Acessibilidade / Reportar erro

Arritmia ventricular esforço-induzida: análise dos fatores preditores em uma população com queixas de sono

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a prevalência de arritmias ventriculares esforço-induzidas em uma população com distúrbios do sono e determinar seus fatores desencadeantes.

Métodos:

Foram selecionados consecutivamente pacientes do banco de dados da Clínica de Sono que foram submetidos à polissonografia basal por queixas de sono. Foi realizada coleta de sangue, seguida de avaliação clínica, eletrocardiograma de 12 derivações, espirometria, teste cardiopulmonar e ecocardiograma. O Grupo Controle foi formado por pacientes que não desenvolveram arritmias durante o esforço, pareados por sexo e idade.

Resultados:

Foram selecionados 320 e analisados 312 pacientes. Um total de 7% deles desenvolveram arritmia ventricular durante o teste cardiopulmonar. O diâmetro da aorta foi maior (3.44 ± 0.30, 3.16 ± 0.36, p = 0.04) e a saturação mínima observada durante o esforço foi menor (92.75 ± 3.05, 95.50 ± 1.73, p = 0.01) no grupo com arritmia quando comparado ao controle, respectivamente. Após correção do diâmetro de raiz da aorta para a superfície corpórea, houve apenas tendência de associação entre maior diâmetro e aparecimento de arritmia.

Conclusões:

O aparecimento de arritmia ventricular induzida pelo esforço foi observado em 7% da amostra e associado à menor saturação de oxigênio durante o exercício. Houve tendência de maior diâmetro da raiz de aorta nesse grupo.

Descritores:
Arritmias cardíacas; Arritmias cardíacas/etiologia; Arritmias cardíacas/epidemiologia; Ecocardiografia sob estresse; Teste de esforço; Síndromes da apneia do sono; Polissonografia; Causalidade; Transtornos do sono; Transtornos do sono/epidemiologia; Anóxia

ABSTRACT

Objective:

To assess the prevalence of ventricular arrhythmias induced by exercise in a population with sleep disorders and to analyze the triggering factors.

Methods:

Patients were consecutively selected from the database of the Sleep Clinic of Universidade Federal de São Paulo. All subjects were submitted to basal polysomnography, blood sample collection, physical examination, 12-lead ECG, spirometry, cardiorespiratory exercise study on a treadmill, and echocardiogram. The Control Group was matched for age and gender.

Results:

A total of 312 patients were analyzed. Exercise-induced ventricular arrhythmia was observed in 7%. The aortic diameter was larger (3.44 ± 0.30, 3.16 ± 0.36, p = 0.04) and the minimal saturation was lower (92.75 ± 3.05, 95.50 ± 1.73, p=0.01) in the ventricular arrhythmia group when compared to controls, respectively. After correction of the aortic root to body surface, there was only a trend to a larger diameter being associated with the emergence of arrhythmia.

Conclusions:

Exercise-induced ventricular arrhythmia was observed in 7% of sample and it was associated with lower oxygen saturation during exercise.

Keywords:
Arrhythmias, Cardiac; Arrhythmias, cardiac/etiology; Arrhythmias, cardiac/epidemiology; Echocardiography, stress; Exercise test; Sleep apnea syndromes; Polysomnography; Causality; Sleep disorders; Sleep disorders/epidemiology; Anoxia

INTRODUÇÃO

As alterações fisiológicas que ocorrem com o exercício podem precipitar arritmias ventriculares esforço-induzidas (AVEI)(11. Udall JA, Ellestad MH. Predictive implications of ventricular premature contractions associated with treadmill stress testing. Circulation. 1977;56(6):985-9.). O significado clínico da AVEI parece estar relacionado à doença cardíaca de base(22. Marieb MA, Beller GA, Gibson RS, Lerman BB, Kaul S. Clinical relevance of exercise-induced ventricular arrhythmias in suspected coronary artery disease. Am J Cardiol. 1990;66(2):172-8.). Portadores de doença da artéria coronária que desenvolvem arritmia ventricular durante o esforço apresentam pior prognóstico(33. Califf RM, McKinnis RA, McNeer JF, Harrell FE Jr, Lee KL, Pryor DB, et al. Prognostic value of ventricular arrhythmias associated with treadmill exercise testing in patients studied with cardiac catheterization for suspected ischemic heart disease. J Am Coll Cardiol. 1983;2(6):1060-7.44. Nair CK, Thomson W, Aronow WS, Pagano T, Ryschon K, Sketch MH. Prognostic significance of exercise-induced complex ventricular arrhythmias in coronary artery disease with normal and abnormal left ventricular ejection fraction. Am J Cardiol. 1984;54(8):1136-8.). A ocorrência dessa forma de arritmia em indivíduos sem doença cardíaca estrutural apresenta resultados conflitantes na literatura(55. Jouven X, Zureik M, Desnos M, Courbon D, Ducimetière P. Long-term outcome in asymptomatic men with exercise-induced premature ventricular depolarizations. N Engl J Med. 2000;343(12):826-33.66. Busby MJ, Shefrin EA, Fleg JL. Prevalence and long-term significance of exercise-induced frequent or repetitive ventricular ectopic beats in apparently healthy volunteers. J Am Coll Cardiol. 1989;14(7):1659-65.).

Recentemente, alterações na quantidade e qualidade do sono estão sendo associadas à maior mortalidade cardiovascular(77. Marin JM, Carrizo SJ, Vicente E, Agusti AG. Long-term cardiovascular outcomes in men with obstructive sleep apnoea-hypopnoea with or without treatment with continuous positive airway pressure: an observational study. Lancet. 2005;365(9464):1046-53.). A apneia obstrutiva do sono (AOS) está relacionada ao surgimento de insuficiência cardíaca(88. Javaheri S, Parker TJ, Liming JD, Corbett WS, Nishiyama H, Wexler L, et al. Sleep apnea in 81 ambulatory male patients with stable heart failure: types and their prevalences, consequences, and presentations. Circulation. 1998;97(21):2154-9.99. Shahar E, Whitney CW, Redline S, Lee ET, Newman AB, Javier Nieto F, et al. Sleep-disordered breathing and cardiovascular disease: cross-sectional results of the Sleep Heart Health Study. Am J Respir Crit Care Med. 2001;163(1):19-25.), arritmias cardíacas(1010. Guilleminault C, Connoly SJ, Winkle RA. Cardiac arrhythmia and conduction disturbances during sleep in 400 patients with sleep apnea syndrome. Am J Cardiol. 1983;52(5):490-4.), síndrome metabólica(1111. Alam I, Lewis K, Stephens JW, Baxter JN. Obesity, metabolic syndrome and sleep apnoea: all pro-inflammatory states. Obes Rev. 2007;8(2):119-27.), dislipidemia(1212. Savransky V, Nanayakkara A, Li J, Bevans S, Smith PL, Rodriguez A, et al. Chronic Intermittent hypoxia induces atherosclerosis. Am J Respir Crit Care Med. 2007;175(12):1290-7.) e até mesmo acidente vascular cerebral(1313. Dziewas R, Humpert M, Hopmann B, Kloska SP, Lüdemann P, Ritter M, et al. Increased prevalence of sleep apnea in patients with recurring ischemic stroke compared with first stroke victims. J Neurol. 2005;252(11):1394-8.). A relação entre a apneia do sono e hipertensão arterial sistêmica (HAS) é a mais estudada, estimando-se que 40% dos pacientes portadores de HAS apresentem AOS associada não diagnosticada e não tratada(1414. Silverberg DS, Oksenberg A. Are sleep-related breathing disorders important contributing factors to the production of essential hypertension? Curr Hypertens Rep. 2001;3(3):209-15.). A quantidade de sono também parece ser essencial para a manutenção da integridade cardiovascular. Poucas horas de sono relacionam-se a uma taxa maior de mortalidade cardiovascular(1515. Gallicchio L, Kalesan B. Sleep duration and mortality: a systematic review and meta-analysis. J Sleep Res. 2009;18(2):148-58.).

A relação entre AVEI e os distúrbios do sono ainda não foi estabelecida e a perda da integridade do sono pode ter parte no desencadeamento dessa forma de arritmia em pacientes com queixas de sono.

OBJETIVO

Avaliar a prevalência de AVEI em uma população com distúrbios do sono e determinar os fatores preditores de AVEI nesse grupo de pacientes.

MÉTODOS

População

Os pacientes foram selecionados consecutivamente no banco de dados da Clínica de Sono da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), entre março de 2008 a março de 2009, após serem submetidos a polissonografia basal por queixas de sono (ronco, sono não-reparador, dificuldade de iniciar ou manter o sono, sonolência excessiva diurna ou movimentos periódicos das pernas durante o sono). Os critérios de inclusão foram: idade superior a 30 anos, sedentarismo, capacidade de realizar teste de esforço em esteira e ausência de hospitalização ou troca de medicação recente. Foram excluídos indivíduos com índice de massa corpórea superior a 40 kg/m2, doença pulmonar crônica com base nos dados da espirometria, e aqueles definidos como FEV1/FVC abaixo de 0,7(1616. Standardization of Spirometry, 1994 Update. American Thoracic Society. Amer J Resp Care Med. 1995;152(3):1107-36.). História de bronquite asmática, tabagismo, insuficiência cardíaca classe III ou IV segundo o New York Heart Association, angina instável, doença cardíaca valvular, arritmias severas ao repouso, fibrilação atrial, hipertensão arterial sistêmica não-controlada, doença renal, doença osteomuscular e gravidez. Um índice de apneia/hipopneia superior a 5 foi considerado diagnóstico de AOS.

Todos os indivíduos foram orientados a comparecerem à clínica com oito horas de jejum e evitar a utilização de café e cigarro no dia anterior ao da avaliação. Foi realizada coleta de sangue por volta das 8h, seguida de oferecimento de café da manhã, avaliação clínica, eletrocardiograma de 12 derivações, espirometria, teste cardiopulmonar máximo sintoma-limitado em esteira e ecocardiograma bi-dimensional com Doppler colorido. O Grupo Controle foi formado por pacientes que não desenvolveram AVEI, pareados por sexo e idade. O estudo foi aprovado pela comissão de ética em pesquisa da UNIFESP (CEP: 1546/05)

Polissonografia

A polissonografia foi realizada pelo sistema digital EMBLA® (17 canais, Medicare Medical Devices). As seguintes variáveis foram monitoradas: eletroencefalograma (EEG) (4 canais C3-A2, C4-A1, O1-A2, O2-A1), eletrooculograma (2 canais: LOC—A2, ROC-A1), eletromiograma (dois canais: submentoniano e músculos tibiais anteriores), eletrocardiograma (um canal DII modificado), ronco e posição corporal. O fluxo nasal foi monitorado por meio de transdutor de pressão. O esforço respiratório foi monitorado com sensores abdominais e torácicos. A saturação arterial de oxigênio e o pulso foram registrados com oxímetro de pulso (Nonin®, modelo 9500, Plymouth, USA). Todos os polissonogramas foram classificados por um técnico experiente em polissonografia seguindo as diretrizes de estudo do sono(1717. Kushida CA, Littner MR, Morgenthaler T, Alessi CA, Bailey D, Coleman J Jr, et al. Practice parameters for the indications for polysomnography and related procedures: an update for 2005. Sleep. 2005;28(4):499-521. Review.) e revisado por um médico com atuação em sono. Despertares foram definidos por meio dos critérios da Força Tarefa da Associação Americana de Distúrbios do Sono(1818. Polysomnography Task Force, American Sleep Disorders Association Standards of Practice Committee. Practice parameters for the indications for polysomnography and related procedures. Sleep. 1997;20(6):406-22.), e os eventos respiratórios, por meio dos critérios da Academia Americana de Medicina do Sono(1919. American Academy of Sleep Medicine Task Force. Sleep-related breathing disorders in adults: recommendations for syndrome definition and measurement techniques in clinical research. Sleep. 1999;22(5):667-89.).

Avaliação laboratorial

Trinta mililitros de sangue foram obtidos por venopunção. Do plasma e soro, foram analisadas as seguintes variáveis: hemograma, sódio, potássio, ureia, creatinina, glicemia, colesterol total e frações, triglicérides e ácido úrico.

Teste de esforço cardiopulmonar

O teste foi realizado em sala com adequadas condições de temperatura e equipada com material para reanimação cardiopulmonar (ErgoPC13, Micromed®, Brasilia, Brazil). Durante o esforço houve, monitorização do Eletrocardiograma de 12 derivações, oximetria de pulso (Nonin®, model 9500, Plymouth, USA), pressão arterial e medidas respiração a respiração dos parâmetros respiratórios: consumo de oxigênio (VO2), produção de dióxido de carbono (VCO2), ventilação minuto (VE), frequência respiratória (RR), corrente volume (Vt) através de mascara (Vista CPX®, Vacumed, Ventura, CA, USA) após a calibração. O teste foi realizado em esteira protocolo de rampa, levando-se em consideração sexo e idade. Todos os testes foram supervisionados por um cardiologista e um fisioterapeuta. A pressão arterial foi medida na fase basal e a cada três minutos durante o exercício e recuperação. O teste foi interrompido se a pressão arterial diastólica excedesse 120 mmHg em normotensos ou 140 mmHg em hipertensos, ou pressão arterial sistólica > 260 mmHg, sintomas de dor torácia, síncope ou pré-síncope, alterações isquêmicas no ECG, taquicardia ventricular não-sustentada ou bloqueio atrioventricular de segundo ou terceiro grau.

Estudo ecocardiográfico

Todos os participantes foram submetidos ao ecocardiograma bidimensional (iE33®, Philips Electronics, Netherlands) antes do teste cardiopulmonar. Todos os exames foram realizados por um ecocardiografista experiente, cego para o resultado do teste cardiopulmonar.

Espirometria

O teste da função pulmonar foi realizado por espirômetro computadorizado KoKo spirometer® (Pulmonary Data Service Instrumentation, Inc., Louisville, KY, USA) segundo as recomendações da Sociedade Americana Torácica(2020. American Thoracic Society. Lung function testing: selection of reference values and interpretative strategies. Am Rev Respir Dis. 1991; 144(5): 1202-18.) para excluir pacientes com doença pulmonar. O sistema foi calibrado com uma seringa de 3L em diferentes fluxos pelo menos uma vez ao dia. Todas as medidas foram realizadas na posição sentada. O volume respiratório forçado de um minuto (FEV1), a capacidade vital forçada (FVC) e a relação FEV1/FVC foi medida em cada participante e registrada em valores absolutos e porcentagem do predito. Todas as medidas foram realizadas por técnicos experientes. Não foi utilizado broncodilatador durante a avaliação.

Análise estatística

As variáveis foram representadas em médias e desvio-padrão. O teste de normalidade de Shapiro-Wilk foi realizado para todas as características basais. Os pacientes portadores de AVEI e controles foram comparados com ANOVA e teste χ2. Valores de p < 0,05 foram considerados significativos. A análise estatística foi realizada no programa Statistic 8.0.

RESUlTADOS

Foram selecionados 320 pacientes do banco de dados da Clínica do Sono da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Quatro indivíduos foram excluídos por apresentarem crise hipertensiva durante o atendimento, dois por alterações osteomusculares que impossibilitavam a realização do teste cardiopulmonar, um por obesidade e uma por ser gestante. Trezentos e doze participantes foram avaliados. A tabela 1 demonstra as características da população analisada. Sessenta por cento dos pacientes apresentavam AOS, 37% eram portadores de HAS e 12% apresentavam diabetes. Sete por centro desenvolveram AVEI durante o teste cardiopulmonar (Figura 1). A ectopia ventricular isolada frequente durante o esforço foi a forma mais frequente de apresentação de AVEI. Foram observados cinco casos de ectopia ventricular acoplada e um caso de taquicardia ventricular não sustentada com três batimentos.

Tabela 1
Característica da população
Figura 1
Ectopia ventricular isolada e acoplada induzida durante o teste cardiopulmonar.

Os pacientes que desenvolveram AVEI foram pareados com o Grupo Controle e as características clínicas de ambos os grupos foram expostas na tabela 2. O diâmetro da aorta foi maior no grupo AVEI quando comparado ao Grupo Controle (3,44 ± 0,30; 3,16 ± 0,36, respectivamente, p = 0,04). Os demais parâmetros ecocardiográficos não demonstraram diferenças entre os grupos (Tabela 3). Após a correção do diâmetro da aorta para a superfície corpórea, não foram mais observadas diferenças estatísticas entre os grupos AVEI e controle (1,82 ± 0,19; 1,64 ± 0,30, respectivamente, p = 0,08).

Tabela 2
Características clínicas dos grupos AVEI e controle
Tabela 3
Achados ecocardiográficos entre os grupos AVEI e controle

Os parâmetros laboratoriais analisados não apresentaram diferenças entre os grupos (Tabela 4). A estrutura do sono e o índice de apneia/hipopneia foram semelhantes entre os grupos (Tabela 5). O comportamento hemodinâmico durante o esforço está apresentado na tabela 6. Os dados ergoespirométricos estão expostos na tabela 7. Apesar de a saturação basal ser semelhante entre os grupos AVEI e controle (96,50 ± 1,84; 97,33 ± 1,49; respectivamente, p = 0,25) a saturação mínima observada durante o esforço foi menor no grupo que desenvolveu arritmia ventricular em comparação ao Grupo Controle (92,75 ± 3,05; 95,50 ± 1,73, respectivamente, p = 0,01).

Tabela 4
Avaliação laboratorial entre os grupos AVEI e controles
Tabela 5
Arquitetura do sono nos grupos AVEI e controle
Tabela 6
Comportamento hemodinâmico nos grupos AVEI e controle
Tabela 7
Dados ergoespirométricos nos grupos AVEI e controle

DISCUSSÃO

Este é o primeiro estudo que avalia a ocorrência de arritmia ventricular esforço-induzida em uma população não-cardiopata, mas portadora de alto risco para cardiopatia, como os indivíduos com distúrbios do sono, em especial a AOS. O principal fator relacionado ao aparecimento dessa forma de arritmia no esforço é a queda de saturação durante o exercício. A relação entre hipóxia e ocorrência de arritmia ventricular está sendo estudada. Recentemente, o estudo MrOS(2121. Mehra R, Stone KL, Varosy PD, Hoffman AR, Marcus GM, et al. Nocturnal Arrhythmias Across a Spectrum of Obstructive and Central Sleep-Disordered Breathing in Older Men. Outcomes of Sleep Disorders in Older Men (MrOS Sleep) Study. Arch Intern Med. 2009;169(12): 1147-55.) avaliou a associação de distúrbio respiratório do sono e a ocorrência de fibrilação/flutter atrial noturno e ectopia ventricular complexa em homens idosos. A porcentagem do tempo de sono com saturação arterial de oxigênio inferior a 90% foi relacionada à ocorrência de ectopia ventricular complexa, e aqueles nas categorias de maior hipóxia apresentavam o maior risco para essa forma de arritmia (OR = 1,62; 95%IC = 1,23-2,14). Hansel et al.(2222. Hansel J, Solleder I, Gfroerer W, Muth CM, Paulat K, Simon P, et al. Hypoxia and cardiac arrhythmias in breath-hold divers during voluntary immersed breath-holds. Eur J Appl Physiol. 2009;105(5):673-8.) avaliaram o efeito da hipóxia ocasionada por meio de uma apneia voluntária máxima, na ocorrência de arritmias cardíacas. Após a interrupção voluntária da respiração por um período médio de 281 ± 73 segundos, houve significativa queda na saturação de oxigênio, aumento na frequência cardíaca e desencadeamento de arritmias cardíacas (ectopias ventriculares e atriais) em 77% dos participantes, as quais foram diretamente relacionadas à duração da apneia. Cripps et al.(2323. Cripps T, Rocker G, Stradling J. Nocturnal hypoxia and arrhythmias in patients with impaired left ventricular function. Br Heart J. 1992;68(4):382-6.) avaliaram a ocorrência de arritmias graves e hipóxia noturna em indivíduos portadores de disfunção ventricular esquerda, demonstrando uma correlação entre a presença de arritmias e episódios de hipoxemia (episódios de hipoxemia em pacientes com arritmias severas ocorreram em 17 de 20 sujeitos (85%) versus 3 de 14 participantes que não tiveram eventos arrítmicos (p < 0,002). Os autores sugerem que iniciativas para minimizar a dessaturação noturna possam contribuir para o tratamento de indivíduos com disfunção ventricular esquerda.

Os mecanismos envolvidos no desencadeamento de arritmias ventriculares durante o esforço ainda não estão totalmente estabelecidos. Os dados deste estudo sugerem que o exercício induz hipóxia em um subgrupo de pacientes e possivelmente a arritmia ventricular é secundária à hipoxemia(2020. American Thoracic Society. Lung function testing: selection of reference values and interpretative strategies. Am Rev Respir Dis. 1991; 144(5): 1202-18.2323. Cripps T, Rocker G, Stradling J. Nocturnal hypoxia and arrhythmias in patients with impaired left ventricular function. Br Heart J. 1992;68(4):382-6.). Nesse contexto, seria importante determinar os indivíduos propensos à hipoxemia esforço-induzida. As características espirométricas basais foram semelhantes entre os grupos com e sem AVEI. Entretanto, Ruf e Hebestreit(2424. Ruf K, Hebestreit H. Exercise-induced hypoxemia and cardiac arrhythmia in cystic fibrosis. J Cyst Fibros. 2009;8(2):83-90.) demonstraram a ocorrência de AVEI relacionada à menor saturação de oxigênio basal e no pico de esforço, e a FEV 1 < 50% do valor predito em pacientes com fibrose cística. Esses dados conflitantes na literatura possivelmente referem-se a diferentes populações analisadas e, neste estudo, foram excluídos pacientes com insuficiências cardíaca, pulmonar, renal e tabagismo.

O maior diâmetro da raiz da aorta foi relacionado à ocorrência de AVEI. Após a correção pela superfície corpórea, foi observada apenas uma tendência (p = 0,08) de associação entre a raiz de aorta e arritmia ventricular. Entretanto, esse dado merece ser considerado e pode estar relacionado a possíveis mecanismos inflamatórios e oxidativos que levariam à maior suscetibilidade à hipoxemia mediada pelo esforço e arritmia ventricular. Embora a superfície corpórea, idade e sexo sejam os principais determinantes do diâmetro da aorta torácica, a aterosclerose de aorta relacionada à inflamação também parece ser um fator menor que contribui para a dilatação aórtica(2525. Benvenuti LA, Onishi RY, Gutierrez OS, Higushi ML. Different patterns of atherosclerotic remodeling in the thoracic and abdominal aorta. Clinics. 2005;60(5):355-60.2626. Russo C, Jin Z, Rundek T, Homma S, Sacco RL, DiTullio MR. Atherosclerotic disease of the proximal aorta and the risk of vascular events in a population-based cohort: the Aortic Plaques and Risk of Ischemic Stroke (APRIS) study. Stroke. 2009;40(7):2313-8.).

Desse modo, a avaliação basal incluindo a espirometria, a avaliação laboratorial, a polissonografia e o ecocardiograma falharam em discriminar o grupo de indivíduos que estão sob risco de desenvolver AVEI durante o esforço. Portanto, parece difícil identificar tais pacientes utilizando apenas ferramentas diagnósticas ao repouso. A utilização de oximetria de dedo pode ser considerada uma limitação do estudo, uma vez que, atualmente, existem dispositivos cranianos com sensores localizados na região frontal que avaliam melhor o comportamento da saturação no esforço. Além disso, a amostra avaliada foi representada em sua grande maioria por pacientes portadores de AOS (60%), dificultando extrapolar esses dados para outros distúrbios do sono, como insônia, síndrome das pernas inquietas, dentre outros.

CONCLUSÕES

A AVEI ocorreu em 7% da amostra e foi associada a menor saturação de oxigênio durante o esforço. A estrutura do sono e o índice de apneia/hipopneia não foram preditores de ocorrência de arritmia ventricular. Houve uma tendência de maior diâmetro da raiz de aorta no grupo com AVEI em comparação ao controle.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil; Centro Einstein de Arritmias Cardíacas do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

AGRADECIMENTOS

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Associação Fundo de Incentivo à Psicofarmacologia (AFIP), São Paulo (SP), Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Udall JA, Ellestad MH. Predictive implications of ventricular premature contractions associated with treadmill stress testing. Circulation. 1977;56(6):985-9.
  • 2
    Marieb MA, Beller GA, Gibson RS, Lerman BB, Kaul S. Clinical relevance of exercise-induced ventricular arrhythmias in suspected coronary artery disease. Am J Cardiol. 1990;66(2):172-8.
  • 3
    Califf RM, McKinnis RA, McNeer JF, Harrell FE Jr, Lee KL, Pryor DB, et al. Prognostic value of ventricular arrhythmias associated with treadmill exercise testing in patients studied with cardiac catheterization for suspected ischemic heart disease. J Am Coll Cardiol. 1983;2(6):1060-7.
  • 4
    Nair CK, Thomson W, Aronow WS, Pagano T, Ryschon K, Sketch MH. Prognostic significance of exercise-induced complex ventricular arrhythmias in coronary artery disease with normal and abnormal left ventricular ejection fraction. Am J Cardiol. 1984;54(8):1136-8.
  • 5
    Jouven X, Zureik M, Desnos M, Courbon D, Ducimetière P. Long-term outcome in asymptomatic men with exercise-induced premature ventricular depolarizations. N Engl J Med. 2000;343(12):826-33.
  • 6
    Busby MJ, Shefrin EA, Fleg JL. Prevalence and long-term significance of exercise-induced frequent or repetitive ventricular ectopic beats in apparently healthy volunteers. J Am Coll Cardiol. 1989;14(7):1659-65.
  • 7
    Marin JM, Carrizo SJ, Vicente E, Agusti AG. Long-term cardiovascular outcomes in men with obstructive sleep apnoea-hypopnoea with or without treatment with continuous positive airway pressure: an observational study. Lancet. 2005;365(9464):1046-53.
  • 8
    Javaheri S, Parker TJ, Liming JD, Corbett WS, Nishiyama H, Wexler L, et al. Sleep apnea in 81 ambulatory male patients with stable heart failure: types and their prevalences, consequences, and presentations. Circulation. 1998;97(21):2154-9.
  • 9
    Shahar E, Whitney CW, Redline S, Lee ET, Newman AB, Javier Nieto F, et al. Sleep-disordered breathing and cardiovascular disease: cross-sectional results of the Sleep Heart Health Study. Am J Respir Crit Care Med. 2001;163(1):19-25.
  • 10
    Guilleminault C, Connoly SJ, Winkle RA. Cardiac arrhythmia and conduction disturbances during sleep in 400 patients with sleep apnea syndrome. Am J Cardiol. 1983;52(5):490-4.
  • 11
    Alam I, Lewis K, Stephens JW, Baxter JN. Obesity, metabolic syndrome and sleep apnoea: all pro-inflammatory states. Obes Rev. 2007;8(2):119-27.
  • 12
    Savransky V, Nanayakkara A, Li J, Bevans S, Smith PL, Rodriguez A, et al. Chronic Intermittent hypoxia induces atherosclerosis. Am J Respir Crit Care Med. 2007;175(12):1290-7.
  • 13
    Dziewas R, Humpert M, Hopmann B, Kloska SP, Lüdemann P, Ritter M, et al. Increased prevalence of sleep apnea in patients with recurring ischemic stroke compared with first stroke victims. J Neurol. 2005;252(11):1394-8.
  • 14
    Silverberg DS, Oksenberg A. Are sleep-related breathing disorders important contributing factors to the production of essential hypertension? Curr Hypertens Rep. 2001;3(3):209-15.
  • 15
    Gallicchio L, Kalesan B. Sleep duration and mortality: a systematic review and meta-analysis. J Sleep Res. 2009;18(2):148-58.
  • 16
    Standardization of Spirometry, 1994 Update. American Thoracic Society. Amer J Resp Care Med. 1995;152(3):1107-36.
  • 17
    Kushida CA, Littner MR, Morgenthaler T, Alessi CA, Bailey D, Coleman J Jr, et al. Practice parameters for the indications for polysomnography and related procedures: an update for 2005. Sleep. 2005;28(4):499-521. Review.
  • 18
    Polysomnography Task Force, American Sleep Disorders Association Standards of Practice Committee. Practice parameters for the indications for polysomnography and related procedures. Sleep. 1997;20(6):406-22.
  • 19
    American Academy of Sleep Medicine Task Force. Sleep-related breathing disorders in adults: recommendations for syndrome definition and measurement techniques in clinical research. Sleep. 1999;22(5):667-89.
  • 20
    American Thoracic Society. Lung function testing: selection of reference values and interpretative strategies. Am Rev Respir Dis. 1991; 144(5): 1202-18.
  • 21
    Mehra R, Stone KL, Varosy PD, Hoffman AR, Marcus GM, et al. Nocturnal Arrhythmias Across a Spectrum of Obstructive and Central Sleep-Disordered Breathing in Older Men. Outcomes of Sleep Disorders in Older Men (MrOS Sleep) Study. Arch Intern Med. 2009;169(12): 1147-55.
  • 22
    Hansel J, Solleder I, Gfroerer W, Muth CM, Paulat K, Simon P, et al. Hypoxia and cardiac arrhythmias in breath-hold divers during voluntary immersed breath-holds. Eur J Appl Physiol. 2009;105(5):673-8.
  • 23
    Cripps T, Rocker G, Stradling J. Nocturnal hypoxia and arrhythmias in patients with impaired left ventricular function. Br Heart J. 1992;68(4):382-6.
  • 24
    Ruf K, Hebestreit H. Exercise-induced hypoxemia and cardiac arrhythmia in cystic fibrosis. J Cyst Fibros. 2009;8(2):83-90.
  • 25
    Benvenuti LA, Onishi RY, Gutierrez OS, Higushi ML. Different patterns of atherosclerotic remodeling in the thoracic and abdominal aorta. Clinics. 2005;60(5):355-60.
  • 26
    Russo C, Jin Z, Rundek T, Homma S, Sacco RL, DiTullio MR. Atherosclerotic disease of the proximal aorta and the risk of vascular events in a population-based cohort: the Aortic Plaques and Risk of Ischemic Stroke (APRIS) study. Stroke. 2009;40(7):2313-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2010

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2009
  • Aceito
    18 Dez 2009
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br