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Opinião dos trabalhadores de enfermagem sobre um programa de melhoria contínua da qualidade de um hospital universitário

Resumos

Objetivo

Analisar a opinião dos trabalhadores de enfermagem sobre o programa de melhoria contínua da qualidade em um Hospital Universitário.

Métodos

Estudo descritivo delineado como estudo de caso, cujo objeto de análise foi o programa de qualidade de um Hospital Universitário, com levantamento da opinião de amostra estratificada por categoria da equipe de enfermagem, por meio de questionário autoaplicável, no período de maio a julho de 2012. As respostas foram submetidas à análise fatorial, tendo por referencial teórico-metodológico o materialismo histórico-dialético.

Resultados

A análise fatorial agrupou as variáveis em seis fatores: condições de trabalho, anuência, pertencimento, tranquilidade, relações interpessoais e vida pessoal. Com exceção do fator relações interpessoais, as respostas revelaram que os trabalhadores não têm opinião a respeito das questões propostas. Quatro, entre os seis fatores, tiveram predominância de respostas positivas.

Conclusão

Expressivo percentual dos respondentes não conhecia as implicações de um programa de qualidade. A maioria dos trabalhadores acredita que o programa influencia positivamente em suas condições e nas relações interpessoais no trabalho, e dá anuência ao programa, porém, não se sentiam parte do programa e não tinham tranquilidade para desenvolver suas atividades. Eles também não viam interferência do programa em sua vida pessoal.

Sistemas de saúde; Gestão em saúde; Gestão de qualidade; Condições de trabalho; Recursos humanos de enfermagem no hospital


Objective

To analyze the nursing staff opinion about the continuous quality improvement program at a University Hospital.

Methods

A descriptive study designed as a case study, analyzing the quality program at a University Hospital, with the opinion of a sample stratified by nursing team category through a self-administered questionnaire, from May to July 2012. The answers were submitted to factor analysis, having the dialectical and historical materialism as the theoretical-methodological reference.

Results

The factor analysis grouped the variables in six factors: working conditions, approval, belongingness, tranquility, interpersonal relations, and private life. With the exception of the factor interpersonal relations, the answers revealed that workers do not have opinion about the proposed questions. Four of the six factors had a predominance of positive answers.

Conclusion

A high percentage of respondents was not aware of the implications of a quality program. The majority believed that the program influenced positively in their working conditions and in the interpersonal relationships at work and agree with the program; however, they did not feel part of the program, and were not at ease to develop these activities. They did not acknowledge the program interfering in their personal life.

Health systems; Health management; Quality management; Working conditions; Nursing staff hospital


INTRODUÇÃO

A melhoria da qualidade em saúde contribui para diminuir erros e, assim, prejuízos aos pacientes, merecendo atenção das instituições de saúde, que se voltam aos programas de qualidade. Os defensores desses programas afirmam que, pelo aperfeiçoamento dos processos, avança-se na direção da excelência, cuja busca é infindável. O aprimoramento da qualidade dos resultados traduz-se em satisfação de todas as partes interessadas.(1. Mezomo J. O modelo industrial de melhoria de qualidade aplicado aos serviços de saúde. Hosp Adm Saúde. 1994;18(3):155-60.,2. Chiochetta JC, Kovaleski JL, Boaretto N, Sanzovo N. Processos de gestão: descomplicando a questão da qualidade. RECADM. 2003;2(2):1-9.)

O alcance dos padrões, entendido como base para elevar a qualidade, é o principal condutor dos esforços de segurança,(3. Warburton RN. Accreditation and regulation: can they help improve patient safety [Internet]? Perspective on Safety [cited 2013 Nov 13]. Available from: http://webmm.ahrq.gov/printviewperspective.aspx?perspectiveID=74
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)sendo incentivado por organizações como Institute for Healthcare Improvement, United Kingdom National Health Service, Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations, Agency for Healthcare Research and Quality e United States National Quality Forum.(4. Rigobello MC, Carvalho RE, Cassiani SH, Galon T, Capucho HC, Deus NN. Clima de segurança do paciente: percepção dos profissionais de enfermagem. Acta Paul Enferm. 2012;25(5):728-35.)

Entretanto, outros estudos referem que as empresas valem-se de técnicas refinadas de manipulação dos trabalhadores, que encobrem as bases tayloristas de aumento da produção e geração de lucro, sobre as quais esses programas se assentam.(5. Lima FP. Medida e desmedida: padronização do trabalho ou livre organização do trabalho vivo? Production. 1994;4(n. esp.):3-17.,6. Paiva SM, Silveira CA, Gomes EL, Tessuto MC, Sartori NR. Teorias administrativas na saúde: a lógica capitalista que subordina as teorias administrativas [Internet]. In: 2O Seminário Internacional Sobre o Trabalho em Enfermagem. Brasília (DF): Anais eletrônicos ABEn; 2008 [citado 2013 Nov 13]. Disponível em: http://www.abennacional.org.br/2SITEn/Arquivos/N.123.pdf
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)

Nesse contexto e entendendo que nem sempre todas as partes interessadas são aquelas que importam aos interesses de mercado das empresas, este estudo pretendeu refletir sobre a perspectiva de uma dessas partes: a do trabalhador.

OBJETIVO

O estudo objetivou analisar a opinião dos trabalhadores de enfermagem sobre o programa de melhoria contínua da qualidade desenvolvida em um Hospital Universitário.

MÉTODOS

Estudo descritivo delineado como estudo de caso, cujo objeto de análise foi o programa de qualidade do Hospital Universitário de Juiz de Fora.

Os dados foram coletados de maio a julho de 2012 por meio de um questionário autoaplicável, pré-testado em 10 sujeitos da população em estudo, contendo 24 afirmações. O grau de concordância do participante foi expresso por meio das afirmações, em uma escala com amplitude da resposta que contemplou cinco níveis.

Para cálculo da amostra, a população de 278 trabalhadores de enfermagem foi estratificada pelas categorias profissionais, com base na variância das respostas da amostra-piloto de 12 indivíduos, considerando-se erro máximo admissível de 5% e intervalo de confiança de 95%, resultando 82 trabalhadores de enfermagem, sendo 11 auxiliares, 55 técnicos e 16 enfermeiros. Foram incluídos trabalhadores que exerciam assistência ou serviços administrativos ligados à enfermagem. Foram excluídos trabalhadores que não desejavam participar e que não assinaram o termo de consentimento. Foi considerada margem de segurança para reposição das perdas amostrais.

Utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 14.0 para o processamento das respostas, submetidas à análise fatorial.

O teste de esfericidade de Bartlett resultou 1004,348, enquanto o teste de Kaiser-Meyer-Olkim apresentou valor 0,820, indicando a adequação da amostra para a técnica proposta. Foram excluídos os casos que não responderam a alguma das afirmações; o programa considerou 72 respostas.

Adotou-se o materialismo histórico-dialético como referencial teórico-metodológico.(7. Marx K, Engels F. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec; 1993.)

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil (nº 262/2010).

RESULTADOS

Dentre os trabalhadores que responderam ao questionário, 63% encontravam-se na faixa etária entre 30 e 49 anos; 78% eram mulheres; 53,5% tinham mais de 6 anos de formado; 54,6% atuavam há mais de 6 anos na instituição; 68,3% tinham apenas um emprego; e 54,9% tinham o regime jurídico único como vínculo trabalhista.

A análise fatorial das respostas dos trabalhadores em relação ao programa de qualidade permitiu o agrupamento das variáveis em seis fatores: condições de trabalho (avalia o quanto o trabalhador acredita que o programa de qualidade interfere em suas condições de trabalho); anuência (averigua concordância/aprovação do programa de qualidade); pertencimento (quantifica o sentimento de pertencimento do trabalhador em relação ao programa); tranquilidade (mensura quanta tranquilidade o trabalhador acredita dispor para desenvolver suas atividades); relações interpessoais (verifica a percepção do trabalhador sobre a interferência da qualidade nas relações) e vida pessoal (investiga a percepção do trabalhador sobre a interferência da qualidade em sua vida). A distribuição das respostas em relação a cada fator está apresentada na tabela 1.

Tabela 1
. Distribuição de respostas dos trabalhadores sobre sua opinião em relação a cada fator avaliado

Observa-se no fator 1 (condições de trabalho) que a maior parte dos respondentes (55,6%) concordou que o programa interfere positivamente, embora percentual expressivo (20,8%) tenha afirmado não ter opinião a respeito. Este foi o que mais concentrou opiniões positivas.

Quanto ao fator 2 (anuência) o percentual mais expressivo (38,9%) mostrou que os trabalhadores não tinham opinião a respeito, revelando desconhecimento do programa de qualidade da instituição, enquanto 43,0% o avaliaram positivamente. Este foi o fator com maior percentual na resposta de não ter opinião a respeito.

No fator 3 (pertencimento), a resposta com maior percentual (30,6%) foi não ter opinião a respeito, concentrando demais respostas revelando a tendência dos trabalhadores o avaliarem negativamente (37,5%), sendo este, após o fator 5 (relações interpessoais), que dividiu opiniões, o com o maior percentual de respostas muito negativas (27,8%).

Igualmente, no fator 4 (tranquilidade), o número mais expressivo foi o que tratava de não ter opinião a respeito (33,3%) e também este fator foi o que concentrou mais respostas revelando a tendência de os trabalhadores avaliá-lo negativamente (36,1%).

No fator 5 (relações interpessoais), a opinião dos trabalhadores dividiu-se entre os extremos: 51,4% dos trabalhadores avaliaram positivamente, sendo que, destes, 41,7% o avaliaram de forma muito positiva, enquanto 47,2% dos trabalhadores avaliaram negativamente o fator e, destes, 31,9% o avaliaram de forma muito negativa. Esse fator apresentou o maior número de respostas muito positivas e de respostas muito negativas. Também foi o que mais concentrou opiniões negativas.

O resultado da avaliação do fator 6 (vida pessoal) mostrou que, embora 22,2% dos trabalhadores tenham dito não ter opinião a respeito, a maioria (52,8%) o avaliou positivamente, tendo sido este, após o fator 5 (relações interpessoais), que dividiu opiniões, o com o maior percentual de respostas muito positivas (27,8%).

Com exceção do fator 5 (relações interpessoais), observou-se um percentual de respostas que revelou que os trabalhadores não tinham opinião a respeito, demonstrando, como no fator 2 (anuência), em que esse evento foi observado mais significativamente, que não conheciam as implicações de um programa de qualidade, nem o programa de qualidade da instituição. Observou-se ainda que quatro entre os seis fatores tiveram predominância de respostas positivas.

DISCUSSÃO

Trata-se de uma instituição pública de saúde, referência na macrorregião, que se propõe a desenvolver com qualidade atividades de assistência, ensino, pesquisa e extensão, mas, assim como outras organizações de saúde no Brasil, enfrenta desafios, que vão desde a insuficiência de financiamento até as questões relacionadas às políticas internas e externas, que dificultam uma gestão eficiente do serviço.(8. Machado SP, Kuchenbecker R. Desafios e perspectivas futuras dos hospitais universitários no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(4):871-7.,9. Weber L, Grisci CL. Trabalho, gestão e subjetividade: dilemas de chefias Intermediárias em contexto hospitalar. Cadernos EBAPE 2010;8(1):53-70.) Embora a instituição ofereça recursos assistenciais pouco comuns na região e preste relevante trabalho à população, contrastam estrutura e equipamentos de ponta, e profissionais altamente qualificados com deficiências nos processos assistenciais, que são amparados por serviços de apoio ineficientes e processos institucionais desarticulados,* * Universidade Federal de Juiz de Fora. Hospital Universitário de Juiz de Fora. Relatório de Gestão: 1994/2006; Relatório de Gestão: 2007/2009; Plano Diretor do Hospital Universitário da UFJF. [Documentos institucionais]. (contrariando o que se requer das instituições de alta complexidade que necessitam buscar confiabilidade em seu modus operandi.Essa prática perpassa por conceitos como sensibilidade às operações, principalmente nos processos que afetam diretamente o paciente; compreensão das razões que colocam os pacientes em risco; e disposição em ouvir e responder às ideias dos trabalhadores, que sabem como os processos realmente funcionam e como os pacientes estão expostos aos riscos.(10) 10 . Hines S, Luna K, Lofthus J, Marquardt M, Stelmokas D. Becoming a high reliability organization: operational advice for hospital leaders [Internet]. Rockville (MD): Agency for Healthcare Research and Quality; [cited 2013 Jul 31]. (AHRQ Publication; no. 08-0022). Available from: http://www.ahrq.gov/professionals/quality-patient-safety/quality-resources/tools/hroadvice/hroadvice.pdf
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Buscando a melhoria dos métodos gerenciais, a instituição optou por implementar um sistema de gestão da qualidade que, por sua vez, encontra dificuldades de operação, que incluem baixa prioridade frente às demandas emergenciais da instituição, à escassez de recursos e às questões políticas internas e externas de privilégios a alguns setores/indivíduos/ações/programas específicos; baixa autonomia, tanto em questões econômicas quanto de definição de políticas institucionais específicas, o que se reflete em descrédito em seu papel de intermediadora entre os serviços e o nível estratégico; carência de possibilidades de qualificação, recursos humanos qualificados e estrutura de trabalho; dificuldades de compartilhamento das responsabilidades do sistema com chefias muitas vezes limitadas em relação à competência gerencial; dificuldade de obter o envolvimento dos trabalhadores; atuação em um contexto conturbado por instabilidades políticas; e, por fim, questões relacionadas à resistência à mudança frente à nova proposta.** ** Universidade Federal de Juiz de Fora. Hospital Universitário de Juiz de Fora. Relatório do serviço de Gestão da Qualidade; Planejamento estratégico do serviço de Gestão da Qualidade. [Documentos institucionais]

Sua principal estratégia e, provavelmente, a mais nitidamente percebida pelos atores dos processos operacionais, é o programa de melhoria contínua, que prevê o estabelecimento de metas para os setores, que devem ser cumpridas com o apoio técnico da qualidade e que são verificadas por avaliações periódicas pontuadas, estimulando, de maneira lúdica, a busca da excelência.*** *** Universidade Federal de Juiz de Fora. Hospital Universitário de Juiz de Fora. Manual do programa Qualidade Nota 100. [Documento institucional]

A equipe de enfermagem tem grande participação nas ações requeridas para a implantação de programas de qualidade e também por eles afetada.(1111 . Manzo BF, Ribeiro HC, Brito MJ, Alves M. A enfermagem no processo de acreditação hospitalar: atuação e implicações no cotidiano de trabalho. Rev Latinoam Enferm. 2012;20(1):151-8.)

Sabe-se que a insatisfação com as condições de trabalho (fator 1. Mezomo J. O modelo industrial de melhoria de qualidade aplicado aos serviços de saúde. Hosp Adm Saúde. 1994;18(3):155-60.), além das implicações para o trabalhador, contribui para disputas trabalhistas dispendiosas, aumento de rotatividade e de risco para o paciente. E a satisfação da equipe afeta diretamente a satisfação do paciente e a qualidade do atendimento prestado.(1212 . McHugh MD, Kutney-Lee A, Cimiotti JP, Sloane DM, Aiken LH. Nurses’ widespread job dissatisfaction, burnout, and frustration with health benefits signal problems for patient care. Health Aff (Millwood). 2011;30(2):202-10.)

Por isso, não é possível pensar na melhoria da qualidade dos serviços sem oferecer condições apropriadas de produção aos trabalhadores, como compensação justa e adequada; condições de trabalho; uso e desenvolvimento de capacidades; chances de crescimento e segurança; integração social na empresa; constitucionalismo; trabalho e espaço total de vida; e relevância social da vida no trabalho.(1313 . Rechziegel W, Vanalle RM. Qualidade de vida no trabalho e a gestão da qualidade total [Internet]. In: XVIII ENEGEP e IV International Congress of Industrial Engineering. Niterói (RJ). Anais eletrônicos ABEPRO; 1998 [citado 2013 Nov 13]. Disponível em http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP1998_ART348.pdf
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) Todas essas são questões que tendem a ser incentivadas pelos programas de qualidade. A proposta, talvez pretensiosa para se compatibilizar com a gestão empresarial atual, pode ser considerada um ideal a ser perseguido.

Em um estudo qualitativo desenvolvido no mesmo hospital, os enfermeiros afirmaram que a implantação do programa organizou o serviço e favoreceu a atuação segura da equipe e, ao otimizar os processos, proporcionou mais tempo para sistematizar a assistência.(1414 . Lima NG, Dutra HS. Percepção do enfermeiro sobre o programa de qualidade de um Hospital Universitário de Minas Gerais. HU Rev. 2011;37(4):471-7.)

Embora não esteja diretamente incluída nas condições de trabalho, nota-se que parte dessa necessidade do trabalhador está relacionada à preocupação com o resultado da assistência decorrente de seu processo de trabalho. Mudanças positivas na qualidade da assistência foram constatadas em instituições de saúde que implementaram programas de qualidade.(1515 . Rocha ES, Trevizan MA. Gerenciamento da qualidade em um serviço de enfermagem hospitalar. Rev Latinoam Enferm. 2009;17(2):240-5.)

Na anuência (fator 2), verificou-se desconhecimento dos trabalhadores em relação ao programa. A anuência é importante para que se sintam motivados a aderirem às ações propostas. É importante a participação de todos para a efetivação da qualidade, pois esta depende de esforços individuais e coletivos.(1616 . Pertence PP, Melleiro MM. Implantação de ferramenta de gestão de qualidade em Hospital Universitário. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(4):1024-31.) Alguns estudos apontam que poucos profissionais compreendem efetivamente o significado de gestão da qualidade, mas acreditam se tratar de uma ferramenta capaz de intervir no processo de trabalho e proporcionar segurança. Também referem que muitos trabalhadores acreditam que a gestão da qualidade é de responsabilidade do setor de gestão da qualidade, não se percebendo como responsáveis pela efetivação dessa política; outros demonstram aguardar uma repentina mudança advinda da instauração de um programa da qualidade, sem entenderem o processo como uma construção diária(1414 . Lima NG, Dutra HS. Percepção do enfermeiro sobre o programa de qualidade de um Hospital Universitário de Minas Gerais. HU Rev. 2011;37(4):471-7.).

Embora seja consenso que todos devem se empenhar em fazer o melhor que podem, há que se pensar que todos devem também saber o que fazer, o que leva à reflexão de que não é esperado que alguém se envolva, concorde e consinta com aquilo que não compreende.(1515 . Rocha ES, Trevizan MA. Gerenciamento da qualidade em um serviço de enfermagem hospitalar. Rev Latinoam Enferm. 2009;17(2):240-5.) Apesar da história da implantação do programa revelar que a gestão da qualidade se empenhou em diversas capacitações sem participação efetiva dos trabalhadores, é preciso pensar em outras estratégias de envolvê-los.

A compreensão da importância da capacitação das pessoas na organização tem feito surgir estratégias participativas de aprendizagem que, para além do entendimento do homem como mero espectador que deve cumprir ordens, buscam mobilizar o potencial criativo dos trabalhadores, transformando-os em parte do processo de aprendizagem por meio da reflexão sobre a prática(1717 . Medeiros AC, Pereira QLC, Siqueira HC, Cecacno D, Moraes CL. Gestão participativa na educação permanente em saúde: olhar das enfermeiras. Rev Bras Enferm. 2010;63(1):38-42.).

Quanto ao pertencimento (fator 3), pode-se afirmar que tanto a qualidade do trabalho como a qualidade de vida no trabalho dependem de questões relacionadas à rotina do trabalhador, e às relações familiares e sociais, que incluem o sentimento de pertencimento.(1818 . Olivieri GM, Ribeiro HS. Organizações em mudança e o trabalhador [Internet]. In: Simpósio de jornalismo e Direito. Barra do Garças (MT). Anais eletrônicos. Universidade Federal de Mato Grosso; 2012 [citado 2013 Nov 13]. Disponível em: http://www.anormal-anm.com/sistema/trabalhos/files/1649.pdf
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) O resultado obtido está relacionado à anuência (fator 2), uma vez que, ao não compreender, conhecer e se envolver com o programa, o trabalhador não se sente parte dele. No estudo mencionado, parte dos entrevistados reconhecia a importância da participação no programa, mas assumia que não participava dele.(1414 . Lima NG, Dutra HS. Percepção do enfermeiro sobre o programa de qualidade de um Hospital Universitário de Minas Gerais. HU Rev. 2011;37(4):471-7.)

Resultados do programa americano de acreditação para a excelência do atendimento de enfermagem intitulado Magnet Recognition Program®, que traz padrões relacionados à liderança, melhoria da estrutura, princípios para a prática profissional, e melhorias, novos conhecimentos e inovações para a prática e resultados de qualidade, demonstram que a equipe de enfermagem dos serviços acreditados refere mais oportunidade de ter sua opinião acatada nas questões referentes à organização do espaço de trabalho, participação na liderança compartilhada e ambiente com atmosfera positiva. (1919 . Hess R, Desroches C, Donelan K, Norman L, Buerhaus PI. Perceptions of nurses in magnet® hospitals, non-magnet hospitals, and hospitals pursuing magnet status. J Nurs Adm. 2011;41(7-8):315-23.)

Em relação à tranquilidade (fator 4), alguns estudos demonstram que os profissionais não têm clareza sobre o conceito de estresse, mas consideram vivenciar estresse relacionado aos fatores intrínsecos ao trabalho, às relações, aos papéis estressores e à estrutura organizacional.(2020 . Stracciarini JM, Tróccoli BT. O Estresse na atividade ocupacional do enfermeiro. Rev Latinoam Enferm. 2001;9(2):17-25.)

Os programas de qualidade, ao proporem maior controle dos processos de trabalho, podem atuar como estressores em todas essas dimensões. Estudo que tratou das implicações do processo de acreditação para a equipe de enfermagem, além do estresse pelo programa em si, apontou uma cobrança desigual quanto ao seguimento dos padrões e atendimento de qualidade, em relação às diferentes categorias profissionais em uma instituição.(1111 . Manzo BF, Ribeiro HC, Brito MJ, Alves M. A enfermagem no processo de acreditação hospitalar: atuação e implicações no cotidiano de trabalho. Rev Latinoam Enferm. 2012;20(1):151-8.)

Além disso, estudos apontam que a gestão da qualidade aumenta a responsabilidade dos trabalhadores pela produção sem, muitas vezes, adequada contrapartida.(1818 . Olivieri GM, Ribeiro HS. Organizações em mudança e o trabalhador [Internet]. In: Simpósio de jornalismo e Direito. Barra do Garças (MT). Anais eletrônicos. Universidade Federal de Mato Grosso; 2012 [citado 2013 Nov 13]. Disponível em: http://www.anormal-anm.com/sistema/trabalhos/files/1649.pdf
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) Entretanto, o estudo qualitativo desenvolvido na instituição, ao tratar das dificuldades percebidas pelos enfermeiros na implantação do programa de qualidade, constatou que os trabalhadores sentem-se mais pressionados em função das dificuldades do exercício profissional decorrentes de problemas institucionais do que por conta do controle do programa de qualidade.(1414 . Lima NG, Dutra HS. Percepção do enfermeiro sobre o programa de qualidade de um Hospital Universitário de Minas Gerais. HU Rev. 2011;37(4):471-7.)

Aplicando a teoria dos dois fatores de Herzberg,(2121 . Chiavenato I. Introdução à teoria geral da administração. Rio de Janeiro: Elsevier; 2004.) é possível perceber que os elementos ambientais ou higiênicos (condições de trabalho, tipo de supervisão, políticas administrativas, status e prestígio, relações interpessoais, dinheiro e segurança pessoal) é que afetam a satisfação desses trabalhadores, assim como demonstrado em outros estudos sobre a motivação no trabalho da equipe de enfermagem.(2222 . Pereira MC, Fávero N. A motivação no trabalho da equipe de enfermagem. Rev Latinoam Enferm. 2001;9(4):7-12.) Herzberg considera que qualquer mudança ou melhoria nesses elementos diminuirá a insatisfação, mas não aumentará a satisfação.(2121 . Chiavenato I. Introdução à teoria geral da administração. Rio de Janeiro: Elsevier; 2004.)

No que tange às relações interpessoais (fator 5), cabe observar que, adaptando-se os princípios da qualidade de Deming para a área de saúde, mostra-se em todos a necessidade de responsabilidade do trabalhador com a qualidade, mas igualmente a responsabilidade da instituição para com o trabalhador, fornecendo-lhe as condições necessárias e, por isso, os programas de qualidade devem melhorar o ambiente de trabalho.(1. Mezomo J. O modelo industrial de melhoria de qualidade aplicado aos serviços de saúde. Hosp Adm Saúde. 1994;18(3):155-60.) Essa afirmação coincide com a opinião dos trabalhadores que avaliaram bem o fator.

Para alguns autores, entretanto, embora o movimento da Qualidade Total, ao se autoqualificar humanista, democrático e participativo, a partir do que teria herdado da Escola das Relações Humanas, pretenda ser superior à Organização Científica do Trabalho proposta por Taylor, ele se assemelha à esta em diversos pontos, como a divisão social do trabalho, o disfarce do jogo de interesses por meio da alegação de que o cliente é o maior beneficiado, o método cartesiano baseado em fatos e dados, a ênfase na educação como solução para o mundo do trabalho e a pretensa aplicabilidade universal, mas se utiliza da primeira em seu caráter de manipulação refinada da força de trabalho.(5. Lima FP. Medida e desmedida: padronização do trabalho ou livre organização do trabalho vivo? Production. 1994;4(n. esp.):3-17.)

Ainda que, talvez sem compreender totalmente o alcance dessas afirmações, os trabalhadores que avaliaram negativamente o fator demonstram que não concordam que o programa de qualidade possa melhorar as relações interpessoais, expressando a crença na incapacidade e/ou estratégia do programa de fazê-lo.

Quanto à vida pessoal (fator 6), o resultado mostra que os trabalhadores acreditam que a qualidade não tem interferência, corroborando a reflexão sobre o achado da tranquilidade (fator 4) em que, embora parte significativa dos trabalhadores tenha revelado que se sente pressionada, essa pressão não parece estar associada ao programa de qualidade, mas às suas condições de trabalho.(1414 . Lima NG, Dutra HS. Percepção do enfermeiro sobre o programa de qualidade de um Hospital Universitário de Minas Gerais. HU Rev. 2011;37(4):471-7.)

Questões como aumento da jornada de trabalho e precariedade das condições de trabalho têm sido apontadas como responsáveis pelo desgaste físico, emocional e sofrimento no quotidiano do trabalhador de enfermagem.(2323 . Medeiros SM, Ribeiro LM, Fernandes SM, Veras VS. Condições de trabalho e enfermagem: a transversalidade do sofrimento no cotidiano. Rev Eletr Enf [Internet]. 2006 [citado 2013 Nov 13];8(2):233-40. Disponível em: http://www.fen.ufg.br/revista/revista8_2/v8n2a08.htm
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)

Mesmo que os trabalhadores sofram estresse e percebam cobranças desiguais, eles acreditam que o processo proporciona trocas de experiências positivas e maiores oportunidades no mercado de trabalho.(1111 . Manzo BF, Ribeiro HC, Brito MJ, Alves M. A enfermagem no processo de acreditação hospitalar: atuação e implicações no cotidiano de trabalho. Rev Latinoam Enferm. 2012;20(1):151-8.)

É inegável que a realidade vivenciada pela instituição interfere na implantação do programa de qualidade e na percepção dos trabalhadores sobre tal programa. Contudo, os resultados evidenciam a necessidade de se investir em estratégias capazes de informar aos trabalhadores o real alcance do programa, para obter sua adesão e viabilizar a operacionalização da política da qualidade.

Em respeito à história de lutas pelo direito social de acesso universal a um sistema de saúde de qualidade, acredita-se que a discussão de qualquer forma de gestão da saúde deve ir além dos indicadores institucionais. Evidencia-se a necessidade de incentivo à implementação de programas de qualidade pautados pela melhoria da qualidade do serviço ao cidadão que o utiliza, com correspondente valorização do trabalhador que a produz e pela responsabilidade socioambiental, beneficiando, de fato, a todas as partes interessadas.

CONCLUSÃO

Expressivo percentual dos respondentes demonstrou não ter opinião a respeito das questões propostas revelando que não conhecem as implicações de um programa de qualidade, nem do programa de qualidade em questão, mas a maioria dos trabalhadores acredita que o programa interfere positivamente em suas condições de desenvolvimento do trabalho; dá anuência ao programa, mas não se sente parte dele; não sente tranquilidade no desenvolvimento de suas atividades − embora essa falta de tranquilidade pareça estar mais relacionada às questões de sua prática laboral do que às cobranças do programa; acredita que o programa interfere positivamente nas relações interpessoais no trabalho, embora essa seja a questão mais divergente entre as apresentadas; e não vê interferência do programa em sua vida pessoal.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2013
  • Aceito
    Dez 2013
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