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Artéria coronária direita anômala com origem na artéria pulmonar e pericardite constritiva: uma associação inusitada

Resumos

A associação da artéria coronária direita anômala com origem na artéria pulmonar e pericardite constritiva ainda não foi descrita na literatura. Apresentamos aqui o primeiro caso dessa associação inusitada em um paciente com quadro de insuficiência cardíaca direita. Após o diagnóstico, o paciente foi encaminhado para tratamento cirúrgico, sendo submetido a pericardiectomia frênico a frênico, implante de enxerto da artéria mamária interna direita para a coronária direita e ligadura da origem anômala da coronária direita da artéria pulmonar. Tais procedimentos resolveram o potencial risco de morte súbita pela anomalia coronária e aliviaram os sintomas de insuficiência cardíaca causados pela pericardite constritiva.

Pericardite; Doença das coronárias; Insuficiência cardíaca; Relatos de casos


The association of anomalous right coronary artery originating from the pulmonary artery and constrictive pericarditis has never been showed in the literature. We present the first case of this unusual association in a patient with right heart failure. After diagnosis, the patient was referred to surgery and underwent phrenic-to-phrenic pericardiectomy; graft implant of right internal thoracic artery to right coronary artery; and ligation of the anomalous origin of the right coronary artery from the pulmonary artery. Such procedures solved the potential risk of sudden death related to anomalous right coronary artery originating from the pulmonary artery and alleviated the symptoms of heart failure caused by constrictive pericarditis.

Pericarditis; Coronary disease; Heart failure; Case reports


RELATO DE CASO

Artéria coronária direita anômala com origem na artéria pulmonar e pericardite constritiva: uma associação inusitada

Odilson Marcos Silvestre; Eduardo Leal Adam; Dirceu Thiago Pessoa de Melo; Ricardo Ribeiro Dias; Felix J. A. Ramires; Charles Mady

Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Odilson Marcos Silvestre Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 CEP: 05403-900 – São Paulo, SP, Brasil Tel.: (11) 2661-5057 E-mail: odilsonsilvestre@yahoo.com.br

RESUMO

A associação da artéria coronária direita anômala com origem na artéria pulmonar e pericardite constritiva ainda não foi descrita na literatura. Apresentamos aqui o primeiro caso dessa associação inusitada em um paciente com quadro de insuficiência cardíaca direita. Após o diagnóstico, o paciente foi encaminhado para tratamento cirúrgico, sendo submetido a pericardiectomia frênico a frênico, implante de enxerto da artéria mamária interna direita para a coronária direita e ligadura da origem anômala da coronária direita da artéria pulmonar. Tais procedimentos resolveram o potencial risco de morte súbita pela anomalia coronária e aliviaram os sintomas de insuficiência cardíaca causados pela pericardite constritiva.

Descritores: Pericardite; Doença das coronárias; Insuficiência cardíaca; Relatos de casos

INTRODUÇÃO

Várias doenças cardíacas se manifestam como insuficiência cardíaca (IC) direita apresentando edema dos membros inferiores, ascite, hepatomegalia e estase jugular. Pericardite constritiva é uma etiologia rara, frequentemente não diagnosticada, mas importante devido ao fato de ser uma causa reversível de IC direita com o tratamento cirúrgico(1).

A origem anômala da artéria coronária direita (ACD) na artéria pulmonar é uma alteração coronariana rara, muitas vezes incidentalmente diagnosticada, e associada à morte súbita cardíaca(2,3). Até o momento não há relato dessas duas condições não relacionadas no mesmo paciente. O objetivo deste relato é descrever o primeiro caso desta associação inusitada.

RELATO DE CASO

Paciente de 24 anos, sexo masculino, desenvolveu, nos últimos três anos, edema nos membros inferiores e dispneia aos esforços. Quando procurou nossa instituição pela primeira vez já recebia elevadas doses de furosemida, hidroclorotiazida e espironolactona, sem um diagnóstico definido.

Ao exame físico, apresentava edema dos membros inferiores e dermatite de estase. A localização do ictus cordis estava normal e não havia distensão jugular. À ausculta cardíaca, tinha um desdobramento amplo da segunda bulha na inspiração e ausência de knock pericárdico.

O eletrocardiograma estava normal. A radiografia de tórax evidenciou área cardíaca normal, sem calcificações ou sinais de congestão pulmonar. O nível do peptídeo natriurético cerebral (BNP) era de 69pg/mL (valor de referência <100pg/mL). O ecocardiograma mostrou função normal dos ventrículos direito e esquerdo, aumento bi-atrial e pressão sistólica na artéria pulmonar estimada em 25mmHg. O pericárdio foi descrito como normal. As artérias coronárias estavam dilatadas e mediam 7,6mm, o tronco da coronária esquerda e 10mm a ACD.

O diagnóstico de pericardite constritiva foi considerado pela presença de sintomas e sinais de IC com morfologia e função normais de ambos os ventrículos. A ressonância magnética do coração revelou espessamento difuso do pericárdio e movimento assincrônico do septo interventricular durante a sístole (Figura 1). Com o intuito de avaliar a dilatação coronariana inesperada observada ao ecocardiograma, realizou-se a angiotomografia de coronárias. Uma origem anômala da ACD na artéria pulmonar foi diagnosticada (Figura 2).



Realizou-se a ressecção cirúrgica do pericárdio simultaneamente à revascularização coronariana, através de um enxerto da artéria mamária interna direita para a ACD e oclusão da origem anômala desse vaso na artéria pulmonar. O exame patológico do pericárdio demonstrou presença de pericardite crônica inespecífica de baixa intensidade. O teste da reação em cadeia da polimerase para detectar a presença de Mycobacterium tuberculosis foi negativo. O paciente teve alta hospitalar com melhora significativa dos sintomas.

DISCUSSÃO

O caso apresentado descreve um paciente com sintomas de IC direita secundários à pericardite constritiva, associada à origem anômala da ACD na artéria pulmonar e ilustra a importância de considerar o diagnóstico de pericardite constritiva na avaliação da IC direita.

A pericardite constritiva ocorre por inflamação do pericárdio, com espessamento e calcificação, resultando em disfunção diastólica. Embora a maioria dos casos seja idiopática, a pericardite constritiva também pode ser causada por cirurgia cardíaca prévia, irradiação do mediastino, colagenoses e tuberculose.

Em pacientes com fisiologia constritiva, o espessamento do saco pericárdico impede a dilatação e o enchimento ventricular durante a diástole, levando a uma elevação abrupta das pressões nas câmaras cardíacas. Durante a inspiração o pericárdio enrijecido não permite que o ventrículo direito acomode o aumento do retorno venoso, o que leva ao movimento assincrônico do septo interventricular, redução da cavidade ventricular esquerda e baixo débito cardíaco.

Essas alterações fisiológicas podem se manifestar como distensão jugular, ondas venosas Y proeminentes, ascite, edema dos membros inferiores, e sinal de Kussmaul. O knock pericárdico, um ruído protodiastólico de alta frequência, embora diagnóstico de pericardite constritiva, é observado em apenas um terço dos casos. Estudos prévios demonstraram que o exame físico é pouco sensível para o diagnóstico de pericardite constritiva. No caso relatado, muitos achados sugestivos da doença não foram identificados, em parte devido às elevadas doses de diuréticos que o paciente recebia.

A radiografia do tórax pode mostrar calcificação do pericárdio em até 30% dos pacientes. O ecocardiograma, embora útil para excluir outras causas de IC direita, apresenta limitações para a avaliação do pericárdio e é frequentemente inconclusivo(1). A avaliação laboratorial dos níveis de BNP pode auxiliar no diagnóstico diferencial entre a pericardite constritiva e as cardiomiopatias restritivas(4). Na pericardite constritiva, geralmente os níveis de BNP não estão elevados, como no caso aqui descrito, já que o estiramento do miocárdio está limitado pelo pericárdio, enquanto que nas cardiomiopatias restritivas ocorre estiramento significativo do miocárdio e os níveis de BNP podem estar extremamente elevados.

A ressonância magnética cardíaca é o padrão ouro para o diagnóstico não invasivo da pericardite constritiva. O exame mostra claramente o grau de espessamento do pericárdio e a interdependência ventricular com o movimento assincrônico do septo. O teste é extremamente importante para excluir outras doenças que afetam o miocárdio.

Muitos artigos relatam bons resultados após o tratamento cirúrgico da pericardite constritiva. Embora a mortalidade cirúrgica seja de aproximadamente 6 a 12%, a taxa de sobrevida sem sintomas graves de IC em cinco anos é de 80%(5). Dessa forma, fazer o diagnóstico da pericardite constritiva é de extrema importância para oferecer o tratamento cirúrgico adequado e modificar a história natural dessa doença progressiva e debilitante.

A origem anômala da ACD na artéria pulmonar é um defeito congênito que ocorre em 0,002% da população e representa 0.12% das anomalias coronarianas. Sua história natural não é bem definida, mas na maioria dos casos o diagnóstico foi incidental em pacientes assintomáticos(2). Em pacientes sintomáticos, as manifestações clínicas podem incluir dor precordial ao esforço, síncope, morte súbita cardíaca ou sinais de cardiopatia isquêmica. O mecanismo envolvido na morte súbita não está completamente elucidado, mas pode estar associado à presença de isquemia no território irrigado pela ACD, devido ao número insuficiente de colaterais provenientes das artérias descendente anterior e circunflexa. A ectasia das artérias coronárias, um achado frequente em pacientes com origem anômala da ACD na artéria pulmonar, é decorrente do fluxo sanguíneo aumentado pelos ramos colaterais da artéria coronária esquerda para a ACD, seguido de fluxo reverso na ACD para o tronco da artéria pulmonar. No caso aqui relatado, os sintomas de IC direita foram causados pela afecção pericárdica e provavelmente não estão associados à malformação coronariana. Devido à relação entre ACD com origem anômala na artéria pulmonar e morte súbita cardíaca(3), a correção cirúrgica é o tratamento de preferência mesmo em pacientes assintomáticos. Como o paciente foi submetido à pericardiectomia, realizou-se a correção da anomalia coronariana durante o mesmo procedimento.

Em conclusão, o caso descrito caracteriza a pericardite constritiva como causa de IC de difícil diagnóstico, e também mostra a presença de uma rara anomalia coronária no mesmo paciente. Duas doenças incomuns e não associadas foram tratadas com sucesso durante o mesmo procedimento cirúrgico.

Data de submissão: 3/5/2013

Data de aceite: 2/8/2013

  • 1. Maisch B, Seferović PM, Ristić AD, Erbel R, Rienmüller R, Adler Y, Tomkowski WZ, Thiene G, Yacoub MH; Task Force on the Diagnosis and Management of Pricardial Diseases of the European Society of Cardiology. Guidelines on the diagnosis and management of pericardial diseases executive summary; The Task force on the diagnosis and management of pericardial diseases of the European society of cardiology. Eur Heart J. 2004;25(7):587-610.
  • 2. Williams IA, Gersony WM, Hellenbrand WE. Anomalous right coronary artery arising from the pulmonary artery: a report of 7 cases and a review of the literature. Am Heart J. 2006;152(5):1004.e9-17.
  • 3. Su JT, Krishnamurthy R, Chung T, Vick GW 3rd, Kovalchin JP. Anomalous right coronary artery from the pulmonary artery: noninvasive diagnosis and serial evaluation. J Cardiovasc Magn Reson. 2007;9(1):57-61.
  • 4. Leya FS, Arab D, Joyal D, Shioura KM, Lewis BE, Steen LH, et al. The efficacy of brain natriuretic peptide levels in differentiating constrictive pericarditis from restrictive cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol. 2005;45(11):1900-2.
  • 5. Bertog SC, Thambidorai SK, Parakh K, Schoenhagen P, Ozduran V, Houghtaling PL, et al. Constrictive pericarditis: etiology and cause-specific survival after pericardiectomy. J Am Coll Cardiol. 2004;43(8):1445-52.
  • Autor correspondente:

    Odilson Marcos Silvestre
    Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
    Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44
    CEP: 05403-900 – São Paulo, SP, Brasil
    Tel.: (11) 2661-5057
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      03 Maio 2013
    • Aceito
      02 Maio 2013
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