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Acompanhamento de crianças prematuras com alto risco para alterações do crescimento e desenvolvimento: uma abordagem multiprofissional

RESUMO

Objetivo:

Descrever a atividade do ambulatório multiprofissional formado por neonatologista e fisiatra, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogas e psicóloga que realizaram avaliações aos 3, 6, 9, 12, 18 e 24 meses de idade corrigida.

Métodos:

Foram realizadas avaliações multiprofissionais pela equipe, incluindo avaliação pela escala de desenvolvimento Bayley III. A amostra foi constituída por 20 crianças nascidas em hospital de nível terciário em São Paulo, Brasil, com peso inferior a 1250 g ou idade gestacional abaixo de 32 semanas no período de Abril de 2006 a Abril de 2007.

Resultados:

A idade gestacional média ao nascimento foi de 28.8 semanas, peso médio 1055 g, tempo de internação médio de 46,3 dias, e idade materna média de 35 anos. Observou-se que 15% das crianças apresentaram alterações sensório-motoras, 20% alterações no desenvolvimento auditivo e 10% alterações motoras. Pela aplicação da Bayley III, observou-se 10% dos casos com alteração na área de comunicação e 10% com alteração na área motora. Os pais foram orientados a estimularem a criança ou foi sugerida intervenção específica. Observou-se que entre 6 e 18 meses de idade corrigida houve maior ocorrência de atrasos do desenvolvimento, que se adequou aos 24 meses.

Conclusões:

A maioria das crianças avaliadas alcançou crescimento e desenvolvimento adequado aos 24 meses de idade corrigida. Recomendam-se estudos futuros com amostra ampliada, assim como a possibilidade de um acompanhamento dessa população até o período de alfabetização.

Descritores:
Desenvolvimento infantil; Idade gestacional; Perda auditiva; Continuidade da assistência ao paciente; Cuidados ambulatoriais; Tônus muscular

ABSTRACT

Objective:

To describe the activities of a multiprofessional outpatient clinic performed by neonatologist, physiatrist, physical therapist, occupational therapist, speech therapist, audiologist and psychologist, who evaluated the development of premature newborns.

Methods:

Twenty children born at a tertiary-care hospital (São Paulo, Brazil), between April 2006 and April 2007, with birth weight below 1250 g or less than 32 weeks of gestation, were evaluated. The multiprofessional evaluation included assessment of development using the Bayley III scale, at the corrected age of 3, 6, 9, 12, 18 and 24 months.

Results:

The mean gestation age at birth was 28.8 weeks; mean birth weight was 1055 g. The mean maternal age was 35 years and the mean length of stay of neonates was 46.3 days. Fifteen percent of children presented impaired sensory motor skills, 20% had hearing abnormalities and 10% motor alterations. Bayley III showed alterations in the communication area in 10% of subjects and in the motor area in 10% of individuals. The parents were oriented to stimulate the child or a specific intervention was suggested. The major development delay was observed between 6 and 18 months of age and the development was improved at 24 months of age.

Conclusions:

Most children evaluated had improved growth and development at 24 corrected-age months. Further studies with a larger sample are recommended, as well as the possibility to follow this population group up till the primary school.

Keywords:
Child development; Gestational age; Hearing loss; Continuity of patient care; Ambulatory care; Muscle tonus

INTRODUÇÃO

O avanço no tipo de assistência prestada ao recémnascido (RN) de muito baixo peso ou de baixa idade gestacional permitiu um aumento na taxa de sobrevida dessas crianças. No momento do seu nascimento, pela sua fragilidade física e imunológica, essas crianças apresentam diferentes níveis de maturidade, dependendo da sua idade gestacional. No período pós-natal, o recém-nascido pode sofrer diversas intercorrências clínicas, ser submetido a vários procedimentos invasivos durante sua internação, ou mesmo apresentar doenças que podem deixar sequelas permanentes com impacto no desenvolvimento global.

Estudos apontam que o desenvolvimento humano é baseado em domínios de funções, divididos em aspectos sensoriais e motores, habilidades para aquisição da linguagem, do desenvolvimento social, emocional e cognitivo. Tais domínios são interdependentes, cada um deles influenciando e sendo influenciado pelos demais. Dessa forma, o primeiro ano de vida torna-se um período em que deve ser dada especial atenção à evolução neuro-perceptivo-motora do prematuro(11. Ridz D, Shevell MI, Majnemer A, Oskotui M. Developmental screening. J Child Neurol. 2005;20(1):14-21.).

É por meio das aquisições do desenvolvimento motor grosso e fino que a criança adquire as habilidades requeridas para o desempenho motor ao longo dos anos, tais como o andar e o correr, a percepção do próprio corpo e do espaço, o brincar, a destreza e coordenação motora necessária para o desenvolvimento da escrita e outras atividades de seu cotidiano(22. Brandão JS. Desenvolvimento psicomotor da mão. Rio de Janeiro: Enelivros; 1984.).

Anormalidades neurológicas transitórias envolvendo postura, habilidades motoras finas e grossas, coordenação e equilíbrio, reflexos e principalmente alterações de tônus (hipertonia ou hipotonia) são detectadas em 40 a 80% dos casos, mas podem desaparecer até o segundo ano de vida(33. Rugolo LMSS. Crescimento e desenvolvimento a longo prazo do prematuro extremo. J Pediatria (Rio J). 2005;81(1):S101-10.).

A detecção precoce dessas alterações permite a indicação de intervenção de maneira eficaz com a finalidade de provocar estímulos que possam estimular a formação de conexões nervosas. Dessa forma, os comandos para as áreas estimuladas tornam-se mais numerosos e as sinapses mais estáveis, o que é expresso clinicamente pela aquisição progressiva de movimentos e posturas normais ou próximos ao normal(44. Shcolnik D. Acompanhamento de bebês de alto risco e a prevenção dos distúrbios do desenvolvimento neuropsicomotor. Fisio&Terapia. 1998;8(1):18-9.).

Alterações de desenvolvimento, incluindo alterações auditivas e problemas na função de alimentação(55. Joint Committe on Infant Hearing. (2007). Position Statement [Internet]. [cited 2009 Apr 4]. Avaliable from: www.asha.com.org
www.asha.com.org...
66. Field D, Garland M, Willians K. Correlates of specific childhood feedings problems. J Paediatr Child Health. 2003;39(4):299-304.) são frequentes nessas crianças. Sabe-se que a cada mil nascimentos, três recém-nascidos apresentam perda auditiva, sendo que entre os neonatos com risco essa incidência é de 30:1000(77. Northern JL, Hayes D. Universal screening for infant hearing impairment: Necessary, Benefical and Justifiable. Audiology Today. 1994;6(2):1-4.). Em relação ao sistema sensório-motor oral, é observado que 50% dos neonatos que apresentam intercorrências peri e pós-natais ou manifestam algum grau de alteração motora oral e ou de alimentação(88. Rommell N, De Meyer AM, Feenstra L, Veereman-Wauters G. The complexity of feeding problems in 700 infants and young children presenting to a tertiary care institution. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2003;37(1):75-84.).

Além das alterações auditivas, episódios de incoordenação entre a sucção, respiração e deglutição são frequentes, bem como a presença de outros problemas funcionais, dentre eles: a recusa alimentar, a seletividade de alimentos por tipo ou por textura, a recusa para alimentos sólidos, as alterações de padrão motor oral e/ou disfagia(66. Field D, Garland M, Willians K. Correlates of specific childhood feedings problems. J Paediatr Child Health. 2003;39(4):299-304.,99. Burklow KA, McGrath AM, Valerius KS, Rudolph C. Relationship between feeding difficulties, medical complexity and gestacional age. Nutr Clin Pract. 2002;17(6):373-8.). São frequentes os problemas comportamentais como a aversão aos alimentos(1010. Douglas JE, Bryon M. Interview data on severe behavioral eating difficulties in young children. Arch Dis Child. 1996;75(4):304-8.), na maioria das vezes associada à doença do refluxo gastresofágico.

Tendo em vista as possíveis alterações de desenvolvimento e crescimento, o presente estudo se propôs a detectar precocemente tais alterações com o objetivo de dar continuidade à assistência aos recém-nascidos de alto risco após a alta hospitalar, bem como sugerir condutas de intervenção para minimizar o impacto das alterações na vida destas crianças.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo e retrospectivo realizado a partir de dados secundários. A amostra foi constituída por uma coorte de 20 crianças nascidas no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), São Paulo, Brasil, no período de 1° Abril de 2006 a 30 de Abril de 2007. Os critérios de inclusão foram: crianças nascidas no HIAE com peso inferior ou igual a 1250 g ou idade gestacional abaixo de 32 semanas, com a anuência dos pais e do pediatra. Foram excluídas do estudo as crianças que nasceram em outros hospitais, peso nascimento maior de que 1250 g e com diagnóstico de malformações múltiplas.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein por meio do processo n° 633/07.

Foram avaliadas aos 3, 6, 9, 12, 18 e 24 meses de idade corrigida. Foi criado um ambulatório multiprofissional composto por médicas: neonatologista e fisiatra, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogas e psicóloga.

A avaliação foi dividida em três etapas. Na avaliação fonoaudiológica, foram observadas a emissão e recepção de sons, bem como o sistema sensório-motororal em repouso e durante função, além do aspecto de alimentação. Todas as crianças realizaram as Emissões Otoacústicas Evocadas Transientes (ILO288) antes da alta hospitalar e foram encaminhadas para a realização do Potencial Auditivo Evocado de Tronco Encefálico. Nas avaliações para o acompanhamento do desenvolvimento auditivo, foi utilizado o audiômetro pediátrico (PA5 Interacoustics), observando-se localização para os sons em diferentes frequências e intensidades. Em relação à função de alimentação, foram avaliadas a mobilidade e postura de repouso dos órgãos fonoarticulatórios, além da função de mastigação e deglutição com diferentes consistências alimentares e utensílios utilizados. A avaliação considerou como referência a faixa etária da criança e os alimentos habitualmente ingeridos e recomendados pelo pediatra.

Nas avaliações fisiátrica, fisioterapêutica e de terapia ocupacional, o objetivo foi avaliar o tônus muscular, as atitudes, posturas e aquisições motoras pertinentes à idade. Foi utilizado um protocolo próprio baseado em referencial teórico sobre os principais períodos de aquisição de marcos do desenvolvimento infantil. Foram considerados marcos principais do desenvolvimento motor grosso o controle cervical e de tronco, rolar, sentar, engatinhar, marcha lateral, postura em pé e caminhar sem apoio. Para o desenvolvimento motor fino, foram considerados os diferentes tipos de preensões, o desempenho visual, a independência nas atividades de vida diária e os diferentes aspectos do brincar. A avaliação fisiátrica consistiu em exame neurológico sucinto, direcionado para alterações de tônus muscular e persistência ou perda de automatismos e reflexos primitivos, bem como a avaliação de alterações osteomusculares. Basicamente, o referencial teórico que sustentou este processo foi o neurodesenvolvimentista(1111. Petersen MC, Kube DA, Palmer FB. Classification of developmental delays. Semin Pediatr Neurol. 1998;5(1):2-14.). Na avaliação de crescimento pelo médico neonatologista, adotou-se para o primeiro ano de vida a Curva de Babson e, no segundo ano, a da National Center for Health Statistics (NCHS). A avaliação psicológica com pais e cuidadores enfocou a rotina da criança e as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia (cólicas, dificuldade de sono, de alimentação, de relacionamento e outras). A avaliação pela Escala de Desenvolvimento Infantil Bayley III (BSDI III) foi agendada a partir do quarto mês de vida(1212. Bayley N. Bayley Scales of Infant and Toddler Development. 3rd ed. San Antonio: PsychCorp; 2006.).

RESULTADOS

No período do estudo, nasceram no HIAE 37 crianças com peso de nascimento menor ou igual de que 1250 g. Seis crianças foram a óbito, sendo dois fetais e quatro neonatais. Um RN foi transferido para outro hospital. Três RN apresentaram graves intercorrências no período de internação no berçário, com necessidade de múltiplas terapias e consultas com especialistas após a alta hospitalar, o que inviabilizou a realização de mais de uma avaliação.

A população incluída neste estudo foi composta por crianças com idade gestacional média ao nascimento de 28,8 semanas, peso médio de 1055 g, tempo de internação médio de 46,3 dias, cujas mães apresentaram idade média de 35 anos. O quadro 1 mostra o resultado de algumas variáveis perinatais e neonatais dessa população.

Quadro 1
Distribuição de algumas variáveis perinatais e neonatais da amostra atendida, 2007

A tabela 1 mostra os dados de crescimento nos dois primeiros anos de vida.

Tabela 1
Distribuição do número de crianças com alterações do crescimento nos dois primeiros anos de vida, segundo o percentil 10 e 3 das Curvas de Babson (1-12 meses) e NCHS (12-24 meses), 2009

Observou-se que 15 crianças apresentaram alterações de peso e de altura por ocasião da alta com normalização de mais de 50% da amostra nas avaliações subsequentes. Do total da amostra estudada, quatro crianças tiveram importante restrição de crescimento intrauterino.

A tabela 2 mostra a porcentagem de crianças que apresentaram alterações no desenvolvimento durante as avaliações multiprofissionais.

Tabela 2
Porcentagem de alterações globais do desenvolvimento por avaliação (n = 20)

Dentre as alterações do sistema sensório-motor-oral e/ou de alimentação, pôde ser observada uma subdivisão entre alguns aspectos: alteração sensório-motora, recusa alimentar, seletividade para texturas alimentares e dificuldade para a aceitação de sólidos. A porcentagem de alterações verificadas na amostra, em cada um dos aspectos, encontra-se na tabela 3.

Tabela 3
Porcentagem de alterações fonoaudiológicas específicas do sistema sensório-motor oral e/ou de alimentação discriminadas por avaliação (n = 20)

Em relação à avaliação auditiva, foram observadas nos dois primeiros encontros alterações no desenvolvimento auditivo relacionadas à atenção e à localização lateral dos sons.

Na terceira avaliação, foi observada a maior porcentagem de alteração no desenvolvimento auditivo, 40% (n = 8) do total avaliado. O atraso no desenvolvimento auditivo estava relacionado com a localização de sons acima e abaixo do campo visual da criança. Foi observado que 50% (n = 4) das crianças que apresentavam alteração nesta avaliação normalizaram o padrão auditivo no retorno.

No final das avaliações, foi observado que das crianças com atraso no desenvolvimento auditivo, 75% (n = 3), foram crianças que mantiveram o atraso desde a terceira avaliação e 25% (n = 1) apresentaram atraso na segunda e nesta última avaliação, sendo que a maioria dos casos apresentou alterações transitórias.

Com relação ao desenvolvimento neuromotor, observou-se que, ao longo do período de acompanhamento, as alterações observadas foram transitórias em 55% (n = 11). Ao final do período de 24 meses, apenas 18% (n = 2) das crianças mantiveram alterações de motricidade.

Observaram-se alterações de tônus em 30% (n = 6), sendo 15% (n = 3) hipotonia e 15% (n = 3) hipertonia.

Na avaliação das habilidades de motricidade grossa, 5% (n = 1) apresentaram atraso no controle cervical; 15% (n = 3) não realizaram apoio dos membros superiores na posição prona e 25% (n = 5) não adquiriram o rolar esperados para os 3 meses; 45% (n = 9) não sentaram aos 6 meses; 20% (n = 4) não engatinharam e 35% (n = 7) não realizaram as trocas posturais dinâmicas esperadas para os 9 meses. Nas demais avaliações, as crianças apresentaram aquisições esperadas para a idade corrigida.

Em relação à motricidade fina, 5% (n = 1) mantiveram o reflexo de preensão palmar além do período esperado; 40% (n = 8) tiveram atraso no desenvolvimento da preensão e 15% (n = 3) não realizaram pinças com dissociação dos dedos, principalmente de indicador, eventos esperados para os 9 meses; 20% (n = 4) apresentaram hipersensibilidade tátil. Destaca-se que 50% (n = 10) apresentaram pobre exploração dos objetos durante o brincar em diferentes períodos de acompanhamento.

A tabela 4 mostra os resultados obtidos pela BSDI III.

Tabela 4
Resultados obtidos pela BSDI III

Também nesta avaliação, observou-se uma diminuição dos atrasos na última avaliação em relação às avaliações iniciais. Outro aspecto observado foi a remissão do atraso na área cognitiva a partir da segunda avaliação. Nas duas últimas avaliações, as crianças apresentaram atraso em somente uma das áreas e houve uma melhora importante no desenvolvimento global.

DISCUSSÃO

O monitoramento do crescimento infantil é uma ação básica de saúde. O processo de crescimento durante os primeiros anos de vida, pela sua própria intensidade, é altamente vulnerável a múltiplos fatores que podem prejudicá-lo, o que torna necessário e fundamental seu controle específico(1313. Organización Panamericana de La Salud. Manual de crecimiento e desarrollo del niño. Washington (DC): OPAS; 1996.). Dos três parâmetros antropométricos avaliados, o perímetro cefálico mostrou melhor perfil de crescimento, com catch-up precoce atingindo a faixa de normalidade já no primeiro ano. Peterson et al. mostraram que o adequado crescimento do perímetro cefálico nos primeiros anos está associado a melhor prognóstico de desenvolvimento(1414. Peterson J, Taylor HG, Minich N, Klein N, Hack M. Subnormal head circumference in very low birth weight children: neonatal correlates and school-age consequences. Early Hum Dev. 2006;82(5):325-34.).

Em relação ao desenvolvimento sensório-motor-oral e de alimentação, foram observados aspectos referentes a alterações na postura e na mobilidade lingual em repouso e durante a função e as relacionadas à recusa alimentar. As alterações de postura podem estar associadas à prematuridade(88. Rommell N, De Meyer AM, Feenstra L, Veereman-Wauters G. The complexity of feeding problems in 700 infants and young children presenting to a tertiary care institution. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2003;37(1):75-84.) e, muitas vezes, ocorrem por intubação orotraqueal ou sondagem prolongada. A recusa e aversão alimentar estão predominantemente associadas ao refluxo gastresofágico importante(66. Field D, Garland M, Willians K. Correlates of specific childhood feedings problems. J Paediatr Child Health. 2003;39(4):299-304.,1010. Douglas JE, Bryon M. Interview data on severe behavioral eating difficulties in young children. Arch Dis Child. 1996;75(4):304-8.) e podem persistir até a introdução das consistências pastosas mais grossas ou dos sólidos, quando costumam melhorar os sintomas, o que está em concordância com os dados obtidos. As crianças com recusa alimentar apresentavam diagnóstico de refluxo gastresofágico, observando-se supressão dos sintomas na sexta avaliação, concomitante ao início da dieta sólida completa. A partir da quarta avaliação, além das alterações até então observadas, a seletividade para a consistência sólida também foi diagnosticada, compatível com prematuros perto do primeiro ano de vida(66. Field D, Garland M, Willians K. Correlates of specific childhood feedings problems. J Paediatr Child Health. 2003;39(4):299-304.). A literatura caracteriza alterações de seletividade para a consistência sólida em crianças com baixo peso ao nascimento e associados ao atraso na introdução desta consistência, típica em famílias de prematuros que apresentam dificuldades em ampliar a variedade e consistência da alimentação oferecida(99. Burklow KA, McGrath AM, Valerius KS, Rudolph C. Relationship between feeding difficulties, medical complexity and gestacional age. Nutr Clin Pract. 2002;17(6):373-8.).

Em relação ao desenvolvimento auditivo, foi observado que, aos três meses de idade corrigida, algumas crianças apresentaram atraso em relação à atenção ao som. Azevedo(1515. Azevedo MF, Vilanova LCP, Vieira RM. Desenvolvimento auditivo de crianças normais e de alto risco. São Paulo: Plexus; 1995.) mostrou que crianças prematuras podem apresentar a atenção ao som de forma mais tardia quando comparadas a crianças nascidas a termo. Por esse motivo, também foi possível observar que, aos seis meses, na segunda avaliação, um pequeno número de crianças avaliadas apresentou um atraso na localização lateral. No momento em que ocorre um atraso no padrão de atenção ao som, a probabilidade de ocorrer um atraso na localização lateral é muito grande, já que primeiramente é necessário desenvolver o padrão de atenção para depois realizar a localização.

Aos nove meses, foi observada maior prevalência de atraso no desenvolvimento auditivo, resultado compatível com os achados da avaliação do desenvolvimento motor e da BSDI III. Por ser um período em que a criança precisa de mobilidade motora para realizar a localização sonora, a restrição desses movimentos pode atrasar o aparecimento dessas habilidades.

Aos 24 meses, a minoria ainda manteve atraso no desenvolvimento auditivo, tanto relacionado à localização dos sons como à reação a estímulos verbais. Essas crianças precisam ser acompanhadas, pois podem apresentar alteração do processamento auditivo central que pode, no futuro, dificultar o processo de alfabetização(1616. Pinheiro MMC, Azevedo MF, Vieira MM, Gomes M. Crianças nascidas pré-termo: comparação entre o diagnóstico do desenvolvimento auditivo com o diagnóstico neurológico. Fono atual. 2004;7(27):32-42.1717. Fortes AB, Pereira LD, Azevedo MF. Resolução temporal: análise em pré-escolares nascidos a termo e pré-termo. Pró-fono. 2007;19(1):87-96.).

As principais alterações encontradas durante o período de acompanhamento, com relação aos aspectos sensório-motores, demonstraram atraso nas aquisições das posturas e habilidades de controle cervical, rolar, sentar, engatinhar, ortostatismo e realizar as trocas posturais dinâmicas.

Com relação à motricidade fina, encontrou-se persistência do reflexo de preensão palmar, atraso do desenvolvimento dos diferentes tipos de pinças, pobre exploração dos objetos durante o brincar e aspectos relacionados ao déficit de integração sensorial, principalmente hipersensibilidade tátil.

As alterações de tônus, postura e aquisições de habilidades motoras grossa e fina encontradas foram transitórias em sua maioria, exceto em número mínimo da amostra que manteve as alterações no desenvolvimento sensório-motor até o final do período de acompanhamento.

O pico de incidência das alterações ocorreu entre os seis e nove meses de idade corrigida, correspondendo ao período de maior exigência das aquisições de posturas antigravitacionais, ou seja, sentar e realizar trocas posturais esperadas para o período(1111. Petersen MC, Kube DA, Palmer FB. Classification of developmental delays. Semin Pediatr Neurol. 1998;5(1):2-14.).

A alta incidência no atraso das aquisições do sentar e das trocas posturais dinâmicas impactou diretamente na pobre exploração do ambiente e de aspectos do brincar, provavelmente devido ao menor deslocamento espacial.

De acordo com a literatura, para realizar alcance e preensão dos objetos de maneira eficiente, é necessário um adequado controle axial. Alterações tônicas associadas a pobre equilíbrio de tronco refletem em déficits do desenvolvimento do brincar e de evolução da preensão para formas mais eficientes(1818. Brocklehurst P, McGuire W. Evidence based care. BMJ. 2005;330(7481):36-8.). Os pais e cuidadores das crianças que apresentaram alterações nas avaliações foram orientados a realizar atividades ou exercícios pontuais e modificações ambientais para favorecer o desenvolvimento.

Nos casos em que persistiam as alterações nas avaliações subsequentes, foi indicada intervenção de fisioterapia e terapia ocupacional.

Por meio da aplicação da BSDI III, observou-se que as alterações cognitivas da primeira avaliação desapareceram; entretanto, as alterações na área de comunicação e na área motora permaneceram nas avaliações subsequentes. Nessa primeira avaliação, as mães afirmaram estar preocupadas com o crescimento de seus filhos e, muitas vezes, ainda estavam em período de reorganização da casa, o que pode ter influenciado a presença das alterações, já que elas relataram comportamento de superproteção com seus filhos e diminuição de estímulos adequados à faixa etária. Garel et al.(1919. Garel M, Bahuaud M, Blondel B. Consequences for the family of a very preterm birth two months after discharge. Results of the EPIPAGE qualitative study. Arch Pediatr. 2004;11(11):1299-307.) constataram que as mães expressaram sentimentos de ansiedade e sintomas depressivos dois meses após a alta do recém-nascido e apresentaram dificuldade para se reorganizar emocionalmente, estando muito preocupadas com o crescimento da criança.

A manutenção das alterações motoras poderia estar relacionada com maior exigência das aquisições de posturas antigravitacionais como citado anteriormente, já as alterações na área de comunicação podem estar relacionadas com as possíveis alterações de processamento auditivo que essa população apresenta(1717. Fortes AB, Pereira LD, Azevedo MF. Resolução temporal: análise em pré-escolares nascidos a termo e pré-termo. Pró-fono. 2007;19(1):87-96.). Observou-se, ainda, que a maior parte das crianças com atraso apresentava alteração em mais de uma área avaliada.

No decorrer do desenvolvimento das crianças, foi observada uma diminuição da porcentagem de alterações específicas e globais. Ta l fato pode estar correlacionado às orientações ou sugestões de intervenção específicas fornecidas pela equipe e por maior atenção dos pais em relação às questões do desenvolvimento global da criança e pela maturação do sistema nervoso. Koldewijn et al.(2020. Koldewijn K, Wolf MJ, van Wassenaer A, Meijssen D, van Sonderen L, van Baar A, et al. The infant behavioral assessment and intervention program for very low birth weight infants at 6 months corrected age. J Pediatr. 2009;154(1):33-38.e2.) observaram, em seu estudo de acompanhamento com prematuros de muito baixo peso, que a participação dessas crianças em um programa de intervenção foi correlacionada com um melhor desempenho nas escalas cognitiva, motora e de comportamento na avaliação realizada pela BSDI II aos seis meses de idade corrigida. Destaca-se que houve diminuição no número de crianças avaliadas pela BSDI III em relação à primeira avaliação. Os motivos observados e relatados foram: falta de tempo dos pais para se organizarem para trazer a criança, ou a constatação de normalidade do desenvolvimento por meio da avaliação multiprofissional anterior.

Uma criança prematura de extremo baixo peso pode apresentar atrasos ou prejuízos – transitórios e/ou permanentes – em seu desenvolvimento, necessitando de experiências sensório-motoras adequadas para dar oportunidade ao pleno desempenho de suas habilidades.

O fato de ser realizado um trabalho multiprofissional pode ter auxiliado na orientação aos pais para que eles pudessem realizar as estimulações necessárias e, com isso, diminuir a porcentagem de alterações observadas nas avaliações seguintes.

CONCLUSÕES

Apesar do curto período de acompanhamento dos RN com peso de nascimento ≤ 1250 g e da limitação, insuficiente inclusive para se estabelecer uma relação direta entre as causas e efeitos nas intervenções realizadas e nos resultados obtidos, os dados do presente estudo serviram para mostrar o “perfil” dessa população específica, atendida em uma Instituição referência para RNs de alto risco.

Nossos achados constataram períodos críticos de atraso do desenvolvimento aos 6, 9 e 18 meses de idade corrigida para os aspectos neuromotores e fonoaudiológicos, que se adequou aos 24 meses na maioria dos casos. Observou-se que o crescimento também acompanhou essa tendência.

Recomendam-se estudos futuros com amostra ampliada, assim como a possibilidade de um acompanhamento dessa população até o período de alfabetização.

  • Trabalho realizado no Departamento Materno Infantil e Centro de Reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2010

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2009
  • Aceito
    10 Maio 2010
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