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(Gerenciamento de) Projetos: uma discussão muito além do pop management

Em constante evolução, o gerenciamento de projetos é uma disciplina que desempenha um papel fundamental em organizações de todos os tipos e tamanhos (Söderlund, 2004Söderlund, J. (2004). Building theories of project management: past research, questions for the future. International Journal of Project Management, 22(3), 183-191. Recuperado de https://doi.org/10.1016/S0263-7863(03)00070-X
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). Considerando-se que a complexidade dos projetos e a velocidade das mudanças no ambiente de negócios aumentam continuamente, é crucial que a comunidade acadêmica e profissional esteja atualizada em relação a tendências e desenvolvimentos mais recentes nessa área (Steen, Klein, & Potts, 2022Steen, J., Klein, G., & Potts, J. (2022). 21st-century general-purpose technologies and the future of project management. Project Management Journal, 53(5), 435-437. Recuperado de https://doi.org/10.1177/87569728221125095
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).

Apesar dos avanços significativos no gerenciamento de projetos, este enfrenta desafios contínuos à medida que as organizações buscam se adaptar a um ambiente em constante mudança. Alguns dos desafios emergentes incluem a complexidade crescente, o gerenciamento de riscos, a heterogeneidade da força de trabalho, as questões associadas a sustentabilidade e ESG (Environment, Social, and Governance), bem como a tecnologia e segurança de dados.

Os estudos sobre (gestão de) projetos guardam muitas similaridades com as demais áreas da Administração. Um exemplo disso é sua capacidade de ser fonte de inspiração para livros, textos e artigos de consumo rápido, sem nenhum fundamento científico, produzidos pela mídia de negócios, o chamado pop management (Wood & Paula, 2002Wood, T., & Paula, A. (2002). Pop-management: contos de paixão, lucro e poder. Organizações & Sociedade, 9(24). Recuperado de https://doi.org/10.1590/S1984-92302002000200003
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).

A falta de rigor metodológico, compromisso com a ciência e os shows midiáticos entregues pelos gurus do project management comprometem e, no limite, reduzem esse campo do saber a discussões tático-operacionais, bem como excluem-no da formulação e implementação de estratégias corporativas per se (Unterhitzenberger, 2021Unterhitzenberger, C. (2021). Project Management Journal® Special Issue on Project Behavior. Project Management Journal, 52(6), 527-530. Recuperado de https://doi.org/10.1177/ 87569728211054716
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).

Todavia corroboramos Sabini, Muzio, e Alderman (2019Sabini, L., Muzio, D., & Alderman, N. (2019). 25 years of ‘sustainable projects’. What we know and what the literature says. International Journal of Project Management, 37(6), 820-838. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.ijproman.2019.05.002
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) quando afirmam que os projetos devem ser vistos não só como instrumentos de implementação de estratégias, mas, também, como fontes de insights estratégicos emergentes (Geraldi & Söderlund, 2018Geraldi, J. & J. Söderlund (2018). Project studies: What it is, where it is going. International Journal of Project Management, 36(1), 55-70. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.ijproman.2017.06.004
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).

Desse modo, é necessário fomentar mais intensamente pesquisas voltadas ao modo como a estratégia organizacional é, de fato, convertida em nível de projeto, bem como compreender os fatores que sustentam a comunicação e implementação de estratégias bidirecionais em projetos (Slavinski, Todorović, & Obradović, 2023Slavinski, T., Todorović, M., & Obradović, V. (2023). The past will guide us: What the future could bring according to the last 40 years of IJPM? International Journal of Project Management, 41(5), 102481. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.ijproman.2023.102481
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).

Mais do que isso, as discussões sobre gerenciamento de projetos podem debruçar-se sobre projetos sustentáveis e sustentabilidade dos projetos, ou, ainda, sobre a inteligência artificial, isto é, como as tecnologias emergentes podem ser utilizadas para melhorar o planejamento, a execução e o monitoramento dos projetos. Uma terceira possibilidade é pesquisar sobre o desenvolvimento de liderança em gerenciamento de projetos, nomeadamente em ambientes de crise. Há ainda a alternativa de discutir o gerenciamento de risco avançado, ou seja, como aprimorar a identificação e a mitigação de riscos por meio de técnicas avançadas de análise. Por fim, há sempre a perspectiva de avançar no debate sobre ética, moral, valores e propósitos organizacionais.

Tencionando contribuir para este campo de pesquisa, convidamos os professores Lavagnon Ika (University of Ottawa; University of Pretoria), Marcos Lopez Rego (PUC-Rio), Vered Holzman (The Academic College of Tel Aviv-Yaffo) e Nuno Gil (University of Manchester) para organizarem esta edição especial, cujo tema é “Provisão de infraestrutura e gerenciamento de projetos em economias de baixa e média renda”.

Todavia consideramos que o debate não estaria completo se não incluíssemos áreas do saber como a Contabilidade e o Empreendedorismo.

Assim, iniciamos esta edição com o artigo convidado, “Shareholder invisível: uma perspectiva teórica da relação entre capital natural, negócios e sociedade”. Nele, Rayla dos Santos Oliveira Dias e Aracéli Cristina de S. Ferreira demonstram que o capital natural é derivado de recursos naturais que compõem o patrimônio natural e a combinação desses recursos contribui para que os negócios criem valor. Os autores destacam que a participação da sociedade no valor gerado pelos negócios não é evidenciada pela área da Contabilidade. Assim, neste ensaio, propõem a perspectiva teórica do shareholder invisível, tendo em vista a contribuição ainda não reconhecida da sociedade como fornecedora do capital natural aos negócios.

Logo a seguir, nossos editores convidados brindam-nos com uma reflexão: “Edição especial: provisão de infraestrutura e gerenciamento de projetos em economias de baixa e média renda”.

Em “Análise histórica das condições de subdesenvolvimento em gestão no Brasil: a influência do Banco Mundial para a consolidação do gerencialismo em projetos públicos no Terceiro Mundo”, Adele de Toledo Carneiro aborda a influência das instituições multilaterais na realização de projetos de desenvolvimento no Brasil, por meio de uma revisão histórica da noção de gestão do desenvolvimento.

Ana Karine Pereira, Alexandre de Ávila Gomide, Raphael Machado e Marcela Ibiapino aplicam o método da diferença de Mill para comparar o papel dessas condições no processamento de cinco demandas socioambientais reivindicadas no contexto da implantação da hidrelétrica de Belo Monte e da pavimentação da BR-163. Assim, os resultados de “Arranjos de governança para a sustentabilidade socioambiental na implementação de grandes projetos de infraestrutura na Amazônia brasileira” indicam que a relevância dessas condições depende do contexto, e que apenas a condição “efetividade da participação social” foi identificada em todos os casos de sucesso.

No quinto artigo, intitulado “Uma abordagem territorial para o gerenciamento de projetos de infraestrutura: o caso da usina hidrelétrica de Belo Monte, Pará, Brasil”, escrito por Daniela Gomes Pinto e Marco Antonio Carvalho Teixeira, os autores recorrem a análise documental, entrevistas semiestruturadas e um estudo de caso da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia brasileira, para investigar como o emprego de uma abordagem territorial na governança da infraestrutura pode afetar o gerenciamento de projetos.

Bruna Renata Cavalcante de Barros, Eliezé Bulhões de Carvalho e Antonio Cesar Pinho Brasil Junior, em “Desempenho orçamentário e governança na gestão de projetos de infraestrutura: o caso do transporte hidroviário interior brasileiro”, buscam avaliar a execução orçamentária da infraestrutura hidroviária brasileira e os arranjos de governança, para determinar a influência desses fatores nas falhas das políticas.

No sétimo artigo, “Empreendedorismo na economia circular: uma revisão sistemática em ciclos de materiais e modelos de negócios”, escrito por Marianna Konyosi Miyashiro, Nadia Kassouf Pizzinatto, Alexandre Luzzi Las Casas e Márcio Shoiti Kuniyoshi, é conduzida uma análise, por meio de uma revisão sistemática de literatura, que investiga a caracterização do cenário atual. Para tanto, os autores examinam a correlação entre os aspectos quantitativos das publicações, as atividades econômicas envolvidas e as soluções encontradas pelos empreendimentos, por intermédio dos ciclos de materiais e modelos de negócio.

Logo a seguir, Loreni Maria dos Santos Braum, Vânia Maria Jorge Nassif, Júlio Araujo Carneiro da Cunha e Luis Eduardo Brandão Paiva desenvolvem e validam uma Escala de Mensuração da Propensão ao Empreendedorismo e seus Antecedentes (EMPEA) em “Propensão ao empreendedorismo e seus antecedentes: desenvolvimento e validação de uma escala de medição”.

“Impacto multidimensional da pesquisa: desenvolvimento e teste de um modelo para avaliação”, trabalho escrito por Thomaz Wood Junior e Adriana Wilner, tem como objetivo o desenvolvimento de um modelo de avaliação de impacto e sua aplicação experimental.

Fabio Emanuel Farago, Felipe Mendes Borini e Leonardo Augusto de Vasconcelos Gomes, em “Gestão de ecossistemas de negócios: uma visão baseada em capacidades”, dedicam-se a identificar e mapear as capacidades aplicadas à gestão de ecossistemas de negócios.

Nesta edição também apresentamos dois estudos de caso e ensino: “Comprando sua entrada: a estratégia de internacionalização do maior clube de futebol do Brasil”, escrito por Clarice Secches Kogut e João Vitor Fernandes Carvalho; “Rompendo as barreiras à participação cidadã: o caso da CGE-GO”, de autoria de Victória Vilvert Costa, Daniel Moraes Pinheiro e Everton Luis Pelizzaro de Lorenzi Cancellier.

Boa leitura!

REFERÊNCIAS

  • Geraldi, J. & J. Söderlund (2018). Project studies: What it is, where it is going. International Journal of Project Management, 36(1), 55-70. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.ijproman.2017.06.004
    » https://doi.org/10.1016/j.ijproman.2017.06.004
  • Sabini, L., Muzio, D., & Alderman, N. (2019). 25 years of ‘sustainable projects’. What we know and what the literature says. International Journal of Project Management, 37(6), 820-838. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.ijproman.2019.05.002
    » https://doi.org/10.1016/j.ijproman.2019.05.002
  • Slavinski, T., Todorović, M., & Obradović, V. (2023). The past will guide us: What the future could bring according to the last 40 years of IJPM? International Journal of Project Management, 41(5), 102481. Recuperado dehttps://doi.org/10.1016/j.ijproman.2023.102481
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  • Söderlund, J. (2004). Building theories of project management: past research, questions for the future. International Journal of Project Management, 22(3), 183-191. Recuperado de https://doi.org/10.1016/S0263-7863(03)00070-X
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  • Steen, J., Klein, G., & Potts, J. (2022). 21st-century general-purpose technologies and the future of project management. Project Management Journal, 53(5), 435-437. Recuperado de https://doi.org/10.1177/87569728221125095
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  • Unterhitzenberger, C. (2021). Project Management Journal® Special Issue on Project Behavior. Project Management Journal, 52(6), 527-530. Recuperado de https://doi.org/10.1177/ 87569728211054716
    » https://doi.org/10.1177/ 87569728211054716
  • Wood, T., & Paula, A. (2002). Pop-management: contos de paixão, lucro e poder. Organizações & Sociedade, 9(24). Recuperado de https://doi.org/10.1590/S1984-92302002000200003
    » https://doi.org/10.1590/S1984-92302002000200003

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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