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Esterilização histeroscópica de paciente com dispositivo intrauterino Mirena®

Resumos

A esterilização tubária é o procedimento definitivo mais utilizado no mundo para controle da fecundidade. A ligadura laparoscópica é segura, porém invasiva e com possíveis riscos cirúrgicos e anestésicos. A via histeroscópica permite a oclusão tubária em ambiente ambulatorial, sem incisões ou anestesia. Um microdispositivo (Essure®) é inserido diretamente no interior das tubas e suas fibras internas de poliéster causam sua obstrução em até 3 meses. Durante esse período, deve ser mantido o método contraceptivo temporário utilizado pela paciente. Várias mulheres utilizam o sistema intrauterino liberador de levonorgestrel, denominado comercialmente Mirena®. O objetivo neste estudo foi de avaliar a possibilidade de inserção do Essure® sem a remoção do dispositivo intrauterino e a tolerância da paciente ao procedimento. O dispositivo foi colocado com sucesso em paciente portadora do Mirena® sem necessidade de retirada do mesmo. Após 3 meses o dispositivo intrauterino foi retirado sem intercorrências.

Histeroscopia; Dispositivos intrauterinos; Esterilização tubária; Relatos de casos


Tubal sterilization is the definitive procedure most often used worldwide to control fecundity. Laparoscopic ligature is safe, but invasive and with possible surgical and anesthetic risks. The hysteroscopic approach enables tubal occlusion at outpatient's setting without the need of incisions or anesthesia. A microdevice (Essure®) is inserted directly into the tubes and its polyethelene fibers cause obstruction of tubes in about three months. During this period, it is recommended that patients continue the use of a temporary birth control method. Several women use the levonorgestrel-releasing intrauterine system, which is called in the market as Mirena®. This report evaluated the possibility of inserting Essure® without remove the intrauterine device; patient tolerance to the procedure was also assessed. The tubal device was successfully placed in the patient without the need to remove Mirena®. After three months the intrauterine device was removed with no intercurrent events.

Hysteroscopy; Intrauterine devices; Sterilization, tubal; Case reports


RELATO DE CASO

Esterilização histeroscópica de paciente com dispositivo intrauterino Mirena®

Daniella De Batista Depes; Ana Maria Gomes Pereira; Salete Yatabe; Reginaldo Guedes Coelho Lopes

Hospital do Servidor Público Estadual "Francisco Morato de Oliveira", São Paulo, SP, Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Daniella De Batista Depes Rua Pedro de Toledo, 1800, 4 0 andar – Vila Clementino CEP 040390-34 – São Paulo, SP, Brasil Tel.: (11) 5088-8085 E-mail: danidepes@yahoo.com.br

RESUMO

A esterilização tubária é o procedimento definitivo mais utilizado no mundo para controle da fecundidade. A ligadura laparoscópica é segura, porém invasiva e com possíveis riscos cirúrgicos e anestésicos. A via histeroscópica permite a oclusão tubária em ambiente ambulatorial, sem incisões ou anestesia. Um microdispositivo (Essure®) é inserido diretamente no interior das tubas e suas fibras internas de poliéster causam sua obstrução em até 3 meses. Durante esse período, deve ser mantido o método contraceptivo temporário utilizado pela paciente. Várias mulheres utilizam o sistema intrauterino liberador de levonorgestrel, denominado comercialmente Mirena®. O objetivo neste estudo foi de avaliar a possibilidade de inserção do Essure® sem a remoção do dispositivo intrauterino e a tolerância da paciente ao procedimento. O dispositivo foi colocado com sucesso em paciente portadora do Mirena® sem necessidade de retirada do mesmo. Após 3 meses o dispositivo intrauterino foi retirado sem intercorrências.

Descritores: Histeroscopia/métodos; Dispositivos intrauterinos; Esterilização tubária/métodos; Relatos de casos

INTRODUÇÃO

A esterilização tubária é o procedimento definitivo mais utilizado no mundo para controle da fecundidade(1). O método contraceptivo definitivo ideal seria aquele com máxima eficácia e mínimas complicações. Um acesso transcervical seria uma atraente alternativa aos transabdominais, eliminando a necessidade de incisões ou de anestesia geral.

Na década de 1990, foi desenvolvido, pela Conceptus, Inc. (San Carlos, CA, USA) um microdispositivo intratubário denominado Essure®. O procedimento consiste na canalização das tubas por um cateter, que é introduzido, por via transcervical, durante uma histeroscopia.

O microdispositivo é composto por uma estrutura metálica de aço inoxidável, uma mola expansível elástica (nitinol) e fibras de poliéster (PET). As fibras estão ao redor do anel interno de aço inoxidável e são envoltas pelo anel externo de níquel-titânio que, sendo expansíveis, mantêm o dispositivo na junção útero-tubária durante o tempo necessário para ocorrer a fibrose(2).

Devido às fibras de PET que se encontram no interior do sistema, há uma reação do tecido ao redor, seguida de fibrose, ocasionando uma oclusão irreversível das tubas. Esse processo ocorre aproximadamente em 3 meses e, durante esse período, a mulher deve usar outro método anticoncepcional que seja altamente eficaz, retornando aos 3 meses com uma radiografia simples da pelve, ou ultrassonografia, que evidencie a posição correta do dispositivo(3).

Tem aumentado o número de mulheres usuárias do dispositivo intrauterino (DIU) de levonorgestrel (Mirena®) que optam pela esterilização tubária por via histeroscópica, e vários autores avaliaram se a presença desse DIU altera a taxa de sucesso do procedimento(4-7). Essas pacientes têm frequentemente contraindicação ou intolerância aos contraceptivos orais, e a permanência do DIU, durante o processo de oclusão tubária, seria ideal(5).

Agostini et al. propuseram para as pacientes usuárias de DIU, intolerantes à pílula e candidatas à esterilização histeroscópica, que mantivessem o dispositivo durante o procedimento. Seis pacientes preenchiam tais critérios, sendo todas as inserções realizadas com sucesso, sem complicações e em um tempo médio de 5 minutos. Após 3 meses, todos os dispositivos intrauterinos foram removidos sem dificuldades(5).

O objetivo deste trabalho foi mostrar a possibilidade de esterilização tubária por via histeroscópica, mesmo na presença do DIU Mirena®.

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente RR, 25 anos, casada, com duas gestações e dois partos cesáreos prévios. Foi diagnosticada com insuficiência mitral, tricúspide e hipertensão pulmonar em novembro de 2007, sendo aconselhada a evitar novas gestações. Procurou o Serviço de Planejamento Familiar do Hospital do Servidor Público Estadual "Francisco Morato de Oliveira" (HSPE-FMO) em 2009, sendo autorizada sua contracepção permanente por via laparoscópica. A paciente teve a cirurgia contraindicada durante a avaliação pré-anestésica, devido ao risco aumentado de ser submetida à anestesia, sendo indicada a colocação do DIU Mirena®.

Após a liberação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) da ligadura histeroscópica, foi proposta à paciente a contracepção definitiva por essa via, tendo a mesma concordado de imediato.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HSPE-FMO, e a paciente assinou o termo de consentimento livre e informado.

O procedimento foi realizado na sala de histeroscopia do Ambulatório de Ginecologia do HSPE-FMO. A técnica utilizada foi a preconizada por Bettocchi et al.(8), que consiste na realização da histeroscopia sem toque vaginal prévio e sem a utilização de espéculo ou pinça de Pozzi. Usou-se a ótica de 2,9mm, 30º, com camisa interna de influxo, compondo total de 4mm e extremidade ovalada (histeroscópio de Bettocchi, Karl Storz®, Alemanha). Para a distensão vaginal e uterina, utilizou-se soro fisiológico (SF 0,9%) à temperatura ambiente, com pressão determinada por gravidade e enchimento de manguito de pressão ao redor do frasco, com fluxo contínuo e pressão aproximada de 100mmHg, sendo a insuflação aquela suficiente para adequada visualização do canal cervical e da cavidade uterina. A imagem foi transmitida para um monitor de TV e a fonte de iluminação utilizada foi a de xênon de 300W. Não foi utilizada qualquer anestesia ou analgesia. Após visualização da cavidade uterina contendo o DIU Mirena® e das tubas, iniciou-se a cateterização e o desprendimento dos dispositivos (Figuras 1 a 3). Não houve qualquer dificuldade ou complicação, tendo o procedimento durado 5 minutos.


Após o procedimento, a paciente pontuou a dor durante e após a inserção em 3, após observar uma escala analógica da dor que variava de 0 (nenhuma dor) a 10 (pior dor já experimentada). Não teve qualquer incômodo após o término do procedimento, retornando às atividades habituais no mesmo dia.

Na consulta realizada 3 meses após a inserção para avaliação da radiografia simples da pelve, constatou-se que os dispositivos estavam bem posicionados nas tubas, sendo retirado o DIU (Figuras 1 a 4).

DISCUSSÃO

A esterilização tubária por via histeroscópica é um procedimento relativamente novo, ambulatorial e que não requer anestesia. Tem uma curva de aprendizado curta, podendo ser realizada por qualquer médico com experiência em histeroscopia. O dispositivo é facilmente inserido nas tubas, usualmente sem complicações(5).

O único inconveniente desse método é que as pacientes têm que usar outro contraceptivo enquanto aguardam os 3 meses necessários para que a obstrução tubária ocorra. Mulheres usuárias de DIU geralmente têm contraindicação ou intolerância aos outros métodos anticonceptivos temporários(5).

Tatalovich e Anderson(6), em 2010, demonstraram que a esterilização histeroscópica pode ser realizada com sucesso em usuárias de DIU Mirena®, não sendo necessária a remoção do dispositivo em nenhuma das 12 pacientes estudadas por eles. Os autores citam como vantagens o fato do endométrio encontrar-se bastante atrófico nas usuárias do DIU de levonorgestrel, facilitando a visualização dos óstios tubários, além de garantir a contracepção até que ocorra a completa obstrução das tubas. Observaram, ainda, que as pacientes usuárias de DIU são aquelas que menos faltam na revisão de 3 meses, visto que retirarão o DIU nesse retorno(6).

Em 2010, Sánchez et al.(7) avaliaram os resultados da colocação do Essure® em usuárias e não usuárias de DIU, sendo todos os procedimentos ambulatoriais. Esses autores observaram as diferenças na taxa de sucesso, nível de dificuldades e tolerância das pacientes quando removeram, ou não, o DIU 1 mês antes da inserção do microdispositivo. Concluíram que, mesmo sendo a taxa de sucesso menor e as complicações, mais frequentes nas usuárias de DIU, a inserção é possível em mais de 97% dos casos.

Embora sejam necessários mais trabalhos que confirmem este resultado, o presente relato de caso mostrou a possibilidade de colocação do dispositivo intratubário Essure® em pacientes usuárias de DIU Mirena® sem a remoção deste, sendo uma boa opção para as pacientes que têm contraindicação ou intolerância aos outros métodos contraceptivos.

Data de submissão: 20/12/2011

Data de aceite: 26/1/2012

  • 1. Shavell VI, Abdallah ME, Shade GH Jr, Diamond MP, Berman JM. Trends in sterilization since the introduction of Essure hysteroscopic sterilization. J Minim Invasive Gynecol. 2009;16(1):22-7.
  • 2. Arjona JE, Miño M, Cordón J, Povedano B, Pelegrin B, Castelo-Branco C. Satisfaction and tolerance with office hysteroscopic tubal sterilization. Fertil Steril. 2008;90(4):1182-6.
  • 3. Shavell VI, Abdallah ME, Diamond MP, Kmak DC, Berman JM. Post-Essure hysterosalpingography compliance in a clinic population. J Minim Invasive Gynecol. 2008;15(4):431-4.
  • 4. Mascaro M, Mariño M, Vicens-Vidal M. Feasibility of Essure placement in intrauterine device users. J Minim Invasive Gynecol. 2008;15(4):485-90.
  • 5. Agostini A, Crochet P, Petrakian M, Estrade JP, Cravello L, Gamerre M. Hysteroscopic tubal sterilization (essure) in women with an intrauterine device. J Minim Invasive Gynecol. 2008;15(3):277-9.
  • 6. Tatalovich JM, Anderson TL. Hysteroscopic sterilization in patients with a Mirena intrauterine device: transition from extended interval to permanent contraception. J Minim Invasive Gynecol. 2010;17(2):228-31.
  • 7. Sánchez EV, Berral JEA, Cañizares BP, Castillo JER, Jordán JAM. Hysteroscopic tubal sterilization in intrauterine device users. Gynecol Surg. 2010;7:S90.
  • 8. Bettocchi S. New era of office hysteroscopy. J Am Assoc Gynecol Laparosc. 1996;3(4 Suppl):S4.
  • Autor correspondente:
    Daniella De Batista Depes
    Rua Pedro de Toledo, 1800, 4
    0 andar – Vila Clementino
    CEP 040390-34 – São Paulo, SP, Brasil
    Tel.: (11) 5088-8085
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      20 Dez 2011
    • Aceito
      26 Jan 2012
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