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Americanas: nem tudo o que reluz é ouro

Americanas: no es oro todo lo que reluce

Resumo

No início de 2023, um grande revés abala o mercado acionário brasileiro: a Americanas, empresa quase centenária e uma das maiores varejistas do Brasil, anuncia ao mercado, em um Fato Relevante, que haviam sido encontradas “inconsistências contábeis”, estimadas em R$ 20 bilhões, na sua conta fornecedores. A empresa é gerida há mais de 30 anos pelo trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, considerados, até então, uma referência no capitalismo brasileiro. Neste momento, em que o caso ainda se desdobra diante de nós e atrai imensa atenção da mídia pelos números superlativos - milhares de pontos de vendas, 45.000 empregos, bilhões em dívidas com fornecedores e uma perda de R$ 8 bilhões em ações -, é fundamental que a academia qualifique o debate e faça uma discussão de seus impactos e desdobramentos de forma estruturada em sala de aula.

Palavras-chave:
Governança; Fraude corporativa; Ética organizacional; ESG

Resumen

A principios de 2023, cayó una bomba en la bolsa de valores brasileña: Americanas, una empresa casi centenaria y una de las mayores minoristas de Brasil, administrada durante más de 30 años por el trío Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles y Beto Sicupira y hasta entonces considerada una referencia en el capitalismo brasileño, anuncia al mercado, a través de un hecho relevante, que se encontraron “inconsistencias contables” estimadas en R$ 20 mil millones en su cuenta de proveedores. En este momento, cuando el caso aún se desarrolla ante nosotros y atrae una inmensa atención de los medios debido a los números superlativos: miles de puntos de venta, 45.000 empleos, miles de millones en deudas a proveedores y una pérdida de 8 mil millones de reales en acciones, es fundamental que la academia evalúe el debate y discuta sus impactos y desarrollos de forma estructurada en el aula.

Palabras clave:
Gobernanza; Fraude corporativo; Ética organizacional; ASG

Abstract

At the beginning of 2023, a bomb fell on the Brazilian stock market: Americanas, an almost centenary company and one of the largest retailers in Brazil, managed for more than 30 years by the trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles, and Beto Sicupira and which until then were considered a reference in Brazilian capitalism, announces to the market, in a Relevant Fact, that “accounting inconsistencies” estimated at R$ 20 billion had been found in its suppliers account. At this moment, when the case is still unfolding before us and attracting immense media attention due to the superlative numbers - thousands of points of sale, 45,000 jobs, billions in debt with suppliers, and a loss of 8 billion reais in shares - it is paramount that the academy qualifies the debate and discusses its impacts and developments in a structured way in the classroom.

Keywords:
Governance; Corporate fraud; Organizational ethics; ESG

INTRODUÇÃO

A Americanas é um dos maiores grupos varejistas do Brasil. Segundo o ranking, de 2022, do Ibevar (Instituto Brasileiro de Varejo), está entre os cinco maiores do país, com um valor de mercado estimado em R$ 11 bilhões. São mais de 1700 estabelecimentos espalhados por quase todos os estados do Brasil.

A história começa em 1929, quando John Lee, Glen Matson, James Marshall e Batson Borger, quatro americanos ex-funcionários do gigante varejista norte-americano Woolworth, decidiram empreender e abrir sua própria loja de departamentos. Inicialmente, tinham a intenção de abrir uma loja, em Buenos Aires, Argentina, no estilo five and ten cents, cuja característica era vender produtos populares nos Estados Unidos por preços que variavam de cinco a dez centavos. No entanto, durante a viagem, conheceram o brasileiro Aquino Sales e o austríaco Max Landesman, que os convidaram para ir ao Rio de Janeiro, a capital e a maior cidade do país à época (Mundo da Marcas, 2006Mundo das Marcas. (2006, junho 06). Lojas Americanas. Recuperado de https://mundodasmarcas.blogspot.com/2006/06/lojas-americanas-preos-baixos-todos-os.html
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).

Após conhecer o Estado do Rio de Janeiro, os quatro americanos, que possuíam, em dólares, o equivalente a 10 mil contos de réis, acreditaram que o local seria o ideal para começar o negócio, em virtude do alto número de funcionários públicos e militares com salário modesto, mas renda estável. Na época, notaram que havia poucas lojas populares no Rio e, de forma geral, vendiam mercadorias caras e especializadas, o que obrigava uma dona de casa a ir a diversos estabelecimentos para realizar as compras. Desse modo, perceberam a oportunidade de abrir uma loja com preços populares e grande oferta de produtos. Foi assim que se deu a criação das Lojas Americanas (veja a Figura 1), formalmente fundada pelos quatro americanos e o austríaco, tendo como primeiro slogan: “Nada além de 2 mil réis” (Meira, 2023Meira, V. (2023, janeiro 16). Conhece a história da Americanas (AMER3)? Veja quem são os donos e como surgiu a empresa. Eu quero investir. Recuperado de https://euqueroinvestir.com/conhece-americanas-amer3
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).

Figura 1
Fachada da primeira loja da Americanas, aberta em Niterói, Rio de Janeiro, em 1929

No dia 2 de maio de 1929, os quatro registraram a empresa Lojas Americanas S.A. Apesar do nome, a empresa sempre foi brasileira. Ainda neste ano, foi inaugurada em Niterói/RJ a primeira unidade das Lojas Americanas, cuja palavra “loja” no nome da empresa foi uma novidade que designava um novo estilo de vendas, diferente dos estabelecimentos da época, que se denominavam “casa”. Durante a primeira hora de funcionamento, nenhum cliente apareceu. O fracasso parecia iminente. No entanto, uma garotinha, após passar minutos olhando através da vitrine, entrou e comprou uma boneca, tornando-se a primeira cliente da loja. Outro ponto interessante da inauguração foi a adoção de uma estratégia para atrair mais donas de casa: foram contratadas várias mulheres como vendedoras, uma atitude pioneira à época. No final do primeiro ano, já eram quatro lojas em operação: três no Rio de Janeiro e uma em São Paulo (Mundo das Marcas, 2006Mundo das Marcas. (2006, junho 06). Lojas Americanas. Recuperado de https://mundodasmarcas.blogspot.com/2006/06/lojas-americanas-preos-baixos-todos-os.html
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).

Em 1940, depois de onze anos da abertura da primeira loja, as Lojas Americanas, na qualidade de S.A., abriram o capital. Ao longo dos anos, diversas empresas compraram ações da Americanas.

Em 1982, Marcel Telles, Carlos Alberto Sicupira e Jorge Paulo Lemann, conhecidos como “os três grandes do Brasil”, compraram ações majoritárias da empresa e iniciaram um processo de transformação radical (Meira, 2023Meira, V. (2023, janeiro 16). Conhece a história da Americanas (AMER3)? Veja quem são os donos e como surgiu a empresa. Eu quero investir. Recuperado de https://euqueroinvestir.com/conhece-americanas-amer3
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). A equipe de gestão foi renovada, a empresa passou a se concentrar no segmento de varejo, expandindo sua presença em todo o país. Os três sócios estão entre os empresários reconhecidos como mais bem sucedidos do Brasil e do mundo. Além das Lojas Americanas, eles têm participação em outras empresas de destaque, como a AB InBev, considerada a maior e mais valiosa cervejaria do mundo, e a 3G Capital, holding de private equity1 1 Private equity é o nome dado ao investimento em empresas já consolidadas no mercado, normalmente de grande porte. A grande diferença está no fato de que as cotas de private equity são compostas quase exclusivamente por ações de empresas de capital fechado, isto é, não listadas na bolsa de valores. com presença em vários países. Para isso se inspiraram no modelo do Wal-Mart, a maior rede de comércio varejista do mundo, à época, cuja estratégia era focada em rápida expansão, preço baixo e variedade e um ousado plano de internacionalização de suas operações para ganhar escala global.

Alinhando interesses, em 1994 os três sócios realizam com a Wal-Mart uma joint venture - um acordo temporário entre as duas empresas que unem recursos para formar uma aliança estratégica visando a um objetivo comercial comum - nomeada Wal-Mart Brasil S.A., com participação de 40% das Lojas Americanas S.A. e 60% da Wal-Mart Store Inc. na composição do capital (Gimenez, 2020Gimenez, L. (2020, novembro 14). Entenda o histórico das ações da Americanas na Bolsa de Valores. Portal Acionista. Recuperado de https://acionista.com.br/descubra-a-historia-das-acoes-da-rede-americanas-no-brasil/
https://acionista.com.br/descubra-a-hist...
).

Com a revisão do plano de investimentos e reestruturação de toda a operação da empresa varejista, em pouco tempo as Lojas Americanas retomaram o crescimento novamente (Freitas, 2022Freitas, F. (2022, outubro 20). As 5 maiores cervejarias do mundo em 2021. Cervejar. Recuperado de https://cervejar.com/as-5-maiores-cervejarias-do-mundo-em-2021
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), corroborando o estilo de gestão dos três empresários - Telles, Sicupira e Lemann -, marcado pela busca incessante por resultados e por uma cultura de eficiência e excelência. Os três são conhecidos por serem rigorosos com as finanças e por aplicarem medidas de corte de despesas e aumento de lucratividade nas empresas que controlam (Neira & Gozzi, 2023Neira, A. C., & Gozzi, R. (2023, janeiro 18). Além das Americanas (AMER3): empresas de Lemann e sócios da 3G têm histórico de problemas contábeis. Seu Dinheiro. Recuperado de https://www.seudinheiro.com/2023/empresas/alem-das-americanas-amer3-empresas-de-lemann-socios-3g-historico-problemas-rsgp-acnn/
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).

Um dos momentos mais importantes da história das Lojas Americanas foi a criação da Americanas.com no ano 2000, que permitiu à empresa beneficiar-se da popularização de acesso à internet e, por meio do comércio eletrônico, ampliar a sua presença no mercado, alcançar novos públicos e se adaptar às novas tendências de consumo. Assim, a compra do domínio Americanas.com foi feita em 1999 e o lançamento oficial do site deu-se em meados de 2000.

A partir daí, a empresa investiu fortemente na Americanas.com, um marketplace referência no comércio eletrônico brasileiro, que permite aos consumidores comprar produtos de diversas categorias: eletrônicos e móveis, roupas e acessórios, livros e produtos para casa (Meira, 2022). Com a popularização da internet, a Americanas adquiriu também o Shoptime.com e a Ingresso.com em 2005; um ano depois foi a vez do Submarino. Com essas aquisições, foi criada a B2W, uma das maiores empresas de comércio eletrônico da América Latina.

Desde a sua criação, a Americanas.com tem apresentado números expressivos de faturamento e de volume de transações, consolidando-se como uma das principais plataformas de comércio eletrônico do país. De acordo com dados da empresa, em 2020 o faturamento da Americanas.com ultrapassou R$ 12 bilhões e o volume de transações chegou a mais de 9 milhões de pedidos, com mais de 40 milhões de clientes cadastrados (Americanas Marketplace, 2021Americanas Marketplace. (2021, janeiro 04). Estatísticas do e-commerce: dados importantes sobre o setor. Recuperado de https://blog.americanasmarketplace.com.br/2021/01/04/estatisticas-do-e-commerce/
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).

A Americanas.com está hoje entre as cinco maiores plataformas de comércio eletrônico do Brasil, detendo 5% do market share de e-commerce, o que ajuda a consolidar a posição das Lojas Americanas como um dos maiores grupos varejistas do país (Meira, 2023Meira, V. (2023, janeiro 16). Conhece a história da Americanas (AMER3)? Veja quem são os donos e como surgiu a empresa. Eu quero investir. Recuperado de https://euqueroinvestir.com/conhece-americanas-amer3
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). Apesar disso, ainda se encontra distante do líder do e-commerce nacional, o Mercado Livre, que detém 14% do market share.

Após toda essa jornada virtuosa em que a 3G Capital conseguir recuperar a Americanas desde sua aquisição em 1982 e fazer a empresa crescer a passos galopantes, o primeiro indicativo de crise da varejista veio em 2011 com o aumento da concorrência no varejo on-line, que fez os resultados da empresa perderem força. Nesse contexto, a empresa apresentou diversas dificuldades operacionais, como o atraso de entregas, o que a levou a ser multada em R$ 860 mil pela Justiça do Rio de Janeiro, em virtude de não respeitar uma liminar que suspendia suas vendas na internet até que a questão das entregas atrasadas fosse resolvida. Para solucionar estes e outros problemas e para retomar o crescimento da empresa, a B2W anunciou o aumento de R$ 1 bilhão do seu capital, com a consequente emissão de 46 milhões de ações ordinárias. Mesmo após todos estes esforços, ainda em 2011 a varejista apresentou um prejuízo líquido de R$ 83,2 milhões. Após algum tempo, a Americanas conseguiu se recuperar e manter os resultados anuais no azul, seguindo com a estratégia de aquisições e novos aumentos de capital (Meira, 2023Meira, V. (2023, janeiro 16). Conhece a história da Americanas (AMER3)? Veja quem são os donos e como surgiu a empresa. Eu quero investir. Recuperado de https://euqueroinvestir.com/conhece-americanas-amer3
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).

Em 2021, a B2W anunciou a combinação de operações com as Lojas Americanas formando a Americanas S.A. (Pinheiro, 2021Pinheiro, V. (2021, fevereiro 22). Nem tudo são lágrimas na B3: Lojas Americanas dispara quase 20% com plano de fusão com B2W. Seu Dinheiro. Recuperado de https://www.seudinheiro.com/2021/empresas/lojas-americanas-fusao-b2w-acoes-22-02/
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). Com a fusão, o trio de sócios do 3G renunciou ao controle societário da empresa depois de 40 anos. Sem cobrar um prêmio por isso, ficou com cerca de 31% da companhia. Tornaram-se, assim, apenas “acionistas de referência”, sem deter mais de 50% do capital votante - estrutura mantida até o momento (Meira, 2023Meira, V. (2023, janeiro 16). Conhece a história da Americanas (AMER3)? Veja quem são os donos e como surgiu a empresa. Eu quero investir. Recuperado de https://euqueroinvestir.com/conhece-americanas-amer3
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). O objetivo dessa combinação era tornar a varejista mais próxima de suas concorrentes diretas, como Via Varejo e Magazine Luiza, que já operavam com os negócios on-line e de lojas físicas integrados em uma única companhia. A B2W já possuía, na época, 62% do capital das Lojas Americanas e, também, os sites Submarino e Americanas.com (Vinicius, 2021).

No início de 2022, foi feita nova reestruturação societária, de modo que as Lojas Americanas foi incorporada à Americanas S.A. A marca passou a ser organizada em três categorias: core (Americanas, Submarino, Shoptime e Sou Barato), iniciativas de crescimento (Puket, Imaginarium, Natural da Terra e Hortifruti) e futuro (Ame Digital, inteligência artificial e machine learning). Como resultado, a empresa se tornou um dos maiores empregadores do Brasil, com cerca de 45.000 mil colaboradores, e passou a ser listada no Novo Mercado da B3, o segmento com mais alto nível de governança, transparência e responsabilidade societária. Essas regras incluem, por exemplo, a obrigação de divulgar informações financeiras e de negócios de forma regular e completa, além de garantir a presença de um conselho de administração independente e eficiente. A adesão a essas regras tem sido importante para a Americanas, uma vez que deve contribuir para a manutenção de boas práticas de governança corporativa e transparência, o que, por sua vez, atrai investidores e aumenta a confiança dos acionistas na empresa. Além disso, a presença de um conselho de administração independente garante que as decisões da empresa sejam conduzidas de forma equilibrada e direcionadas ao interesse de todas as partes envolvidas (Invest News, 2022Invest News. (2022). Americanas on NM. Recuperado de https://investnews.com.br/cotacao/amer3-americanas
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).

Em virtude do forte crescimento nas últimas décadas e da longevidade da companhia, as ações da Americanas tornaram-se uma das mais seguras do mercado, assim como suas debêntures. Entre outubro de 2008 e janeiro de 2020, por exemplo, houve uma valorização de 1150% no valor a ser resgatado ao final do investimento em suas ações (Gimenez, 2020Gimenez, L. (2020, novembro 14). Entenda o histórico das ações da Americanas na Bolsa de Valores. Portal Acionista. Recuperado de https://acionista.com.br/descubra-a-historia-das-acoes-da-rede-americanas-no-brasil/
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).

O “E” e o “S” do ESG (Environmental, Social, and Governance)

O Relatório Reservado (2021Relatório Reservado. (2021, julho 28). Lemann prepara uma guinada rumo ao padrão ESG. Recuperado de https://relatorioreservado.com.br/noticias/lemann-prepara-uma-guinada-rumo-ao-padrao-esg/
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) - uma newsletter diário sobre negócios, finanças e política - noticiou que o trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira discutia uma “guinada” em direção a negócios ESG, buscando estabelecer uma estratégia de vinculação de praticamente todos os seus futuros investimentos a atividades econômicas e empresas com “notório compromisso socioambiental”. Assim, o portfólio dos três sócios passaria por um processo de “higienização”, que poderia levar à diluição ou mesmo ao cancelamento de participações societárias atuais. Segundo a mesma fonte, estariam na “linha de tiro” negócios como o Burger King e Kraft Heinz - de cujo Conselho de Administração Lemann já havia pedido para sair. Assim, foi considerada uma tacada de mestre, em virtude das enormes sinergias entre as empresas, a estratégia que colocou sob um mesmo controle as operações em cerveja e refrigerante (via AB InBev), hambúrguer (com Burger King) e ketchup (Kraft Heinz). Hoje, esse conjunto é tido como o “padrão podre” do meio empresarial, uma vez que, embora não figure entre os grandes emissores de carbono, não possui “compensação por danos causados à saúde humana”.

De fato, nos últimos 20 anos, Lemann, considerado um dos empresários brasileiros mais bem sucedidos, vem se esforçando para deixar outro legado que não só seu método de gestão dos conglomerados que construiu; ele tem desenvolvido várias iniciativas chamadas ESG, separadas em quatro frentes com funções definidas (Felitti, 2015Felitti, G. (2015, janeiro 10). Como Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil, pretende mudar a educação no país. Época Negócios. Recuperado de https://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2015/01/como-jorge-paulo-lemann-o-homem-mais-rico-do-brasil-pretende-mudar-educacao-no-pais.html
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):

  • Fundação Estudar: custeia bolsas de estudo para graduação e pós-graduação e oferece treinamentos;

  • Fundação Lemann: testa e desenvolve tecnologias para melhorar a qualidade da educação em grande escala e distribui bolsas para pós-graduação;

  • Gestor Gera Venture: investe em startups e compra operações educacionais que não possuem capital para crescer; e

  • Centro de estudos Lemann Center (Stanford, Califórnia): incentiva pesquisas sobre alguns dos principais problemas do setor no Brasil. As ações abarcam ensino básico, fundamental, vestibular, graduação, pós-graduação, concursos públicos e novos métodos de ensino. Não há necessidade de estar presencialmente na sala de aula: tecnologias para melhorar a gestão dos colégios e formar diretores ou secretários de educação fazem parte do pacote.

De qualquer forma, o perfil dos investimentos do trio já vinha mudando em direção ao ESG há algum tempo. O caso mais emblemático, provavelmente, foi a entrada de Jorge Paulo Lemann e de Marcel Telles no setor de educação, por meio do Gera Venture Capital, que controla a rede de escolas Pensi, Elite, Sigma, Ideal, Coleguium, Alfa, CBV, Motivo, Nota10, CEI e Master, com 115 mil alunos em 17 estados e no Distrito Federal. Especula-se também que existiria a intenção de se criar uma espécie de “cinturão verde” de produção de energia limpa, com a construção de uma série de “pequenas centrais hidrelétricas”, o que se realizaria pelos investimentos de Sicupira na Light (com quase 10% das ações) e do fundo 3G Radar, hoje o maior acionista preferencial da Eletrobras, com 10,88%. Além disso, os três investidores vêm analisando diversos projetos de produção de gás metano por meio da decomposição de resíduos orgânicos (Relatório Reservado, 2021Relatório Reservado. (2021, julho 28). Lemann prepara uma guinada rumo ao padrão ESG. Recuperado de https://relatorioreservado.com.br/noticias/lemann-prepara-uma-guinada-rumo-ao-padrao-esg/
https://relatorioreservado.com.br/notici...
).

Há ainda outros lançamentos considerados como um marco em direção às práticas de ESG.

  • Patrocínio e parceria da Americanas.com no projeto do Plus Codes, uma solução de localização desenvolvida por Google e G10 Favelas, em 2022. O objetivo do Plus Codes é oferecer uma forma de identificar endereços em áreas onde o sistema tradicional de endereçamento não é eficaz, como em favelas e comunidades rurais. A solução funciona por meio da geração de um código de seis dígitos que identifica uma localização precisa em uma área de 10.000 metros quadrados. Esse código pode ser facilmente compartilhado, tornando a localização acessível para entregas, por exemplo. A parceria entre Google, G10 Favelas e Americanas.com permitiu a utilização do Plus Codes como forma de entregar produtos da Americanas.com em lugares aonde os Correios não chegavam, ampliando o alcance de suas entregas e garantindo a chegada de seus produtos em áreas antes inacessíveis. Além disso, a solução do Plus Codes permite aos moradores de favelas e comunidades rurais terem acesso a produtos e serviços de forma mais fácil e conveniente, contribuindo para a inclusão digital e econômica dessas áreas (Sobral, 2022Sobral, E. (2022, novembro 22). Empresas se unem para permitir entregas a consumidores nas favelas. Valor Econômico. Recuperado de https://valor.globo.com/empresas/esg/noticia/2022/11/23/empresas-se-unem-para-permitir-entregas-a-consumidores-nas-favelas.ghtml
    https://valor.globo.com/empresas/esg/not...
    ).

  • AME, fintech voltada a plataforma de negócios, lançada em 2018 como uma empresa do grupo B2W e que oferece a seus clientes a possibilidade de obter descontos em suas compras na loja virtual da Americanas.com por meio do programa de cashback (StartSe, 2021StartSe. (2021). Tecnologia. Ame Digital, fintech da Americanas, promove digitalização financeira exclusiva. Recuperado de https://www.startse.com/artigos/ame-digital-fintech-americanas/
    https://www.startse.com/artigos/ame-digi...
    ). O funcionamento é bem simples: ao fazer uma compra na loja, o cliente recebe uma porcentagem do valor gasto de volta em forma de créditos na conta AME. Esses créditos podem ser utilizados em futuras compras na loja, além de outras vantagens, como descontos exclusivos em produtos selecionados, ofertas e promoções exclusivas para membros do programa. O cliente pode se cadastrar na AME de forma gratuita e sem custos adicionais, bastando ter uma conta na loja virtual da Americanas.com. A plataforma acumula 35 milhões de downloads ao longo de três anos de existência. Já no primeiro semestre de 2022 foram realizados 2,6 milhões de downloads. Sua a carteira possui 12 milhões de usuários ativos por mês. Em termos de volume total transacionado (TPV) pelos clientes, a carteira chegou a R$ 8 bilhões no segundo trimestre de 2022, apresentando uma alta de 52% contra o mesmo período um ano antes. Também se destaca o EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) positivo de R$ 8,5 milhões (Medeiros, 2022Medeiros, H. (2022, agosto 12). Ame da Americanas chega a 12 milhões de usuários mensais. Mobile Time. Recuperado de https://www.mobiletime.com.br/noticias/12/08/2022/ame-da-americanas-chega-a-12-milhoes-de-usuarios-mensais
    https://www.mobiletime.com.br/noticias/1...
    ). Além disso, ao fazer parte do programa, o cliente também contribui para a sustentabilidade, uma vez que a Americanas destina parte dos recursos da AME para projetos sociais e de preservação ambiental (Manzoni, 2019Manzoni, R. Jr. (2019, agosto 09). Ame Digital: a nova fintech de Jorge Paulo Leman. Neofeed. Recuperado de https://neofeed.com.br/blog/home/ame-digital-a-nova-fintech-de-jorge-paulo-lemann/
    https://neofeed.com.br/blog/home/ame-dig...
    ).

NEM TUDO O QUE RELUZ É OURO

Em 2 de janeiro de 2023, Sérgio Rial, ex-presidente do Santander Brasil, assumiu a presidência da Americanas, sucedendo Miguel Gutierrez - que havia ocupado o cargo por 20 anos. Apenas nove dias após a posse de Rial, um grave acontecimento abala o mercado acionário brasileiro, qual seja, a companhia divulga Fato Relevante: haviam sido encontradas “inconsistências contábeis” estimadas em R$ 20 bilhões na conta fornecedores (Neira & Gozzi, 2023Neira, A. C., & Gozzi, R. (2023, janeiro 18). Além das Americanas (AMER3): empresas de Lemann e sócios da 3G têm histórico de problemas contábeis. Seu Dinheiro. Recuperado de https://www.seudinheiro.com/2023/empresas/alem-das-americanas-amer3-empresas-de-lemann-socios-3g-historico-problemas-rsgp-acnn/
https://www.seudinheiro.com/2023/empresa...
). O documento divulgado pela companhia não trazia muitos detalhes, mas afirmava que a área contábil havia detectado “[...] a existência de operações de financiamento de compras em valores da mesma ordem (R$ 20 bilhões), nas quais a companhia é devedora perante instituições financeiras e que não se encontram adequadamente refletidas na conta de fornecedores nas demonstrações financeiras” (G1, 2023G1. (2023, janeiro 19). Americanas: veja a cronologia do caso, das ‘inconsistências contábeis’ à recuperação judicial. Recuperado de https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/19/americanas-veja-a-cronologia-do-caso-das-inconsistencias-contabeis-a-recuperacao-judicial.ghtml
https://g1.globo.com/economia/noticia/20...
). O número, para se ter ideia da gravidade, é maior que o patrimônio líquido da companhia registrado ao fim de setembro de 2022, pouco abaixo de R$ 15 bilhões - tal fato foi caracterizado como “fraude multibilionária” pela Abradin, associação que reúne acionistas minoritários de empresas de capital aberto (Neira & Gozzi, 2023Neira, A. C., & Gozzi, R. (2023, janeiro 18). Além das Americanas (AMER3): empresas de Lemann e sócios da 3G têm histórico de problemas contábeis. Seu Dinheiro. Recuperado de https://www.seudinheiro.com/2023/empresas/alem-das-americanas-amer3-empresas-de-lemann-socios-3g-historico-problemas-rsgp-acnn/
https://www.seudinheiro.com/2023/empresa...
).

Rial e André Covre (Chief Financial Officer [CFO]) - o segundo levado pelo primeiro para a Americanas - enfrentaram uma difícil decisão ao longo desses nove dias: não poderiam deixar de informar ao mercado o que haviam encontrado, sob pena de se tornarem cúmplices - até mesmo do ponto de vista legal. Tampouco poderiam permanecer em seus cargos, mesmo não sendo os responsáveis pelos problemas, uma vez que a realidade encontrada era muito diferente do que esperavam quando negociaram tomar as rédeas da empresa. Assim, ambos decidiram renunciar, em comum acordo com os acionistas de referência, o trio Telles, Sicupira e Lemann (Valenti & Guilherme, 2023Valenti, G., & Guilherme, G. (2023, janeiro 12). Americanas: futuro da empresa e de executivos históricos na berlinda após buraco de R$ 20 bi. Época Negócios. Recuperado de https://exame.com/exame-in/americanas-futuro-da-empresa-e-de-executivos-historicos-na-berlinda-apos-buraco-de-r-20-bi/
https://exame.com/exame-in/americanas-fu...
).

Rial, ao aceitar a proposta de Beto Sicupira, Marcel Telles e Jorge Paulo Lemann para comandar a Americanas, certamente não esperava essa desordem nos balanços da empresa. O escândalo, já considerado o maior de uma companhia privada brasileira, nem de longe estava no radar dos investidores, uma vez que a auditoria independente da própria companhia, a PwC, não havia apontado nenhum problema nos balanços, cuja análise não continha nem ressalva, nem ênfase (Valenti & Guilherme, 2023Valenti, G., & Guilherme, G. (2023, janeiro 12). Americanas: futuro da empresa e de executivos históricos na berlinda após buraco de R$ 20 bi. Época Negócios. Recuperado de https://exame.com/exame-in/americanas-futuro-da-empresa-e-de-executivos-historicos-na-berlinda-apos-buraco-de-r-20-bi/
https://exame.com/exame-in/americanas-fu...
). Na manhã de quinta, dia posterior à divulgação do Fato Relevante, Rial fez uma conferência para esclarecer que a essência do problema estava em operações de “risco sacado”, em que é feita uma triangulação entre a empresa, seus fornecedores e uma instituição financeira, funcionando da seguinte forma (G1, 2023Neira, A. C., & Gozzi, R. (2023, janeiro 18). Além das Americanas (AMER3): empresas de Lemann e sócios da 3G têm histórico de problemas contábeis. Seu Dinheiro. Recuperado de https://www.seudinheiro.com/2023/empresas/alem-das-americanas-amer3-empresas-de-lemann-socios-3g-historico-problemas-rsgp-acnn/
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):

  • Ao contratar o risco sacado, a companhia pede ao seu banco que ele realize o pagamento de uma compra com o fornecedor;

  • Assim, o banco quita o contrato em nome da companhia, que passa a dever para o banco com a cobrança de juros;

  • Pelo que se sabe até o momento, a Americanas fez contratação de risco sacado, mas as operações não foram registradas devidamente nos balanços contábeis;

  • No caso da Americanas, foram inúmeras operações ocultadas, subestimando o grau de endividamento da empresa.

Esse problema tem em seu bojo o alargamento dos prazos de pagamento para fornecedores. A Americanas sempre foi “[...] muito agressiva na negociação com os fornecedores - talvez agressiva até demais, fora de qualquer padrão do mercado”, diz André Pimentel, sócio da empresa de consultoria Performa Partners, que trabalhou na reestruturação da Americanas no fim dos anos 1990, quando estava na Galeazzi & Associados e, antes disso, na PwC, atual empresa de auditoria da Americanas (O Tempo, 2023O Tempo. (2023, janeiro 13). Veja como a Americanas se financia com pequenos e médios fornecedores. Recuperado de https://www.otempo.com.br/economia/veja-como-a-americanas-se-financia-com-pequenos-e-medios-fornecedores-1.2797089
https://www.otempo.com.br/economia/veja-...
). De fato, “[...] empresários que vendem produtos para a varejista dizem que atrasos de pagamento são rotina” e que, para se ter uma ideia do tamanho desse problema na Americanas, basta mencionar que seus fornecedores são “90% dos 16.000 credores” totais da empresa (Carvalho, 2023Carvalho, R. (2023, janeiro 23). Relação com Americanas sempre foi difícil, dizem fornecedores. Folha de S. Paulo. Recuperado de https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/01/relacao-com-americanas-sempre-foi-dificil-dizem-fornecedores.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/20...
). Logo após a comunicação do Fato Relevante, circulou nas redes sociais o trecho de um livro escrito por Bob Fifer, Dobre seus lucros, com subtítulo O livro de cabeceira de Marcel Telles, Fundador da Ambev - Exame.com. Veja abaixo o que diz a “Etapa 37”, “Contas a Pagar”:

Um método fácil de favorecer o balanço da empresa este ano (embora só funcione uma vez) é atrasar seus pagamentos. A maioria dos fornecedores prefere esperar para receber a perdê-lo como cliente.

Passe a pagar suas contas em quarenta e cinco dias, depois sessenta dias, depois em três ou seis meses, no caso dos fornecedores mais tolerantes. Nunca pague uma conta até que o fornecedor pergunte por ela pelo menos duas vezes. Certos fornecedores chegam a levar até dois anos para reclamar o pagamento de uma conta (Fifer, 2017Fifer, B. (2017). Dobre seus lucros - o livro de cabeceira de Marcel Telles, fundador da Ambev. Rio de Janeiro, RJ: Harper Collins.).

Os desdobramentos da revelação de um rombo de R$ 20 bilhões no balanço da Americanas (AMER3, na bolsa B3) levaram alguns dos credores da varejista a atribuir práticas nada corretas àqueles que, até então, eram considerados uma referência no capitalismo brasileiro. Além, disso, a postura dos empresários nos dias que se seguiram ao escândalo contábil deixou os credores indignados. Entre os representantes dos bancos credores da Americanas, ficou a sensação de que Lemann, Telles e Sicupira queriam socializar o prejuízo (Neira & Gozzi, 2023Neira, A. C., & Gozzi, R. (2023, janeiro 18). Além das Americanas (AMER3): empresas de Lemann e sócios da 3G têm histórico de problemas contábeis. Seu Dinheiro. Recuperado de https://www.seudinheiro.com/2023/empresas/alem-das-americanas-amer3-empresas-de-lemann-socios-3g-historico-problemas-rsgp-acnn/
https://www.seudinheiro.com/2023/empresa...
). Os empresários, em comunicado conjunto, no dia 22 de janeiro, afirmaram (Catto, 2023Catto, A. (2023, janeiro 22). Lemann, Telles e Sicupira falam pela 1ª vez após rombo da Americanas: ‘Jamais tivemos conhecimento’. G1. Recuperado de https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/22/lemann-telles-e-sicupira-falam-pela-1a-vez-apos-rombo-contabil-da-americanas-jamais-tivemos-conhecimento.ghtml
https://g1.globo.com/economia/noticia/20...
):

[...] jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia. Nossa atuação sempre foi pautada, ao longo de décadas, por rigor ético e legal. Isso foi determinante para a posição que alcançamos em toda uma vida dedicada ao empreendedorismo, gerando empregos, construindo negócios e contribuindo para o desenvolvimento do país.

No comunicado, o trio citou ainda a PwC, responsável pela auditoria da varejista, e afirmou que nem instituições financeiras nem a empresa “denunciaram qualquer irregularidade”. Eles também afirmaram que o comitê independente da companhia “[...] terá todas as condições de apurar os fatos” e de avaliar a “eventual quebra de simetria no diálogo entre os auditores e as instituições financeiras” (Catto, 2023Catto, A. (2023, janeiro 22). Lemann, Telles e Sicupira falam pela 1ª vez após rombo da Americanas: ‘Jamais tivemos conhecimento’. G1. Recuperado de https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/22/lemann-telles-e-sicupira-falam-pela-1a-vez-apos-rombo-contabil-da-americanas-jamais-tivemos-conhecimento.ghtml
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). O comunicado finaliza com a seguinte afirmação:

[...] o nosso empenho em trabalhar pela recuperação da empresa, com a maior brevidade possível, focados em garantir um futuro promissor para a empresa, seus milhares de empregados, parceiros e investidores e em chegar a um bom entendimento com os credores (Catto, 2023Catto, A. (2023, janeiro 22). Lemann, Telles e Sicupira falam pela 1ª vez após rombo da Americanas: ‘Jamais tivemos conhecimento’. G1. Recuperado de https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/22/lemann-telles-e-sicupira-falam-pela-1a-vez-apos-rombo-contabil-da-americanas-jamais-tivemos-conhecimento.ghtml
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).

Desde então, a companhia viu as ações derreterem na bolsa de valores brasileira, com uma perda de mais de R$ 8 bilhões em valor de mercado em apenas dois dias. Levantamento de Einar Rivero, do TradeMap, mostra que essa foi a maior queda diária de uma empresa de capital aberto desde 2008, qual seja, de 77,33% (G1, 2023G1. (2023, janeiro 19). Americanas: veja a cronologia do caso, das ‘inconsistências contábeis’ à recuperação judicial. Recuperado de https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/19/americanas-veja-a-cronologia-do-caso-das-inconsistencias-contabeis-a-recuperacao-judicial.ghtml
https://g1.globo.com/economia/noticia/20...
). Além disso, houve o início de disputas judiciais com credores em busca de pagamento, mas tal ação torna-se insustentável diante do comunicado da empresa de que possui em caixa apenas R$ 800 milhões. A título de comparação, o valor é significativamente menor do que os R$ 8,6 bilhões reportados no terceiro trimestre de 2022 (G1, 2023G1. (2023, janeiro 19). Americanas: veja a cronologia do caso, das ‘inconsistências contábeis’ à recuperação judicial. Recuperado de https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/19/americanas-veja-a-cronologia-do-caso-das-inconsistencias-contabeis-a-recuperacao-judicial.ghtml
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).

No dia 13 de janeiro, a pedido da Americanas, um juiz do Rio de Janeiro concedeu à companhia proteção contra vencimento antecipado de dívidas - instrumento chamado de Tutela de Urgência Cautelar -, ampliando o prazo para que pudesse enfrentar a crise. Assim, a empresa poderia avaliar se iria pedir recuperação judicial em um prazo de 30 dias, durante o qual ficou suspensa a obrigação de pagar suas dívidas. No mesmo dia, a agência de classificação de risco Moody’s alterou a nota de crédito da Americanas, que foi rebaixada de ‘Ba2’ para ‘Caa3’, e a colocou sob observação negativa. A nova classificação indica que a empresa está sob risco de crédito muito elevado. Naquele momento, porém, o montante total das “inconsistências contábeis” já passava de 40 bilhões, o que levou ao início de uma batalha judicial com os principais credores da empresa (G1, 2023G1. (2023, janeiro 19). Americanas: veja a cronologia do caso, das ‘inconsistências contábeis’ à recuperação judicial. Recuperado de https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/19/americanas-veja-a-cronologia-do-caso-das-inconsistencias-contabeis-a-recuperacao-judicial.ghtml
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).

A essa altura, estava claro que a situação acarretaria o descumprimento de contratos e o vencimento antecipado e imediato de dívidas, o que fez o banco BTG Pactual, um dos principais credores da Americanas (com R$ 1.2 bilhões a receber), recorrer na Justiça contra a liminar que protegia a varejista por 30 dias contra vencimento antecipado de dívidas. Como consequência, no dia seguinte, as ações da Americanas voltaram a desabar: recuaram 38,41% e encerraram o pregão cotadas a R$ 1,94, patamar bem abaixo dos R$ 12, anterior aos escândalos contábeis da companhia (G1, 2023G1. (2023, janeiro 19). Americanas: veja a cronologia do caso, das ‘inconsistências contábeis’ à recuperação judicial. Recuperado de https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/19/americanas-veja-a-cronologia-do-caso-das-inconsistencias-contabeis-a-recuperacao-judicial.ghtml
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).

Em um momento de situação já bastante grave e complexa, vêm à tona notícias de que diretores e acionistas haviam vendido ações da Americanas antes de a situação vir a público, o que foi determinante para que a B3 fornecesse dados visando ajudar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a determinar se houve uso de informações privilegiadas, conhecidas como insider trading (G1, 2023G1. (2023, janeiro 19). Americanas: veja a cronologia do caso, das ‘inconsistências contábeis’ à recuperação judicial. Recuperado de https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/19/americanas-veja-a-cronologia-do-caso-das-inconsistencias-contabeis-a-recuperacao-judicial.ghtml
https://g1.globo.com/economia/noticia/20...
). Aparentemente, os diretores da Americanas venderam o equivalente a R$ 241,5 milhões em ações entre agosto e outubro de 2022, justamente quando as ações da Americanas dispararam com a indicação de Rial como CEO, alcançando cotações na faixa de R$ 18,00 a R$ 21,00 (Manzoni, 2023Manzoni, R. Jr,. (2023, janeiro 20). Quem é Miguel Gutierrez, o “sujeito oculto” que está no centro do escândalo da Americanas”. Neofeed. Recuperado de https://neofeed.com.br/blog/home/quem-e-miguel-gutierrez-o-sujeito-oculto-que-esta-no-centro-do-escandalo-da-americanas/
https://neofeed.com.br/blog/home/quem-e-...
).

Outro ponto que se tornou fonte de escrutínio após a divulgação do escândalo foi a remuneração dos executivos da Americanas: nos últimos dez anos receberam mais de R$ 500 milhões (em valores nominais, sem correção). Para se ter uma base de comparação, esse valor é quase o dobro do que é pago pelas Lojas Renner e Magazine Luiza, dois de seus maiores concorrentes (Manzoni, 2023Manzoni, R. Jr,. (2023, janeiro 20). Quem é Miguel Gutierrez, o “sujeito oculto” que está no centro do escândalo da Americanas”. Neofeed. Recuperado de https://neofeed.com.br/blog/home/quem-e-miguel-gutierrez-o-sujeito-oculto-que-esta-no-centro-do-escandalo-da-americanas/
https://neofeed.com.br/blog/home/quem-e-...
).

Na quarta-feira, 18 de janeiro, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) concedeu ao BTG Pactual o direito de bloquear R$ 1,2 bilhão da Americanas; no dia seguinte, a empresa decide entrar com um pedido de recuperação judicial - considerado o quarto maior da história do país, ficando atrás somente de Odebrecht, Oi e Samarco (G1, 2023G1. (2023, janeiro 19). Americanas: veja a cronologia do caso, das ‘inconsistências contábeis’ à recuperação judicial. Recuperado de https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/19/americanas-veja-a-cronologia-do-caso-das-inconsistencias-contabeis-a-recuperacao-judicial.ghtml
https://g1.globo.com/economia/noticia/20...
). Os valores a receber dos credores, agora amplamente divulgados pela imprensa, são impressionantes (Valor Econômico, 2023Valor Econômico. (2023, janeiro 25). Lista de credores da Americanas traz 7.967 nomes e dívida total de R$ 41,235 bilhões. Recuperado de https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/25/lista-de-credores-da-americanas-traz-7-967-nomes-e-divida-total-de-r-41235-bilhoes.ghtml
https://g1.globo.com/economia/noticia/20...
), conforme apresentado no Quadro 1:

Quadro 1
Dívidas acumuladas das Americanas em reais

Daqui para frente, a expectativa é de que os executivos e acionistas irão enfrentar tempos difíceis, uma vez que serão investigados, passando por análises exaustivamente meticulosas e detalhadas. É fundamental entender como tudo isso ocorreu e quem foram os responsáveis. Em cenários desse tipo, a companhia tem a prerrogativa, a depender do resultado da investigação, de iniciar uma ação de responsabilidade civil contra os administradores, com a finalidade de buscar a recuperação das perdas enfrentadas. Esse tipo de ação precisa ser aprovado em assembleia. Pode também ser conduzida, em nome da Americanas, por um acionista ou grupo com 5% do capital. Se esse grupo comprovar problemas e má-fé e sair vitorioso, a empresa é quem arca com as despesas do processo. Se perder, no entanto, tem de pagar o custo de tudo e a todos. Na internet, já circulam questionamentos sobre como e quando essas iniciativas serão tomadas (Valenti & Guilherme, 2023Valenti, G., & Guilherme, G. (2023, janeiro 12). Americanas: futuro da empresa e de executivos históricos na berlinda após buraco de R$ 20 bi. Época Negócios. Recuperado de https://exame.com/exame-in/americanas-futuro-da-empresa-e-de-executivos-historicos-na-berlinda-apos-buraco-de-r-20-bi/
https://exame.com/exame-in/americanas-fu...
).

DILEMA

Imagine que, após o pedido de recuperação judicial, foi nomeada uma equipe de peritos forenses, da qual você faz parte, para analisar o caso. Sua função, especificamente, é propor mecanismos para que o ocorrido na Americanas seja evitado. Seu relatório final será usado como referência para legisladores, a CVM e a Bolsa de Valores.

NOTAS DE ENSINO

Utilização recomendada

Esse caso de ensino permite trazer para a sala de aula um exemplo real de empresa de capital aberto que se encontra envolvida em um dos maiores escândalos corporativos brasileiros, caracterizado como uma “fraude multibilionária” pela Abradin, associação que reúne acionistas minoritários de empresas de capital aberto. Seria impossível, dada a imensa atenção pela imprensa em virtude da magnitude do problema, que estudantes de graduação em administração de empresas desconhecessem os fatos que envolvem essa crise, cujo pivô constitui-se de um trio de empresários admirados mundialmente. Assim, cabe à academia qualificar sua análise, a fim de que o tema da governança no dia a dia das empresas - principalmente de capital aberto - seja integrado à formação acadêmica dos estudantes de forma precisa e estruturada. Não se pretende aqui procurar culpados ou mesmo desenvolver argumentos que, eventualmente, possam justificar os comportamentos que levaram a empresa descrita à situação em que se encontra. Busca-se, na verdade, criar estratégias que venham a ser usadas para evitar que algo semelhante possa acontecer novamente. É recomendável que esse caso seja aplicado a turmas de graduação ou pós-graduação em administração, em disciplinas que tratam de ética organizacional, governança corporativa e melhores práticas ESG.

Objetivos educacionais

A leitura e a discussão deste caso deverão estruturar um cenário que permita aos estudantes:

  • Discutir e analisar as consequências de más práticas de ética corporativa, posicionando-se com clareza e franqueza;

  • Refletir a respeito de um problema sob diferentes ângulos e pontos de vista, sempre exercitando uma visão crítica e o contraditório, propondo planos de ação para a gestão da crise em que se encontra a empresa;

  • Propor alternativas e soluções executáveis e factíveis para a recuperação da empresa, de forma a preservar seu ecossistema de stakeholders, especialmente funcionários, clientes, fornecedores e acionistas minoritários.

Fontes de dados

Para a estruturação deste caso, utilizamos a pesquisa narrativa, uma abordagem que se concentra em histórias, relatos e narrativas das pessoas, a fim de compreender suas perspectivas, experiências e vivências. Essa metodologia é amplamente utilizada em diversas áreas do conhecimento, incluindo Psicologia, Sociologia, Antropologia, Educação e Administração (Creswell, 2014Creswell, J. (2014). Investigação qualitativa e projeto de pesquisa: escolhendo entre cinco abordagens. Porto Alegre, RS: Pensa.).

Suas principais características incluem a valorização da voz do sujeito da pesquisa, a investigação dos significados subjetivos e a utilização da análise de narrativas para compreender a realidade, levando em consideração suas nuances e sutilezas (Clandinin & Connelly, 2000Clandinin, D. J., & Connelly, F. M. (2000). Narrative inquiry: experience and story in qualitative research. San Francisco, CA: Jossey-Bass.). Vários formatos de textos podem ser utilizados na pesquisa narrativa, como escrita autobiográfica, escrita de diários, fotografias, sites, jornais e revistas, caixa de memórias e histórias de vida (Clandinin & Connelly, 1998Clandinin, D. J., & Connelly, F. M. (1998). Asking questions about telling stories. In C. Kridel(Ed.), Writing educational biography: explorations in qualitative research. New York, NY: Garland Publishing.).

No entanto, a pesquisa narrativa também tem suas limitações. Uma delas é que as narrativas são influenciadas pelo contexto social, cultural e histórico, o que pode levar a interpretações subjetivas e enviesadas da realidade. Além disso, a pesquisa narrativa pode ser também modulada pela capacidade do sujeito de se expressar e narrar sua história, o que pode levar a distorções e omissões (Clandinin, Connelly, Huber, & Li, 2011Clandinin, D. J., Connelly, F. M., Huber, J., Steeves, P., & Li, Y. (2011). Becoming a narrative inquirer: learning to attend within the three-dimensional narrative inquiry space. In S. Trahar(Ed.), Learning and teaching narrative inquiry: travelling in the borderlands. Amsterdam, Netherlands: John Benjamins.).

Os autores deste trabalho, baseados nessa metodologia e dada a natureza sensível do tema tratado, valem-se de fontes primárias e públicas para estruturar o caso Americanas. Ao longo do texto, são, então, mantidos nomes, fatos, dados e acontecimentos publicados pela imprensa nacional, encadeados em uma narrativa de forma a torná-la mais próxima dos alunos, do linguajar e da realidade dos negócios. Não há dúvida de que, como pesquisadores que buscam dar sentido à realidade, vemo-nos imersos num processo de significação individual e cultural inevitável, uma vez que somos seres históricos vinculados a certas crenças de valor. Assim, nosso trabalho retrata a visão dos executivos que o narram, de forma que outras abordagens podem surgir, caso sejam entrevistados outros personagens que fizeram parte desta história.

Sugestão de atividade em sala de aula

Existem diversas possibilidades de condução da análise da complexa situação da Americanas:

  • Teoria da Agência;

  • Triple Botton Line e Ética Organizacional;

  • Melhores práticas de governança, segundo o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, 2023Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. (2023). Conhecimento. Recuperado de https://www.ibgc.org.br/
    https://www.ibgc.org.br/...
    );

  • Regras do Novo Mercado, segundo a CVM.

O professor encontrará as bases teóricas para cada uma dessas possibilidades. Poderá escolher trabalhá-las em sala de aula simultaneamente ou uma de cada vez. Recomenda-se a disponibilização deste caso para leitura prévia, com uma semana de antecedência em relação à atividade a ser desenvolvida em sala de aula.

Primeira Etapa (Duração estimada: 20 minutos)

O professor incentivará uma conversa transparente e aberta com os alunos para discutir escândalos de corrupção, permitindo que expressem livremente suas opiniões e debatam suas perspectivas sobre o tema.

Segunda Etapa (Duração estimada: 30 minutos)

Após a primeira discussão, o professor deverá dividir a turma em grupos, preferencialmente com no máximo cinco participantes. Nesta etapa, os alunos serão confrontados com a situação da Americanas e deverão preparar seu relatório. Os alunos debaterão e prepararão suas apresentações com os pontos principais de suas recomendações.

Terceira Etapa (Duração estimada: 50 minutos)

Na etapa final, os grupos apresentam propostas e o professor faz anotações para filtrá-las e caracterizá-las. É essencial que o professor incentive o debate e a análise crítica durante as apresentações, questionando e exigindo sustentação consistente para as alternativas propostas. Uma complementação pode ser pedida aos alunos: tendo como objetivo elencar as propostas prioritárias, classificá-las em termos de complexidade, tempo e vantagens em curto, médio e longo prazos. Naturalmente, os primeiros grupos que se apresentarem terão maior ineditismo. No entanto, deve-se incentivar apresentações posteriores, mesmo que aparentemente os argumentos se repitam, pois sempre é possível uma nova visão e/ou abordagem. O professor deve destacar os pontos relevantes e inéditos das apresentações realizadas - pode fazê-lo ao final de todas as apresentações ou ao final de cada uma das apresentações. Nos comentários, o professor deve ficar atento a restringi-los ao que foi apresentado, de modo a não adiantar pontos que serão expostos pelos demais grupos.

Outra atividade possível seria promover o debate da primeira etapa em sala de aula e pedir que os alunos preparem, individualmente e por escrito, relatórios, posteriormente entregues ao professor para avaliação.

Sugestão de discussão teórica para temas chave do caso

  1. ) Pode ser interessante promover uma discussão sobre a Teoria da Agência e seu papel nos acontecimentos descritos no texto. A Teoria da Agência (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, 3(4), 305-360. Recuperado de https://doi.org/10.1016/0304-405X(76)90026-X) é uma teoria econômica que se concentra na relação entre principal e agente, explicando como as partes envolvidas podem cooperar e alcançar objetivos comuns. É fundamental para a compreensão das relações de poder e as dinâmicas de tomada de decisão nos ambientes corporativos. Segundo seus fundamentos, existe uma desconexão entre os objetivos e interesses dos acionistas e gestores, o que pode levar a uma falta de alinhamento. Para resolver esse conflito, a Teoria da Agência propõe o uso de contratos, incentivos e mecanismos de monitoramento para garantir que os gestores atuem de forma a alcançar os objetivos dos acionistas, ou mesmo o uso de mecanismos de monitoramento, como a transparência financeira, o relatório de gestão e o voto de acionistas em assembleias, que permitem aos acionistas avaliar o desempenho dos gestores e tomar decisões informadas sobre a gestão da empresa.

  2. ) Complementarmente à discussão sobre ética corporativa, pode-se analisar este caso pela lente do Triple Botton Line (TBL), conceito que se refere a três dimensões principais que uma organização pode considerar ao avaliar seu desempenho e impacto: o econômico, o social e o ambiental. O TBL reconhece que as empresas têm responsabilidades que vão além da geração de lucro a seus acionistas, como os impactos sociais e ambientais que elas provocam (Girão & Knupfer, 2020Girão, M., & Knupfer, A. M. (2020). Branding, marketing e sustentabilidade. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.). O conceito foi inicialmente proposto por Elkington e Rowlands em seu artigo Cannibals with Forks: The Triple Bottom Line of 21 st Century Business (Elkington & Rowlands, 1999), onde argumentaram que o sucesso de uma empresa deve ser medido não apenas pelos lucros que gera, mas também por seu impacto na sociedade e no meio ambiente. O conceito tem sido amplamente adotado desde então e é usado em muitas áreas, incluindo negócios, finanças e governança corporativa. Elkington e Rowlands (1999) também criaram a ideia dos “3 Os” da sustentabilidade, que são um guia para ajudar as empresas a integrar as preocupações ambientais, sociais e econômicas em sua estratégia de negócios.
    1. . Pessoas (people): refere-se ao impacto social e humano das empresas em seus funcionários, clientes, fornecedores e comunidades em geral. Isso inclui, por exemplo, questões como direitos humanos, saúde e segurança no trabalho, diversidade e igualdade de oportunidades, bem-estar dos funcionários e envolvimento comunitário;

    2. . Planeta (planet): refere-se ao impacto ambiental das empresas em ecossistemas locais e globais. Isso inclui, por exemplo, questões como mudanças climáticas, emissões de gases de efeito estufa, uso de recursos naturais, poluição do ar e da água, biodiversidade e conservação da natureza;

    3. . Lucro (profit): refere-se ao desempenho econômico das empresas e à sua capacidade de gerar lucro para os acionistas. As empresas precisam ser financeiramente viáveis e gerar retorno aos investidores para continuar operando a longo prazo. No entanto, Elkington e Rowlands (1999Elkington, J., & Rowlands, I. H. (1999). Cannibals with forks: The triple bottom line of 21st century business. Alternatives Journal, 25(4), 42-43.) enfatiza que o lucro não deve ser o único objetivo; as empresas devem considerar os impactos sociais e ambientais de suas atividades nas decisões de negócios.

  3. ) Ao considerar esses “3 Ps” em sua estratégia de negócios, as empresas podem criar valor compartilhado a longo prazo para si mesmas e para a sociedade em geral, ao mesmo tempo que minimizam seu impacto ambiental e social negativo. Intrinsicamente associado ao triple botton line estão os princípios da ética organizacional, que se concentra em como as empresas podem agir de maneira moralmente responsável em suas operações, considerando seus impactos sociais, ambientais e econômicos. A ética corporativa envolve considerar questões como transparência, responsabilidade social e ambiental, integridade e direitos humanos (Girão & Knupfer, 2020Girão, M., & Knupfer, A. M. (2020). Branding, marketing e sustentabilidade. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.). As empresas têm poder econômico, político e social, e suas decisões e ações podem ter efeitos significativos na vida das pessoas, comunidades e ecossistemas, e por isso têm uma responsabilidade ética de agir de maneira justa e responsável em todas as suas operações. É uma parte importante da responsabilidade social das empresas e envolve agir de forma justa e responsável em todas as suas operações. As empresas que promovem a ética corporativa podem melhorar sua reputação, atrair e reter funcionários talentosos e melhorar a confiança dos investidores e dos consumidores, o que é fundamental para a sua sustentabilidade no longo prazo.

  4. ) Outra abordagem pode ser a discussão das melhores práticas de governança corporativa, recomendadas pelo IBGC (2023), que incluem:
    1. . Transparência e clareza nas informações prestadas aos acionistas e ao mercado;

    2. . Separação dos poderes executivo e de controle, com um Conselho de Administração independente e efetivo;

    3. . Participação ativa e informada dos acionistas nas decisões da empresa;

    4. . Responsabilidade social e ética, com atenção às questões ambientais, sociais e de direitos humanos;

    5. . Planejamento estratégico a longo prazo, incluindo avaliações periódicas da situação financeira e da performance da empresa;

    6. . Políticas claras e eficientes de remuneração e compensação dos gestores, baseadas em desempenho e alinhadas aos objetivos da empresa;

    7. . Comunicação aberta e regular com acionistas, fornecedores, funcionários, sociedade e governo;

    8. . Processos de tomada de decisão claros, baseados em informações precisas e completas, e com envolvimento de todas as partes interessadas.

  5. ) Ainda segundo o IBGC (2023Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. (2023). Conhecimento. Recuperado de https://www.ibgc.org.br/
    https://www.ibgc.org.br/...
    ), o Conselho de Administração tem responsabilidades legais específicas, incluindo a garantia da integridade dos relatórios financeiros, a supervisão da gestão de riscos e a garantia de que a empresa esteja operando de acordo com as leis e regulamentos aplicáveis, sendo responsável por proteger os interesses dos acionistas e garantir que a empresa esteja em conformidade com sua missão e valores. Ressalta-se que a responsabilidade do conselheiro diz respeito ao conjunto de sócios, não somente ao grupo que o elegeu. Respondem, também, os Conselheiros pela culpa in eligendo quanto aos atos praticados com culpa ou dolo pelos administradores que nomearam e vieram a causar prejuízos para a empresa. O IBGC recomenda as seguintes práticas de governança corporativa em relação ao Conselho de Administração:
    1. . Composição equilibrada: formado por membros independentes e membros ligados à administração da empresa, com o objetivo de garantir neutralidade e imparcialidade das decisões tomadas;

    2. . Diversidade: ter representação de diversos setores e background, incluindo gênero, raça e experiência profissional, para assegurar uma visão ampla e plural das questões que precisam ser consideradas;

    3. . Responsabilidades claras: supervisão da administração, aprovação de estratégias, orçamentos e planos de negócios, além da incumbência pela escolha e supervisão da gestão executiva;

    4. . Atuação estratégica: contribuir para a definição de objetivos e metas da empresa, além de avaliar o desempenho da gestão executiva e tomar decisões informadas e independentes;

    5. . Transparência: atuar de acordo com os princípios de integridade e ética, garantindo a confiança dos acionistas e do público em geral;

    6. . Além dessas práticas recomendadas pelo IBGC, o Conselho de Administração tem responsabilidades legais específicas, incluindo a garantia da integridade dos relatórios financeiros, a supervisão da gestão de riscos e a garantia de que a empresa esteja operando de acordo com as leis e regulamentos aplicáveis. É responsável, também, por proteger os interesses dos acionistas e garantir que a empresa esteja em conformidade com sua missão e valores.

  6. ) Pode-se também discutir a situação da Americanas, como uma empresa de capital aberto, em relação às regras do Novo Mercado, segmento de listagem da B3 (Bolsa de Valores de São Paulo) para empresas que demonstram elevados padrões de governança corporativa e transparência. Algumas das principais regras para as empresas listadas no Novo Mercado incluem:
    1. . comunicação clara e transparente: fornecer informações claras e completas aos seus acionistas e ao público em geral, incluindo a publicação de relatórios financeiros auditados;

    2. . direitos dos acionistas: proteger os direitos dos acionistas, incluindo a garantia de que eles tenham acesso a informações relevantes e possam participar de assembleias gerais;

    3. . comportamento ético: atuar de acordo com os mais elevados padrões éticos e de integridade, incluindo o cumprimento de leis e regulamentos aplicáveis;

    4. . Conselho de Administração: deve ser composto por membros independentes e experientes, com responsabilidades claras e transparência na sua atuação;

    5. . gestão de riscos: adoção de práticas adequadas de gestão de riscos e avaliação periódica de sua efetividade;

    6. . responsabilidade social: política de responsabilidade social e ambiental, com atuação responsável e ética.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Private equity é o nome dado ao investimento em empresas já consolidadas no mercado, normalmente de grande porte. A grande diferença está no fato de que as cotas de private equity são compostas quase exclusivamente por ações de empresas de capital fechado, isto é, não listadas na bolsa de valores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2023
  • Aceito
    15 Abr 2023
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