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Às coisas mesmas: contribuições da epistemologia fenomenológica para os estudos de liderança

A las cosas mismas: aportes de la epistemología fenomenológica a los estudios de liderazgo

Resumo

As teorias de liderança que vêm sendo desenvolvidas desde o início do século passado representam, em sua maioria, premissas positivistas, fortemente marcadas pela separação entre sujeito e objeto, dicotomização, objetivismo, quantificação, reprodução, validação. Com base nisso, argumentamos que o campo carece de abordagens epistemológicas que desafiem o mainstream dos estudos de liderança. Nesse intuito, a fenomenologia pode fundamentar a possibilidade para o entendimento da liderança enquanto um fenômeno no mundo. Em termos teóricos, a fenomenologia é um retorno aos atos por meio dos quais se tem conhecimento dos objetos: por isso a proposta de se voltar às coisas mesmas. Desse modo, o objetivo deste artigo é analisar as contribuições da fenomenologia para os estudos em liderança. Para tanto, de modo a interagir com tais lacunas identificadas no campo de estudos de liderança, exploramos o resgate do mundo-da-vida frente ao objetivismo; à reconciliação entre sujeito e objeto; à atribuição de sentidos; à epoché e à mudança de posicionamento.

Palavras-chave:
Liderança; Fenomenologia; Epistemologia; Epoché

Resumen

Las teorías del liderazgo que se han desarrollado desde principios del siglo pasado representan, en su mayoría, premisas positivistas, fuertemente marcadas por la separación entre sujeto y objeto, dicotomización, objetivismo, cuantificación, reproducción y validación. A partir de esto, argumentamos que el campo carece de enfoques epistemológicos que desafíen la corriente principal de los estudios de liderazgo. Para ello, la fenomenología puede sustentar la posibilidad de entender el liderazgo como un fenómeno en el mundo. En términos teóricos, la fenomenología es una vuelta a los actos a través de los cuales se conocen los objetos, de ahí la propuesta de volver a las cosas mismas. Así, el objetivo de este artículo es analizar las contribuciones de la fenomenología a los estudios de liderazgo. Por tanto, para interactuar con tales vacíos identificados en el campo de los estudios de liderazgo, exploramos el rescate del mundo de la vida frente al objetivismo; la reconciliación entre sujeto y objeto, atribución de significados; la epoché y el cambio de posición.

Palabras clave:
Liderazgo; Fenomenología; Epistemología; Epoché

Abstract

Leadership theories developed since the beginning of the last century primarily represent positivist premises, strongly marked by the separation between subject and object, dichotomization, objectivism, quantification, reproduction, and validation. Based on this, we argue that the field needs epistemological approaches that challenge the mainstream of leadership studies. To this end, phenomenology can ground the possibility of understanding leadership as a world phenomenon. In theoretical terms, phenomenology is a return to the acts through which we gain knowledge of objects, thus the proposal to return to the things themselves. This article analyzes the contributions of phenomenology to leadership studies. In order to interact with such identified gaps in leadership studies, we explore the rescue of the lifeworld in the face of objectivism, the reconciliation between subject and object, the attribution of meanings, the epoché, and the change of positioning.

Keywords:
Leadership; Phenomenology; Epistemology; Epoché

INTRODUÇÃO

As pesquisas no campo da liderança são fortemente dominadas por premissas positivistas, funcionalistas (Avolio, Walumbwa, & Weber, 2009Avolio, B. J., Walumbwa, F. O., & Weber, T. J. (2009). Leadership: Current Theories, Research, and Future Directions. Annual Review of Psychology, 60, 421-449. Recuperado de https://doi.org/10.1146/annurev.psych.60.110707.163621
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; Case, French, & Simpson, 2011Case, P., French, R., & Simpson, P. (2011). Philosophy of Leadership. In A. Bryman, D. Collinson, K. Grint, B. Jackson, & M. Uhl-Bien (Eds.), The Sage handbook of leadership. London, UK: SAGE.; Ford, 2010Ford, J. (2010). Studying Leadership Critically: A Psychosocial Lens on Leadership Identities. Leadership, 6(1), 47-65. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1742715009354235
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; Tal & Gordon, 2016Tal, D., & Gordon, A. (2016). Leadership of the present, current theories of multiple involvements: a bibliometric analysis. Scientometrics, 107, 259-269. Recuperado de https://doi.org/10.1007/s11192-016-1880-y
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), que tendem a privilegiar a medição e a quantificação, o objetivismo e o pensamento instrumental, em lugar da atenção aos contextos e ao significado atribuído à experiência. Nessa senda, identificamos impulsos dicotomizantes (líder-seguidor), busca pela validação de uma só realidade generalizante, predomínio de linguagem positiva que marca os interesses de posições de poder, obediência e admiração. Diante disso, nosso ponto de partida é de que premissas da fenomenologia podem, sobremaneira, contribuir para os estudos de liderança, na medida em que entendemos a liderança como um fenômeno no mundo, em que relativizamos o posicionamento dogmático em relação a uma realidade tida como efetiva. Como? Qual a contribuição da fenomenologia para a compreensão do fenômeno da liderança?

Em primeiro lugar, podemos considerar que o mundo que nos cerca não é um mundo de leis físicas, causalidades e objetos naturais, no qual vivemos e agimos; um conjunto de contextos significativos vivenciados que são irredutíveis aos objetos puramente naturais. No lastro de mudança na forma como vivemos em sociedade, por exemplo, as facilitações advindas da inserção tecnológica em larga escala podem ser analisadas sob diferentes perspectivas. Por um lado, facilitam processos da vida cotidiana, como a comunicação e a globalização da economia; por outro lado, cada vez mais nos disponibilizam excessivamente ao trabalho. Pelo signo do engajamento e da alta performance, relativizamos nossa autonomia, nossa subjetividade e docilmente entregamos nossos corpos e mentes ao projeto do empreendedorismo de si (Han, 2015Han, B. C. (2015). Sociedade do cansaço. São Paulo, SP: Editora Vozes Limitada.). O espaço da crítica, da reflexão, da nossa experiência humana autêntica (Arendt, 2020Arendt, H. (2020). A condição humana (13a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.) foi sendo capturado e ocupado por soluções rápidas, checklists, metodologias cartesianas que, de certa maneira, oprimem e solapam a nossa capacidade de interagir com, e transformar o nosso entorno. Essas mudanças influenciam a forma como experienciamos a contemporaneidade, como estabelecemos relações. Do mesmo modo, o fenômeno da liderança é alcançado por essas influências. Até que ponto as teorias sobre liderança alcançam essas novas condições de possibilidade para tal experiência?

Liderar é lidar com a mudança (Kotter, 2001Kotter, J. P. (2001). What leaders really do. Harvard Business Review, 79(11). Recuperado de https://hbr.org/2001/12/what-leaders-really-do
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), a qual, geralmente, é um processo desconfortável, atemorizante, por vezes, na medida em que o porvir permanece velado. Entretanto, a contemporaneidade exige que as organizações se transformem e, nesse sentido, a liderança pode ser vista como processo relevante direcionado a uma maior capacidade adaptativa (Heifetz, Grashow, & Linsky, 2009Heifetz, R., Grashow, A., & Linsky, M. (2009). The practice of adaptive leadership: Tools and tactics for changing your organization and the world. Boston, MA: Harvard Business Publishing.). Como escreveu Kellerman (2012Kellerman, B. (2012). The end of leadership. New York, NY: HarperCollins., p. 10), “[...] tudo é vulnerável às vicissitudes da mudança - uma regra geral à qual a liderança não é exceção”. A pandemia, talvez, tenha sido um prelúdio nesse sentido, pois se espera uma transformação de mercado sem precedentes segundo o que prometem novos atores, como inteligência artificial, robótica e big data, com implicações duradouras para a liderança (Puaschunder, 2023Puaschunder, J. M. (2023). Leadership and change implications of freedom in the age of artificial intelligence. In S. K. Dhiman (Ed.), The Routledge Companion to Leadership and Change. New York, NY: Routledge .). Em meio a esse desdobrar-se contínuo de desafios, de que modo os estudos de liderança procuram endereçar respostas e construir esclarecimentos?

A liderança é um fenômeno plural e complexo. Pode ser percebida como um processo dinâmico de influência social (Banks, Dionne, Mast, & Sayama, 2022Banks, G. C., Dionne, S. D., Mast, M. S., & Sayama, H. (2022). Leadership in the digital era: A review of who, what, when, where, and why. The Leadership Quarterly, 33(5). Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2022.101634
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) ou como aquilo que um grupo de sujeitos faz dela dentro do tecido simbólico (Grint, Jones, & Holt, 2016Grint, K., Jones, O. S., & Holt, C. (2016). What is leadership: person, result, position or process, or all or none of these? In J. Storey, J. Hartley, J. L. Denis, P. t’Hart, & D. Ulrich (Eds.), The Routledge Companion to Leadership. Abingdon, UK: Routledge.). Também pode ser pesquisada como pessoa (quem), resultado (o que), posição (onde), propósito (por que) e processo (como) (Grint et al., 2016). Eventualmente, a liderança está ligada a uma pessoa; geralmente, a uma relação; pode ser um fenômeno de grupo (liderança compartilhada); ou qualquer função que exerça algum tipo de influência; e, até mesmo, a ausência de um líder (autoliderança) (Alvesson, 2019Alvesson, M., & Einola, K. (2019). Warning for excessive positivity: Authentic leadership and other traps in leadership studies. The Leadership Quarterly, 30(4), 383-395. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2019.04.001
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).

O contexto em que a liderança é praticada continua a mudar à medida que nossa compreensão do conceito se expande (Allen et al., 2022Allen, S. J., Rosch, D. M., Ciulla, J. B., Dugan, J. P., Jackson, B., … Johnson Spiller, C. (2022). Proposals for the future of leadership scholarship: Suggestions in Phronesis. Leadership, 18(4), 563-589. Recuperado de https://doi.org/10.1177/17427150221091363
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). Os estudos de liderança acompanham esse permanente transformar-se. Com efeito, a busca por um conceito formal de liderança pode ser realmente “enlouquecedor” (Alvesson, 2019Alvesson, M., & Einola, K. (2019). Warning for excessive positivity: Authentic leadership and other traps in leadership studies. The Leadership Quarterly, 30(4), 383-395. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2019.04.001
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, p. 28). Seja pela dimensão que o campo alcança, seja pela relevância e atualidade do seu fenômeno, muitas críticas são endereçadas aos estudos de liderança, boa parte delas de ordem epistemológica. Para alguns estudiosos, o campo está sobrecarregado com análises quantitativas e positivistas convencionais, que dominam a pesquisa na área (Avolio et al., 2009Avolio, B. J., Walumbwa, F. O., & Weber, T. J. (2009). Leadership: Current Theories, Research, and Future Directions. Annual Review of Psychology, 60, 421-449. Recuperado de https://doi.org/10.1146/annurev.psych.60.110707.163621
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; Case et al., 2011Case, P., French, R., & Simpson, P. (2011). Philosophy of Leadership. In A. Bryman, D. Collinson, K. Grint, B. Jackson, & M. Uhl-Bien (Eds.), The Sage handbook of leadership. London, UK: SAGE.; Ford, 2010Ford, J. (2010). Studying Leadership Critically: A Psychosocial Lens on Leadership Identities. Leadership, 6(1), 47-65. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1742715009354235
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; Tal & Gordon, 2016Tal, D., & Gordon, A. (2016). Leadership of the present, current theories of multiple involvements: a bibliometric analysis. Scientometrics, 107, 259-269. Recuperado de https://doi.org/10.1007/s11192-016-1880-y
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), com pesquisas vistas fundamentalmente como tautológicas (Alvesson, 2020Alvesson, M. (2020). Upbeat leadership: A recipe for - Or against - “Successful” leadership studies. The Leadership Quarterly, 31(6), 101439. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2020.101439
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) e falhas em representar a realidade organizacional (Pfeffer, 2015Pfeffer, J. (2015). Leadership BS: Fixing workplaces and careers one truth at a time. New York, NY: Harper Collins.).

De acordo com o exposto, apresentamos a fenomenologia como epistemologia para iluminar novos caminhos para a pesquisa em liderança e extrapolar o mainstream da área. A fenomenologia, enquanto filosofia preocupada com o mundo-da-vida, pode fundamentar a possibilidade de entendimento da liderança enquanto um fenômeno no mundo. Algumas pesquisas já sustentaram a contribuição da fenomenologia para os estudos no âmbito das organizações. Boava e Macedo (2011Boava, D. L. T., & Macedo, F. M. F. (2011). Contribuições da fenomenologia para os estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 469-487. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S1679-39512011000600003
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), por exemplo, discutem elementos da fenomenologia que viabilizam outra possibilidade de compreensão dos fenômenos administrativos. Painter, Pérezts, e Deslandes (2021Painter, M., Pérezts, M., & Deslandes, G. (2021). Understanding the human in stakeholder theory: a phenomenological approach to affect-based learning. Management Learning, 52(2), 203-223. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1350507620978860
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) utilizam a fenomenologia para revisitar a Teoria dos Stakeholders, a fim de destacar importantes implicações pedagógicas sobre como ela é ensinada em programas de aprendizagem e educação em gestão. Por fim, Gill (2014Gill, M. J. (2014). The Possibilities of Phenomenology for Organizational Research. Organizational Research Methods, 17(2), 118-137. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1094428113518348
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), em âmbito metodológico, apresenta uma tipologia com cinco metodologias fenomenológicas e suas possibilidades para os estudos nas organizações. No entanto, percebemos que muito pode ser feito quando olhamos para os estudos em liderança, pois a contabilização da vivência1 Vicente Reis Medeiros - Doutorando em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: vicente.medeiros@edu.pucrs.br; vicente@vicentemedeiros.com.br de liderar e seguir permanece seriamente subexaminada (Ladkin, 2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.).

Em termos teóricos, a fenomenologia é um retorno aos atos por meio dos quais se tem conhecimento dos objetos; por isso, a proposta de se voltar às coisas mesmas. Esse retorno é propiciado, inicialmente, mediante um contraste de atitudes. Diferentemente da atitude natural, em que os interesses teóricos e práticos são dirigidos aos seres do mundo, na atitude fenomenológica trata-se de suspender esse interesse para se ocupar com o modo como os fenômenos se dão à consciência. A epistemologia fenomenológica quebra a atitude natural e muda o foco de atenção: em vez do objeto experienciado ou do sujeito que experiencia, tem-se como fulcro o ato de experienciar (Faria, 2022Faria, J. H. (2022). Introdução à epistemologia: dimensões do ato epistemológico. Jundiaí, SP: Paco.). Ela abraça a importância do significado nos processos humanos de criação de sentido, reconhece o impacto de aspectos ausentes ou invisíveis de uma entidade e, ao fazê-lo, alerta-nos para a possibilidade de que, ao explorar um fenômeno como a liderança, o que não se vê pode ser tão importante quanto o que se vê (Ladkin, 2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.). Com isso, tenta-se obter uma imagem de uma forma de vida como realmente vivida (Pietersma, 2000Pietersma, H. (2000). Phenomenological epistemology. New York, NY: Oxford University Press.). Em termos práticos, argumentamos que estudos de liderança orientados pela abordagem fenomenológica nos permitem acessar a experiência (o mundo da experiência), a realidade e o sentido das coisas, o conhecimento cotidiano.

Entre os méritos epistemológicos da fenomenologia, está a contribuição para libertar as ciências positivas de teorizações pseudocientíficas muito difundidas por meio de sua crítica aguda a correntes como objetivismo e cientificismo, além da oferta de análises concretas que são relevantes para uma série de ciências empíricas (Zahavi, 2019Zahavi, D. (2019). Fenomenologia para iniciantes. Rio de Janeiro, RJ: Via Veritas.). Nos estudos de liderança, a fenomenologia permite o acesso a territórios emergentes e obscuros, amplamente ignorados pelos cientistas sociais - que pretendem definir, avaliar e manipular a liderança -, como os aspectos qualitativos, experimentados e ausentes dos fenômenos, pois fornece uma linguagem e uma abordagem singulares. Também oferece um conjunto de conceitos que permitem refletir sobre a experiência da liderança de forma mais complexa e multidimensional e traz a experiência de quem lidera ou está sendo liderado diretamente para o centro daquilo que constitui a liderança (Ladkin, 2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.).

Isso posto, considerando o percurso de desenvolvimento do campo de estudos de liderança, as lacunas identificadas e o potencial das premissas da fenomenologia para contribuir como uma abordagem complementar aos estudos de liderança, o objetivo deste estudo é analisar as contribuições da fenomenologia para os estudos em liderança. Para tanto, na seção a seguir, apresentamos o contexto dos estudos de liderança, percurso histórico e escolas de pensamento. Depois, identificamos “problemas”, “lacunas”, “cartesianismos” nos estudos em liderança que nos impedem de compreendê-la enquanto um fenômeno no mundo-da-vida. Na seção seguinte, são descritos os principais conceitos sobre fenomenologia. Em seguida, apresentamos contribuições da fenomenologia para os estudos em liderança. Como discussão e reflexões finais, propomos uma agenda de pesquisa para os estudos de liderança baseada em premissas fenomenológicas.

O CONTEXTO DA LIDERANÇA: PERCURSO HISTÓRICO E ESCOLAS DE PENSAMENTO

A gênese da pesquisa em liderança nos remete à década de 1930 (House & Aditya, 1997House, R. J., & Aditya, R. N. (1997). The social scientific study of leadership: quo vadis? Journal of Management, 23(3), 409-473. Recuperado de https://doi.org/10.1016/S0149-2063(97)90037-4
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), mas há autores que apontam para o período de passagem do século XIX ao XX (Day & Antonakis, 2012Day, D. V., & Antonakis, J. (2012). Leadership: Past, present, and future. In J. Antonakis, & D. V. Day (Eds.), The nature of leadership. Thousand Oaks, CA: SAGE.). Nos primeiros anos, a pesquisa era praticamente ateórica e puramente indutiva, com uma literatura baseada em um limitado conjunto de suposições que refletiam, principalmente, a cultura industrializada do Ocidente. A maioria das teorias e das evidências empíricas, além disso, refletia características norte-americanas, como individualismo, hedonismo, centralidade de trabalho e ênfase na racionalidade (House & Aditya, 1997House, R. J., & Aditya, R. N. (1997). The social scientific study of leadership: quo vadis? Journal of Management, 23(3), 409-473. Recuperado de https://doi.org/10.1016/S0149-2063(97)90037-4
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).

Em meio à pluralidade de perspectivas que compõem o campo, Day e Antonakis (2012Day, D. V., & Antonakis, J. (2012). Leadership: Past, present, and future. In J. Antonakis, & D. V. Day (Eds.), The nature of leadership. Thousand Oaks, CA: SAGE.) destacam nove escolas de pensamento. A primeira delas, a perspectiva baseada em traços, foi elaborada no entreguerras e retornou nos anos 1980, revisitada, como liderança transformacional (Tal & Gordon, 2020Tal, D., & Gordon, A. (2020). Leadership as an Autonomous Research Field: A Bibliometric Analysis. Society, 57, 489-495. Recuperado de https://doi.org/10.1007/s12115-020-00522-2
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). Sob essa perspectiva, algumas características disposicionais (atributos estáveis da personalidade ou traços) diferenciam líderes de não líderes; entre elas, a inteligência e sua relação com a eficácia. A partir da década de 1950, a perspectiva comportamental concentra-se nos comportamentos que os líderes adotam, bem como no modo como eles tratam os seguidores. Além disso, foram identificados dois fatores abrangentes de liderança, referidos como “consideração” (solidário, orientado para a pessoa) e “estrutura inicial” (diretivo, orientado para a tarefa).

Na década de 1960, são preponderantes os estudos sob a perspectiva da contingência, segundo a qual o estilo da liderança seria circunstancial e, em grande parte, condicionado pela situação. Em seguida, emerge a perspectiva relacional, baseada na Teoria da Ligação da Díade Vertical e que se desenvolveu concentrando-se nas trocas entre líderes e liderados (isto é, Leader-Member Exchange [LMX]). Nos anos 1970-1980, o estudo da liderança sofre novas mudanças em virtude de críticas quanto à validação dos questionários e quanto à relevância de produção de resultados práticos. Assim, emerge a perspectiva cética, que considera que aquilo que os líderes fazem pode ser amplamente irrelevante e que a própria liderança pode ser inexistente ou até mesmo desnecessária. A escola do processamento de informação, por sua vez, buscou entender como e por que um líder é legitimado por meio do processo de correspondência entre suas características pessoais (traços da personalidade) e as expectativas prototípicas que os seguidores têm de um líder.

A nova escola de liderança, situada entre as décadas de 1980-1990, inclui abordagens denominadas liderança neocarismática, liderança visionária e, a mais proeminente dentre elas, a liderança transformacional. Nessa perspectiva, emerge um novo tipo de liderança, aquela que é baseada em um sentido de propósito e de missão idealizada. Além disso, os comportamentos inspiradores do líder induzem os seguidores a transcender seus interesses em nome de um bem maior. Por fim, as perspectivas biológicas e evolutivas, a partir dos anos 2000, aproximam-se das hard science em termos de mensuração de diferenças individuais diretamente observáveis (variáveis biológicas ou processos).

Para Sorenson, Goethals, e Haber (2011Sorenson, G., Goethals, G. R., & Haber, P. (2011). The Enduring and Elusive Quest for a General Theory of Leadership: Initial Efforts and New Horizons. In A. Bryman, D. Collinson, , B. Jackson, & M. Uhl-Bien (Eds.), The Sage handbook of leadership. Washington, DC: Sage.), o fenômeno da liderança está intimamente associado ao crescimento da ciência do comportamento organizacional que se desenvolveu principalmente nos Estados Unidos, no século passado. Como disciplina, procurou fornecer respostas a questões relativas à melhor forma de liderar e governar no contexto da vida institucional e empresarial daquele país. Segundo os autores, a moda da época era buscar direção na ciência. Consequentemente, os estudos de liderança se posicionaram como uma suposta ciência da conduta individual, informada predominantemente pela teoria psicológica e econômica.

Wilson (2017Wilson, S. (2017). Questioning Progress and Innocence: An Inconvenient Analysis of the Field of Leadership Studies. Academy of Management Proceedings, 2015(1). Recuperado de https://doi.org/10.5465/ambpp. 2015.11813abstract
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), no entanto, enxerga o campo de outro modo. A autora é crítica quanto ao processo de desdobramento histórico que fez emergir diferentes escolas de pensamento - por sinal, críticas não faltam aos estudos de liderança, conforme será visto na próxima seção. Para a autora, não se trata de um olhar “científico” de progresso de conhecimento sempre mais robusto e edificável, que moldou seu percurso histórico. Em vez disso, o que era considerado problemático e exigente de resposta mudou: os estudiosos empregaram mecanismos de produção e distribuição de conhecimento, conectaram suas ideias com crenças e valores amplamente aceitos e produziram repetidamente uma nova versão da verdade alinhada a esses fatores. Com efeito, é possível observar o surgimento de modos, tão distintos entre si, de enxergar e estudar a liderança. Wilson (2017Wilson, S. (2017). Questioning Progress and Innocence: An Inconvenient Analysis of the Field of Leadership Studies. Academy of Management Proceedings, 2015(1). Recuperado de https://doi.org/10.5465/ambpp. 2015.11813abstract
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) também busca justificar porque, ao longo do tempo, algumas abordagens ganharam mais ou menos interesse, culminando, assim, na formação de ilhas de pensamento no interior do próprio campo (Ashford & Sitkin, 2019Ashford, S. J., & Sitkin, S. B. (2019). From problems to progress: A dialogue on prevailing issues in leadership research. The Leadership Quarterly, 30(4), 454-460. Recuperado de https://doi.org/10.1016/J.LEAQUA.2019.01.003
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).

Para fins de análise, podemos resumir e considerar a existência de quatro teorias contemporâneas sobre a liderança e que serão articuladas adiante neste artigo: a) teorias dos traços; b) teorias comportamentais; c) teorias contingenciais; d) teorias neocarismáticas (Fagundes & Seminotti, 2009). A seguir, apresentamos algumas críticas e desafios impostos aos estudos de liderança.

DESAFIOS E OPORTUNIDADES: LACUNAS NO CAMPO DE ESTUDOS DA LIDERANÇA

Como mencionado anteriormente, seja pela magnitude do campo, seja pela relevância do seu fenômeno de estudo, críticas não faltam aos estudos de liderança. Podemos, ainda, apontar uma corrente específica, chamada de estudos críticos de liderança, que desafia perspectivas hegemônicas e critica as relações de poder e as construções identitárias por meio das quais as dinâmicas de liderança são frequentemente reproduzidas, frequentemente racionalizadas, às vezes encontram resistência e ocasionalmente são transformadas (Collinson, 2019Collinson, D. L. (2019). Critical Leadership Studies: Exploring the Dialectics of Leadership. In R. E. Riggio (Ed.), What’s wrong with leadership? Improving leadership research and practice. New York, NY: Routledge.). Entendemos que essa particularidade seja positiva, pois aponta para um horizonte de maturidade epistemológica que, de certo modo, revela o interesse em aperfeiçoar as práticas e perspectivas adotadas nesse contexto.

A proliferação e redundância de perspectivas é uma das características que assola o campo. Para Ford, Harding, e Gilmore (2022Ford, J., Harding, N., & Gilmore, S. (2022). Re/searching leadership: A critique in two agonies and nine fits. Human Relations, 76(6), 809-832. Recuperado de https://doi.org/10.1177/00187267221079167
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), essa produtividade parece ser alimentada por uma busca incessante e inatingível por novas teorias de liderança. Além do “fracasso” em descobrir uma teoria geral viável, mesmo depois de 150 anos de pesquisa (Ford et al., 2022Ford, J., Harding, N., & Gilmore, S. (2022). Re/searching leadership: A critique in two agonies and nine fits. Human Relations, 76(6), 809-832. Recuperado de https://doi.org/10.1177/00187267221079167
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), existem ainda problemas amplos como falta de replicação, uso de atalhos metodológicos (p-hacking) e descuidos em conceitualização e operacionalização das investigações (Ashford & Sitkin, 2019Ashford, S. J., & Sitkin, S. B. (2019). From problems to progress: A dialogue on prevailing issues in leadership research. The Leadership Quarterly, 30(4), 454-460. Recuperado de https://doi.org/10.1016/J.LEAQUA.2019.01.003
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).

Apesar da variedade de perspectivas sobre o tema, a mesma diversidade não é encontrada em termos epistemológicos. A maior parte das pesquisas sobre liderança ainda parece ser guiada pelos pressupostos funcionalistas (Burrell & Morgan, 1979Burrell, G., & Morgan, G. (1979). Sociological paradigms and organizational analysis. London, UK: Heinemann.). Não somente se reconhece o domínio de análises quantitativas e positivistas (Avolio et al., 2009Avolio, B. J., Walumbwa, F. O., & Weber, T. J. (2009). Leadership: Current Theories, Research, and Future Directions. Annual Review of Psychology, 60, 421-449. Recuperado de https://doi.org/10.1146/annurev.psych.60.110707.163621
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; Case et al., 2011Case, P., French, R., & Simpson, P. (2011). Philosophy of Leadership. In A. Bryman, D. Collinson, K. Grint, B. Jackson, & M. Uhl-Bien (Eds.), The Sage handbook of leadership. London, UK: SAGE.; Ford, 2010Ford, J. (2010). Studying Leadership Critically: A Psychosocial Lens on Leadership Identities. Leadership, 6(1), 47-65. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1742715009354235
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; Tal & Gordon, 2016Tal, D., & Gordon, A. (2016). Leadership of the present, current theories of multiple involvements: a bibliometric analysis. Scientometrics, 107, 259-269. Recuperado de https://doi.org/10.1007/s11192-016-1880-y
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), como também a literatura científica tem sido tradicionalmente ancorada por estudiosos cuja base encontra-se em uma tradição de psicologia organizacional-industrial, que trabalham em medições e teorizações precisas e empregam metodologias estatisticamente complexas (Ashford & Sitkin, 2019Ashford, S. J., & Sitkin, S. B. (2019). From problems to progress: A dialogue on prevailing issues in leadership research. The Leadership Quarterly, 30(4), 454-460. Recuperado de https://doi.org/10.1016/J.LEAQUA.2019.01.003
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). Segundo Wilson (2017Wilson, S. (2017). Questioning Progress and Innocence: An Inconvenient Analysis of the Field of Leadership Studies. Academy of Management Proceedings, 2015(1). Recuperado de https://doi.org/10.5465/ambpp. 2015.11813abstract
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, p. 25), essa tendência torna “mais confiável e digno de atenção” aquilo que pode ser facilmente quantificado de acordo com os padrões aceitos de análise estatística, enquanto se ignora amplamente aquilo que não pode ser quantificado. Para Collinson (2020Collinson, D. L. (2020). ‘Only Connect!’: Exploring the Critical Dialectical Turn in Leadership Studies. Organization Theory, 1(2), 1-22. Recuperado de https://doi.org/10.1177/2631787720913878
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), a maioria dos estudos de liderança se insere no que ele chama de paradigma mainstream-heroico. Eles se concentram nas qualidades e práticas dos líderes, incorporam ampla gama de teorias e dirigem sua atenção aos líderes individuais. Esses estudos, segundo Collinson (2020), dão pouca atenção aos contextos e às relações da dinâmica de liderança ou às suas condições e consequências estruturais e culturais. Grande parte dessa pesquisa articula os valores positivistas e funcionalistas que predominam nos Estados Unidos desde a década de 30.

Com efeito, essa abordagem é alvo de uma série de críticas. Entre elas, está o problema do impulso dicotomizante (binários opositores), como líder e seguidor, teoria X e teoria Y etc. A dicotomia cria alternativas mutuamente exclusivas (Collinson, 2019Collinson, D. L. (2019). Critical Leadership Studies: Exploring the Dialectics of Leadership. In R. E. Riggio (Ed.), What’s wrong with leadership? Improving leadership research and practice. New York, NY: Routledge.), o que torna os estudos incapazes de capturar nuances, pela simples razão de excluírem a possibilidade de bifurcar caminhos para múltiplas respostas (Spoelstra, Butler, & Delaney, 2020Spoelstra, S., Butler, N., & Delaney, H. (2020). Measures of Faith: Science and Belief in Leadership Studies. Journal of Management Inquiry, 30(3), 300-311. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1056492620901793
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). Além disso, as teorias são discutidas em termos de rigor metodológico (o contexto da justificação), em vez de escrutinadas criticamente (o contexto da descoberta) (Spoelstra, Butler, & Delaney, 2016Spoelstra, S., Butler, N., & Delaney, H. (2020). Measures of Faith: Science and Belief in Leadership Studies. Journal of Management Inquiry, 30(3), 300-311. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1056492620901793
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), em uma atitude marcada pela fé, seja nos conceitos de liderança, seja na liderança como ciência - Spoelstra et al. (2020Spoelstra, S., Butler, N., & Delaney, H. (2020). Measures of Faith: Science and Belief in Leadership Studies. Journal of Management Inquiry, 30(3), 300-311. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1056492620901793
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). A esse respeito, Antonakis, Bendahan, Jacquart, e Lalive (2010Antonakis, J., Bendahan, S., Jacquart, P., & Lalive, R. (2010). On making causal claims: A review and recommendations. The Leadership Quarterly, 21(6), 1086-1120. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2010.010
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) afirmam que grande parte da pesquisa empírica é limitada por especificações estatísticas incorretas e prejudiciais à confiabilidade dos resultados.

Com método hipotético-dedutivo e seus instrumentos psicométricos, a pesquisa é vista ainda como responsável por alavancar e popularizar adjetivos de liderança (autêntica, servidora etc.). Para Spoelstra (2019Spoelstra, S. (2019). The paradigm of the charismatic leader. Leadership, 15(6), 744-749. Recuperado de https://doi.org/10.1177/ 1742715019853946
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), estes apontam para construtos projetados com o objetivo de produzir resultados positivos, que encerram abruptamente o questionamento, pedem obediência, admiração e testes mecânicos. Conceitualmente, estudos também apontam imprecisões na definição e medição de construtos nos estudos sobre estilos de liderança (van Knippenberg & Sitkin, 2013van Knippenberg, D., & Sitkin, S. B. (2013). A critical assessment of charismatic-transformational leadership research: Back to the drawing board? The Academy of Management Annals, 7(1), 1-60. Recuperado de https://doi.org/10.1080/19416520.2013.759433
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). Ademais, questiona-se como é possível medir quantitativamente elementos como carisma e autenticidade (Alvesson & Einola, 2019Alvesson, M., & Einola, K. (2019). Warning for excessive positivity: Authentic leadership and other traps in leadership studies. The Leadership Quarterly, 30(4), 383-395. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2019.04.001
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; Spoelstra et al., 2020Spoelstra, S., Butler, N., & Delaney, H. (2020). Measures of Faith: Science and Belief in Leadership Studies. Journal of Management Inquiry, 30(3), 300-311. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1056492620901793
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), ou mesmo defini-los como categorias fixas. Segundo Fischer e Sitkin (2023Fischer, T., & Sitkin, S. B. (2023). Leadership Styles: A Comprehensive Assessment and Way Forward. Academy of Management Annals, 17(1), 331-372. Recuperado de https://doi.org/10.5465/annals.2020.0340
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), as incongruências identificadas na pesquisa sobre os estilos de liderança podem ser, também, relacionadas à lógica de pesquisa válida que domina o campo por mais de setenta anos.

Segundo Alvesson e Einola (2019Alvesson, M., & Einola, K. (2019). Warning for excessive positivity: Authentic leadership and other traps in leadership studies. The Leadership Quarterly, 30(4), 383-395. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2019.04.001
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), outra série de críticas lançadas aos estudos de liderança trata do excesso de positividade, identificado nos últimos 15 anos como a liderança do Prozac (Collinson, 2012Collinson, D. L. (2012). Prozac leadership and the limits of positive thinking. Leadership, 8(2), 87-107. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1742715011434738
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). Para Alvesson e Einola (2019Alvesson, M. (2019). Waiting for Godot: Eight major problems in the odd field of leadership studies. Leadership, 15(1), 27-43. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1742715017736707
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), trata-se de ideologias otimistas, que alimentam as fantasias do líder como assunto central e relutam em abordar questões de poder e privilégio (Collinson, 2019Collinson, D. L. (2019). Critical Leadership Studies: Exploring the Dialectics of Leadership. In R. E. Riggio (Ed.), What’s wrong with leadership? Improving leadership research and practice. New York, NY: Routledge.). Em seu estudo, Learmonth e Morrell (2021Learmonth, M., & Morrell, K. (2021). ‘Leadership’ as a Project: Neoliberalism and the Proliferation of ‘Leaders’ Organization Theory, 2(4), 1-19. Recuperado de https://doi.org/10.1177/26317877211036708
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) procuraram mostrar como a liderança pode ser reconhecível como um projeto político neoliberal. Para os autores, a linguagem da “liderança” representa uma oportunidade particularmente sutil, mas poderosa, para que a busca dos interesses individuais da elite seja disfarçada. Em certo sentido, o rótulo (“líder”) é comemorativo: predispõe-nos a ver as elites de maneira excessivamente positiva e lança um véu sobre o antagonismo estruturado no cerne da relação de trabalho.

Nesse contexto, podemos mencionar críticas dedicadas aos estudos de liderança, tendo como base a síntese de deficiências identificadas por Alvesson (2019Alvesson, M., & Einola, K. (2019). Warning for excessive positivity: Authentic leadership and other traps in leadership studies. The Leadership Quarterly, 30(4), 383-395. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2019.04.001
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).

  • Hollywoodização e Disneylândia: vistas como ideologias. A primeira, pela mitologia do herói e indispensabilidade da liderança; a segunda como celebração da virtude moral do líder.

  • Sistema fechado: a liderança é abstraída, formada por uma unidade limitada que negligencia outras forças envolvidas e controladoras da vida organizacional.

  • Dois tipos de pessoa: dicotomia líder-seguidor, a qual não leva em conta que um gerente ou CEO também pode ser subordinado a, por exemplo, conselho de administração, clientes, legislação etc.

  • Abelhas e pote de mel: representa os benefícios do vocabulário de liderança em relação a melhores possibilidades de emprego e promoção entre acadêmicos, bem como à fonte lucrativa para cursos de desenvolvimento.

  • Reificação: atitude de tornar a liderança um “isto”, um fenômeno aparentemente coerente, integrado e sólido e objeto adequado para medição.

  • Tautologia: um comportamento, uma habilidade ou prática são definidos pelos efeitos que criam.

  • Hiper-realidade: as práticas de pesquisa (questionários, falta de observação, experimentos artificiais) tornam instável muito do conhecimento produzido.

Diante disso, o que se argumenta é que as teorias de liderança acabam por refletir os interesses dos proponentes da época (e de modo superficial), capturando o que é popularizado nos negócios, acompanhando o ciclo de vida das modas gerenciais (Spoelstra et al., 2016Spoelstra, S., Butler, N., & Delaney, H. (2016). Never let an academic crisis go to waste: Leadership Studies in the wake of journal retractions. Leadership, 12(4), 383-397. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1742715016658215
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). Para Case et al. (2011Case, P., French, R., & Simpson, P. (2011). Philosophy of Leadership. In A. Bryman, D. Collinson, K. Grint, B. Jackson, & M. Uhl-Bien (Eds.), The Sage handbook of leadership. London, UK: SAGE.), todo o campo da pesquisa em liderança é dominado por uma propensão ao cientificismo e ao pensamento instrumental, que não atendem às necessidades cognitivas e afetivas dos praticantes organizacionais. Nesse caso, recomenda-se que os pesquisadores abracem as críticas dominantes da ciência, buscando formas alternativas de estudar o fenômeno (Spoelstra et al., 2016Spoelstra, S., Butler, N., & Delaney, H. (2020). Measures of Faith: Science and Belief in Leadership Studies. Journal of Management Inquiry, 30(3), 300-311. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1056492620901793
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). Sugere-se, também, um prazo para observação de novos comportamentos de líderes, até que seja possível integrar cumulativamente o que se tem teoricamente (Banks, Gooty, Ross, Williams, & Harrington, 2018Banks, G. C., Gooty, J., Ross, R. L., Williams, C. E., & Harrington, N. T. (2018). Construct redundancy in leader behaviors: A review and agenda for the future. The Leadership Quarterly, 29(1), 236-251. Recuperado de https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2017.12.005
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), bem como uma migração da dicotomia para a dialética (Collinson, 2019Collinson, D. L. (2019). Critical Leadership Studies: Exploring the Dialectics of Leadership. In R. E. Riggio (Ed.), What’s wrong with leadership? Improving leadership research and practice. New York, NY: Routledge.).

Todas essas críticas, com efeito, provocam profundas reflexões. Mais do que levar a pensar “o que” estamos estudando - visto que, aparentemente, o consenso é tarefa impossível -, elas nos fazem considerar “de que modo” estudamos o fenômeno da liderança e quais resultados alcançamos (ou construímos) por meio desses modos. Quais pressupostos subjazem e orientam nossa atitude de pesquisa? Em que medida exercemos uma vigilância epistemológica saudável? Toda essa pletora de críticas provoca, por fim, mais esclarecimentos ou só faz acumular mais e mais conceitos que obnubilam o intelecto? As críticas incentivam também, por consequência, a busca de alternativas que extrapolem o mainstream, que permitam iluminar novos caminhos e sejam um convite a uma mudança radical de atitude. Por essa razão, apresentamos a fenomenologia como uma epistemologia alternativa, distinta dos paradigmas dominantes na pesquisa sobre liderança. A perspectiva fenomenológica, em certo modo, corresponde à provocação de Blom e Alvesson (2015Blom, M., & Alvesson, M. (2015). All-inclusive and all good: The hegemonic ambiguity of leadership. Scandinavian Journal of Management, 31(4), 480-492. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1016/j.scaman.2015.08.001
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) para a realização de estudos baseados em uma abordagem êmica, que se refere à experiência autêntica e pura de como as pessoas desenvolvem um significado pessoal da liderança e como esse significado as transforma. Desse modo, apresentamos a seguir noções introdutórias e os principais conceitos da fenomenologia, com o objetivo de alicerçar a discussão do artigo, estabelecendo diálogo entre as lacunas principais e a contribuição da fenomenologia para o campo de estudos em liderança.

FENOMENOLOGIA: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E PRINCIPAIS CONCEITOS

A fenomenologia não pode ser tomada como um projeto uniforme, que se mantém inalterado ao longo dos anos. Portanto “[...] a noção de um paradigma unificado de pesquisa fenomenológica é um dos primeiros mitos que devemos dissipar” (Larsen, 2023Larsen, H. G. (2023). Eight Domains of Phenomenology and Research Methods. New York, NY: Routledge., p. 3). De fato, a ideia da fenomenologia remonta, pelo menos, ao século XVII, tendo seu ponto de virada no século XIX com a fenomenologia descritiva de Franz Brentano - 1838-1917 -, a transcendental de Edmund Husserl - 1859-1938 - e a hermenêutica de Martin Heidegger - 1889-1976 - (Djian & Majolino, 2021Djian, A., & Majolino, C. (2021). Phenomenon. In D. De Santis, B. C. Hopkins, & C. Majolino (Eds.), The Routledge Handbook of Phenomenology and Phenomenological Philosophy. New York, NY: Routledge .). Desde então, o projeto fenomenológico foi reelaborado por grandes e diferentes nomes na história do pensamento ocidental, como Edith Stein, Hannah Arendt, Max Scheler, Alfred Schütz, Maurice Merleau-Ponty, Emmanuel Levinas, Jean-Paul Sartre, entre outros, com suas variantes e desdobramentos, tornando-se pressuposto decisivo e parceiro de discussão constante de diferentes formações teóricas (Burrell & Morgan, 1979Burrell, G., & Morgan, G. (1979). Sociological paradigms and organizational analysis. London, UK: Heinemann.; Zahavi, 2019Zahavi, D. (2019). Fenomenologia para iniciantes. Rio de Janeiro, RJ: Via Veritas.).

De acordo com o exposto, é importante destacar que os conceitos e fundamentos apresentados neste artigo são aqueles oriundos do pensamento de Husserl (2008Husserl, E. (2008). A crise da humanidade europeia e a filosofia (3a. ed.). Porto Alegre, RS: EDIPUCRS., 2014Husserl, E. (2014). Investigações lógicas: prolegômenos à lógica pura (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: Forense., 2020Husserl, E. (2020). A ideia da fenomenologia: cinco lições. Petrópolis, RJ: Vozes.), considerado o fundador do movimento fenomenológico. Evidentemente, representam uma pequena parcela da vasta contribuição epistemológica deixada pelo matemático e filósofo. Tais conceitos buscam oferecer uma clarificação introdutória à filosofia fenomenológica, tendo sido escolhidos em razão do seu potencial de contribuição aos estudos de liderança. Apresentaremos, assim, os seguintes elementos: a perspectiva fenomenológica em relação ao conceito de fenômeno; a ausência de pressupostos como condição radical para a investigação dos fenômenos; a correlação entre atitude natural e atitude fenomenológica; a epoché como suspensão do juízo e como possibilidade para vislumbrar o fenomenologicamente dado; a redução fenomenológica e a redução transcendental, em que se descreve a vivência do objeto; o papel central desempenhado pela consciência e sua propriedade intencional; o ponto de vista da primeira pessoa como abordagem de caráter fenomenológico; e, por fim, a noção de mundo-da-vida como mundo da experiência pré-científica.

No plano etimológico, a fenomenologia pode ser entendida pela conjunção dos étimos gregos φαινόμενον (phainomenon) e λόγος (logos); constituindo-se, assim, em estudo dos fenômenos (Boava & Macedo, 2011Boava, D. L. T., & Macedo, F. M. F. (2011). Contribuições da fenomenologia para os estudos organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, 9(1), 469-487. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S1679-39512011000600003
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; Zilles, 1994Zilles, U. (1994). Teoria do conhecimento. Porto Alegre, RS: EDIPUCRS .). Entretanto, esse é um entendimento exterior, que aproxima a fenomenologia dos sentidos pertencentes à Teologia, Biologia, Sociologia etc. Heidegger (2005Heidegger, M. (2005). Ser e Tempo (Parte 1, 15a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.) possibilita um entendimento ulterior ao indicar que estes sentidos constituem os objetos das suas respectivas ciências (Deus, vida, sociedade), em seu conteúdo quididativo. Diferentemente, a fenomenologia não caracteriza a quididade real dos objetos da investigação filosófica e sim o seu modo, como eles o são. O termo “fenomenologia” refere-se exclusivamente ao modo como se demonstra e se trata o que nesta ciência deve ser tratado e significa, por meio da conexão entre “fenômeno” e “logos”, deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se mostra por si mesmo, igualando-se à máxima: “[...] para as coisas elas mesmas!” (Heidegger, 2005Heidegger, M. (2005). Ser e Tempo (Parte 1, 15a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes., p. 65).

A palavra φαινόμενον (phainomenon) possui a mesma raiz de φως (lux: a luz, a claridade), isto é, o elemento, o meio em que alguma coisa pode vir a se revelar e a se tornar visível em si mesma. Fenômeno, portanto, é aquilo que se revela, o que se mostra em si mesmo (Heidegger, 2005Heidegger, M. (2005). Ser e Tempo (Parte 1, 15a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Vozes.). Para a fenomenologia, não existe nenhuma “mera” aparência e nada é “só” um aparecimento. As coisas aparecem como elas são e são como aparecem; o modo como aparecem é parte do ser das coisas. Os aparecimentos são reais; eles pertencem ao ser. Essas coisas, que tinham sido declaradas pela tradição filosófica como meramente psicológicas, são agora declaradas ontológicas (Sokolowski, 2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola.). Assim, na medida em que o fenômeno é compreendido como manifestação da coisa mesma, a fenomenologia interessa-se pelo modo como os objetos por eles mesmos se mostram e pelas condições de possibilidade desse aparecer (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.). Segundo Kockelmans e Jager (1967Kockelmans, J. J., & Jager, B. (1967). Edmund Husserl’s phenomenological psychology: A historico-critical study. Pittsburgh, PA: Duquesne University Press., p. 303), “[...] a característica essencial de um fenômeno consiste no fato de que ele é consciência-do-seu-objeto”, portanto, “[...] o termo fenômeno não se aplica primeiro nem apenas ao objeto que aparece, mas sim à vivência na qual, e segundo a qual, aparece” (Marion, 1998Marion, J. L. (1998). Reduction and givenness. Investigations of Husserl, Heidegger and phenomenology. Evanston, IL: Northwestern University Press., p. 53). O fenômeno é “a perspectiva” ou o aparecimento e não a própria aparência, pois fenômenos nunca são aparências, mas toda aparência depende de fenômenos (Larsen, 2023Larsen, H. G. (2023). Eight Domains of Phenomenology and Research Methods. New York, NY: Routledge.).

Um dos elementos primordiais quando se trata de fenomenologia é a ausência de pressupostos. Para a fenomenologia, nossa investigação deveria ser crítica, não dogmática, evitando-se preconceitos metafísicos e científicos. Ela precisa se voltar para a dação ou para a aparição da realidade efetiva, para o modo como a realidade é dada para nós em nossa experiência e não por aquilo que esperamos encontrar em face dos nossos pontos de vista teóricos (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.). Com isso, não podemos deixar que teorias preconcebidas determinem nossa experiência; esta, ao contrário, deve dirigir nossas teorias. Para a fenomenologia, o que importa não são as afirmações e o conhecimento prévios acerca da realidade, mas a experiência da consciência do mundo agora.

A fenomenologia descreve nossos modos subjetivos de acesso aos objetos e articula a estrutura de significados ou conceitos dos quais fazemos uso sempre e em toda parte, mas que damos por certo sem objetificá-los (Pietersma, 2000Pietersma, H. (2000). Phenomenological epistemology. New York, NY: Oxford University Press.). Ela centra sua atenção não no objeto experienciado e nem no sujeito que experiencia, mas no ato de experienciar (Faria, 2022Faria, J. H. (2022). Introdução à epistemologia: dimensões do ato epistemológico. Jundiaí, SP: Paco.). Com isso, tenta-se obter uma imagem de uma forma de vida como realmente vivida (Pietersma, 2000Pietersma, H. (2000). Phenomenological epistemology. New York, NY: Oxford University Press.). Além disso, para a fenomenologia, é preciso questionar os pressupostos epistemológicos e metafísicos que determinam nossa vida cotidiana e que são aceitos pelas ciências positivas, entre elas, principalmente, a nossa crença implícita na existência de uma realidade efetiva independente da consciência e da experiência.

Segundo Sokolowski (2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola.), é na atitude natural que se dá esse tipo de convicção ou crença no mundo e em que aceitamos as coisas sem questioná-las. Nela somos dirigidos para todos os elementos estruturais em que nos encontramos: o mundo, o eu, as coisas substanciais, as entidades matemáticas, as leis, as políticas, os atos dos mais diversos. “Na atitude natural nos dirigimos diretamente para o objeto; vamos direto para as manifestações do objeto, para o objeto mesmo” (Sokolowski, 2012Sorenson, G., Goethals, G. R., & Haber, P. (2011). The Enduring and Elusive Quest for a General Theory of Leadership: Initial Efforts and New Horizons. In A. Bryman, D. Collinson, , B. Jackson, & M. Uhl-Bien (Eds.), The Sage handbook of leadership. Washington, DC: Sage., p. 59). A atitude fenomenológica, diferentemente, é mais radical e abrangente, por meio dela nos conscientizamos da dação do objeto (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.). É um movimento do tipo tudo ou nada, em que nos concentramos, de modo reflexivo, em tudo relacionado à atitude natural, incluindo a subjacente crença no mundo. Do ponto de vista fenomenológico, suspendemos todas as intencionalidades que estamos examinando, neutralizamo-las e as contemplamos, sem exercê-las. Na atitude fenomenológica, não somos mais apenas participantes do mundo; contemplamos o que é ser participante do mundo. Em termos gnosiológicos, na primeira abordagem, a ênfase é entendida, na verdade, como posse e o conhecimento como um estado; já na segunda, é, na verdade, objeto de busca e o conhecimento, uma atividade (Pietersma, 2000Pietersma, H. (2000). Phenomenological epistemology. New York, NY: Oxford University Press.).

Esse ingresso na atitude fenomenológica, conforme Zahavi (2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.), exige uma série de movimentos preparatórios, em que é necessário colocar fora de jogo, provisoriamente, nossa postura natural. O principal deles é chamado de epoché, termo tomado do ceticismo grego. A epoché não visa negar, colocar em dúvida, abandonar ou excluir de nossa investigação a realidade. O que faz em relação a isso é colocar entre parênteses (ou colchetes) a sua validade (diríamos, agir com indiferença). Seu objetivo é “[...] alijar ou neutralizar um determinado posicionamento dogmático em relação à realidade efetiva [...] a fim de que se esteja em condições de vislumbrar o fenomenologicamente dado [...] de maneira mais estreita e direta” (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita., p. 68). Fala-se em suspensão ou neutralização das próprias pressuposições, incluindo crenças, julgamentos, opiniões e teorias - até mesmo o julgamento mais básico de que o mundo existe e é real (Gallagher, 2022Gallagher, S. (2022). Phenomenology (2a ed.). London, UK: Palgrave Macmillan.). Dessa forma, é possível falar do mundo como um contexto para a manifestação das coisas, pois “[...] pôr em colchetes retém exatamente a modalidade e o modo de manifestação que o objeto tem para o sujeito na atitude natural” (Sokolowski, 2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola., p. 59). Mas isso não nos deixa sem nada - deixa-nos com a experiência contínua do mundo, ou seja, com a nossa consciência do mundo (Gallagher, 2022Gallagher, S. (2022). Phenomenology (2a ed.). London, UK: Palgrave Macmillan.). A epoché, portanto, trata de uma mudança no posicionamento em relação à realidade, que visa nos libertar de um dogmatismo natural e de um olhar metafísico ingênuo. Ela “[...] nos permite investigar os objetos mundanos sob uma nova luz: em sua aparição ou em sua manifestação para a consciência, como seu correlato constituído” (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita., p. 75). Sem essa mudança no posicionamento, tanto as estruturas fundamentais do posicionamento natural quanto os traços particulares da nossa própria subjetividade permanecem velados (Zahavi, 2019Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.).

Gallagher (2022Gallagher, S. (2022). Phenomenology (2a ed.). London, UK: Palgrave Macmillan.) situa a epoché como uma das três formas de redução fenomenológica. Para o autor, após a epoché, ocorre a redução fenomenológica propriamente dita. Nessa etapa, dirigimos a atenção para os fenômenos como eles aparecem e tomamos o que experimentamos exatamente como experimentamos, descrevendo (ou explorando) aquilo que se dá. Entretanto, para fugir de uma mera descrição empírica do objeto, apela-se a uma redução transcendental, em que não é o objeto em si que é descrito e sim nossa vivência do objeto (não digo “a maçã é vermelha”, mas a “maçã aparenta ser vermelha”). Outra característica importante na redução é que, na experiência, o objeto sempre aparece em certa perspectiva. Trata-se de uma característica da experiência, não do objeto, dado que, a cada vez, o apresenta de forma incompleta. Por fim, após a redução fenomenológica, viria a terceira forma, a redução eidética, trabalhando na esfera transcendentalmente reduzida da consciência, o que fornece uma maneira de compreendermos a essência do fenômeno. Para isso, aplica-se a técnica da variação imaginativa, em que usamos nossa imaginação para mudar várias características do fenômeno até alcançar o conjunto de invariáveis que podemos descobrir por meio desse processo, chegando assim à sua essência. “O objetivo, então, é trazer essa essência para a doação imediata e intuitiva, ou seja, permitir que ela surja como uma verdade conceitual no âmbito da experiência de cada um” (Gallagher, 2022Gallagher, S. (2022). Phenomenology (2a ed.). London, UK: Palgrave Macmillan., p. 39).

É por meio da consciência que atribuímos sentido às coisas. A consciência, segundo a fenomenologia, remete à consciência de algo, está dirigida a um objeto (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.). Não é vista como um receptáculo, sem nenhuma relação com o mundo, nem como lugar físico ou lugar específico, nem de caráter espiritual ou psíquico (Ales Bello, 2006Ales Bello, A. (2006). Introdução à fenomenologia. Bauru, SP: Edusc.); ela é dirigida ao mundo e aos objetos nele contidos. O conhecimento sobre um fenômeno é produzido pelo modo como a consciência o interpreta, pois, a realidade só é compreendida de acordo com a forma como se manifesta e não com a forma como é (Faria, 2022Faria, J. H. (2022). Introdução à epistemologia: dimensões do ato epistemológico. Jundiaí, SP: Paco.). Para a fenomenologia, “[...] não existe uma realidade em si ou uma consciência em si, mas uma consciência que atribui e confere sentido às coisas. A coisa é sua interpretação pela consciência tal qual se manifesta ao sujeito” (Faria, 2022Faria, J. H. (2022). Introdução à epistemologia: dimensões do ato epistemológico. Jundiaí, SP: Paco., p. 405). Todas as formas de consciência são determinadas pelo seu tender para o interior (in-tendere) de objetos. Assim, se um sujeito está dirigido para um objeto e o experimenta, não se trata aí de uma ligação real, mas de uma relação intencional com algo (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.). Desse modo, a fenomenologia pode ser entendida como uma “[...] interpretação lógica da estrutura específica do fenômeno e da descrição da estrutura da consciência como constituinte da condição de conhecer, de significar, pois conhecer é pura e simplesmente apreender no nível empírico e constituir no nível transcendental os significados” (Faria, 2022Faria, J. H. (2022). Introdução à epistemologia: dimensões do ato epistemológico. Jundiaí, SP: Paco., pp. 411-412).

A consciência possui, como propriedade intrínseca, a intencionalidade. Conforme Sokolowski (2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola.), em fenomenologia, o conceito de intenção não pode ser confundido com o propósito que temos em mente quando agimos. Ele se aplica primariamente à teoria do conhecimento, não à teoria da ação humana. Assim, o conceito - intenção - significa a relação de consciência que nós temos com um objeto. Ao contrário do que Sokolowski (2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola.) chamou de “predicamento egocêntrico”, isto é, a noção de que a consciência é referida a um estado de nós próprios ou de nossas próprias ideias, tomada como uma ilusão ou um gabinete fechado que não alcança as coisas “fora” dessa caixa, a fenomenologia mostra que a mente é uma coisa pública que age não somente dentro dos seus limites. “A mente e o mundo são correlatos entre si. Coisas aparecem para nós, coisas verdadeiramente descobertas, e nós, de nossa parte, revelamos, para nós e para os outros, o modo como as coisas são” (Sokolowski, 2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola., p. 21). Como destaca Zahari (2019Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita., p. 20), “O sujeito só tem como ser compreendido em sua relação com o mundo, e, inversamente, nós só podemos dar sentido ao mundo, na medida em que ele aparece para um sujeito e é compreendido por ele”.

A intencionalidade é caracterizada por sua independência em relação à existência dos objetos; a única coisa que efetivamente precisa existir é a vivência intencional, cuja estrutura própria inclui o estar dirigido para um objeto. Portanto, a intencionalidade não constitui nenhuma ligação externa. A análise da intencionalidade mostra que existem atos de consciência que, em virtude de sua própria constituição, estão dirigidos para objetos transcendentes aos atos. O sujeito é, per se, autotranscendente. Per se, ele está dirigido para algo diverso dele mesmo (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.). A intencionalidade, por um lado, significa que a consciência só existe como consciência de algo; por outro, o objeto só pode ser definido em sua relação com a consciência por ser sempre objeto-para-um-sujeito (Zilles, 1994Zilles, U. (1994). Teoria do conhecimento. Porto Alegre, RS: EDIPUCRS .).

De acordo com Pietersma (2000Pietersma, H. (2000). Phenomenological epistemology. New York, NY: Oxford University Press.), a abordagem fenomenológica é caracterizada pela objetivação da estrutura interna da experiência. Em razão disso, adota a perspectiva da primeira pessoa, para descrever ou articular a experiência da perspectiva do experimentador, afinal, “[...] o sujeito é uma condição de possibilidade da aparição ou da manifestação: sem subjetividade, não tem como haver nenhuma aparição” (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita., p. 78). O estado de coisas é criado pela consciência em estudo; trata-se do estado de coisas da perspectiva do sujeito. A fenomenologia nos torna atentos para o aparecer do objeto e para o correlato subjetivo da sua aparição e, com isso, para o modo da intencionalidade (Zahavi, 2019Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.). Portanto é caro à fenomenologia o conceito de significado, visto que é usado para indicar a perspectiva distinta de seu próprio discurso. Pietersma (2000Pietersma, H. (2000). Phenomenological epistemology. New York, NY: Oxford University Press.) destaca que os fenomenólogos costumam dizer que seu discurso é sobre significados e não sobre objetos. “Um objeto torna-se um significado no contexto do discurso que se concentra em nosso acesso cognitivo aos objetos, e não no objeto como tal” (Pietersma, 2000Pietersma, H. (2000). Phenomenological epistemology. New York, NY: Oxford University Press., p. 9). Portanto o objeto torna-se um significado e este é especificado apenas por referência a uma certa forma de consciência.

O último conceito apresentado neste texto, que se insere na filosofia tardia de Husserl (2008Husserl, E. (2008). A crise da humanidade europeia e a filosofia (3a. ed.). Porto Alegre, RS: EDIPUCRS.), é a noção de mundo-da-vida, um dos “[...] mais ambíguos e complicados da fenomenologia” (Perreau, 2021Perreau, L. (2021). Life-world. In D. De Santis, B. C. Hopkins, & C. Majolino (Eds.), The Routledge Handbook of Phenomenology and Phenomenological Philosophy. New York, NY: Routledge ., p. 271), cujo significado depende do contexto (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.). O termo não foi criado por Husserl - estava presente nos escritos de Georg Simmel (1858-1918) e Rudolf Eucken (1846-1926). A fonte mais próxima da concepção husserliana é o “conceito natural do mundo”, de Richard Avenarius (1843-1896), fundador do empiriocriticismo. Segundo o autor, há um mundo de experiência “preencontrado” que precede toda conceituação ou toda teorização e no qual encontramos as coisas em um fluxo constante de aparências mutáveis (Perreau, 2021Perreau, L. (2021). Life-world. In D. De Santis, B. C. Hopkins, & C. Majolino (Eds.), The Routledge Handbook of Phenomenology and Phenomenological Philosophy. New York, NY: Routledge .).

O mundo-da-vida é o mundo da experiência pré-científica, absolutamente autoevidente - esquecido e reprimido pela ciência. Nessa experiência, o mundo é dado concretamente, sensivelmente e intuitivamente, e as coisas se caracterizam por sua dação relativa, aproximada e em perspectiva, ao passo que “[...] a ciência busca realizar um ideal de conhecimento rigoroso e objetivo, que esteja livre de toda vinculação com a perspectiva subjetiva de primeira pessoa” (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita., p. 182). Para Husserl (2008Husserl, E. (2008). A crise da humanidade europeia e a filosofia (3a. ed.). Porto Alegre, RS: EDIPUCRS.), as ciências positivas, além de carecerem de uma clarificação ontológica e epistemológica, perderam seu significado existencial. A grande crítica de Husserl (2008Husserl, E. (2008). A crise da humanidade europeia e a filosofia (3a. ed.). Porto Alegre, RS: EDIPUCRS.), com efeito, é dirigida à ingenuidade do objetivismo e ao cientificismo. Conforme Zahavi (2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.), no cientificismo, a ciência (natural) define o que pode ser considerado real e efetivo; no objetivismo, por sua vez, a realidade efetiva subsiste no sentido absoluto, independentemente da subjetividade, de toda e qualquer interpretação e da comunidade histórica que nós formamos. O objetivismo e o cientificismo conduzem o investigador da natureza a esquecer ou ignorar que o mundo circundante vital é constantemente pressuposto como base, como o terreno da atividade sobre o qual suas perguntas e métodos de pensar adquirem um sentido (Husserl, 2008Husserl, E. (2008). A crise da humanidade europeia e a filosofia (3a. ed.). Porto Alegre, RS: EDIPUCRS.).

Em todas as ciências se insinua essa penúria, em última análise, como penúria do método. [...] Trata-se de problemas procedentes da ingenuidade, em virtude da qual a ciência objetivista toma o que ela chama o mundo objetivo como sendo o universo de todo o existente, sem considerar que a subjetividade criadora da ciência não pode ter seu lugar legítimo em nenhuma ciência objetiva (Husserl, 2008Husserl, E. (2008). A crise da humanidade europeia e a filosofia (3a. ed.). Porto Alegre, RS: EDIPUCRS., p. 82).

A fenomenologia tenta mostrar que as ciências exatas são uma transformação da experiência que temos diretamente das coisas no mundo e aponta que elas são derivadas do mundo vivido (Sokolowski, 2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola.). Conforme Zahari (2019Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.), a ciência se enraíza no mundo-da-vida, requisita intelecções da esfera pré-científica e é exercida por sujeitos corporais com determinado posicionamento teórico, formador de uma determinada tradição cultural. Para Perreau (2021Perreau, L. (2021). Life-world. In D. De Santis, B. C. Hopkins, & C. Majolino (Eds.), The Routledge Handbook of Phenomenology and Phenomenological Philosophy. New York, NY: Routledge .), o objetivismo das ciências modernas nos fez esquecer que o mundo que nos cerca não é um mundo de leis físicas, causalidades e objetos naturais. É válido apenas para um sujeito e permanece vinculado à subjetividade. Assim, contra a visão científica de um mundo objetivo sem perspectiva, a fenomenologia reabilita o mundo-da-vida como um horizonte relativo ao sujeito (Perreau, 2021Perreau, L. (2021). Life-world. In D. De Santis, B. C. Hopkins, & C. Majolino (Eds.), The Routledge Handbook of Phenomenology and Phenomenological Philosophy. New York, NY: Routledge .), um mundo em que vivemos e agimos, um conjunto de contextos significativos vivenciados, irredutíveis aos objetos puramente físicos que nos cercam (Gallagher, 2022Gallagher, S. (2022). Phenomenology (2a ed.). London, UK: Palgrave Macmillan.). Isso não significa, porém, que o mundo-da-vida seja um mundo privado e solipsista, ou um mundo válido apenas para mim; ele é definitivamente um mundo pluralizado e compartilhado. “O mundo-da-vida é, no entanto, experimentado imediata e diretamente na subjetividade da vida cotidiana, ou seja, a vida vivida dia a dia e dia após dia” (Perreau, 2021Perreau, L. (2021). Life-world. In D. De Santis, B. C. Hopkins, & C. Majolino (Eds.), The Routledge Handbook of Phenomenology and Phenomenological Philosophy. New York, NY: Routledge ., p. 274).

Após essas indicações teóricas introdutórias sobre a fenomenologia de inspiração husserliana, buscamos esclarecer, sobretudo, o papel do fenômeno como meio pelo qual as coisas aparecem, mostram-se, revelam-se, bem como delimitar as atitudes que precisam ser endereçadas para que sejam evitados o objetivismo e o cientificismo. A seguir, apresentamos de que modo os subsídios oferecidos pela escola fenomenológica podem auxiliar os estudos de liderança em uma melhor compreensão do seu fenômeno de interesse.

CONTRIBUIÇÕES DA EPISTEMOLOGIA FENOMENOLÓGICA PARA OS ESTUDOS DE LIDERANÇA

Neste artigo, apresentamos a fenomenologia como epistemologia capaz de ampliar as possibilidades de compreensão do fenômeno da liderança. A epistemologia, tradicionalmente, é considerada uma disciplina especial no interior da Filosofia, que encontraria nesta última seus princípios e na ciência, seu objeto (Japiassu, 1979Japiassu, H. (1979). Introdução ao pensamento epistemológico (3a. ed.) Rio de Janeiro, RJ: F. Alves.). Ressalte-se que um dos principais projetos da fenomenologia é reivindicar a validade de epistemologias mais associadas à filosofia do que à ciência. Para Ladkin (2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.), as ideias filosóficas fornecem novos pontos de observação que expandem as visões habitualmente mantidas sobre a liderança. Essas novas perspectivas advêm da nossa capacidade de fazer perguntas inspiradoras; afinal, cada pergunta evoca um tipo diferente de resposta e a natureza das perguntas revela diferentes aspectos do fenômeno que está sendo examinado. Assim, viver as questões de forma diferente e viver questões diferentes ajudam a desestabilizar e reposicionar algumas das noções mais habituais que possamos ter. Além disso, conforme Ciulla (2008Ciulla, J. B. (2008). Leadership studies and “the fusion of horizons”. The Leadership Quarterly, 19(4), 393-395. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2008.05.001
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), tanto as Ciências Sociais quanto as Humanidades, com atenção à compreensão holística e confiança nas capacidades humanas de contar histórias, uso de metáfora e imagem em seus processos de criação de sentido, podem ser mobilizadas para o entendimento da liderança enquanto um fenômeno. Para a autora, este se trata de um fenômeno humano embutido na cultura, que inclui arte, literatura, religião, filosofia, linguagem e geralmente todas aquelas coisas que constituem o que significa viver como um ser humano. Com base nisso, discutimos, na seção seguinte, como premissas da fenomenologia epistemológica podem contribuir para os estudos de liderança.

O resgate do mundo-da-vida frente ao objetivismo

A noção de mundo-da-vida sugere que, para entender a liderança como uma vivência, é importante estudá-la no interior dos mundos particulares em que ela opera. Como um fenômeno que surge de realidades sociais construídas, os significados que ela possui para aqueles que com ela se engajam - sejam líderes, sejam seguidores, sejam pesquisadores - impactam significativamente em como ela é vivenciada ou vista (Ladkin, 2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.). Em sua crítica ao objetivismo da ciência, Husserl (2008Husserl, E. (2008). A crise da humanidade europeia e a filosofia (3a. ed.). Porto Alegre, RS: EDIPUCRS.) apresenta um mundo cujo centro é o homem, o que possibilita recuperar o sentido do humanismo e superar o foco objetivista que empobrece a rica realidade.

Para Ladkin (2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.), a existência de “coisas” imateriais, como a liderança, pode ser percebida apenas dentro das comunidades humanas socialmente construídas nas quais operam; o mundo-da-vida, por sua vez, reafirma a importância do significado. Os significados compartilhados permitem que os seres humanos colaborem e vivam juntos de maneira produtiva e potencialmente harmoniosa. No entanto, esses significados não são entidades objetivamente “dadas” e, sim, criados pelas comunidades humanas que se envolvem com eles. São, portanto, construídos socialmente. Segundo Ladkin (2010Husserl, E. (2008). A crise da humanidade europeia e a filosofia (3a. ed.). Porto Alegre, RS: EDIPUCRS.), sem o mundo-da-vida dos seres humanos não haveria liderança, na medida em que somente estes reconheceriam, procurariam e responderiam a esse fenômeno que chamam de liderança por meio de um acordo tácito. “Portanto, para entender a liderança, é essencial entender os mundos-da-vida de onde ela brota” (Ladkin, 2010, p. 21) e se reapresenta de diferentes maneiras, continuadamente.

Reconciliação entre sujeito e objeto: atribuição de sentidos

Para a fenomenologia, o real não possui uma ontologia senão aquela constituída pela consciência - a consciência estabelece relação com o mundo, ativamente. Desse modo, o mundo só pode ser compreendido com base na forma como se manifesta na consciência humana, já que cabe a esta a função de lhe atribuir sentido (Faria, 2022Faria, J. H. (2022). Introdução à epistemologia: dimensões do ato epistemológico. Jundiaí, SP: Paco.). Existe aí uma noção de codependência, em que o “[...] sujeito só tem como ser compreendido em sua relação com o mundo, e, inversamente, nós só podemos dar sentido ao mundo, na medida em que ele aparece para um sujeito e é compreendido por ele” (Zahavi, 2019Zahavi, D. (2019). Fenomenologia para iniciantes. Rio de Janeiro, RJ: Via Veritas., p. 20). Essa particularidade mostra certo protagonismo do sujeito perante o objeto; no entanto, não significa que a fenomenologia seja inclinada a certa forma de subjetivismo, com ênfase em algum modo de introspeccionismo. O campo de investigação fenomenológico não concerne a pensamentos privados, mas a modos de aparição intersubjetivamente acessíveis (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.). O sujeito, neste caso, é a condição de possibilidade de aparição do fenômeno. “O olhar fenomenológico altera a relação sujeito ↔ objeto, pois a essência das coisas não está nem no sujeito e nem no objeto, mas na experiência” (Faria, 2022Faria, J. H. (2022). Introdução à epistemologia: dimensões do ato epistemológico. Jundiaí, SP: Paco., p. 405). A experiência, com efeito, é o ponto de contato entre os dois; e à fenomenologia caberia pensar para além da dicotomia sujeito-objeto, a fim de investigar precisamente o nexo entre o mundo e a subjetividade (Zahavi, 2019Zahavi, D. (2019). Fenomenologia para iniciantes. Rio de Janeiro, RJ: Via Veritas.). Com isso, podemos pavimentar o percurso para a desestabilização da dicotomização, conforme elucidamos na seção sobre lacunas no campo dos estudos em liderança, no sentido da dialética da experiência.

Nas pesquisas em liderança, o protagonismo do sujeito em relação ao objeto representa uma mudança decisiva em termos epistemológicos. Em vez de o interesse do pesquisador dirigir-se à liderança como uma entidade abstrata, que pode ser isolada, medida e quantificada, na verdade, precisa, obrigatoriamente, estar voltado ao papel mediador de sujeitos que darão determinados sentidos ao fenômeno da liderança. Como escreve Ladkin (2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.), a liderança não pode existir separadamente dos indivíduos específicos que estão engajados e envolvidos em qualquer dinâmica de liderança. Essa mudança responde à crítica de Alvesson (2019Alvesson, M., & Einola, K. (2019). Warning for excessive positivity: Authentic leadership and other traps in leadership studies. The Leadership Quarterly, 30(4), 383-395. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2019.04.001
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), que aponta para a reificação das pesquisas em liderança, visto que o fenômeno torna-se um “isto” uniforme, sólido e adequado para medição. Essa abordagem possui impactos até mesmo metodológicos, uma vez que pode ser considerado suficiente apenas um participante para a composição de determinado desenho de pesquisa, como ocorre com a análise fenomenológica interpretativa (Smith, Flowers, & Larkin, 2009Smith, J. A., Flowers, P., & Larkin, M. (2009). Interpretative phenomenological analysis: Theory, method and research. London, UK: Sage.). Exemplo disso é o estudo de Lewis (2015Lewis, K. V. (2015). Enacting Entrepreneurship and Leadership: A Longitudinal Exploration of Gendered Identity Work. Journal of Small Business Management, 53(3), 662-682. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1111/jsbm.12175
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), que explorou a liderança empreendedora exercida por uma empresária ao longo do tempo e analisou como ela integrou essa posição com o desenvolvimento da identidade empreendedora. A pesquisa contou com somente um participante, que foi entrevistado duas vezes em um intervalo de cerca de dez anos.

Sabendo, portanto, da importância que o indivíduo possui em uma pesquisa fenomenológica, uma pergunta que emerge é: de que modo a vivência desse indivíduo, nesse caso, da liderança, deverá ser considerada? Vimos anteriormente que o fenômeno é aquilo que aparece por meio de uma consciência intencional - uma “consciência de” -, pois a intencionalidade é característica da consciência. O importante é que, conforme Gallagher (2022Gallagher, S. (2022). Phenomenology (2a ed.). London, UK: Palgrave Macmillan.), na vivência, o objeto sempre aparece em certa perspectiva, nunca em sua totalidade. Essa “aparição perspectivística” revela que nenhum fenômeno particular jamais se acha em condições de esgotar todo o objeto, já que este transcende constantemente o seu ser dado (Zahavi, 2015Zahavi, D. (2015). A fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro, RJ: Via Verita.). “A coisa sempre pode ser presentada em mais modos do que os que já conhecemos; a coisa sempre guarda mais manifestações em reserva” (Sokolowski, 2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola., p. 37). Isso sinaliza a impossibilidade de uma apreensão total e completa do fenômeno da liderança. Segundo a fenomenologia, haverá tantas descrições diferentes de liderança quantas forem as situações em que ela surge, pois “[...] a maneira como qualquer fenômeno percebido é conhecido está inteiramente entrelaçada com o ponto de vista do observador” (Ladkin, 2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.). A esse respeito, fica claro que a fenomenologia vai na direção oposta das abordagens mainstream dos estudos de liderança. Estas, como supracitado, marcadas pelo domínio de análises quantitativas e positivistas, seguem abordagens hipotético-dedutivas, em aderência ao modelo das ciências naturais, preocupam-se com rigor metodológico, reprodutibilidade e replicabilidade e visam à generalização de seus resultados. Como escreveu Antonakis (2023Antonakis, J. (2023). In support of slow science: Robust, open, and multidisciplinary. The Leadership Quarterly, 34(1), 101676. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2023.101676
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) em recente editorial de The Leadership Quarterly, “boa ciência” é fazer pesquisas “robustas, replicáveis e reprodutíveis”; qualquer coisa abaixo disso “não é ciência”. Para a fenomenologia, diferentemente, o mundo só pode ser compreendido a partir da forma como aparece para a consciência humana (Faria, 2022Faria, J. H. (2022). Introdução à epistemologia: dimensões do ato epistemológico. Jundiaí, SP: Paco.).

Sokolowski (2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola.) escreve que, quando vemos um cubo, existem três camadas em que a experiência visual do objeto é dada para nós: os lados, os aspectos e os perfis. Os lados são tanto as partes visíveis como as não vistas, mas que intencionamos e que, portanto, também são parte do que experienciamos. Os aspectos são cada um dos modos pelos quais o lado é dado e podem ser, em lugar de um cubo, um quadro, um trapézio, uma linha etc. O perfil é uma representação momentânea, temporariamente individualizada, não como o lado ou o aspecto, que podem ser vistos por muitos observadores. Ao refletir sobre esses elementos na vivência da liderança, podemos dizer que há muitos “lados” diferentes no fenômeno: a pessoa que é percebida como líder, os seguidores, a comunidade, o contexto organizacional, a situação histórica que reuniu todos esses fatores. Além disso, esses seriam os lados visíveis, mas sabemos que há outros que não aparecem na realidade situada imediata e que também se constituem como partes componentes do fenômeno, como assimetrias de conhecimento, pautas de mercado, escassez de recursos. “A ideia fenomenológica de ‘lados’ aponta que todos esses lados co-intencionados da liderança são vitais para sua ocorrência” (Ladkin, 2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar., p. 22).

A liderança pode ser vista ainda sob diferentes aspectos. Ladkin (2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.) observa que a liderança será percebida diferentemente, por exemplo, se o percipiente for a recepcionista ou o diretor financeiro de uma mesma empresa; nesse caso, entrevistar cada um deles produziria relatos muito diferentes sobre o mesmo fenômeno. Mas qual o sentido em se obter perspectivas diversas? Sokolowski (2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola.) fornece uma pista ao tratar de uma dimensão distinta: a identidade. Ela, segundo o autor, é mais que a soma de seus lados, aspectos e perfis, os quais são presentados para nós, são aparecimento, mas o que nos é dado é sua identidade, pois ela pertence ao que é dado na experiência, já o reconhecimento da identidade pertence à estrutura intencional da experiência. Assim, “A consciência é ‘de’ algo no sentido que intenciona a identidade de objetos, não apenas do fluxo de aparecimentos que são presentados para ela” (Sokolowski, 2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola., p. 28). A identidade sempre estará além do alcance da apreensão humana e, ao manter essa posição, a fenomenologia assume uma orientação ante o conhecimento radicalmente diferente daquele assumido pelo positivismo lógico (Ladkin, 2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.). A fenomenologia destaca a existência dessas distinções e encoraja os pesquisadores a serem transparentes quanto ao que buscam e por que o buscam em determinado momento. Para Ladkin (2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.), o reconhecimento de que a liderança consiste em diferentes lados, bem como as pessoas experimentarão esses lados de aspectos particulares é como um alerta para a importância de se identificar quais desses lados e aspectos podem ser mais úteis na abordagem dos propósitos específicos que se buscam.

Com base nas contribuições de Sokolowski (2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola.), há formas estruturais que aparecem constantemente nas análises fenomenológicas; entre elas, a estrutura de partes e todos e a estrutura de presença e ausência. A estrutura de partes e todos mostra que as totalidades podem ser analisadas em dois tipos diferentes de partes: pedaços e momentos. Pedaços podem subsistir separados do todo, como o galho de uma árvore. Já os momentos não podem ser presentados de forma separada do todo ao qual pertencem, assim como a visão não pode ser separada do olho. Nesse sentido, Ladkin (2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.) argumenta que a liderança pode ser mais bem compreendida como um momento das relações sociais. Reconhecer a liderança como um “momento” sugere que “[...] nunca podemos chegar à realidade da liderança separada dos contextos particulares em que ela surge. Além disso, proponho que essa conceituação forneça uma explicação para a infinidade de teorias e definições de liderança existentes” (Ladkin, 2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar., p. 26). Com efeito, a liderança não existe sem pessoas que são, de alguma forma, identificadas como líderes ou liderados, nem fora de uma determinada comunidade ou cultura ou história organizacional.

A estrutura de presença e ausência, por sua vez, são os correlatos objetivos para intenções cheias e vazias. Intenções cheias têm como alvo algo que está aí, em sua presença física; intenções vazias têm como alvo algo que aí não está, algo ausente para quem o intenciona. Segundo Sokolowski (2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola.), há uma identidade “atrás” e “na” presença e ausência; as quais, por sua vez, são “de” uma e da mesma coisa, pois pertencem ao ser da coisa nelas identificada. O autor chama a atenção para o papel especial da ausência, que, apesar de também ser intencionada em sua identidade, geralmente é negligenciada e evitada. “Vivemos constantemente no futuro e no passado, no distante e no transcendente, no desconhecido e no imaginado; não vivemos apenas no mundo que nos circunda como nos é dado aos cinco sentidos” (Sokolowski, 2012Sokolowski, R. (2012). Introdução à fenomenologia (3a ed.). São Paulo, SP: Edições Loyola., p. 45). Em especial, a estrutura da ausência pode representar novos caminhos para a pesquisa em liderança. Enquanto a presença da liderança vem sendo documentada e analisada há mais de cem anos na prática da pesquisa, poucos estudos tomam como ponto de partida a ausência do fenômeno.

Exemplo dessa singularidade é o estudo de Kars-Unluoglu, Jarvis, e Gaggiotti (2022Kars-Unluoglu, S., Jarvis, C., & Gaggiotti, H. (2022). Unleading during a pandemic: Scrutinising leadership and its impact in a state of exception. Leadership, 18(2), 277-297. Recuperado de https://doi.org/10.1177/17427150211063382
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), que investigaram o fenômeno de não liderar, caracterizado por iniciativas espontâneas e ações de liderança realizadas por comunidades, empresas e indivíduos que relutaram em enquadrar suas práticas sob uma retórica de liderança. Para Ladkin (2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.), é possível entender mais a respeito da liderança refletindo sobre o que está faltando quando ela é ausente, o que é muito difícil de “ver” quando ela está cumprindo seu propósito. “Ao articular o que está faltando em tais instâncias, a liderança pode, paradoxalmente, revelar-se mais explicitamente, obtendo assim uma percepção do propósito a que serve quando está presente” (Ladkin, 2010, p. 46). A autora recomenda pausa quando aquele que está entrevistando diz uma coisa, mas o instinto do pesquisador diz outra. Talvez uma das presenças invisíveis, intangíveis e negativas no cerne do momento de liderança específico que está sendo investigado pode estar tentando se revelar.

Estabelecendo confrontação com premissas objetivistas, podemos reconhecer, ainda, que parte dos problemas dos estudos de liderança está em se valer de suposições equivocadas, que não alcançam o entendimento do fenômeno. Com base nisso, pressupõe-se que: a liderança é estática; pode ser apreendida rápida e facilmente; uma forma de liderança pode ser ensinada, simultaneamente, a diferentes pessoas em diferentes situações; o contexto tem importância secundária ou mesmo terciária; e ser um líder é melhor e mais importante do que ser um seguidor (Kellerman, 2012Kellerman, B. (2012). The end of leadership. New York, NY: HarperCollins.). Suposições como essas nascem de um olhar objetivista, no qual a subjetividade e o contexto simplesmente desaparecem. Da perspectiva fenomenológica, a liderança é móvel, na medida em que recebe um sentido específico de acordo com a consciência de quem vivencia o fenômeno e do momento em que essa vivência ocorre. Consequentemente, não haverá um único modelo de liderança a ser ensinado, tampouco se dará maior ou menor importância a quem, supostamente, possui maior capacidade explicativa acerca do fenômeno. Outrossim, a noção de mundo-da-vida nos informa uma realidade rica, polivalente e complexa que o próprio ser humano constitui e, ao mesmo tempo, por ele é constituída. É o reino de uma vida pré-científica que está na base da teoria e das ciências e que é o fundamento e o horizonte da subjetividade transcendental.

Diante do exposto, quais problemas ou limitações são geradas sob um olhar objetivista? Para Ladkin (2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.), a suposição de que a abordagem usada nas ciências físicas pode ser aplicada para examinar a liderança é testemunhada pelo grande número de estudos destinados a identificar características, traços ou competências particulares de liderança. Dessa forma, a liderança é “dividida” em seus componentes: ao levar este método à sua conclusão lógica, os traços, as características ou competências são medidos com a utilização de uma variedade de indicadores psicométricos ou ideográficos. Ladkin (2010Ladkin, D. (2010). Rethinking leadership: A new look at old leadership questions. Cheltenham, UK: Edward Elgar.) exemplifica recorrendo à teoria da liderança transformacional. Ela apresenta seus componentes e um questionário que identifica pontos fortes e fracos e, consequentemente, uma visão do que precisa ser aperfeiçoado. Segundo a autora, isso gera, pelo menos, duas limitações. De um lado, aquilo que seria um processo coletivo que engloba não apenas líderes, mas também liderados e o contexto: a liderança é decomposta em líderes, uma unidade de análise baseada no indivíduo. Isso implica que o que seria a quantidade perfeita por uma consideração individual em uma fábrica de automóveis pode ser totalmente inapropriada em um departamento universitário. De outro lado, ao isolar variáveis particulares dessa maneira, tais abordagens podem nos levar a pensar que os ingredientes que constituem uma entidade são, em si, necessários para criá-la.

A epoché e a mudança de posicionamento

A fenomenologia nos alerta para uma condição de partida inerente ao pesquisador - a atitude natural - e nos convida a transpô-la, para alcançar a atitude fenomenológica com a finalidade de investigar o modo como a realidade efetiva é dada por meio da vivência. Como vimos, um dos movimentos necessários para essa transposição é a epoché. A nosso ver, no âmbito da pesquisa em liderança, um dos aspectos mais importantes da epoché é não pretender negar, pôr em dúvida ou excluir de nossa investigação a realidade, mas colocar entre parênteses (ou colchetes) a sua validade. Com efeito, trata-se de um convite ousado, porque alcança o posicionamento metafísico do pesquisador, isto é, o modo pelo qual a realidade é considerada como tal. Em adição a isso, a epoché também nos orienta para a suspensão de crenças, julgamentos, opiniões e teorias que, de algum modo, solapam nossa compreensão do fenômeno em investigação. Suspender também não significa excluir. Portanto, a respeito dos conhecimentos prévios, a fenomenologia postula que devem ser momentaneamente postos de lado. Vale dizer que as teorias de liderança dos traços, comportamentais, contingenciais e neocarismáticas não são excluídas da pesquisa, mas suspensas. Provisoriamente, colocam-se entre parênteses a sua validade, o seu alcance. O pesquisador é encorajado a ir ao encontro da liderança observando que ela se dá na vivência de qualquer indivíduo que possa fornecer um relato êmico em relação ao fenômeno.

Conforme Moustakas (1994Moustakas, C. (1994). Phenomenological research methods. Thousand Oaks, CA: SAGE .), a prática da epoché requer paciência e vontade para que uma intenção dirigida a algo com clareza e significado seja alcançada. Esse exercício envolve conexão com uma situação, pessoa ou questão, considerando-se a possibilidade de rever pensamentos e sentimentos em relação a esse objeto. A cada revisão, deixamos de lado os preconceitos para olharmos novamente com esperança e intenção de vê-lo com novos e receptivos olhos. Com efeito, o processo da epoché inclina o pesquisador à receptividade, abertura, capacidade de escuta, em um esforço de reduzir a interferência dos hábitos de pensar, sentir e ver e de formas usuais de rotular, julgar ou comparar.

Nesse sentido, a fenomenologia é um incentivo a assumir a postura não neutra do pesquisador. Não há, nessa perspectiva, a imagem de um cientista asséptico, vestido em seu jaleco e a manusear determinada amostra em um laboratório. O sujeito não é neutro e o conhecimento do objeto se constitui como uma extensão e produto da consciência cognoscente (van Manen, 2017van Manen, M. (2017). Phenomenology in Its Original Sense. Qualitative Health Research, 27(6), 810-825. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1049732317699381
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). Diante disso, “[...] que pressupostos devem ser colocados entre parênteses na prática da ciência humana fenomenológica?” (Ashworth, 1999Ashworth, P. (1999). “Bracketing” in phenomenology: Renouncing assumptions in hearing about student cheating. International Journal of Qualitative Studies in Education, 12(6), 707-721. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1080/095183999235845
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, p. 708). Para o autor, um deles é a tentação de impor à investigação reivindicações que emanam da ciência objetiva (teorias e descobertas, relações causais, variáveis); o outro é a imposição de critérios de validade que surgem fora do mundo-da-vida.

Com efeito, “[...] o pesquisador deve suspender os pressupostos para entrar no mundo-da-vida (e deve praticar continuamente a época para permanecer lá)” (Ashworth, 1999Ashworth, P. (1999). “Bracketing” in phenomenology: Renouncing assumptions in hearing about student cheating. International Journal of Qualitative Studies in Education, 12(6), 707-721. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1080/095183999235845
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, p. 709). Na pesquisa fenomenológica, as questões que surgem da ciência positivista, como a causa ou as relações legítimas entre “variáveis”, não são relevantes para a descrição do fenômeno. Não há nenhuma busca por explicações científicas nem por construções explanatórias externas impostas pelo observador. Além disso, o pesquisador não adota nenhuma posição sobre a correção ou falsidade das afirmações feitas pelo participante da pesquisa nas visões e julgamentos intrínsecos ao seu mundo de vida. “Os fenômenos do mundo-da-vida devem ser entendidos em termos de seus próprios sistemas de significado” (Ashworth, 1999, p. 709). Assim, devem ser evitadas explicações baseadas em causas extraídas da realidade física objetiva. Todas essas orientações, no entanto, não podem ser formatadas em um programa qualitativo determinável, com estratégias, esquemas de cálculo, códigos e tecnicismos analíticos, que não produzirão ou fornecerão pensamentos originais ou insights criativos (van Manen, 2017van Manen, M. (2017). Phenomenology in Its Original Sense. Qualitative Health Research, 27(6), 810-825. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1049732317699381
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). Os insights originais e criativos são produzidos no encontro da intencionalidade da consciência com as características aparentes do fenômeno. São, portanto, efeito da relação entre sujeito que conhece o objeto dado a conhecer.

É importante relembrar que nosso intuito neste artigo é apontar como a epistemologia fenomenológica pode contribuir para a compreensão do fenômeno da liderança. Nesse sentido, procuramos fugir de abordagens mais operacionais e/ou instrumentais da fenomenologia. No entanto, para tentar tornar a prática da epoché mais palpável, apresentamos algumas etapas apresentadas em Gearing (2004Gearing, R. E. (2004). Bracketing in Research: A Typology. Qualitative Health Research, 14(10), 1429-1452. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1049732304270394
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). A primeira delas, formulação abstrata, é formada pela perspectiva de orientação do pesquisador (sua posição epistemológica e ontológica) e pelo referencial teórico que norteia o estudo. A segunda, mais central e ramificada, engloba os elementos-chave da epoché e consiste em cinco elementos descritos a seguir. No foco fundacional, a epoché é vista como a suspensão das pressuposições que cercam um fenômeno e/ou o processo de focar nas essências e na estrutura do fenômeno para entender os universais subjacentes. A suposição interna e externa trata daquilo que precisa ser colocado em suspensão, respectivamente, do lado do pesquisador (conhecimento pessoal, história, cultura, experiências, valores, orientações, teorias) e do lado do fenômeno (sua história, definição e fatores ambientais mais amplos). A estrutura temporal envolve delinear o início, a duração e o fim da epoché e, por último, a composição de parênteses (limite) define quão rígidos, específicos ou porosos devem ser os limites para manter fora e/ou suspender as suposições. Por fim, a terceira etapa consiste na reintegração, entendida como o reinvestimento dos dados na investigação mais ampla e que é apresentada na seção de análise do estudo.

Vale destacar que a noção da epoché, quando compreendida como técnica, exige do pesquisador um conjunto de qualidades; dentre elas, autocrítica e autoconsciência (reflexividade), curiosidade, precisão, perspicácia, disposição para estar errado, abertura, organização, honestidade e transparência (Hamill, 2010Hamill, C. (2010). Bracketing - practical considerations in Husserlian phenomenological research. Nurse researcher, 17(2), 16-24. Recuperado de https://doi.org/10.7748/nr2010.01.17.2.16.c7458
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). Assim, evocar a epoché no contexto dos estudos em liderança é convidar os pesquisadores a superar ou reconhecer as limitações do excesso de procedimentos, padronizações e métricas que assumem primeiro plano em uma retórica e estética de neutralidade do sujeito em relação ao objeto, típico das ciências naturais.

CONCLUSÃO

O estudo da liderança da perspectiva fenomenológica se insere em um esforço acadêmico de afastamento de abordagens mainstream, predominantemente funcionalistas e positivistas e, portanto, reducionistas da liderança enquanto um fenômeno no mundo. Buscando responder à pergunta central deste artigo - “Qual a contribuição da fenomenologia para a compreensão do fenômeno da liderança?” -, apresentamos algumas reflexões propositivas. Primeiro, considerando que, em fenomenologia, o fenômeno é aquilo que se mostra em si mesmo, que se revela, por meio de uma consciência intencional doadora de sentido, a liderança como fenômeno não deve ser estudada de modo objetivo, externo, isolável, mensurável, fragmentável, como é feito nas ciências naturais. A liderança se dará, revelar-se-á em si mesma, como uma “consciência de liderança”, a qual obrigatoriamente deverá ser investigada e analisada pela mediação de um sujeito. Isso leva a uma mudança na orientação do pesquisador: de uma atitude de descoberta sobre o que é “a” liderança como um objeto de uma ciência natural para uma atitude de busca pelo “sentido” que a liderança tem para determinado percipiente. Além disso, em vez de a consciência ser tomada como um predicamento egocêntrico, o que haverá é uma noção de fusão entre consciência e objeto, a representar, no fim, um entrelaçamento entre sujeito e objeto.

Segundo e consequentemente, tal sentido de liderança se dará em perspectiva, revelando um lado, aspecto ou perfil presente no fenômeno, enquanto outros, ausentes, lá estarão e serão intencionados, apesar de não revelados. Assim, a vivência de liderança de um liderado provavelmente não será a mesma em comparação com a de um CEO. Igualmente, a vivência de liderança desses mesmos atores também não será a mesma diante de um contexto de crise, transformação ou calmaria. Trata-se, portanto, de múltiplas perspectivas.

Terceiro, a fenomenologia convida a mudar o posicionamento ontológico do pesquisador. Desse modo, se os princípios metafísicos de quem conduz a investigação são aqueles que tomam a realidade como externa, possível de se isolar, medir e quantificar, naturalmente sua atitude epistemológica e metodológica estará em concordância com essa posição. No entanto, se a perspectiva muda para um olhar fenomenológico, segundo o qual o real não tem ontologia, senão a constituída pela consciência, não se seguirá uma abordagem positivista com métodos quantitativos, haja vista que não há adequação ou aplicabilidade. Não há como medir, objetificar, quantificar uma vivência. A eficácia de qualquer ato de liderança será julgada dentro de momentos sociais e históricos particulares. Os métodos reducionistas são mal equipados para fornecer uma visão adequada de como a liderança surge de tais instâncias particularizadas.

Mediante o exposto, sugerimos como agenda futura de pesquisa que sejam conduzidas pesquisas empíricas em diferentes contextos organizacionais. Da mesma forma, que o pesquisador possa orientar o estabelecimento de sua relação com o objeto, com recurso às premissas da epistemologia fenomenológica, conforme mencionamos ao longo do presente texto (reconciliação entre sujeito e objeto, epoché, resgaste do mundo-da-vida), tendo como ponto de partida a constituição da liderança como um fenômeno no mundo. Mais do que isso, podemos sugerir que outros fenomenólogos possam inspirar novas premissas para o desenvolvimento de estudos que conciliem fenomenologia e liderança. Crevani e Lammi (2023Crevani, L., & Lammi, I. J. (2023). Leadership and Practice Theories: Reconstructing Leadership as a Phenomenon. In D. Schedlitzki, M. Larsson, B. Carroll, M. C. Bligh, & O. Epitropaki (Eds.), The SAGE Handbook of Leadership. London, UK: SAGE .), por exemplo, sugerem expandir a liderança para mais dimensões da prática, em lugar da dimensão discursiva, que muitos estudos de liderança enfatizaram. Essas dimensões incluem materialidade e corporificação (o que pode ser investigado com inspiração na fenomenologia de Merleau-Ponty (2018Merleau-Ponty, M. (2018). Fenomenologia da percepção (5a ed.). São Paulo, SP: WMF Martins Fontes.), por exemplo), na medida em que entendemos que alguém que se envolve em uma prática, necessariamente, se envolve com seu corpo. Isso, em conjunto, ocorre com objetos dos quais as práticas dependem criticamente. Não só os objetos, mas também os afetos, os ambientes e o espaço onde acontecem as interações e relações são importantes para o exercício da liderança. Por exemplo, corpos vivos servem como meios tangíveis por intermédio dos quais várias formas de práticas de liderança são negociadas, fraturadas, resistidas ou integradas (Küpers, 2013Küpers, W. M. (2013). Embodied inter-practices of leadership: Phenomenological perspectives on relational and responsive leading and following. Leadership, 9(3), 335-357. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1742715013485852
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). A pesquisa de O’Neill (2019O’Neill, C. (2019). Unwanted appearances and self-objectification: The phenomenology of alterity for women in leadership. Leadership, 15(3), 296-318. Recuperado de https://doi.org/10.1177/1742715018816561
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) constitui outro exemplo, pois, ao focar nas experiências subjetivas de mulheres líderes, destacou o fenômeno da “des-aparição”, em que o corpo feminino, que significa uma presença socialmente problemática nesse contexto, aparece para o sujeito de maneira perturbadora ou indesejada em sua autopercepção.

Como limitação, reconhecemos que o artigo não oferece técnicas para operacionalização da pesquisa suportadas por premissas fenomenológicas. Cabe-nos, aqui, explicar. Segundo Faria (2022Faria, J. H. (2022). Introdução à epistemologia: dimensões do ato epistemológico. Jundiaí, SP: Paco.), nos estudos em Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, a fenomenologia parece estar sendo simplificadamente convertida em técnica de pesquisa ou suporte classificatório, o que o autor chama de tecnicalidades formais. Por razões assim, propusemo-nos a oferecer subsídios epistemológicos para o uso da fenomenologia nas pesquisas em liderança, competindo a operacionalização metodológica a cada pesquisador e ao objetivo do seu estudo.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de doutorado concedida a Vicente Reis Medeiros. Este estudo também teve apoio da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Brasil).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2022
  • Aceito
    19 Jun 2023
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