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Efeito da implementação de um protocolo assistencial de infarto agudo do miocárdio sobre os indicadores de qualidade

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a adesão aos indicadores de qualidade assistencial ao longo da implementação de um protocolo assistencial de infarto agudo do miocárdio. MÉTODOS: Em 1º de março de 2005 foi implementado o protocolo assistencial de infarto agudo do miocárdio. Foram selecionados pacientes admitidos de 1ºde março de 2005 a 31 de dezembro de 2012 (n=1.431). Para comparação, utilizamos os dados de pacientes admitidos por infarto na fase pré-protocolo (n=306). Comparamos a taxa de adesão aos indicadores (taxa de prescrição de AAS na admissão hospitalar e na alta hospitalar, betabloqueador na alta e tempo porta-balão) entre as fases pré e pós-implementação do protocolo, além de tempo de permanência hospitalar e mortalidade intra-hospitalar nas diferentes fases. RESULTADOS: As taxas de prescrição de AAS na admissão e na alta hospitalar, e de betabloqueador foram maiores na fase pós versus a pré-implementação do protocolo: 99,6% versus 95,8% (p<0,001); 99,1% versus 95,8% (p<0,001) e 95,9% versus 81,7% (p<0,001), respectivamente. A taxa de prescrição de AAS aumentou ao longo da implementação do protocolo, atingindo 100% de 2009 a 2012. O tempo porta-balão pós versus pré foi de 86(32) minutos versus 93(51), respectivamente (p=0,20). O tempo de permanência hospitalar foi semelhante na fase pré versus pós-protocolo: 6(6) dias versus 6(4) dias (p=0,34). A mortalidade intra-hospitalar foi de 7,6% no pré-protocolo, 8,7% entre 2005 e 2008 e 5,3% entre 2009 e 2012 (p=0,04). CONCLUSÃO: A implementação do protocolo assistencial refletiu-se na maior adesão aos indicadores de qualidade.

Guias de prática clínica como assunto; Indicadores de qualidade em assistência à saúde; Infarto do miocárdio; Qualidade da assistência à saúde


OBJECTIVE: To evaluate the compliance rates to quality of care indicators along the implementation of an acute myocardial infarction clinical practice guideline. METHODS: A clinical guideline for acute myocardial infarction was introduced on March 1st, 2005. Patients admitted for acute myocardial infarction from March 1st, 2005 to December 31st, 2012 (n=1,431) were compared to patients admitted for acute myocardial infarction before the implementation of the protocol (n=306). Compliance rates to quality of care indicators (ASA prescription on hospital admission and discharge, betablockers on discharge and door-to-balloon time) as well as the length of hospital stay and in-hospital mortality were compared before and after the implementation of the clinical guideline. RESULTS: The rates of ASA prescription on admission, on discharge and of betablockers were higher after guideline implementation: 99.6% versus 95.8% (p<0.001); 99.1% versus 95.8% (p<0.001); and 95.9% versus 81.7% (p<0.001), respectively. ASA prescription rate increased over time, reaching 100% from 2009 to 2012. Door-to-balloon time after versus before implementation was of 86(32) minutes versus 93(51) (p=0.20). The length of hospital stay after the implementation versus before was of 6(6) days versus 6(4) days (p=0.34). In-hospital mortality was 7.6% (before the implementation), 8.7% between 2005 and 2008, and 5.3% between 2009 and 2012, (p=0.04). CONCLUSION: The implementation of an acute myocardial infarction clinical practice guideline was associated with an increase in compliance to quality of care indicators.

Practice guidelines as topic; Quality indicators, health care; Myocardial infarction; Quality of health care


GESTÃO E ECONOMIA EM SAÚDE

Efeito da implementação de um protocolo assistencial de infarto agudo do miocárdio sobre os indicadores de qualidade

Marcia Makdisse; Marcelo Katz; Alessandra da Graça Corrêa; Luciano Monte Alegre Forlenza; Marco Antonio Perin; Fábio Sândoli de Brito Júnior; Teresa Cristina Dias Cunha Nascimento; Ivanise Maria Gomes; Marcelo Franken; Marcos Knobel; Antonio Eduardo Pereira Pesaro; Oscar Fernando Pavão dos Santos; Miguel Cendoroglo Neto; Claudio Luiz Lottenberg

Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Marcia Makdisse Avenida Albert Einstein, 627/701, bloco A1, 4ºandar, Pavilhão Vicky e Joseph Safra – Morumbi CEP: 05652-900 – São Paulo, SP, Brasil Tel.: (11) 2151-9410 E-mail: marcia.makdisse@einstein.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a adesão aos indicadores de qualidade assistencial ao longo da implementação de um protocolo assistencial de infarto agudo do miocárdio.

MÉTODOS: Em 1º de março de 2005 foi implementado o protocolo assistencial de infarto agudo do miocárdio. Foram selecionados pacientes admitidos de 1ºde março de 2005 a 31 de dezembro de 2012 (n=1.431). Para comparação, utilizamos os dados de pacientes admitidos por infarto na fase pré-protocolo (n=306). Comparamos a taxa de adesão aos indicadores (taxa de prescrição de AAS na admissão hospitalar e na alta hospitalar, betabloqueador na alta e tempo porta-balão) entre as fases pré e pós-implementação do protocolo, além de tempo de permanência hospitalar e mortalidade intra-hospitalar nas diferentes fases.

RESULTADOS: As taxas de prescrição de AAS na admissão e na alta hospitalar, e de betabloqueador foram maiores na fase pós versus a pré-implementação do protocolo: 99,6% versus 95,8% (p<0,001); 99,1% versus 95,8% (p<0,001) e 95,9% versus 81,7% (p<0,001), respectivamente. A taxa de prescrição de AAS aumentou ao longo da implementação do protocolo, atingindo 100% de 2009 a 2012. O tempo porta-balão pós versus pré foi de 86(32) minutos versus 93(51), respectivamente (p=0,20). O tempo de permanência hospitalar foi semelhante na fase pré versus pós-protocolo: 6(6) dias versus 6(4) dias (p=0,34). A mortalidade intra-hospitalar foi de 7,6% no pré-protocolo, 8,7% entre 2005 e 2008 e 5,3% entre 2009 e 2012 (p=0,04).

CONCLUSÃO: A implementação do protocolo assistencial refletiu-se na maior adesão aos indicadores de qualidade.

Descritores: Guias de prática clínica como assunto; Indicadores de qualidade em assistência à saúde; Infarto do miocárdio; Qualidade da assistência à saúde

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o diagnóstico e o tratamento das doenças cardiovasculares têm avançado em razão da implementação tecnológica e do acúmulo de conhecimento. Apesar disso, a incorporação de diretrizes assistenciais pelos serviços de saúde ainda encontra-se aquém do esperado. O resultado é que o desempenho dos serviços de saúde é inferior ao que poderia ser obtido, comprometendo, muitas vezes, a segurança dos pacientes e deixando de atender plenamente às suas necessidades(1). O Instituto de Medicina dos Estados Unidos publicou dados alarmantes sobre erros cometidos no processo assistencial em saúde em 1999, relatando que entre 44 mil e 98 mil óbitos aconteciam nos Estados Unidos em decorrência de erros nos processos relacionados aos cuidados dos pacientes. O número de danos relacionados aos erros era ainda maior, chegando a cifras de 1 milhão de danos não fatais por ano(2,3). Diante de tal cenário, as sociedades médicas se mobilizaram com o intuito de garantir qualidade no atendimento e, consequentemente, reduzir danos, aumentar a segurança, melhorar o cuidado e, finalmente, reduzir desfechos desfavoráveis nos pacientes internados, como mortalidade e complicações. A Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) definiu qualidade na assistência como fazer o procedimento correto, no momento certo, de maneira correta, para a pessoa certa, e, com isso, obter os melhores resultados possíveis(1,4).

A convergência entre Medicina Baseada em Evidências (MBE), cujo foco é estimular decisões clínicas baseadas nas melhores evidências disponíveis ("fazer as coisas certas"), e o movimento de Melhoria da Qualidade Clínica (Clinical Quality Improvement), cujo foco está em utilizar o conhecimento da MBE para mudar processos relacionados a problemas recorrentes de um sistema de saúde ("fazer certo as coisas") possibilita a visão integrada e complementar, que pode resultar em melhora da qualidade assistencial ("fazer certo as coisas certas")(5).

Qualidade pode ser mensurada por meio de indicadores e uma série deles tem sido recomendada para avaliar a qualidade da assistência prestada aos pacientes internados com infarto agudo do miocárdio (IAM). Por outro lado, focar apenas na monitorização de indicadores não garante a incorporação das terapias baseadas em evidência na prática clínica. Torna-se, pois, necessário conhecer e mudar processos assistenciais, engajar a equipe e selecionar ferramentas de melhoria de qualidade mais adequadas para cada contexto(6).

Vários projetos de melhoria de qualidade clínica utilizaram como parte de sua estratégia de melhoria de processos e implementação da assistência baseada em evidências quatro passos, análogos aos dos ciclos de melhoria da qualidade (PDCA-Plan-Do-Check-Act ou PDSA-Plan-Do-Study-Act) que envolvem Definir as prioridades (Planejar), Implementar as diretrizes assistenciais (Executar), Medir o desempenho (Checar/Estudar) e Melhorar o desempenho (Agir)(7-10).

Tais intervenções parecem resultar em melhora da prática clínica, porém atuando em um sistema complexo, como são os serviços de saúde, com a participação de diferentes stakeholders (partes interessadas), as estratégias multifacetadas que combinam pelo menos dois métodos como educação, facilitação, auditoria, benchmarking (referência), feedback (informar o desempenho às partes interessadas), benefícios, entre outros, têm maior chance de serem bem sucedidas. Além disso, elas devem ser direcionadas tanto às equipes clínicas quanto administrativas(11).

No Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), o protocolo assistencial para IAM foi instituído em março de 2005 e, desde então, os indicadores de qualidade em IAM tem sido monitorizados durante a internação. Sabe-se que, na literatura médica, existe uma lacuna no que diz respeito à produção científica derivada dos projetos de Melhoria de Qualidade Clínica, e que poucas publicações avaliaram e mediram o impacto de várias ações implementadas na adesão às boas práticas assistenciais e nos desfechos clínicos(12).

OBJETIVO

Avaliar a adesão aos indicadores de qualidade assistencial ao longo da implementação de um protocolo assistencial para infarto agudo do miocárdio.

MÉTODOS

População e gerenciamento do protocolo de infarto agudo do miocárdio

O protocolo de IAM foi implementado em 1ºde março de 2005.

As principais intervenções incluídas na estratégia de implementação estão apresentadas no quadro 1.


A identificação dos pacientes internados com IAM foi feita por visitas diárias às unidades de internação e por revisão de prontuários, dos casos em que ocorreram o acionamento da tecla IAM, do relatório diário enviado pelo laboratório clínico contendo os valores das troponinas cardíacas e dos relatórios do serviço institucional de epidemiologia e estatística.

Um banco de dados prospectivo foi criado, desde a implementação do protocolo, com a finalidade de assegurar a documentação da evolução dos indicadores de qualidade assistencial e os desfechos clínicos. No momento da criação desse banco de dados, dados de pacientes atendidos por IAM (com diagnóstico de alta de IAM pelo CID-10, de acordo com o serviço de epidemiologia do hospital), no período de 2002 a 2004 foram incluídos com a finalidade comparativa.

A identificação de elegibilidade dos pacientes ou não foi definida conforme os critérios recomendados pela The Joint Commission para a geração dos indicadores de qualidade, que incluem as indicações para uso das terapias, e a presença de contraindicações ou condições documentadas em prontuário para não utilização da terapia, como recusa do paciente e parada cardiorrespiratória, entre outras. Conforme esses critérios, foram excluídos da análise os pacientes com idade menor que 18 anos; com tempo médio de permanência hospitalar superior a 120 dias; participantes de ensaios clínicos; transferidos de outros serviços; sob cuidados apenas paliativos definidos nas primeiras 24 horas de internação; transferidos ou que tiveram alta a pedido nas primeiras 24 horas de internação; e, no caso das medicações utilizadas nas primeiras 24 horas, os pacientes que foram a óbito nesse mesmo período(13). A identificação de elegibilidade ou não elegibilidade foi confirmada pelos enfermeiros gerenciadores de práticas (EGP) em todos os pacientes admitidos no protocolo.

O banco de dados do Protocolo de IAM foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), em São Paulo (Registro Einstein de Infarto Agudo do Miocárdio, Projeto de Pesquisa nº1.282-10).

Para o presente estudo, selecionamos os pacientes admitidos via Unidades de Pronto Atendimento (UPA) das Unidades Morumbi, Alphaville, Ibirapuera e Perdizes, no período de 1º de março de 2005 a 31 de dezembro de 2012. Para a avaliação pré-protocolo, foram utilizadas informações de pacientes incluídos no banco de dados de IAM admitidos na fase pré-protocolo. Para efeito didático, classificamos os períodos (anos) em fase pré-protocolo (anos anteriores a 2005) e pós-protocolo (2005 a 2012), dividindo esse último período em fase de maturação do protocolo (2005 a 2008) e fase protocolo estabelecido (2009 a 2012).

Indicadores de qualidade

Os indicadores de qualidade foram escolhidos de acordo com as diretrizes nacionais e internacionais de IAM, além de recomendações de organizações especializadas em orientar e auditar qualidade assistencial(13-16), de modo a permitir comparações com outras instituições. Os indicadores de qualidade apresentados nesses estudo são: taxa de prescrição de ácido acetilsalicílico (AAS) na admissão hospitalar; taxa de prescrição de AAS na alta hospitalar; taxa de prescrição de betabloqueador na alta hospitalar; tempo porta-balão.

Para o cálculo da taxa de prescrição das medicações foi utilizada a fórmula:

A mediana do tempo porta-balão, em minutos, foi computada apenas para os pacientes com IAM com supradesnivelamento do segmento ST, elegíveis para terapia de recanalização, como o tempo decorrido entre a chegada na UPA e a realização da angioplastia primária com a abertura da artéria responsável pelo IAM, no laboratório de hemodinâmica.

Desfechos clínicos

Os desfechos clínicos avaliados foram o tempo de permanência hospitalar e a mortalidade intra-hospitalar. Todos os óbitos foram considerados na análise.

Análise estatística

As variáveis contínuas são apresentadas em média±desvio padrão ou mediana e variação interquartil. As variáveis categóricas são apresentadas na forma de frequências absolutas e relativas. A comparação das variáveis contínuas foi realizada por meio do teste t de Student ou Mann-Whitney. As variáveis categóricas foram comparadas por meio do teste do qui-quadrado. O valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

RESULTADOS

Foram inseridos no protocolo dados de 1.431 pacientes com IAM admitidos no pronto atendimento nas diferentes unidades (89,7% da unidade do Morumbi; 5,7% do Alphaville; 2,9% do Ibirapuera e 1,7% de Perdizes). Dados de 306 pacientes admitidos via pronto atendimento da Unidade Morumbi de 2002 a 2005 (pré-protocolo) foram utilizados para efeito comparativo. A tabela 1 apresenta as características clínicas dos pacientes de acordo com a fase de atendimento.

Indicadores de qualidade

As taxa de prescrição de AAS na admissão e na alta hospitalar foram maiores na fase pós-implementação do protocolo comparadas às da fase pré-implementação: 99,6% versus 95,8% (p<0,001) e 99,1% versus 95,8% (p<0,001), respectivamente. A taxa de prescrição de AAS na alta hospitalar seguiu tendência crescente ao longo da implementação do protocolo, atingindo 100% de prescrição entre os elegíveis após 3 anos da implementação do protocolo (Figura 1).


A taxa de prescrição de betabloqueador na alta hospitalar também foi maior na fase pós-protocolo quando comparada à da fase pré-protocolo: 95,9% versus 81,7% (p<0,001).

A mediana do tempo porta-balão computada nos pacientes com indicação de terapia de recanalização teve variação não significativa após a implementação do protocolo (pré versus pós, mediana e variação interquartil): 93(51) minutos versus 86(32) minutos (p=0,20).

Evolução clínica

A mediana do tempo de permanência hospitalar foi semelhante nas fases pré e pós-implementação de protocolo: 6(6) dias versus 6(4) dias (p=0,34).

Quando avaliada a mortalidade de acordo com os períodos de implementação, observamos queda da mortalidade hospitalar nos últimos 4 anos (Figura 2).


DISCUSSÃO

Em nosso estudo, os principais achados indicam que a adesão aos indicadores de qualidade assistencial para IAM, de modo geral, aumentaram com o passar do tempo e que, apesar do tempo de permanência hospitalar não ter se modificado, a mortalidade intra-hospitalar teve queda nos últimos anos.

Os achados deste estudo mostram que uma adesão mais consistente ao protocolo de IAM foi alcançada após 3 anos de sua implementação, sugerindo que o processo de incorporação desse tipo de protocolo passa por ums fase de maturação, na qual as ações são progressivamente aceitas e incorporadas na prática clínica. Tais achados estão de acordo com a literatura, que aponta que a mudança comportamental, que é um processo que envolve várias fases (pré-contemplação, contemplação, preparação e ação) pode ser agilizada com a ajuda de intervenções adequadas(17).

A implementação de protocolos clínicos institucionais tem sido associada ao aumento da adesão aos indicadores de processo e, consequentemente, à redução da variabilidade da prática clínica. A maioria dos estudos, porém, mede os efeitos dos protocolos por meio da auditoria desses indicadores após alguns meses de sua implementação, e seu efeito, a longo prazo, tem sido pouco explorado na literatura(18). Por outro lado, o objetivo final da adesão às recomendações baseadas em evidência deveria ser a melhora dos desfechos clínicos e dos custos assistenciais.

A decisão por uma estratégia multifacetada, customizada para o contexto do hospital, pode ter contribuído para a melhora da adesão aos indicadores de qualidade observada neste estudo. As intervenções multifacetadas citadas com mais frequência nas publicações incluíram a distribuição de materiais educativos (48%), reuniões educativas (41%), lembretes (31%), e auditoria e feedback (24%), fazendo parte da estratégia adotada em nosso protocolo(11).

No contexto de corpo clínico autônomo, no qual o protocolo foi implementado, acreditamos que a realização de auditorias e feedbacks, e a inclusão dos resultados da adesão aos indicadores do Protocolo de IAM no programa de benefícios concedidos aos médicos tenham sido intervenções fundamentais para a melhora dos resultados. Isso porque tais ações reforçaram o compromisso institucional de garantir a qualidade e a segurança da assistência prestada aos pacientes, ajudando a eliminar uma das barreiras à implementação dos protocolos, que era a bonificação baseada em volume de atendimento quando deveria se basear em métricas de qualidade e desfechos(19). No entanto, uma revisão sistemática de 118 estudos publicada pela Cochrane(20) mostrou resultados inconsistentes entre o fornecimento de feedback e a melhora da adesão com os protocolos assistenciais (variando de uma redução de 16% até um aumento de 70% na adesão), independentemente das intervenções utilizadas. A adesão foi maior quanto menor o nível basal do indicador e maior a intensidade do feedback. A análise deixou de considerar, entretanto, o contexto no qual essas intervenções foram implementadas(20).

Por outro lado, deve-se ressaltar que um fator importante para a adesão do corpo clínico ao protocolo de IAM foi o grau de organização do corpo clínico autônomo de cardiologia do hospital. Desde 2003, os cardiologistas se encontram uma a duas vezes por mês em reuniões científicas organizadas pelos próprios médicos. Esse canal de comunicação, juntamente ao Foro de Cardiologia, criado alguns anos mais tarde, foi fundamental para engajar os médicos formadores de opinião na elaboração e na implementação dos protocolos. A identificação e o compromisso de médicos formadores de opinião consiste em estratégia que tem sido utilizada para facilitar a incorporação de diretrizes assistenciais(21).

Além disso, o fato de a população alvo ser composta por cardiologistas também pode ter facilitado a implementação do protocolo. Uma pesquisa publicada pelo New England Healthcare Institute(19) mostrou que, entre os especialistas, os cardiologistas são os que mais aderem aos protocolos clínicos. Em uma escala de Estágios de Mudança, que vai da "Pré-contemplação" à "Ação/ adesão", 70% dos cardiologistas encontrava-se nessa última fase, em comparação a apenas 47% dos médicos da atenção primária, 34% dos outros especialistas e 25% dos ortopedistas. Os cardiologistas também encontraram menos barreiras à implementação dos protocolos tais como discordância com as recomendações, incerteza diagnóstica, falta de tecnologia, entre outras.

Do ponto de vista da cultura organizacional, há evidências de que elementos como apoio da liderança, colaboração interprofissional e compartilhamento de crenças e valores também influenciam a adoção de protocolos clínicos(22). A busca contínua da qualidade é um dos valores do HIAE e o fato de ter sido o primeiro hospital, fora dos Estados Unidos, a receber a acreditação pela The Joint Commission certamente contribuiu para se criar uma cultura de qualidade e segurança do paciente. A partir de 2007, quando o protocolo de IAM estava em seu terceiro ano de implementação, essa questão passou a ser estratégica para a instituição, com um compromisso rigoroso de todas as áreas de liderança na prevenção e na eliminação de riscos na assistência. Faz parte dessa estratégia a comparação dos resultados alcançados aos das instituições que apresentam desempenho consistentemente acima da média ("positive deviants"), o que cria oportunidades de identificar e disseminar novas ações de melhoria de qualidade assistencial(23).

Finalmente, a implementação do protocolo trouxe benefícios que foram além daqueles capturados pela adesão aos indicadores de qualidade. Sua instituição possibilitou maior integração das equipes assistenciais, que passaram a trabalhar de forma mais alinhada e coordenada, uma vez que a implementação de um protocolo clínico não é um ato isolado e pontual, mas sim um processo contínuo, que envolve redesenhos e elaboração de processos assistenciais, com o intuito de corrigi-los e melhorá-los com base no que foi aprendido na etapa anterior, em conformidade com os princípios do ciclo de qualidade (Planejar-Executar-Estudar-Agir)(24).

Limitações

Este estudo teve algumas limitações: 1) os pacientes selecionados para a análise pré-implementação de protocolo não contemplam a totalidade de pacientes admitidos por infarto de 2002 a 2005. Isso pode ter gerado proporção maior de pacientes com IAM com supradesnivelamento do segmento ST na fase pré-protocolo. Acreditamos que esta desproporção não justifique a diferença na taxa de prescrição das medicações. Também não influencia a comparação do tempo porta-balão porque somente os elegíveis foram considerados na análise. 2) Não foi possível, no presente estudo, atribuir a uma intervenção específica a melhora na taxa de adesão aos indicadores. Acreditamos que o conjunto de intervenções, atuando de forma sinérgica, proporcionou a melhora observada ao longo do tempo.

CONCLUSÃO

A implementação de um protocolo de infarto agudo do miocárdio, baseado em estratégia de intervenção multifacetada, resultou em aumento da adesão aos indicadores de qualidade assistencial.

Data de submissão: 13/5/2013

Data de aceite: 20/8/2013

Conflitos de interesse: não há.

Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil.

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  • Autor correspondente:

    Marcia Makdisse
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      13 Maio 2013
    • Aceito
      20 Ago 2013
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