Acessibilidade / Reportar erro

Radioterapia intraoperatória como protocolo de tratamento do câncer de mama inicial

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a experiência inicial de implementação e aplicação de radioterapia única e intraoperatória com feixe de elétrons em pacientes selecionadas com diagnóstico de câncer de mama em estágio inicial. Avaliar também a recorrência local e os eventos adversos (complicações locais). MÉTODOS: Foram avaliadas 50 pacientes com câncer de mama, pós-menopausadas, com tumores de <2,5cm e linfonodos axilares clinicamente não palpáveis, que se submeteram a uma ressecção segmentar e biópsia de linfonodo sentinela e técnica de radioterapia intraoperatória. Essas pacientes foram seguidas por um período médio de 52,1 meses. RESULTADOS: A idade média dos pacientes foi de 65,5 anos de idade. O diâmetro médio do tumor foi de 1,41cm 82% tinham tumores com receptor hormonal positivo e HER-2 negativo. A dose de radiação empregada foi de 21 Gy em todas as pacientes, com um tempo médio de irradiação intraoperatória de 8,97 minutos. O seguimento médio dessas pacientes foi de 52,1 meses. Foram evidenciados três casos com recorrência local durante esse período, sendo que nenhuma dessas pacientes tinha metástases à distância no momento do diagnóstico da recidiva. O diagnóstico patológico dessas três pacientes foi idêntico ao do tumor primário. Nesta casuística, não se registrou infecção pós-operatória ou formação de seroma. No entanto, em 35 pacientes (70%), foi observada uma fibrose local como sequela de pós-operatório. Esta, quando presente, diminuiu gradualmente e desapareceu completamente em um período médio de 18 meses. CONCLUSÃO: A radioterapia parcial é uma técnica viável e promissora, mas que deve ser indicada em casos selecionados, pelo menos até que tenhamos um maior tempo de seguimento que proporcione maior segurança para indicá-la em nossa rotina, como fazemos com a radioterapia convencional.

Neoplasias da mama; Neoplasias da mama; Radioterapia; Protocolos antineoplásicos


OBJECTIVE: To report on preliminary outcomes of single-dose intraoperative radiotherapy for early-stage breast cancer based on local recurrence rates and complications. METHODS: Fifty postmenopausal women with <2.5cm breast tumors and clinically normal axillary lymph nodes were submitted to quadrantectomy, sentinel lymph node biopsy and intraoperative radiotherapy and studied. Mean follow-up time was 52.1 months. RESULTS: Mean patient age was 65.5 years; mean tumor diameter was 1.41cm 82% of nodules were hormonal receptor positive and HER-2 negative. All patients received a 21 Gy radiation dose for a mean time of 8.97 minutes. Distant metastases were not observed. Local recurrence was documented in three cases, with identical histological diagnosis as the primary tumors. Thirty-five (70%) patients had local fibrosis, with gradual improvement and complete resolution over 18 months. Postoperative infection and seroma formation were not observed. CONCLUSION: Partial radiotherapy is a potentially feasible and promising technique. Careful patient selection is recommended before a longer follow-up period has elapsed to confirm intraoperative radiotherapy safety and efficacy.

Breast neoplasms; Breast neoplasms; Radiotherapy; Antineoplastic protocols


ARTIGO ORIGINAL

Radioterapia intraoperatória como protocolo de tratamento do câncer de mama inicial

Silvio Eduardo BrombergI; Rodrigo de Morais HanriotI; Afonso Celso Pinto NazárioII

IHospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil

IIEscola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Silvio Eduardo Bromberg Avenida Albert Einstein, 627/701, consultório 122C, bloco A1 - Morumbi CEP: 05652-900 - São Paulo, SP, Brasil Tel.: (11) 2151-5122 E-mail: sbromberg@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a experiência inicial de implementação e aplicação de radioterapia única e intraoperatória com feixe de elétrons em pacientes selecionadas com diagnóstico de câncer de mama em estágio inicial. Avaliar também a recorrência local e os eventos adversos (complicações locais).

MÉTODOS: Foram avaliadas 50 pacientes com câncer de mama, pós-menopausadas, com tumores de <2,5cm e linfonodos axilares clinicamente não palpáveis, que se submeteram a uma ressecção segmentar e biópsia de linfonodo sentinela e técnica de radioterapia intraoperatória. Essas pacientes foram seguidas por um período médio de 52,1 meses.

RESULTADOS: A idade média dos pacientes foi de 65,5 anos de idade. O diâmetro médio do tumor foi de 1,41cm 82% tinham tumores com receptor hormonal positivo e HER-2 negativo. A dose de radiação empregada foi de 21 Gy em todas as pacientes, com um tempo médio de irradiação intraoperatória de 8,97 minutos. O seguimento médio dessas pacientes foi de 52,1 meses. Foram evidenciados três casos com recorrência local durante esse período, sendo que nenhuma dessas pacientes tinha metástases à distância no momento do diagnóstico da recidiva. O diagnóstico patológico dessas três pacientes foi idêntico ao do tumor primário. Nesta casuística, não se registrou infecção pós-operatória ou formação de seroma. No entanto, em 35 pacientes (70%), foi observada uma fibrose local como sequela de pós-operatório. Esta, quando presente, diminuiu gradualmente e desapareceu completamente em um período médio de 18 meses.

CONCLUSÃO: A radioterapia parcial é uma técnica viável e promissora, mas que deve ser indicada em casos selecionados, pelo menos até que tenhamos um maior tempo de seguimento que proporcione maior segurança para indicá-la em nossa rotina, como fazemos com a radioterapia convencional.

Descritores: Neoplasias da mama/cirurgia; Neoplasias da mama/radioterapia; Radioterapia/métodos; Protocolos antineoplásicos

INTRODUÇÃO

O câncer de mama, considerado um problema mundial, perfaz uma incidência de 10,4% entre todas as neoplasias malignas femininas e é a quinta causa de morte mais comum por câncer(1).

No Brasil, segundo a publicação Incidência de Câncer no Brasil 2012, do Instituto Nacional do Câncer (INCA; HTTP://www1.inca.gov.br/estimativa/2012/), estima-se que teremos cerca de 50 mil casos novos para o ano de 2012. Em função dessa incidência, vários programas de rastreamento para o câncer de mama têm sido preconizados, colaborando para diagnósticos mais precoces da doença.

Os tumores iniciais de mama são conduzidos com cirurgia conservadora e avaliação de linfonodo axilar total ou seletiva (sentinela) e irradiação externa adjuvante, permitindo maiores controle loco-regional e sobrevida global(2,3).

Sabe-se ainda que, apesar de existirem vários fatores independentes que têm relação direta com a recorrência da doença, como idade da paciente, tamanho tumoral, invasão vascular peritumoral, subtipo histológico e extensão intracanalicular, a radioterapia tem seu papel fundamental na diminuição da recorrência local(3). Vários estudos compararam a cirurgia conservadora seguida da radioterapia com a mastectomia(4-20), ficando evidente, em todos eles, a equivalência entre os dois tipos de tratamento cirúrgico, no que diz respeito à sobrevida global.

A proposição inicial de alguns autores de que ressecção segmentar ampla poderia não necessitar de radioterapia externa em casos selecionados não foi corroborada pelos resultados do estudo B-21 do National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project (NSABP)(9), que mostrou a importância da radioterapia na diminuição dos índices de recidiva. Após a publicação de estudos aleatorizados, que compararam a realização da cirurgia conservadora seguida da radioterapia à cirurgia conservadora sem radioterapia adjuvante, ficou claro o benefício da irradiação complementar no controle local e curabilidade da doença(7,10-21). Atualmente, o National Institutes of Health (NIH, http://www.nih.gov/) estabeleceu como consenso que a cirurgia conservadora seguida de radioterapia seria a opção preferível nas pacientes com tumor de mama inicial(10). Infelizmente, apesar das vantagens do tratamento local, muitas pacientes não realizam a radioterapia complementar. A distância dos grandes centros, problemas socioeconômicos, dificuldades no transporte, idade avançada com necessidade de acompanhantes, entre outros, são fatores que influenciam a interrupção do tratamento inicialmente programado. Além disso, muitos países não possuem distribuição adequada e necessária de aparelhos de radioterapia para suprir as necessidades de sua população(11-13).

Dessa maneira, a radioterapia parcial da mama surge como uma opção factível e prática. A radioterapia intraoperatória (IORT) com elétrons é uma das técnicas de radioterapia parcial de mama que permite administrar uma única dose, com equivalência biológica às doses habitualmente empregadas em radioterapia externa, diretamente sobre o leito onde se localizava a lesão ressecada após quadrantectomia, ressecção segmentar ou tumorectomia.

OBJETIVO

Reportar a experiência inicial de tratamento cirúrgico conservador associado à radioterapia intraoperatória com elétrons em dose única para as neoplasias iniciais de mama.

MÉTODOS

Após aprovação pela Comissão de Ética e do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), CEP/Einstein número 04/87, iniciou-se o estudo em junho de 2004 com encerramento em junho de 2010. Das inicialmente 104 pacientes recrutadas, foram avaliadas 50 que preencheram os seguintes critérios: pacientes menopausadas (cirúrgica ou naturalmente - ausência de ciclos menstruais há mais de 1 ano); ausência de tratamento adicional prévio ou concomitante para o câncer de mama; histologia de carcinoma ductal invasivo, medular, coloide ou tubular; ausência de componente intraductal extenso; margens cirúrgicas negativas na avaliação intraoperatória; lesões com diâmetro clínico <2,5cm; tumor de mama unilateral sem evidência clínica de multicentricidade e multifocalidade (avaliado por meio de exame clínico, ultrassonografia, mamografia e ressonância magnética com contraste); e ausência de neoplasia anterior, exceto neoplasia de pele não melanoma.

Foram excluídas pacientes que apresentavam carcinoma ductal in situ ou lobular in situ e invasivo; carcinoma de Paget e inflamatório; doença multicêntrica e/ou multifocal comprovada pelos exames de imagem realizados; neoplasia metastática em outros sítios; doenças do colágeno em atividade, especialmente lúpus eritematoso, esclerodermia ou dermatomiosite; e presença de comorbidades com expectativa de vida <2 anos.

Nas avaliações pré e intraoperatórias, foram realizados anamnese completa, incluindo histórico familiar e métodos de detecção do tumor de mama (exame físico, mamografia, ultrassonografia e ressonância magnética com contraste); estadiamento clínico completo (radiografia de tórax, ultrassonografia abdominal, cintilografia óssea, marcadores tumorais); e radiografia pós-ressecção cirúrgica, quando necessária, evidenciando remoção completa das microcalcificações, se preexistentes.

As pacientes assinaram o protocolo de tratamento (aceitação dos termos do protocolo) e o termo de consentimento, que foi discutido juntamente da equipe cirúrgica e da radioterapia.

A cirurgia foi praticada em sala cirúrgica localizada no Departamento de Radioterapia do HIAE, situada ao lado da sala onde está instalado o acelerador linear utilizado no estudo.

Com a paciente sob anestesia geral, a ressecção segmentar obedeceu a critérios cirúrgicos oncológicos, com retirada em bloco do foco tumoral com ampla remoção de margem de tecido sadio, fáscia muscular e pele (quando necessário). O material retirado foi examinado para avaliar a histologia da lesão, a unicentricidade, as dimensões e a amplitude das margens de ressecção no intraoperatório.

O patologista avaliou o espécime no intraoperatório para confirmação da presença da lesão e avaliou a localização da mesma em relação às margens da ressecção, marcadas com tinta nanquim (tinta-da-china). As margens foram "raspadas" para citologia e/ou submetidas a cortes histológicos quando as lesões foram de diâmetro >5mm. O tecido foi seccionado a cada 4 a 5mm e as seções foram devidamente avaliadas. As margens obrigatoriamente estavam negativas a princípio (>2mm)(14,15) ou após ampliação solicitada. A linfonodectomia foi realizada por técnica de linfonodo sentinela ou esvaziamento axilar tradicional.

A glândula a ser irradiada foi preparada com a aproximação dos retalhos glandulares oportunamente separados do plano subcutâneo e suturados; a parede torácica foi protegida com disco de chumbo de espessura de 3mm, revestido com material de menor densidade, para minimizar o retroespalhamento ou dispositivo análogo.

Após a realização da cirurgia conservadora e o preparo local da mama para a IORT, a paciente, sob anestesia e acompanhada da equipe anestésica e de enfermagem, foi transportada para a sala do acelerador linear e devidamente posicionada pela equipe da radioterapia e cirurgia, de forma a alinhar o colimador ao feixe de elétrons, que incide no leito operatório.

A pele foi afastada do campo de irradiação, por um sistema de posicionamento dedicado. O registro fotográfico do campo final foi demarcado com tinta especial (caneta para marcação cutânea). A porção da glândula mamária adjacente ao quadrante retirado foi irradiada em dose única com IORT, empregando acelerador linear de partículas (LINAC) com energia de elétrons nas faixas de 6 a 12 MeV, com nível individualizado baseando-se na espessura da glândula a ser irradiada. A dose administrada foi de 21 Gy, empregando-se cones específicos e colimadores para irradiação intraoperatória com elétrons, em diâmetro que abrangesse a margem glandular peritumoral suficiente, e ficando a critério da equipe a escolha do diâmetro, da energia e a colocação apropriada do cone (cirúrgica e de radioterapia), conforme figuras 1 e 2.



A técnica de irradiação utilizada foi a descrita por Veronesi et al.(16). Participaram do procedimento exclusivamente os radioterapeutas e físicos relacionados ao estudo. A equipe de enfermagem participou do estudo depois de treinamento específico para o procedimento e com as rotinas técnicas do mesmo.

A análise anatomopatológica consistiu na avaliação do diâmetro tumoral, do tipo histológico, do linfonodo sentinela ou linfonodos axilares, e em análise das margens no intra e no pós-operatório.

O grau histológico foi analisado conforme os critérios de Elston e Ellis(17) e a invasão vascular peritumoral, conforme os critérios de Rosen et al.(18). O status dos receptores de estrogênio e progesterona, e a expressão do Human Epidermal growth factor receptor 2 (HER-2) foram avaliados por imunoistoquímica e, quando necessário para conclusão diagnóstica, foi realizado o teste de fluorescence in situ hybridization (FISH)(19).

Foi estabelecida posteriormente a avaliação histológica detalhada da peca cirúrgica e consistiu em hormonioterapia precedida ou não de quimioterapia, conforme decisão de equipe multidisciplinar.

Pacientes com recidiva local foram tratadas com novas ressecções segmentares ou mastectomias totais. O tratamento adjuvante levou em consideração o tratamento prévio e teve decisão em ambiente multidisciplinar.

As pacientes foram avaliadas por pelo menos um membro envolvido na equipe a cada 3 meses, no primeiro ano; a cada 4 meses, no segundo ano; a cada 6 meses do terceiro ao quinto ano; e anualmente após. Assim, as informações clínicas foram atualizadas no banco de dados da radioterapia e dos médicos participantes. Essas pacientes realizaram um seguimento médio de 52,1 meses (mediana de 54,2 meses). Os eventos desfavoráveis foram considerados complicações advindas do tratamento, como necrose gordurosa, fibrose, retrações, deformidades ou outros eventos relacionados à irradiação.

RESULTADOS

Em relação à terapia sistêmica adjuvante, todas as 50 pacientes receberam hormonioterapia. Para cinco pacientes, após o tratamento com IORT em dose única, indicou-se quimioterapia e, para duas, o trastuzumabe, pois fatores patológicos desfavoráveis foram identificados quando da avaliação patológica final (hematoxilina-eosina e imunoistoquímica).

Todas as 50 pacientes inclusas na análise realizaram cirurgia conservadora associada à IORT em modalidade única. Todas as pacientes tiveram as margens cirúrgicas livres de neoplasia ao final da ressecção; no entanto duas delas (4%) tiveram, ao final da análise anatomopatológica, margens livres, porém exíguas (entre 0,1 e 0,2mm), mas não foram reoperadas para ampliação da margem.

A pesquisa do linfonodo sentinela foi realizada em todas as pacientes, sendo retirados, em média, dois linfonodos para cada cirurgia. Em três pacientes (6%), foi realizada a linfonodectomia axilar nível I e II, devido ao diagnóstico de linfonodo sentinela comprometido durante a análise histopatológica intraoperatória e, em todas, o único linfonodo comprometido foi o próprio sentinela. A linfonodectomia axilar dessas três pacientes obteve média de 17 linfonodos axilares retirados. Nesses três casos, o comprometimento do linfonodo sentinela foi <2mm.

Todas as pacientes receberam dose de 21 Gy com elétrons, em dose única, durante a irradiação.

Em 27 pacientes (54%), foi empregada uma energia de 6 MeV e, nas demais, uma energia de 9 MeV. Os cones utilizados foram de diâmetros variáveis entre 5 a 9cm com isodoses percentuais ajustadas à espessura do tecido glandular (Tabela 1).

Entre as 50 pacientes, não se observou nenhuma infecção pós-operatória ou formação de seroma que necessitasse de aspiração assistida após a retirada do dreno de sucção a vácuo.

Também não foram verificados hematomas e deiscências de cicatriz e nem toxicidade radioterápica.

No entanto, a fibrose local, advinda como sequela pós-operatória, ocorreu em 35 pacientes (70%), sendo que esta começou a remitir de forma gradativa, chegando a desaparecer totalmente em um período de cerca de 18 meses. Em 57,1% das pacientes com sequela (n=20), tal complicação regrediu totalmente em até 12 meses.

A retração cutânea, ainda que discreta, ficou definitivamente presente em três pacientes (6%). A presença da esteatonecrose tornou-se sequela definitiva em cinco pacientes (10%), sem apresentar alteração clínica e cutânea, porém evidente ao exame físico palpatório e de imagem.

Somente três pacientes (6%) apresentaram recorrência local. Elas tiveram seus dados clínicos prévios reavaliados e observou-se que tinham margens livres no resultado patológico pós-operatório, invasão vascular negativa e sem comprometimento axilar. Duas pacientes, com idades de 55 e 61 anos, apresentaram recidiva no parênquima mamário, ambas com status imunoistoquímico de positividade de receptores de estrógeno (RE), progesterona (RP) e HER-2-uma delas no mesmo quadrante originariamente operado e a outra em área adjacente ao quadrante inicialmente acometido. A terceira paciente, com 49 anos de idade, com status imunoistoquímico de RE+, RP+ e HER-2 negativo teve recidiva cutânea sobre a cicatriz resultante da primeira cirurgia, portanto em área não irradiada. O diagnóstico anatomopatológico das três pacientes foi idêntico ao do tumor primário.

As pacientes que apresentaram recorrência local foram novamente tratadas. As duas que tiveram a recorrência intraparenquimatosa submeteram-se à mastectomia total seguida de reconstrução mamária com retalho miocutâneo. Já a terceira paciente, com recorrência cutânea em cicatriz, submeteu-se a uma nova ressecção local, seguida de radioterapia externa (50 Gy). As três encontram-se bem e sem evidência de doença local ou à distância até a data do envio deste estudo. Durante o período estudado, nenhuma paciente desenvolveu lesão metastática à distância e todas estão vivas e sem evidência de doença.

DISCUSSÃO

A irradiação de todo o parênquima glandular, após uma ressecção segmentar de mama, é postulada como fator de redução das taxas de recidiva local por eliminação de focos residuais de neoplasia, no sítio adjacente à área de ressecção e em áreas remotas. Isso foi comprovado por Rosen et al.(18) e Holland et al.(22) que, avaliando 203 espécimes de mastectomias, identificaram áreas multicêntricas de neoplasia in situ ou invasivas em 26% das mamas com lesões <2cm e em 36% das mamas com lesões entre 2,1 e 4cm. No entanto, a significância biológica dessas neoplasias ocultas ou o papel da radioterapia externa ainda estão indefinidos.

Meta-análise publicada em 2011 pelo Early Breast Cancer Trialist's Collaborative Group (EBCTCG) envolveu 17 trials e incluiu no total 10.081 mulheres submetidas a tratamento cirúrgico conservador do câncer de mama inicial, seguido de radioterapia. Esse estudo demonstrou que a radioterapia convencional proporciona maior ganho na redução absoluta da recorrência do câncer de mama entre as pacientes com linfonodos negativos e positivos e, além disso, proporciona uma melhora da sobrevivência e mortalidade(3).

A proposta de se realizar a irradiação focal, poupando o restante da glândula mamária, seguiu a linha lógica de padrão de recorrências locais a partir dos dados obtidos do estudo europeu Milão III(4), que investigou o papel da radioterapia quando comparou a quadrantectomia, seguida ou não da radioterapia, no tratamento do tumor de mama de até 2,5cm de diâmetro. Os resultados desse estudo evidenciaram taxa de recidiva local em seguimento mediano de 119 meses de 21,6% no grupo sem radioterapia e de 5,4% no grupo tratado com radioterapia (p=0,001).

Analisando o local das recorrências locais, observou-se que entre 65 e 100% das recidivas relatadas após ressecções segmentares e radioterapia externa são encontradas no mesmo quadrante do tumor inicial e com histologia semelhante à do tumor primário, provavelmente representando resíduo tumoral adjacente à área de ressecção que não foi controlado pela irradiação(4,23).

Assim, se as taxas de recidiva local, após cirurgia conservadora de mama com margens cirúrgicas negativas e radioterapia externa, são de aproximadamente 10% e se entre 65 e 100% dessas recidivas locais estão nas regiões imediatamente adjacentes ao sítio da ressecção segmentar, a conclusão é de que somente entre zero e 3,5% dessas pacientes tratadas com ressecção segmentar e radioterapia externa irão falhar fora do sítio primário da lesão tratada - valores estes bem abaixo dos índices teóricos de multicentricidade esperados por Rosen e Holland(18,24).

Vários estudos vêm objetivando demonstrar a utilidade da irradiação parcial e seu impacto na curabilidade do câncer de mama, assim como sua aplicação nas diferentes comunidades. Diferentes técnicas de execução da radioterapia parcial estão sendo avaliadas e seus resultados, apesar de favoráveis, ainda são um tanto controversos(16,25).

Alguns estudos demonstraram que a radioterapia externa convencional foi superior à parcial, quando analisada a recorrência local (10% na irradiação convencional comparados a 19,5% na irradiação parcial); outros mostraram o resultado oposto, como o estudo não aleatorizado de Reitsamer et al., que demonstraram que a IORT foi superior à convencional(26,27).

Temos ainda, mais recentemente, um outro método de IORT, chamado intrabeam, que é um feixe de fótons de baixa energia dirigidos a uma fonte pontual, que fornece uma baixa energia de irradiação e que vem sendo atualmente utilizada nos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Austrália e Itália. Em junho de 2010, foi publicada a primeira análise dessa modalidade. O estudo TARGIT A foi idealizado para comparar a radioterapia de dose única intraoperatória durante o tratamento cirúrgico conservador do câncer de mama inicial à radioterapia externa convencional. Esse estudo mostrou, em 4 anos de seguimento, uma recorrência local de 1% e uma toxicidade clínica relevante de 3%(25).

Conforme o consenso da American Society for Therapeutic Radiation Oncology (ASTRO), a radioterapia parcial da mama foi considerada uma nova tecnologia para pacientes selecionados e que, a longo prazo, poderá demonstrar se sua eficácia e segurança podem ser comparáveis as da irradiação externa convencional no tratamento do câncer de mama inicial(28).

A técnica da IORT, utilizada neste estudo, poupa a pele dos efeitos da irradiação e facilita a vida pessoal das pacientes, pois o tratamento é realizado durante o intraoperatório, liberando-as para suas atividades habituais tão logo recuperadas do tratamento cirúrgico. Traz ainda a vantagem de não atrasar o tratamento irradiante, que, em certas circunstâncias, é postergado devido à quimioterapia adjuvante. Tem também a vantagem de não irradiar áreas de órgãos adjacentes, como pulmão e a mama contralateral.

Essa técnica foi desenvolvida por Veronesi et al.(16) e, em estudos fases I, II e III, foram investigados a dose ideal, sua aplicabilidade, sua reprodutibilidade e sua eficiência.

No estudo IORT, foram analisadas 1.822 pacientes, no período de 2000 a 2008, tendo sido observado 1,8% de casos com fibrose sem prejuízo estético e 4,8% de casos de liponecrose. Neste estudo, houve um número alto de fibrose local sequelar (70% das pacientes), porém, em 57,1% delas, a fibrose regrediu em cerca de 12 meses após o tratamento. A principal complicação estética ocorreu em três pacientes (6%), caracterizada por fibrose e retração cutânea local. Porém, nenhuma dessas pacientes desejou fazer a reparação estética por achar que o prejuízo foi irrisório.

No presente estudo, utilizando a radioterapia parcial, na modalidade IORT, foi obtido o percentual de recorrência local de 6% em um período médio de seguimento de 42 meses. Já Veronesi et al.(16) relataram índice de recorrência local de 2,3% em um período médio de seguimento de 36 meses.

Em pacientes com linfonodos axilares negativos, os índices de recorrência local, após tratamento conservador seguido da radioterapia convencional, oscilam por volta de 6,7% em 5 anos(2,3). A meta-análise do Early Breast Cancer Trialist´s Collaborative Group, em 10 anos de seguimento, demonstrou que as pacientes que tinham linfonodos axilares livres de comprometimento neoplásico, tiveram redução absoluta do risco de recorrência local de 15,4% (risco relativo: 0,46; intervalo de confiança de 95%: 0,41-0,51)(3).

O alto índice de recorrência deste estudo nos faz ser mais reticentes com essa nova técnica e, mesmo fazendo ressalva por nossa pequena casuística, acreditamos que os critérios de inclusão, para receber esse tipo de tratamento, devam ser criteriosamente revistos.

Sugerimos seguir estritamente os critérios de eleição estabelecidos pela ASTRO: idade ≥60 anos, estádio T1, não apresentar carcinoma ductal in situ extenso, linfonodos axilares negativos, receptores hormonais de estrogênio positivo, invasão linfovascular negativa, margens livres de tumor ≥2mm e ausência de multicentricidade(29).

No entanto, apesar dessas considerações, julgamos promissor o fato de todas as nossas pacientes estarem vivas e sem evidência de doença local ou à distância até o fechamento deste estudo.

Recomendamos ainda que, no momento, a IORT deva ser realizada em caráter protocolar de estudo, enquanto aguardamos os ensaios aleatorizados do Radiation Therapy Oncology Group (RTOG) 0413, o B-39 do NSABP e o IMPORT LOW - estudo do Reino Unido, que deverão esclarecer melhor sobre os critérios de indicação e vantagens desse tratamento. No entanto, esses dados só estarão disponíveis em alguns anos.

CONCLUSÃO

A radioterapia parcial é uma técnica exequível e promissora, porém deve ainda ser indicada em casos selecionados, sendo preferencialmente preenchidos os critérios de inclusão de irradiação parcial da ASTRO, ao menos até que tenhamos um seguimento mais longo para haver a mesma segurança ao indicá-la, como já o fazemos com a radioterapia convencional.

Data de submissão: 16/3/2013

Data de aceite: 9/11/2013

Conflitos de interesse: não há.

Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil.

  • 1. Surveillance Epidemiology and End Results [internet]. Bethesda: National Cancer Institute; c1975-2006. Previous Version: SEER Cancer Statistics Review, 1975-2006. 2009 Apr 15 [cited 2013 May 8]. Available from: http://seer.cancer.gov/csr/1975_2006/
  • 2. Clarke M, Collins R, Darby S, Davies C, Elphinstone P, Evans E, Godwin J, Gray R, Hicks C, James S, MacKinnon E, McGale P, McHugh T, Peto R, Taylor C, Wang Y; Early Breast Cancer Trialists' Collaborative Group (EBCTCG). Effects of radiotherapy and of differences in the extent of surgery for early breast cancer on local recurrence and 15-year survival: an overview of the randomised trials. Lancet. 2005;366(9503):2087-106.
  • 3. Early Breast Cancer Trialists' Collaborative Group (EBCTCG), Darby S, McGaleP, Correa C, Taylor C, Arriagada R, Clarke M, Cutter D, Davies C, Ewertz M,Godwin J, Gray R, Pierce L, Whelan T, Wang Y, Peto R. Effect of radiotherapy after breast-conserving surgery on 10-year recurrence and 15-year breast cancer death: meta-analysis of individual patient data for 10,801 women in 17 randomised trials. Lancet. 2011;378(9804):1707-16.
  • 4. Veronesi U, Salvadori B, Luini A, Greco M, Saccozzi R, del Vecchio M, et al. Breast conservation is a safe method in patients with small cancer of the breast. Long-term results of three randomized trials on 1,973 patients. Eur J Cancer. 1995;31A(10):1574-9.
  • 5. Veronesi U, Saccozzi R, Del Vechio M, Banfi A, Clemente C, De Lena M, et al. Comparing radical mastectomy with quadrantectomy, axillary dissection and radiotherapy in patients with small cancers of the breast. N Engl J Med. 1981;305(1):6-11.
  • 6. Veronesi U, Cascinelli N, Mariani L, Greco M, Saccozzi R, Luini A, et al. Twenty-year follow-up of a randomized study comparing breast-conserving surgery with radical mastectomy for early breast cancer. N Engl J Med. 2002;347(16):1227-32.
  • 7. Fisher ER, Anderson S, Tan-Chiu E, Fisher B, Eaton L, Wolmark N. Fifteen-year prognostic discriminants for invasive breast carcinoma: National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project Protocol B-06. Cancer. 2001; 91(18 Suppl):1679-87.
  • 8. Fisher B, Anderson S, Bryant J, Margolese RG, Deutch M, Fisher ER, et al. Twenty-year follow up a randomized trial comparing total mastectomy, lumpectomy,and lumpectomy plus irradiation for the treatment of invasive breast cancer. N Engl J Med. 2002;347(16):1233-41.
  • 9. Fisher B, Redmond C, Poisson R, Margolese R, Wolmark N, Wickerham L, et al. Eight-year results of a randomized clinical trial comparing total mastectomy and lumpectomy with or without irradiation in the treatment of breast cancer. N Engl J Med. 1989;320(13):822-8.
  • 10. Consensus statement: treatment of early-stage breast cancer. National Institutes of Health Consensus Development Panel. J Natl Cancer Inst Monogr.1992;(11)1-5.
  • 11. Tatsuzaki H, Levin CV. Quantitative status of resources for radiation therapy in Asia and Pacific region. Radiother Oncol. 2001;60(1):81-9.
  • 12. Barton MD, Frommer M, Shafiq J. Role of radiatiotherapy in cancer control in low- income and middle-income countries. Lancet Oncol. 2006;7(7): 584-95.
  • 13. Fisher B, Bryant J, Dignam JJ, Wickerham DL, Mamounas EP, Fisher ER, Margolese RG, Nesbitt L, Paik S, Pisansky TM, Wolmark N; National Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project. Tamoxifen, radiation therapy, or both for prevention of ipsilateral breast tumor recurrence after lumpectomy in women with invasive breast cancers of one centimeter or less. J Clin Oncol. 2002;20(20):4141-9.
  • 14. Wang SY, Chu H, Shamliyan T, Jalal H, Kuntz KM, Kane RL, et al. Network meta-analysis of margin threshold for women with ductal carcinoma in situ. J Natl Cancer Inst. 2012;104(7):507-16.
  • 15. Houssami N, Macaskill P, Marinovich ML, Dixon JM, Irwig L, Brennan ME, et al. Meta-analysis of the impact of surgical margins on local recurrence in women with early-stage invasive breast cancer treated with breast conserving therapy. Eur J Cancer. 2010;46(18):3219-32.
  • 16. Veronesi U, Orecchia R, Luini A, Galimberti V, Zurrida S, Intra M, et al. Intraoperative radiotherapy during breast conserving surgery: a study on 1,822 cases treated with electrons. Breast Cancer Res Treat. 2010;124(1):141-51.
  • 17. Elston CW, Ellis IQ. Pathological prognostic factors in breast cancer. The value of histological grade in breast cancer: experience from a large study with long-term follow-up. Histopathology. 1991;19(5):403-10.
  • 18. Rosen PP, Fracchia AA, Urban JA, Schottenfeld D, Robbins GF. "Residual" mammary carcinoma following simulated partial mastectomy. Cancer. 1975; 35(3):739-47.
  • 19. Pauletti G, Godolphin W, Press MF, Slamon DJ. Detection and quantitation of HER-2/neu gene amplification in human breast cancer archival material using fluorescence in situ hybridization. Oncogene. 1996;13(1):63-72.
  • 20. Veronesi U, Volterrani F, Luini A, Saccozzi R, Del Vecchio M, Zucali R, et al. Quadrantectomy versus lumpectomy for small size breast cancer. Eur J Cancer. 1990;26(6):671-3.
  • 21. Veronesi U, Luini A, Del Vecchio M, Greco M, Galimberti V, Merson M, et al. Radiotherapy after breast-preserving surgery in women with localized cancer of the breast. N Engl J Med. 1993;328(22):1587-91.
  • 22. Holland R, Connolly JL, Gelman R, Mravunac M, Hendriks JH, Verbeek AL, et al. The presence of an extensive intraductal component following a limited excision correlates with prominent residual disease in the remainder of the breast. J Clin Oncol. 1990;8(1):113-8.
  • 23. Veronesi U, Marubini E, Mariani L, Galimberti V, Luini A, Veronesi P, et al. Radiotherapy after breast-conserving surgery in small breast carcinoma: long term results of a randomized trial. Ann Oncol. 2001;12(7):997-1003.
  • 24. Holland R, Veling SH, Mravunac M, Hendriks JH. Histologic multifocality of Tis, T1-2 breast carcinomas. Implications for clinical trials of breast-conserving surgery. Cancer. 1985;56(5):979-90.
  • 25. Vaidya JS, Joseph DJ, Tobias JS, Bulsara M, Wenz F, Saunders C, et al. Targeted intraoperative radiotherapy versus whole breast radiotherapy for breast cancer (TARGIT-A trial): an international, prospective, randomized, non-inferiority phase 3 trial. Lancet. 2010;376(9735):91-102.
  • 26. Ribeiro GG, Magee B, Swindell R, Harris M, Banerjee SS. The Christie Hospital breast conservation trial: an update at 8 years from inception. Clin Oncol (R Coll Radiol).1993;5(5):278-83.
  • 27. Reitsamer R, Peintinger F, Kopp M,Menzel C,Kogelnik HD,Sedlmayer F. Local recurrence rates in breast cancer patients treated with intraoperative electron-boost radiotherapy versus postoperative external-beam electron-boost irradiation. A sequential intervention study. Strahlenther Onkol. 2004;180(1):38-44.
  • 28. Smith BD, Arthur DW, Buchholz TA, Haffty BG, Hahn CA, Hardenbergh PH, et al. Accelerated partial breast irradiation consensus statement from the American Society for Radiation Oncology (ASTRO). Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2009;74(4):987-1001.
  • 29. Prosnitz LR, Horton J, Wallner PE. Accelerated partial breast irradiation: caution and concern from an ASTRO task force. Int J Radiation Oncol Biol Phys. 2009;74(4):981-4.
  • Endereço para correspondência:
    Silvio Eduardo Bromberg
    Avenida Albert Einstein, 627/701, consultório 122C, bloco A1 - Morumbi
    CEP: 05652-900 - São Paulo, SP, Brasil
    Tel.: (11) 2151-5122
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      16 Mar 2013
    • Aceito
      09 Nov 2013
    Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@einstein.br