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Metabólitos de óxido nítrico no interstício da medula espinhal lombossacral e no líquido cefalorraquidiano em ratas com cistite aguda induzida por ciclofosfamida: um estudo in vivo com microdiálise

Resumos

OBJETIVO: Determinar a concentração de nitrato/nitrito no líquido cefalorraquidiano e no interstício do corno dorsal entre L6-S1 da medula espinhal em ratas com ou sem cistite induzida por ciclofosfamida. MÉTODOS: Todos os experimentos foram conduzidos usando ratas Wistar. Um probe de microdiálise foi implantado no espaço subaracnoide ou no tecido da medula espinhal nos segmentos L6-S1 (confirmado histologicamente). Dois dias depois, o probe de microdiálise foi perfundido com líquido cefalorraquidiano artificial, contendo ou não NG-monometil-L-arginina. As amostras foram coletadas a cada 15 minutos e mantidas a -20ºC. As concentrações de nitrito/ nitrato foram determinadas por quimiluminescência. RESULTADOS: Nos animais normais, os valores médios das concentrações de nitrito/nitrato, na primeira amostra de microdialisado de líquido cefalorraquidiano e do interstício da medula espinhal, foram semelhantes (482,5±90,2pmol/75µL, n=20, e 505,7±11,5pmol/75µL, n=6, respectivamente), enquanto nas amostras de ratas com cistite, esses valores foram significativamente maiores (955,5±66,3pmol/75µL, n=8, e 926,5±131,7pmol/75µL, n=11, respectivamente). Em ambos os grupos, a NG-monometil-L- arginina causou uma significativa redução na concentração de nitrito/nitrato. Curiosamente, a redução máxima de concentração de nitrito/nitrato causada pela NG-monometil-L- arginina não foi maior que 30% dos valores iniciais. CONCLUSÕES: Esses resultados constituem a primeira demonstração de que as concentrações de nitrito/nitrato no líquido cefalorraquidiano e no interstício da medula espinhal estão elevadas entre 20 e 22 horas após a cistite induzida por ciclofosfamida, e indicando que a cistite está associada a alterações na produção de óxido nítrico, nos segmentos da medula espinhal, nos quais termina a maioria dos aferentes primários da bexiga.

Cistite; Óxido nítrico; Microdiálise; Ciclofosfamida; Omega-N-metilarginina


OBJECTIVE: To determine the concentration of nitrate/nitrite in the cerebrospinal fluid and in the dorsal horn interstice of the L6-S1 spinal cord boundary in rats with or without cystitis induced by cyclophosphamide. METHODS: All experiments were conducted using Wistar female rats. A microdialysis probe was implanted in the subarachnoid space or in the spinal cord tissue at the L6-S1 segments (confirmed histologically). Two days later, the microdialysis probe was perfused with artificial cerebrospinal fluid, containing or not NG-monomethyl-L-arginine. Samples were collected every 15 minutes and kept at -20ºC. Nitrite/nitrate concentrations were determined by chemiluminescence. RESULTS: In normal animals, the mean values of nitrite/nitrate concentrations in the first microdialysate sample of the cerebrospinal fluid and of the spinal cord interstice were similar (482.5±90.2pmol/75µL, n=20, and 505.7±11.5pmol/75µL, n=6, respectively), whereas, in the samples from rats with cystitis, these values were significantly greater (955.5±66.3pmol/75µL, n=8, and 926.5±131.7pmol/75µL, n=11, respectively). In both groups, NG-monomethyl-L- arginine caused a significant reduction in the nitrite/nitrate concentration. Interestingly, the maximal reduction of nitrite/nitrate concentration caused by NG-monomethyl-L- arginine was no greater than 30% of the initial values. CONCLUSIONS: These results constitute the first demonstration that nitrite/nitrate concentrations in the cerebrospinal fluid and spinal cord interstice are elevated between 20- and 22 hours after cyclophosphamide-induced cystitis, and indicate that cystitis is associated with changes in the production of nitric oxide in the spinal cord segments, where most primary bladder afferents end.

Cystitis; Nitric oxide; Microdialysis; Cyclophosphamide; Omega-N-methylarginine


ARTIGO ORIGINAL

Metabólitos de óxido nítrico no interstício da medula espinhal lombossacral e no líquido cefalorraquidiano em ratas com cistite aguda induzida por ciclofosfamida. Um estudo in vivo com microdiálise

Jeova Nina Rocha; Gustavo Ballejo

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Jeova Nina Rocha Avenida Bandeirantes, 3.900 – Monte Alegre CEP: 14046-900 – Ribeirão Preto, SP, Brasil Tel.: (16) 3602-3302 e-mail: jeovanina@yahoo.com

RESUMO

OBJETIVO: Determinar a concentração de nitrato/nitrito no líquido cefalorraquidiano e no interstício do corno dorsal entre L6-S1 da medula espinhal em ratas com ou sem cistite induzida por ciclofosfamida.

MÉTODOS: Todos os experimentos foram conduzidos usando ratas Wistar. Um probe de microdiálise foi implantado no espaço subaracnoide ou no tecido da medula espinhal nos segmentos L6-S1 (confirmado histologicamente). Dois dias depois, o probe de microdiálise foi perfundido com líquido cefalorraquidiano artificial, contendo ou não NG-monometil-L-arginina. As amostras foram coletadas a cada 15 minutos e mantidas a -20ºC. As concentrações de nitrito/ nitrato foram determinadas por quimiluminescência.

RESULTADOS: Nos animais normais, os valores médios das concentrações de nitrito/nitrato, na primeira amostra de microdialisado de líquido cefalorraquidiano e do interstício da medula espinhal, foram semelhantes (482,5±90,2pmol/75µL, n=20, e 505,7±11,5pmol/75µL, n=6, respectivamente), enquanto nas amostras de ratas com cistite, esses valores foram significativamente maiores (955,5±66,3pmol/75µL, n=8, e 926,5±131,7pmol/75µL, n=11, respectivamente). Em ambos os grupos, a NG-monometil-L- arginina causou uma significativa redução na concentração de nitrito/nitrato. Curiosamente, a redução máxima de concentração de nitrito/nitrato causada pela NG-monometil-L- arginina não foi maior que 30% dos valores iniciais.

CONCLUSÕES: Esses resultados constituem a primeira demonstração de que as concentrações de nitrito/nitrato no líquido cefalorraquidiano e no interstício da medula espinhal estão elevadas entre 20 e 22 horas após a cistite induzida por ciclofosfamida, e indicando que a cistite está associada a alterações na produção de óxido nítrico, nos segmentos da medula espinhal, nos quais termina a maioria dos aferentes primários da bexiga.

Descritores: Cistite/quimicamente induzida; Óxido nítrico; Microdiálise, Ciclofosfamida; Omega-N-metilarginina

INTRODUÇÃO

A função do trato urinário inferior é armazenar e eliminar a urina. Essa função é regulada por um mecanismo neuronal complexo, que envolve neurotransmissores colinérgicos (detrusor, músculo estriado da uretra e sinapses ganglionares), neurotransmissores adrenérgicos e nitrérgicos (músculo liso uretral), além de neurotransmissores glutaminérgicos e peptidérgicos, nos níveis espinhal e supraespinal(1). Há muitas evidências, especialmente de estudos farmacológicos usando inibidores de óxido nítrico sintase (NOS), indicando que a neurotransmissão dependente de óxido nítrico (NO) ou NOS em segmentos espinhais lombossacrais está relacionada à hiperreflexia do detrusor, associada à inflamação vesical(2-5). Entretanto, falta documentação direta sobre a produção/liberação de NO nos segmentos da medula espinhal que recebem aferentes primários da bexiga em animais com cistite induzida quimicamente.

Por isso, os experimentos do presente estudo foram concebidos para responder às seguintes questões:

- em condições normais, existem metabólitos de NO presentes no líquido cefalorraquidiano ou no interstício da medula espinhal no nível entre L6-S1?

- a cistite induzida por ciclofosfamida (CYP) está associada a alguma mudança significativa na quantidade desses metabólitos presentes no interstício da medula espinhal ou no líquido cefalorraquidiano?

- em ambas as condições, os níveis de metabólitos de NO em interstício da medula espinhal ou líquido cefalorraquidiano são modificados pela L-N-monometil- arginina (L-NMMA), um inibidor da NOS?

OBJETIVO

Determinar a concentração de nitrato/nitrito no líquido cefalorraquidiano e no interstício do corno dorsal da medula espinhal entre L6-S1 em ratas com ou sem cistite induzida pela CYP.

MÉTODOS

Todos os experimentos foram realizados usando ratas Wistar que pesavam entre 230- e 260g, mantidas em caixas especiais, com ciclo claro/escuro sincronizado a cada 12 horas e temperaturas de 24±2,0ºC.

Os experimentos foram aprovados e conduzidos de acordo com as diretrizes para experimentos em animais, tendo sido e aprovados pela Comissão de Ética em Experimentação Animal da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), sob protocolo número 028/2004. Os animais receberam uma injeção de CYP 150mg/kg, intraperitoneal (ip), sob anestesia com etil-éter, entre 20 e 22 horas antes dos procedimentos de microdiálise e foram colocados em caixas especiais, sem água para beber durante as primeiras 12 horas. Todos os experimentos foram realizados no Laboratório de Neurologia – da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).

O probe para microdiálise também foi preparado no nesse laboratório, usando uma fibra tubular (Filtral AN 69, microdiálise 200µM, Hospital Industrie, Gambro), medindo 6,0cm de comprimento e revestido de uma fina camada de epóxi, exceto uma porção sem revestimento de 2mm no meio, que foi considerada a zona efetiva para diálise. Os procedimentos para implantação do probe de microdiálise foram modificados em relação àqueles descritos por Sluka e Westlund(6) e já foram descritos anteriormente(7). Em poucas palavras, os animais foram anestesiados com 2,5% tribromoetanol (0,25mg/g de peso corpóreo, ip, suplementado com doses de 0,1mg/g de peso corpóreo, se necessário). Usando uma broca dentária (broca de aço – diâmetro de 300µm), um pequeno furo foi feito nas lâminas da vertebra L2, tomando cuidado de para evitar dano à medula espinhal. O probe foi introduzido através desses furos, a fim de ser implantado no interstício do segmento L6-S1 da medula espinhal (para dialisar o corno dorsal e a comissura dorsal) ou no espaço subaracnoide (nível L6-S1) e fixado às lâminas vertebrais com cianoacrilato. Ambas as pontas do probe foram afixadas a um tubo de polietileno (PE-20, diâmetro interno de 0,38mm; diâmetro externo de 1,09mm, Clay Adams, Parsippany, NJ, EUA) e coladas com cianoacrilato. Esses tubos foram exteriorizados através de um túnel subcutâneo na área dorsal cervical do animal. Os tubos de PE e o probe foram enchidos com líquido cefalorraquidiano artificial (aCSF) contendo heparina a 10% e as pontas externas foram seladas com cautério. Após a cirurgia, foi administrada uma injeção intramuscular profunda de penicilina (8.000UI/animal). A microdiálise foi feita 2 dias após a implantação do probe nos animais anestesiados com uretano, 1,0 g/kg, por via subcutânea (sc). A temperatura corpórea dos animais foi continuamente monitorada com um microssensor térmico colocado no reto, tendo sido mantida em 37ºC durante o experimento com manta aquecida (CMA/150, – Temperature Controller).

Cânulas de fluoretilenopropileno (FEP) previamente perfundidas com etanol 30% (30 a 40 minutos) e lavados com água Mill-Q por 20 minutos foram conectadas aos tubos de PE exteriorizados e aCSF (composição em g/L: NaCl=8,1; KCl=0,25; Na2HPO4=0,08; MgCl26H20=0,1; NaHC03=1,72; CaCl2 2H20=0,14; (NH2)2CO=1,3; Glucoseglucose=0,6, pH=7,4, previamente enchidos com gás O2 95% / CO2 5%) que foi perfundido (5µL/minuto) por 30 a 40 minutos, para estabelecer equilíbrio em difusão. Após esse período de estabilização, amostras de 75µL do dialisado foram coletadas (a cada 15 minutos) em tubos plásticos especiais com um coletor automático (coletor de microdiálise CMA/142) e mantidas a -20ºC até análise. Ao final do experimento, os animais foram perfundidos com 500mL de solução salina gelada contendo heparina (1,0UI/mL) e nitrito de sódio (1,0mg/mL), através de uma agulha colocada na aorta ascendente por 10 a 15 minutos, com velocidade de 40 a 45mL/min; os animais foram, então, perfundidos com uma solução de paraformaldeído tamponada 4% (em solução salina tamponada de fosfato, PBS) por mais 45 minutos (velocidade de 25mL/min). A bexiga foi removida e processada para análise histológica convencional e histoquímica para NADPH diaforase conforme descrito em publicação anterior(8). A medula espinhal foi seccionada na região torácica média e a porção inferior (incluindo os segmentos torácico inferior e lombossacral, além da cauda equina) foi removida em bloco e colocada em uma placa revestida de Sylgard; as fibras da cauda equina foram identificadas e isoladas a fim de localizar os segmentos L6-S1 (Figura 1). Esse segmento foi, então, dissecado e fixado posteriormente, no mesmo fixador, por 2 a 4 horas. Para determinações imunohistoquímicas (IHQ), esse segmento foi embutido em parafina e cortes transversais de 6,0µm foram processadas para IHQ de NOS neuronal (nNOS). Um conjunto de ratas normais sem probe implantado também foi perfundido da mesma forma, com suas medulas espinhais removidas e posteriormente fixadas da mesma maneira, mas criopreservadas em sacarose a 30% a 4ºC por 24 horas e depois embutidas em tissue-tek e mantidas a -70ºC até processamento para histoquímica de diaforase nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADPH diaforase).


Determinação histoquímica de NADPH diaforase e determinação IHQ de nNOS

Os procedimentos para determinações histoquímicas e IHQ foram modificados a partir daqueles descritos em uma outra publicação anterior(5). Em suma, cortes transversais criostáticos (-17ºC) (40µm) foram incubados (free-floating) em tampão de fosfato 0,1 M (pH=7,4) contendo 0,35% triton X-100, 0,1mg/mL nitroblue tetrazólio (Sigma), e 1,0mg/mL β-NADPH (Sigma) a 37ºC por 1 hora. Os cortes foram lavados com tampão de fosfato 0,1 M, montados em lâminas gelatinizadas e cobertas com Permount (Fisher Scientific, Fair Lawn, NJ, EUA).

IHQ de nNOS

Os cortes foram incluídos em parafina (6,0µm) e montados em lâminas, pré-incubados com H2O2 a 1% em solução salina de fosfato de potássio tamponada (KPBS) por 10 minutos. Após a lavagem, os cortes foram incubados com uma solução de bloqueio (soro não imune de cabra a 10%) por 30 minutos. Os cortes foram, então, incubados com o anticorpo primário (policlonal de coelho anti-nNOS SC R-20) 0,1µg/mL em 0,1 M KPBS contendo soro não imune de cabra a 5% e 0,3% triton X-100, por 16 a 20 horas, em temperatura ambiente com agitação leve. Após extensivas lavagens com KPBS, os cortes foram incubados com IgG anti-coelho de cabra biotinilada (1,0mg/mL) por uma 1 hora e, após lavagem, novamente incubados com 1mg/mL do complexo ABC (avidina-biotina-peroxidase de rábano silvestre, Vector Laboratories Inc., Burlingame, CA, EUA) por uma 1 hora. A coloração foi visualizada com 3,3'diaminabenzidina tetra-hidrocloreto (Vector Laboratories, Inc). Os cortes foram lavados e cobertos com Permount. Os controles negativos foram ensaios em que o anticorpo primário foi omitido nas incubações. Os cortes foram observados em microscópio Olympus BX50, e imagens de alta definição (4140x3096 pixels) foram captadas com uma câmera Olympus DP72 e digitalizadas usando software específico (Image Pro-Plus 6.0 da Media Cybernetics, Silver Springs, MD, EUA).

Determinação das concentrações de nitrito/nitrato (NOx)

A quantificação de metabólitos de NOx presentes nas amostras foi feita por quimiluminescência, usando um analisador de NO (NOA, Sievers). Em poucas palavras, as amostras foram adicionadas a uma câmara de reações contendo uma solução saturada de cloreto de vanádio (III) (VCl3) em HCl (1,0 M), mantidas em 95ºC e purgadas continuamente com nitrogênio. O nitrogênio leva o NO formado na reação de nitrito/nitrato com VCl3 primeiramente a uma solução de NaOH, que retém o gás de cloro, e, depois, para a câmara de ozônio, a -18ºC, na qual ocorre a reação de quimiluminescência. Esse procedimento detecta NO derivado tanto do nitrito quanto do nitrato, e também de nitrosotióis e outros compostos que contêm um grupo nitro (nitro-arginina, por exemplo). Após estabelecer os valores de concentrações conhecidas (usando 20µL de solução de nitrato de diferentes concentrações 1, 3, 10, 20, 30µm), as concentrações de NOx presentes em 20µL do aCSF e das amostras do microdialisado foram determinadas em duplicata. A concentração de NOx presente nas amostras foi calculada usando a equação de regressão linear, que relaciona as concentrações padrão e a área dos picos (Figura 2). A concentração de NOx presente no aCSF foi subtraída dos valores das amostras e os valores do NOx final presente nas amostras de microdialisado foram expressos empmol/75µL (equivalentes apmol/15 minutos). Os valores de NOx presente no aCSF foram 40,0±2,5pmol/75µL (média±DPM).


Os experimentos com o probe no espaço subaracnoide foram conduzidos em animais normais (sem cistite) sem a adição de L-NMMA (n=7) ou com a adição de 100µM L-NMMA (100µM) (n=6) ou (300µM) (n=7) à solução dialisante, assim como em animais com cistite induzida por CYP (n=8). Experimentos com o probe no interstício dos segmentos L6-S1 foram realizados em animais normais (n=6) e em animais com cistite induzida por CYP sem a adição de LNMMA (n=5) ou com a adição de 100µM L-NMMA (100µM) (n=6) à solução dialisante. Foram considerados para análise apenas valores de NOx de amostras de microdialisado de animais que tiveram o probe inserido de forma transversal, entre 200 e 250µM dorsalmente no canal central da medula espinhal.

A concentração de NOx da primeira amostra do microdialisado foi expressa empmol/75µL. Para a análise de tempo, as concentrações de NOx, tanto no líquido cefalorraquidiano e no interstício da medula espinhal, foram expressas como porcentagens do valor observado na primeira amostra. A avaliação estatística das mudanças observadas durante o curso do tempo dos experimentos ou após a adição de L-NMMA à solução dialisante foi feita usando one-way ANOVA seguido do teste de múltiplas comparações de Dunnett; a significância estatística foi definida como p<0,05. A média±EPM da concentração de NOx presente na primeira amostra de dialisados de líquido cefalorraquidiano ou interstício foi comparada entre animais normais e animais com cistite induzida por CYP; a significância estatística das diferenças foi determinada usando o teste t bicaudal de Student para amostras independentes; p<0,05 foi considerado significante. As drogas usadas neste estudo incluíram tribromoetanol e nitrato de sódio (Aldrich Chemical Co.), uretano,, e ciclofosfamida CYP (Sigma-Aldrich Co.), NG-monometil-L-arginina (L-NMMA – Peninsula Lab Inc.), penicilina procaína (Lab Teuto), e heparina (Cristalia S.A.).

RESULTADOS

No dia da microdiálise (20 a 22 horas após a administração de CYP), os animais tratados com CYP apresentaram hematúria macroscópica. A análise histopatológica das bexigas desses animais, removidas após a microdiálise, mostrou intensa inflamação hemorrágica da parede da bexiga urinária (dados não mostrados).

Como pode ser observado na figura 3B, a posição do probe de microdiálise na medula espinhal é revelada pela descontinuidade de tecido facilmente aparente na seção processada para IHQ de nNOS. Nesse corte representativo, o probe estava em uma perfeita orientação transversal, de cerca de 200µM dorsalmente ao canal central; como é mostrado na figura 3 A, essa região inclui os núcleos comissurais sacral e dorsal parassimpáticos, que contêm numerosos neurônios e fibras NADPH-diaforase-positivas. Também é possível observar a ocorrência, dorsalmente ao probe, de fibras NADPH-positivas e alguns pequenos neurônios localizados nas lâminas mais superficiais do corno dorsal. Na figura 3B, neurônios e fibras que exibem imunorreatividade positiva para nNOS são vistos no núcleo sacral parassimpático e ao redor do canal central.


A concentração de NOx na primeira amostra do microdialisado de líquido cefalorraquidiano de todos os animais normais foi de 482,5±90,22pmol/75µL (média±EPM; n=20). Durante o tempo experimental (135 minutos), esses valores não mostraram nenhuma alteração significante (p>0,5; análise de variância unidirecional - ANOVA) (Figura 4). Em animais normais, houve uma significante redução na concentração de NOx 30 minutos após L-NMMA (100 ou 300µM) ser adicionada ao aCSF (p<0,05; análise de variância unidirecional - ANOVA, teste de múltiplas comparações de Dunnett). L-NMMA (300µM) também causou a redução da concentração de NOx 30 minutos após sua adição (p<0,05; análise de variância unidirecional ANOVA, teste de múltiplas comparações de Dunnett), mas, curiosamente, a redução máxima não foi diferente da que foi causada por 100µM (Figura 4). A concentração de NOx na primeira amostra do microdialisado de animais com cistite induzida por CYP foi 955,5±66,3pmol/75µL (média±EPM; n=8); esse valor foi significativamente maior que o valor correspondente em animais normais (p<0,05). Nesses animais, a adição de L-NMMA (100µM) ao aCSF dialisante causou uma significante redução na concentração de NOx (p<0,05; análise de variância unidirecional ANOVA, teste de múltiplas comparações de Dunnett) (Figura 4). E chama atenção o fato de, mesmo após a perfusão do inibidor por 90 minutos, a redução máxima da concentração de NOx não foi maior que 30% dos valores iniciais, tanto em animais normais e como naqueles com cistite induzida por CYP.


A concentração de NOx, na primeira amostra do microdialisado do interstício da medula espinhal, foi de 505,7±11,5pmol/75µL (média±DPM, n=6) em animais normais, e de 926,5±131,7pmol/75µL (média±EPM, n=11) em animais tratados com CYP. Essa diferença foi estatisticamente significante (p<0,05). Durante o tempo (os 135 minutos), esses valores não mudaram de forma significativa (Figura 5). A concentração de NOx em animais com cistite induzida por CYP diminuiu significativamente 30 minutos após a adição de L-NMMA (100µm) ao aCSF dialisante; é interessante notar que essa redução foi de não mais que 30% do valor das amostras iniciais, mesmo após 90 minutos de perfusão com aCSF contendo o inibidor de NOS (Figura 5), como é observado com os valores de NOx no fluido subaracnóidesubaracnoide, não mais que 30% do valor das amostras iniciais, mesmo após 90 min de perfusão com aCSF contendo o inibidor de NOS (Figura 5).


DISCUSSÃO

O presente estudo constituiu a primeira demonstração direta de que NOx está aumentado tanto no líquido cefalorraquidiano e no interstício do corno dorsal dos segmentos L6-S1 da medula espinhal entre 20 e 22 horas após a administração de CYP, o que causa cistite hemorrágica. Estudos anteriores em que determinações similares foram realizadas incluem: (1) – um estudo em que a concentração de NOx em amostras de microdialisado do interstício da medula espinhal foi determinada após injeção de capsaicina em uma pata traseira(9); (2) – um estudo em que a concentração de NOx no microdialisado do líquido cefalorraquidiano foi determinada após uma injeção intratecal de NMDA(10); (3) – um estudo em que a concentração de NOx no interstício dos cornos dorsais (segmento L4) foi determinada em animais após injeções subcutâneas de formalina ou zimosan em uma pata traseira(11); e (4) – um estudo em que a concentração de NOx no microdialisado de líquido cefalorraquidiano foi determinada após administração intratecal de alta dose de morfina(12). Como a cistite hemorrágica causada por CYP está associada à intensa hiperreflexia vesical(13), os resultados do presente estudo sugerem que a produção aumentada de NO observada nos segmentos L6-S1 pode contribuir para essa hiperreflexia. De fato, a hiperreflexia vesical associada à inflamação ou à irritação da bexiga envolve sensibilização central (no nível segmentar), que tem sido proposta como sendo dependente da síntese de NO(2-5) na base dos efeitos de drogas que inibem a atividade de NOS. Consequentemente, os achados do presente estudo, em que as determinações da produção de NO (por meio de medidas de seus metabólitos estáveis) no interstício dos segmentos L6-S1 foram obtidos onde termina a maioria dos aferentes vesicais primários(14), constituem evidência direta para o aumento postulado na neurotransmissão espinhal mediada por NO em animais com cistite induzida quimicamente. Não é provável que os metabólitos de NO medidos no interstício reflitam predominantemente NO produzido por neurônios, já que o probe estava posicionado na área adjacente ao núcleo sacral parassimpático e núcleo comissural dorsal, no qual há grande densidade de neurônios contendo NOS; todavia, não podemos excluir certa medida de contribuição das células gliais e endoteliais presentes na medula espinhal, que também são capazes de produzir NO. Também é possível que uma fração do NO possa ter tido origem em alguns neurônios NOS-positivos no corno dorsal. A respeito de metabólitos de NO presentes no líquido cefalorraquidiano, e considerando que suas concentrações foram semelhantes àqueles encontrados no interstício da medula espinhal, é mais provável que se originem dos metabólitos de NO presentes no interstício, que se difundiram para o líquido cefalorraquidiano; ademais, esses achados revelam a existência de um estado de equilíbrio difusional de concentrações de NOx entre os dois compartimentos. Também não se pode descartar a possibilidade de que uma parte do NOx possa ter tido origem em neurônios NOS-positivo encontrados nas camadas mais superficiais dos segmentos L6-S1 dos cornos dorsais, ou de neurônios localizados mais cranialmente no líquido cefalorraquidiano.

Considerando que as três isoformas de NOS capazes de formar NO estão presentes nas células da medula espinhal(15), surge outra questão: qual isoforma de NOS poderia estar contribuindo para o NOx presente no líquido cefalorraquidiano ou no interstício da medula espinhal, tanto em ratas normais e como naquelas com cistite induzida por CYP? Embora não tenham sido usados inibidores seletivos para cada uma das isoformas, considerando que a isoforma NOS II não é expressa nas células do sistema nervoso central sob condições normais, a resposta mais provável é que, nos animais sem cistite, os metabólitos de NO derivam de NO produzido por NOS constitutiva (NOS I ou NOS III). Em relação aos metabólitos de NO presentes em animais com cistite, que estavam elevados no interstício da medula espinhal e no líquido cefalorraquidiano, esses mais provavelmente derivam também do NO produzido pela sintase de NO tipo I, já que previamente mostramos foi mostrado que é essa isoforma que se encontra aumentada nos neurônios espinhais de ratas com cistite induzida quimicamente(5); além disso, tem sido observado consistentemente que, durante um processo inflamatório periférico, também será essa isoforma que estará mais aumentada nos segmentos da medula espinhal que recebem os aferentes da região inflamada(16).

É importante destacar que a concentração de NOx observada em amostras de microdialisado do líquido cefalorraquidiano em normais sub condições basais foi similar àquela relatada por Kawamata e Omote(10); semelhantemente, os valores basais normais de NOx no microdialisado do interstício da medula espinal em animais normais foram comparáveis aos relatados por Wu et al.(9), no segmento L5, e por Vetter et al.(11), no segmento L4.

Outra observação não menos intrigante do presente estudo é o fato de que o inibidor não seletivo de NOS, L-NMMA, embora capaz de diminuir significantemente a concentração de NOx tanto no líquido cefalorraquidiano e no interstício da medula espinhal nos dois grupos de animais, apenas parcialmente reduziu os níveis de NOx, mesmo após uma concentração supramáxima. É interessante notar que resultados similares foram relatados por Kawamata e Omote(10) nos em seus experimentos com probes implantados no espaço subaracnoide, usando uma concentração maior de L-NMMA (10mM), e por Yamada e Nabeshima(17), nos em seus experimentos com um probe implantado no cerebelo de rato, usando 1,0mM de L-NMMA. Considerando que concentrações supramáximas de L-NMMA foram usadas, uma interpretação simples desse achado poderia ser de que a concentração de NOx presente no líquido cefalorraquidiano e no interstício da medula espinhal (ou no cerebelo) não somente reflete a produção em tempo real de NO sintetizado de novo por NOS, mas também os metabólitos de NO sintetizados anteriormente, ou NO derivado de compostos que contêm NO diferentes de nitrito e de nitrato, como, por exemplo, S-nitrosotióis(18).

CONCLUSÃO

Em suma, este estudo mostrou que metabólitos de NO estão presentes no espaço subaracnoide e no interstício dos cornos dorsais dos segmentos L6-S1 da medula espinhal em ratas normais e também em ratas com cistite induzida por CYP, e que a inflamação da bexiga está associada a um aumento na produção de NO nesses segmentos da medula espinhal. Os resultados deste estudo também indicam que, em ambas as circunstâncias, o inibidor de L-NMMA não é capaz de completamente reduzir a produção dos metabólitos de NO, sugerindo que existe a possibilidade de um caminha caminho alternativo àquele da enzima NOS, que é responsável pela produção de NO que gera esses metabólitos.

AGRADECIMENTOS

Apoio financeiro fornecido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência (FAEPA) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), e Dra. Eleni T. Gomes pela sua excelente assistência técnica.

Data de submissão: 25/6/2012

Data de aceite: 26/11/2012

Conflitos de interesse: não há.

Estudo realizado na Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

ERRATAUM

Erratum para: Rocha JN, Oliveira GB. Metabólitos de óxido nítrico no interstício da medula espinhal lombossacral e no líquido cefalorraquidiano em ratas com cistite aguda induzida por ciclofosfamida. Um estudo in vivo com microdiálise. einstein. 2013;11(1):88-94.

Na referência citada acima o nome do segundo autor é: Ballejo G.

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  • Autor correspondente:
    Jeova Nina Rocha
    Avenida Bandeirantes, 3.900 – Monte Alegre
    CEP: 14046-900 – Ribeirão Preto, SP, Brasil
    Tel.: (16) 3602-3302
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      25 Jun 2012
    • Aceito
      26 Nov 2012
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