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Avaliação da implementação de um sistema de qualidade em um laboratório de pesquisa básica: viabilidade e impactos

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o processo de implantação de um sistema de qualidade em um laboratório de pesquisa básica, avaliando a viabilidade e os impactos dessa melhoria. MÉTODOS: Tratou-se de um estudo qualitativo prospectivo. Utilizou-se a norma NIT DICLA 035 - Princípios das Boas Práticas de Laboratório (BPL) e documentos da Organisation for Economic Co-operation and Development para complementar o planejamento e a implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade, em um laboratório de pesquisa básica. Em paralelo, utilizou-se a ferramenta PDCA para definir os objetivos de cada etapa de implantação do sistema de qualidade. RESULTADOS: Este trabalho possibilitou ao laboratório atender requisitos solicitados pela norma NT DICLA 035 e implementá-los durante a execução de um projeto, dentre eles a elaboração de documentos, bem como estabelecer rotinas importantes para o andamento do mesmo, como a identificação de não conformidades, rastreabilidade de dados e calibração de equipamentos. CONCLUSÃO: A implantação do Sistema da Qualidade BPL, nesse cenário, é viável, gerando impactos positivos na rotina do laboratório.

Laboratórios; Pesquisa básica; Gestão de qualidade; Certificação


OBJECTIVE: To evaluate the process of implementing a quality management system in a basic research laboratory of a public institution, particularly considering the feasibility and impacts of this improvement. METHODS: This was a prospective and qualitative study. We employed the norm "NIT DICLA 035 - Princípios das Boas Práticas de Laboratório (BPL)" and auxiliary documents of Organisation for Economic Co-operation and Development to complement the planning and implementation of a Quality System, in a basic research laboratory. In parallel, we used the PDCA tool to define the goals of each phase of the implementation process. RESULTS: This study enabled the laboratory to comply with the NIT DICLA 035 norm and to implement this norm during execution of a research study. Accordingly, documents were prepared and routines were established such as the registration of non-conformities, traceability of research data and equipment calibration. CONCLUSION: The implementation of a quality system, the setting of a laboratory focused on basic research is feasible once certain structural changes are made. Importantly, impacts were noticed during the process, which could be related to several improvements in the laboratory routine.

Laboratories; Basic research; Quality management; Certification


GESTÃO E ECONOMIA EM SAÚDE

IUniversidade Federal da Bahia - UFBA, Salvador (BA), Brasil

IIFundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, Salvador (BA), Brasil

Autor correspondente

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o processo de implantação de um sistema de qualidade em um laboratório de pesquisa básica, avaliando a viabilidade e os impactos dessa melhoria.

MÉTODOS: Tratou-se de um estudo qualitativo prospectivo. Utilizou-se a norma NIT DICLA 035 - Princípios das Boas Práticas de Laboratório (BPL) e documentos da Organisation for Economic Co-operation and Development para complementar o planejamento e a implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade, em um laboratório de pesquisa básica. Em paralelo, utilizou-se a ferramenta PDCA para definir os objetivos de cada etapa de implantação do sistema de qualidade.

RESULTADOS: Este trabalho possibilitou ao laboratório atender requisitos solicitados pela norma NT DICLA 035 e implementá-los durante a execução de um projeto, dentre eles a elaboração de documentos, bem como estabelecer rotinas importantes para o andamento do mesmo, como a identificação de não conformidades, rastreabilidade de dados e calibração de equipamentos.

CONCLUSÃO: A implantação do Sistema da Qualidade BPL, nesse cenário, é viável, gerando impactos positivos na rotina do laboratório.

Descritores: Laboratórios/normas; Pesquisa básica; Gestão de qualidade; Certificação/normas

INTRODUÇÃO

A gestão das atividades de pesquisa, vista de uma perspectiva estratégica, pode agregar valor à instituição, seja sob a forma dos conhecimentos gerados, pela transferência de resultados à sociedade, pela captação de recursos para a pesquisa ou pela redução dos custos operacionais(1).

Para implementar um Sistema de Gestão da Qualidade, é necessário haver ações de planejamento, preparação de documentação, treinamento de recursos humanos em processos de acreditação e condução de auditorias internas, para avaliar a qualidade, com base em políticas e objetivos estabelecidos. Além disso, essa implementação requer ainda organização de seus processos e flexibilidade, para avaliação e melhoria contínua de seus produtos e/ou processos(2).

Para ser funcional, esse sistema deve ser aberto e dinâmico, e sua complexidade deve ser medida de acordo com a diversidade de produtos e serviços oferecidos, a quantidade de pessoas envolvidas, o número de processos a serem gerenciados, os indicadores e documentos utilizados para medir e padronizar os processos(3). A implementação de um sistema da qualidade é um processo lento e caro, mas pode trazer inúmeras vantagens interna e externamente à instituição, dentre elas uma melhor imagem da empresa frente a seus clientes(2). Permite, ainda, vantagens para os diretores, funcionários e clientes, como padronização e maior controle dos processos, maior poder de detecção e correção de erros e maior confiabilidade analítica, respectivamente(4).

De acordo com a International Organization for Standardization (ISO) 9001:2008(5), para a implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade pode ser utilizada a abordagem oferecida pela ferramenta Plan-DoCheck-Act (PDCA - PlanejarImplantarAvaliarMelhorar). Essa ferramenta é aplicável no gerenciamento e na melhoria de projetos, pois permite a identificação dos objetivos, metas e método do projeto (planejar), o treinamento dos envolvidos e a implementação do que foi planejado (implantar), a análise de resultados e a avaliação do atendimento aos objetivos e metas propostas (avaliar), a realização de melhoria no método, objetivos e metas para otimização do projeto com base no objetivo definido (melhoria)(3).

No Brasil, os princípios para BPL estão descritos na norma NIT DICLA 035, que define Boas Práticas de Laboratório (BPL) como "um sistema de qualidade que abrange o processo organizacional e as condições nas quais estudos não clínicos de saúde e de segurança ao meio ambiente são planejados, desenvolvidos, monitorados, registrados, arquivados e relatados"(6). Os requisitos de BPL estão voltados para o planejamento adequado, para o desempenho de técnicas de controle, para o registro fiel de todas as observações, para um acompanhamento adequado das atividades e para o arquivamento completo de todos os dados brutos obtidos, e servem para eliminar muitas fontes de erro(7). Seus princípios devem ser aplicados aos itens dos ensaios de segurança de testes não clínicos contidos em produtos farmacêuticos, pesticidas, cosméticos, medicamentos veterinários, bem como nos aditivos alimentares, aditivos para alimentos e produtos químicos industriais.

É importante lembrar que o processo de implementação da NIT DICLA 035(6) não caracteriza a certificação do laboratório, mas sim a acreditação deste em uma atividade específica. O processo de acreditação do laboratório é de caráter voluntário e representa o reconhecimento formal da competência de um laboratório ou organização para desenvolver tarefas específicas, segundo requisitos estabelecidos. No Brasil, é feito pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO). Já o processo de certificação significa o "procedimento que objetiva prover adequado grau de confiança em um determinado produto, mediante o atendimento de requisitos definidos em normas ou regulamentos técnicos"(6).

Para a implementação dos princípios da BPL, dois aspectos críticos devem ser considerados: em primeiro lugar, ao invés de regras (comuns às demais normas), existem diretrizes que necessitam de interpretação durante a aplicação; em segundo lugar, esses princípios exigem a melhoria contínua, que está ligada ao avanço do conhecimento técnico e científico, a fim de manter o sistema da qualidade(8). No presente trabalho, avaliouse a possibilidade de implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade a um projeto de pesquisa básica, desenvolvido em um laboratório de uma instituição pública, voltada para a pesquisa e o desenvolvimento.

OBJETIVO

Avaliar o processo de implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade em um laboratório de pesquisa básica de uma instituição pública, verificando a viabilidade da implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade; descrever os impactos do processo de implantação, de acordo com indicadores selecionados; e analisar a percepção dos pesquisadores acerca de sistemas de gestão da qualidade.

MÉTODOS

Natureza do estudo

Tratase de um estudo qualitativo prospectivo, realizado em uma instituição pública voltada para a pesquisa e o desenvolvimento, analisando a viabilidade e os impactos desse processo. O Laboratório de Imunoparasitologia (LIP) tem como foco o estudo da imunopatogênese da leishmaniose, uma doença infecciosa transmitida por insetos vetores. O LIP está situado no Centro de Pesquisas Gonçalo Muniz (CPqGM), um dos centros regionais da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), associada ao Ministério da Saúde.

Seleção das normas aplicáveis

Considerandose que não há uma norma direcionada exclusivamente a Laboratórios de Pesquisa, selecionou se a norma NIT DICLA 035(6) - Princípios das BPL, uma vez que esta atendeu aos critérios previamente definidos. Documentos de orientação da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) sobre Princípios para BPL(9) também foram utilizados de modo complementar.

Etapas da implantação do sistema

Foi escolhida a ferramenta PDCA(3). O projeto foi desenvolvido entre os meses de janeiro e dezembro de 2010, período em foram executadas as etapas descritas a seguir.

Na primeira etapa (Planejamento), que ocorreu em janeiro de 2010, definiramse a política, os objetivos e o organograma do laboratório. Considerando que a norma NIT DICLA 035(6) estabelece que os critérios sejam aplicados a estudos com base em planos préestabelecidos, ainda nessa etapa escolheuse o estudo e foi elaborado o plano. Os critérios para escolha do estudo "Pesquisa de prevalência de leishmaniose em doadores de sangue assintomáticos na cidade de Salvador" foram: tema de importância para a saúde pública e facilidade na execução, sobretudo em relação aos ensaios realizados. Definiramse também os indicadores para a avaliação (Tabela 1) do impacto do processo de implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade.

Na segunda etapa (Implantação/Execução), ocorrida entre os meses de fevereiro e setembro, os envolvidos no estudo foram capacitados, a adequação do laboratório envolvido foi avaliada de acordo com aos requisitos da norma NIT DICLA 035(6), e os documentos necessários à implantação da mesma foram elaborados, revisados e aprovados. Nesse mesmo período, foi executado o estudo escolhido, "Pesquisa de prevalência de leishmaniose em doadores de sangue assintomáticos na cidade de Salvador".

Na terceira etapa (Avaliação), ocorrida entre outubro e dezembro, coletaramse informações referentes ao atendimento dos requisitos da norma escolhida, à percepção dos envolvidos no estudo sobre sistemas de qualidade, sendo levantadas as dificuldades encontradas pelos envolvidos. Na etapa de avaliação da percepção dos envolvidos, um questionário foi aplicado a 20 pessoas, sendo 10 pesquisadores e 10 estudantes. Todos os envolvidos foram informados sobre a natureza da pesquisa e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; o trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), com protocolo número 237/2010.

A etapa de Melhoria, prevista na ferramenta PDCA escolhida, não foi contemplada neste trabalho, por entender tratarse de uma etapa a ser realizada em estudos futuros, após as conclusões aqui encontradas.

RESULTADOS

A etapa de Planejamento foi elaborada pelos envolvidos no projeto e aprovada pela chefia do laboratório. Durante a elaboração do plano de estudo, verificouse a necessidade de acrescentar ao projeto uma norma complementar NIT DICLA 043(10) - Aplicação dos Princípios de BPL à Organização e ao Gerenciamento de Estudos em Múltiplas Localidades (Multi-Site), uma vez que a etapa de coleta de amostras utilizadas no estudo aconteceu em uma instituição diferente. Após definição do estudo e elaboração do plano, os indicadores foram analisados depois da conclusão do projeto (Tabela 1). Os resultados revelam que não houve registros de reuniões ocorridas entre o diretor de estudos e a equipe envolvida no estudo durante o processo de implantação da norma NIT DICLA 035(6).Os fatos considerados não conformes foram registrados, porém não houve apontamento do tratamento aplicado às não conformidades. Além disso, a instituição ainda não dispõe de uma política de gestão de equipamentos, envolvendo a calibração ou a manutenção preventiva. A elaboração dos documentos foi o único requisito que pôde ser considerado como atendido, uma vez que todos os documentos necessários e solicitados pela norma foram elaborados e utilizados pela equipe executora do estudo.

Na segunda etapa (Implantação/Execução), os envolvidos no estudo foram capacitados, a adequação do laboratório envolvido foi avaliada de acordo com aos requisitos da norma NIT DICLA 035. Esse diagnóstico forneceu informações importantes para identificação dos principais pontos a serem melhorados pelo laboratório (Tabela 2).

Foram escolhidos oito requisitos e, destes, apenas "Sistema de Gestão" e "Aquisição" não são exigidos pela norma NIT DICLA 035(6). No entanto, optouse por incluílos, pois são requisitos importantes na gestão da qualidade. No diagnóstico realizado antes do processo de implantação, nenhum requisito havia alcançado o percentual de 50% de atendimento. Entre os requisitos que tiveram o menor índice, destacase o de "Controle de documentos", o mesmo que, quando avaliado após o processo de implantação, obteve a maior evolução, alcançando 80% de atendimento. O requisito "Dados brutos" não obteve melhoria, mesmo após o processo de implantação. Quanto aos documentos necessários, foram feitos de acordo com modelo padronizado e encaixaramse em níveis hierárquicos predefinidos (Quadro 1).


O estudo foi conduzido conforme o plano previamente elaborado, considerando os requisitos da norma selecionada; após seu término, um relatório final foi redigido, conforme recomendado pela NIT DICLA 035(6), com as informações do estudo executado.

Na etapa de Avaliação, coletaramse informações referentes ao atendimento aos requisitos da norma escolhida e à percepção dos envolvidos no estudo sobre sistemas de qualidade, e foram observadas as dificuldades encontradas pelos envolvidos. Para avaliação da percepção dos envolvidos, um questionário foi aplicado a 20 pessoas, sendo 10 pesquisadores e 10 estudantes. A porcentagem de atendimento aos requisitos da norma mostrou que o requisito com melhor avaliação foi "Controle de documentos", alcançando um percentual de 100% de atendimento (Figura 1), enquanto que o requisito "Controle de dados brutos" teve o pior desempenho, demonstrando ser este o principal ponto de melhoria. Os resultados obtidos demonstram ainda que, embora o processo de implantação não tenha ocorrido em sua totalidade, mudanças efetivas ocorreram. Por exemplo, foram elaborados procedimentos, equipamentos foram calibrados, e os registros de uso dos equipamentos passaram a ser realizados. Esse conjunto de medidas garante a rastreabilidade da utilização dos equipamentos, evitando uso inadequado. Outra melhoria pôde ser observada por meio do controle de reagentes, considerando que todos estavam identificados quanto ao seu armazenamento, e um controle mais rigoroso foi implementado. Foi implantado um formulário de registro das não conformidades encontradas, tornando o registro das informações sistematizado e evidenciando o tratamento dado.


A pesquisa para avaliar a percepção dos envolvidos acerca de sistema da qualidade demonstrou que há um entendimento correto sobre a definição de Qualidade. O registro dos dados em livros apropriados, a realização dos experimentos seguindo POPs e a calibração e manutenção de equipamentos foram relatados como modos pelos quais a Qualidade pode ser identificada ou aplicada no trabalho. Dentre os entrevistados, 50% responderam que utilizam as ferramentas da qualidade há algum tempo, antes mesmo de entrar no CPqGM, enquanto a outra metade relatou que começou a utilizálas apenas após o ingresso na instituição. Ainda dentre os entrevistados, 75% deles julgaram que um sistema de qualidade é muito importante, tanto para o bom andamento do trabalho quanto para os resultados obtidos. Ainda pôde ser verificado que 91% das pessoas entrevistadas nunca foram impedidas de realizar algum trabalho ou publicação, por não haver, na instituição um Sistema da Qualidade implementado, evidenciando o quanto esse tema necessita de divulgação e o quanto esse processo ainda é incipiente. Quando perguntado se os entrevistados tinham conhecimento sobre como acontece o processo de implantação de um Sistema da Qualidade, 66% relataram desconhecer o processo. Por fim, 75% dos entrevistados demonstraram ter vontade de participar de curso/palestra ou treinamento na área de Qualidade. Esses dados revelam, de modo geral, que tanto os pesquisadores quanto os estudantes têm um entendimento adequado em relação ao tema e reconhecem a importância desse processo (Tabelas 3 e 4).

O terceiro e último item na etapa de Avaliação, que consistiu de um levantamento das dificuldades encontradas pelos envolvidos nas etapas de Planejamento e Implantação/Executação do sistema BPL, demonstrou que as principais dificuldades foram falta de informação sobre o tema, ausência de uma norma direcionada às atividades de pesquisa e, assim, necessidade de adequação da norma adotada NIT DICLA 035(6) ao desenvolvimento do estudo escolhido e sua flexibilização.

DISCUSSÃO

Todo processo de implantação de Sistema de Gestão da Qualidade, seja em qualquer norma utilizada, implica necessidade de dedicação, disponibilidade e empenho por parte dos envolvidos. Na pesquisa básica, esse processo ainda é pouco visível. Em paralelo, os órgãos de fomento à pesquisa no Brasil ainda não exigem comprovação de competência dos laboratórios, nem a apresentação dos requisitos de garantia da qualidade. Porém, nos Estados Unidos e em países da Europa e Ásia, o financiamento está condicionado a essas evidências(12).

É importante destacar que, a exemplo de outros trabalhos, este também é resultado de uma proposta inovadora no cenário de gestão de ciência e tecnologia, com a implantação de um sistema da qualidade em um laboratório de pesquisas científicas na área da saúde. Conforme cita Nehme(13), a decisão de escolha de um tema como este devese, sobretudo, ao movimento de busca de melhorias de produtos, processos e práticas de gestão, e à busca da excelência nas organizações.

Porém todo este movimento de inovação esbarra, por vezes, em resistências e dificuldades. Já na etapa inicial de escolha da metodologia e, consequentemente, da norma a ser aplicada, verificouse uma escassez de referências bibliográficas voltadas ao tema no Brasil. De fato, essa escassez já foi relatada por outros grupos e foi também mencionada a resistência de laboratórios quanto à implantação de Sistema de Gestão da Qualidade(14). Existem relatos a respeito da limitação imposta pela maioria das normas, as quais não são direcionadas à pesquisa, e uma necessidade de maior flexibilização na aplicação das normas existentes(9).

Considerouse extremamente positivo o fato de se ter conseguido implementar a rastreabilidade dos dados gerados nas demais pesquisas realizadas pelo laboratório. Outro impacto considerado importante é o fato de, hoje, o laboratório ser capaz de iniciar um processo, uma vez que já se sabe o que é necessário e o que pode ser dispensável.

Felicio(15), em trabalho semelhante, relatou várias dificuldades encontradas: a falta da cultura de gestão, demonstrando estarem as pessoas estagnadas no conceito de qualidade centrado na inspeção; a falta de envolvimento da alta direção; e a dificuldade na nomenclatura, uma vez que as pessoas não entendem que a palavra "produto", definida na norma também pode ser entendida como serviço (que é o produto do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento), dentre outras.

Já no presente trabalho, entre as dificuldades citadas, pode ser destacada a falta de modelos a serem seguidos, por exemplo, para a elaboração do plano de estudos. Considerando que os resultados e observações dos processos de investigação não podem ser definidos ou previstos com exata precisão e que, sobretudo, podem divergir significativamente daqueles esperados inicialmente, é necessário adequar e flexibilizar a norma adotada ao desenvolvimento do estudo escolhido, o que também foi considerado uma dificuldade durante o presente trabalho. Ainda em relação às dificuldades encontradas, destacase o fato de o projeto ter sido desenvolvido em uma instituição pública, que segue uma rotina e tem regras próprias, como compra por meio de licitações, aprovação de determinados processos por instâncias superioras e, em paralelo, necessita de uma equipe de auditores internos treinada para a realização de inspeções rotineiras. Tais inspeções poderiam contribuir para a melhoria contínua dos processos em andamento.

Em relação à norma e considerando os processos de pesquisa do CPqGM, a NIT DICLA 035(6) pode ser considerada satisfatória e aplicável, desde que os conceitos relacionados a essa norma e suas complementares sejam adequados à rotina na pesquisa. Porém, ainda se sente a necessidade de estabelecer normas mais direcionadas à pesquisa, que permitam a flexibilidade e a originalidade indispensáveis para pesquisa e desenvolvimento. Os pesquisadores precisam de orientação prática para adaptar os princípios já existentes em Gestão da Qualidade aos trabalhos não rotineiros, como são os trabalhos de experimentação.

Outro grande desafio e ponto fundamental é fazer com que pesquisadores e futuros pesquisadores acreditem nos benefícios de um processo como esse, o que pode ser conquistado por meio de treinamentos e após o andamento do trabalho. Estabelecer um Sistema de Gestão da Qualidade em pesquisa e desenvolvimento ou em qualquer outro segmento só é possível se as pessoas envolvidas estiverem convencidas ou acreditarem plenamente em suas vantagens. Felicio(15) relata, em seu trabalho, a dificuldade encontrada com doutores e mestres, quando 70% dos entrevistados afirmaram que a implantação de um sistema de gestão geraria burocracia, ampliando o número de papéis que não agregariam valor à pesquisa. Esse relato vem reforçar a necessidade de se desmitificar essa realidade e intensificar os treinamentos com esse público.

É importante ressaltar que os conceitos gerais de qualidade na prática das investigações não são uma nova revelação aos cientistas(16). O que talvez seja novo é a possibilidade de poder integrar a qualidade intrínseca dos processos de pesquisa com funções do Sistema de Gestão da Qualidade, identificando a solidez do trabalho. Por fim, é importante destacar que, no caso do Sistema BPL, os princípios da norma são diretrizes, ao invés de regras, que têm como objetivo garantir a qualidade e a validade dos dados gerados nos ensaios. Seu objetivo maior, no entanto, é facilitar a aceitação dos dados, tanto no nível nacional quanto no internacional, no âmbito de seus processos, mas as autoridades têm de avaliar a necessidade intrínseca de interpretação durante a aplicação(8). Além disso, esse sistema é um processo dinâmico, que exige melhoria contínua em relação à evolução nos níveis técnico, científico e operacional. Considerase ser este o principal aprendizado neste trabalho, pois muitas dificuldades e possíveis interpretações devem ser consideradas durante a aplicação dos princípios BPL, e a experiência dos envolvidos foi certamente reforçada. Portanto, a implantação do Sistema de Qualidade BPL aplicado a um laboratório de pesquisa básica de uma instituição pública de pesquisa é viável, em relação aos aspectos econômico e estrutural, mas depende da geração de recursos humanos por meio da absorção de pessoas e/ou capacitação das existentes.

CONCLUSÃO

Concluise que a implantação do Sistema de Qualidade BPL aplicado no LIP da FIOCRUZBahia é viável em relação aos aspectos econômico e estrutural, mas depende da geração de recursos humanos, por meio da absorção de pessoas e/ou capacitação dos existentes. Além disso, o processo de implantação gerou impactos positivos no desenvolvimento do estudo e na equipe envolvida.

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  • Avaliação da implementação de um sistema de qualidade em um laboratório de pesquisa básica: viabilidade e impactos

    Hilda Carolina de Jesus Rios FragaI; Kiyoshi Ferreira FukutaniII; Fabiana Santana CelesII; Aldina Maria Prado BarralII; Camila Indiani de OliveiraII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      17 Mar 2012
    • Aceito
      09 Ago 2012
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