os efeitos esperados no aumento da representatividade burocrática dos negros. A mera reprodução nos editais do texto da lei que prevê 20% das vagas às cotas raciais não vem se mostrando capaz, por si só, de proporcionar a aprovação dos negros nas carreiras investigadas. Também foram evidenciados indícios da presença do formalismo na implementação da política e falhas procedimentais e interpretativas dos seus dispositivos legais, que influenciam no percentual de negros aprovados.

Quanto às perspectivas decoloniais acerca do racismo estrutural presente no corpo burocrático, as entrevistas realizadas apresentaram contribuições significativas ao campo da literatura, na medida em que os participantes: (i) em sua totalidade, reconhecem a presença e a influência do racismo estrutural nas instituições nas quais trabalham; (ii) reproduzem, naturalmente, mas nem sempre intencionalmente, aspectos da subcategorização do colorismo, que dosa a intensidade do racismo sofrido de acordo com o tom da pele ou das caraterísticas fenotípicas; (iii) revelam o efeito nefasto do racismo como instrumento da necropolítica, presente, sobretudo, na esfera criminal, historicamente fundamentada no colonialismo e em suas práticas de opressão e morte; e (iv) apontam que a hegemonia branca nos espaços de poder impacta na diversidade (ou falta dela), uma vez que inibe o pensamento mais aquilombado e decolonial, necessário para criar, implementar e monitorar, de forma eficaz e eficiente, políticas de reparação histórica que efetivamente superem os efeitos sub-humanos das práticas racistas.

Nesse aspecto, o letramento racial afrocentrado é fundamental para a formulação desse pensamento coletivo relevante na interseção cultural da transmodernidade, cabendo recuperar Joaquim Nabuco (1999Nabuco, J. (1999). A escravidão (Vol. 9). São Paulo, SP: Editora Nova Fronteira., pp. 20-21): “Não basta acabar com a escravidão, é preciso destruir a obra da escravidão” e, ainda, “[...] vencer o preconceito que se generalizou e tornar evidente o débito de sucessivas gerações de brasileiros para com a herança da escravidão que se transformou em discriminação é apenas parte do desafio.”

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2022
  • Aceito
    16 Ago 2022
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