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Alterações dos parâmetros hematológicos em pacientes portadores de úlcera por pressão em um hospital de longa permanência

Resumos

Objetivo

Avaliar os fatores associados ao desenvolvimento da úlcera por pressão e comparar a efetividade de tratamentos farmacológicos.

Métodos

Os fatores associados ao desenvolvimento de úlcera por pressão foram comparados entre pacientes portadores (n=14) e não portadores (n=16) da lesão. Os pacientes com a ferida foram tratados com sulfadiazina de prata 1% ou colagenase 0,6UI/g, sendo acompanhados durante 8 semanas. Os dados coletados foram analisados considerando-se estatisticamente significativo se p<0,05.

Resultados

A prevalência de úlcera por pressão foi de cerca de 6%. A comparação entre os grupos de portadores e não portadores de úlcera por pressão não revelou diferença estatística significativa entre ocorrência desta segundo idade, sexo, cor da pele, mobilidade e uso de fralda. Por outro lado, os valores de hemoglobina, hematócrito e hemácias foram estatisticamente diferentes entre os grupos, sendo menor naqueles pacientes portadores da lesão. Não houve diferença significativa na área da lesão entre aqueles pacientes tratados com colagenase ou sulfadiazina de prata, embora ambos os tratamentos tenham evidenciado uma redução média da área da lesão.

Conclusão

Os parâmetros hematológicos apresentaram diferença estatística entre os dois grupos avaliados, ao contrário das demais variáveis analisadas. Em relação ao tratamento das úlceras, não houve diferença na área da lesão na comparação entre a colagenase e a sulfadiazina.

Úlcera por pressão/quimioterapia; Úlcera por pressão/prevenção & controle; Cicatrização; Hematócrito; Hemoglobinas


Objective

To assess factors associated with the development of pressure ulcers, and to compare the effectiveness of pharmacological treatments.

Methods

The factors associated with the development of pressure ulcers were compared in lesion-carrying patients (n=14) and non-carriers (n=16). Lesion-carrying patients were treated with 1% silver sulfadiazine or 0.6IU/g collagenase and were observed for 8 weeks. The data collected was analyzed with p<0.05 being statistically relevant.

Results

The prevalence of pressure ulcers was about 6%. The comparison of carrier and non-carrier groups of pressure ulcers revealed no statistically significant difference in its occurrence with respect to age, sex, skin color, mobility, or the use of diapers. However, levels of hemoglobin, hematocrit, and red blood cells were found to be statistically different between groups, being lower in lesion-carrying patients. There was no significant difference found in lesion area between patients treated with collagenase or silver sulfadiazine, although both groups showed an overall reduction in lesion area through the treatment course.

Conclusion

Hematologic parameters showed a statistically significant difference between the two groups. Regarding the treatment of ulcers, there was no difference in the area of the lesion found between the groups treated with collagenase and silver sulfadiazine.

Pressure ulcer/drug therapy; Pressure ulcer/prevention & control; Wound healing; Hematocrit; Hemoglobins


INTRODUÇÃO

A úlcera por pressão (UP) é um grave problema de saúde em todo o mundo. No Brasil, poucos são os estudos referentes à incidência e à prevalência de úlceras, contudo, o problema é semelhante ao encontrado em outros países, apresentando incidência de 2 a 29,5% na população em geral.(11. Anselmi ML, Peduzzi M, França Junior I. Incidência de úlcera por pressão e ações de enfermagem. Acta Paul Enferm. 2009;22(3):257-64.) No entanto, em hospitais de longa permanência, o cenário é ainda mais preocupante, já que cerca de 40% dos idosos internados desenvolvem úlcera durante seu período de internação.(22. Costa MP, Sturtz G, Costa FP, Ferreira MC, Barros Filho TE. Epidemiologia e tratamento das úlceras de pressão: experiência de 77 casos. Acta Ortop Bras. 2005;13(3):124-33.) Apesar de muito frequente, as dificuldades e os desafios da prevenção e tratamento são discutidos há muitos anos.(22. Costa MP, Sturtz G, Costa FP, Ferreira MC, Barros Filho TE. Epidemiologia e tratamento das úlceras de pressão: experiência de 77 casos. Acta Ortop Bras. 2005;13(3):124-33.)

A UP pode ser definida como uma lesão localizada, acometendo pele e/ou tecidos subjacentes, usualmente sobre uma proeminência óssea, resultante de pressão ou de pressão associada a cisalhamento e/ou fricção.(33. European Pressure Ulcer Advisory Panel and National Pressure Ulcer Advisory Panel. Prevention and treatment of pressure ulcers: quick reference guide. Washington DC: National Pressure Ulcer Advisory Panel [Internet]. 2009. [cited 2014 Jul 12]. Available from: http://www.epuap.org/guidelines/Final_Quick_Prevention.pdf
http://www.epuap.org/guidelines/Final_Qu...
) De acordo com o comprometimento tecidual, a evolução da úlcera é classificada em estágios (I a IV), tendo por base os critérios da National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP).(33. European Pressure Ulcer Advisory Panel and National Pressure Ulcer Advisory Panel. Prevention and treatment of pressure ulcers: quick reference guide. Washington DC: National Pressure Ulcer Advisory Panel [Internet]. 2009. [cited 2014 Jul 12]. Available from: http://www.epuap.org/guidelines/Final_Quick_Prevention.pdf
http://www.epuap.org/guidelines/Final_Qu...

4. Blanes L, Duarte IS, Calil JA, Ferreira LM. Avaliação clínica e epidemiológica das úlceras de pressão em pacientes internados no Hospital São Paulo. Rev Assoc Med Bras. 2001;50(2):182-7.
-55. Silva RC, Figueiredo NM, Meireles IB, Costa MM, Silva CR. Feridas: fundamentos e atualizações em enfermagem. 3a ed. São Caetano do Sul: Editora Yendis; 2011.) O estágio I da úlcera caracteriza-se por alterações observáveis na pele intacta, com eritema persistente de uma área localizada e que não desaparece a pressão, além de variações da temperatura tecidual (quente ou fria), quando comparada com o tecido adjacente. Adicionalmente, a área pode se apresentar dolorosa, endurecida ou amolecida. Por outro lado, as úlceras no estágio II são caracterizadas pela perda parcial da espessura da derme, apresentando-se como uma úlcera superficial com o leito de coloração vermelho pálida, sem esfacelo. Pode ainda se apresentar como flictena, intacta ou aberta. Já as úlceras em estágio III são caracterizadas pela perda de tecido em sua espessura total. A gordura subcutânea pode estar visível, sem exposição do osso, tendão ou músculo. Nesse estágio, o esfacelo pode estar presente, sem prejudicar a identificação da profundidade da perda tecidual. Por fim, a perda total de tecido com exposição do osso, do músculo ou do tendão é observada nas úlceras em estágio IV. Em adição, pode haver presença de esfacelo ou escara em algumas partes do leito da ferida.

A etiologia da UP deve-se a fatores extrínsecos e intrínsecos ao paciente. Dentre os fatores extrínsecos, os principais incluem a intensidade e a duração do agente que pressiona a pele, enquanto, dentre os intrínsecos, destacam-se a idade do paciente, seu estado nutricional e nível de consciência, a perfusão tecidual, o uso de alguns medicamentos e a presença de doenças crônicas, como o diabetes e doenças cardiovasculares.(44. Blanes L, Duarte IS, Calil JA, Ferreira LM. Avaliação clínica e epidemiológica das úlceras de pressão em pacientes internados no Hospital São Paulo. Rev Assoc Med Bras. 2001;50(2):182-7.)

O cuidado inicial para tratamento da úlcera pode envolver o desbridamento, com a posterior aplicação de produtos para limpeza e regeneração tecidual.(55. Silva RC, Figueiredo NM, Meireles IB, Costa MM, Silva CR. Feridas: fundamentos e atualizações em enfermagem. 3a ed. São Caetano do Sul: Editora Yendis; 2011.) A limpeza é frequentemente realizada com soro fisiológico 0,9%, seguida pela aplicação de diversos agentes farmacológicos, como os ácidos graxos essenciais, a colagenase e a sulfadiazina de prata.(66. Manhezi AC, Bachion MM, Pereira AL. Utilização de ácidos graxos essenciais no tratamento de feridas. Rev Bras Enferm. 2008;61(5):620-9.)

No Brasil, poucos estudos vêm sendo realizados a respeito das UP e seu tratamento. Os estudos já realizados mostraram que as formas de tratamento variam muito, além de o cumprimento das diretrizes existentes ser, por vezes, inadequado.(22. Costa MP, Sturtz G, Costa FP, Ferreira MC, Barros Filho TE. Epidemiologia e tratamento das úlceras de pressão: experiência de 77 casos. Acta Ortop Bras. 2005;13(3):124-33.,77. De Laat EH, Schoonhoven L, Pickkers P, Verbeek AL, Achterberg T. Implementation of a new policy results in a decrease of pressure ulcer frequency. Int J Qual Health Care. 2006;18:107-12.)

OBJETIVO

Avaliar os fatores relacionados ao desenvolvimento da úlcera por pressão em pacientes internados em um hospital de longa permanência, bem como comparar a efetividade de dois tratamentos farmacológicos.

MÉTODOS

O presente trabalho caracterizou-se como um estudo prospectivo, realizado em pacientes internados em um hospital de longa permanência de Juiz de Fora (MG), que dispõe de 219 leitos. Foram incluídos todos os pacientes portadores de UP (n=14) internados na instituição durante o período avaliado, que foi dede março a maio de 2013, assim como pacientes com risco de desenvolver úlceras (n=16), os quais foram selecionados randomicamente baseando-se na escala de Braden <18. Tal escala é uma ferramenta útil e muito utilizada para avaliar o risco de desenvolvimento da UP, determinado por meio da medida dos parâmetros clínicos de exposição para intensa e prolongada pressão, e da tolerância do tecido a essa pressão. A pontuação na escala de Braden varia de 4 a 23, sendo que pacientes hospitalizados com escore ≥16 pontos são considerados de pequeno risco para desenvolvimento da lesão, enquanto os escores <11 apontam alto risco.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora (processo 0059/12), e todos os voluntários foram esclarecidos da pesquisa e consentiram na participação por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A coleta dos dados foi realizada partir de registros contidos no prontuário do paciente, com o propósito de registrar as informações sociodemográficas, clínicas, medicamentos sistêmicos, fatores de risco, medidas de prevenção da úlcera e seguimento do tratamento farmacológico e não farmacológico da lesão. Os dados referentes aos exames laboratoriais (hemoglobina, hematócrito, hemácias, leucócitos, neutrófilos, linfócitos, glicose, creatinina, colesterol total e frações e triglicerídeos) foram obtidos a partir de amostras de sangue do paciente em jejum apropriado, coletadas após sua inclusão no estudo. Todos os exames foram realizados conforme rotina do hospital. O tratamento farmacológico da lesão foi escolhido entre sulfadiazina de prata 1% (creme dermatológico) (n=6) e colagenase 0,6UI/g (pomada) (n=8), de acordo com o clínico responsável e sem interferir na rotina da instituição.

Todos os tratamentos foram aplicados uma vez ao dia, no período da manhã, após limpeza da ferida com solução fisiológica por profissional treinado. Durante todo o tratamento, a ferida permaneceu coberta com gaze.

Após o início da avaliação, os pacientes foram acompanhados durante 8 semanas, com intervalos de 15 dias, totalizando 4 avaliações. Em cada uma das avaliações, foram considerados os parâmetros referentes à ferida (dimensões, aspecto e dor), sendo acompanhados e registrados em formulário próprio. As medidas das dimensões das lesões foram feitas considerando-se o comprimento (maior eixo longitudinal, de bordo a bordo do leito da lesão) e largura (menor eixo transversal ao eixo longitudinal, de bordo a bordo do leito da lesão), sendo realizadas com o auxílio de um paquímetro e registradas em centímetros. A área total da ferida foi calculada multiplicando-se o comprimento pela largura (cm2). Além dos tratamentos farmacológicos, as medidas não farmacológicas realizadas também foram registradas, para posterior comparação entre os grupos de pacientes.

Os dados coletados foram processados e analisados por meio do programa GraphPad Prism, versão 5.0. Após tabulação, esses dados foram submetidos aos seguintes procedimentos estatísticos: teste exato Fisher para comparação das variáveis nominais como sexo, cor, mobilidade e uso de fralda entre o grupo de pacientes portadores de UP e aqueles sem a ferida; e teste χ2 para comparar os grupos com relação à prevalência das doenças. A diferença entre os grupos em relação ao total de medicamentos em uso foi feito por teste χ2, enquanto a comparação entre cada uma das classes de medicamentos foi feita através do teste exato Fisher. Todas as variáveis contínuas foram avaliadas quanto à distribuição normal (teste de D’Agostino e Pearson). Aqueles que apresentaram distribuição normal, os grupos foram comparados por meio da análise de teste t não pareado, enquanto os dados que não exibiram distribuição normal foram comparados pelo teste não paramétrico de Mann-Whitney.

Em todas as análises, utilizou-se valor de p<0,05 como estatisticamente significante.

RESULTADOS

Dentre os 219 leitos disponíveis no hospital de longa permanência na cidade de Juiz de Fora, foram identificados 14 pacientes portadores de UP durante os 3 meses de condução do estudo, demonstrando a prevalência de cerca de 6% para esse tipo de ferida. Dentre tais pacientes, no decorrer das observações, dois deles foram a óbito por sepse e um foi transferido para outra instituição de saúde.

Além dos pacientes portadores da úlcera, pacientes em risco de desenvolver a lesão também foram avaliados, e tais características gerais foram comparadas às daqueles pacientes portadores da lesão (Tabela 1). A comparação entre esses dois grupos exibiu não haver diferença estatística significativa entre ocorrência de úlceras por pressão, segundo idade, sexo, cor da pele, mobilidade e uso de fralda. No entanto, quando comparados os parâmetros hematológicos e bioquímicos (Tabela 2), foram observadas diferenças nos parâmetros hemoglobina, hematócrito e hemácias, sendo que tais valores estavam reduzidos nos pacientes portadores da ferida. Por outro lado, não foram observadas diferenças significativas no que se refere à comparação entre as diferentes classes de medicamentos utilizados pelos grupos (Tabela 3).

Tabela 1
Caracterização geral dos pacientes internados em hospital de longa permanência (n=30), portadores de úlcera por pressão ou com risco de desenvolvimento da lesão
Tabela 2
Caracterização bioquímica e hematológica dos pacientes internados em hospital de longa permanência (n=30) portadores de úlcera por pressão ou com risco de desenvolvimento da lesão
Tabela 3
Prevalência de úlcera por pressão conforme o medicamento sistêmico em uso pelo paciente

Já nos pacientes portadores de UP, a localização e a classificação das feridas são mostradas na tabela 4, evidenciando o predomínio de úlceras na região sacral, seguidas pelo calcâneo e região do trocânter.

Tabela 4
Características das úlceras por pressão em 14 pacientes internados em hospital de longa permanência

A evolução da úlcera em relação ao tratamento (colagenase ou sulfadiazina de prata) foi acompanhada por meio da área da lesão, durante o tempo de avaliação de 8 semanas (Figura 1). Apesar de a maioria dos pacientes ter apresentado uma redução do tamanho médio da ferida, a comparação da área da lesão antes e após o tratamento farmacológico não exibiu diferença estatística. Ainda relacionada à redução da área da lesão, não foi observada diferença significativa entre os dois tratamentos farmacológicos (colagenase ou sulfadiazina de prata; p=0,94).

Figura 1
Dimensões das úlceras por pressão (cm2) em 11 pacientes internados em hospital de longa permanência antes a após o tratamento com (A) colagenase (n=8) e com (B) sulfadiazina (n=6) por 8 semanas. Não foram observadas diferenças significativas entre os valores basais e após tratamento no tempo acompanhado (p>0,05)

DISCUSSÃO

Os dados referentes à prevalência de úlceras por pressão encontrados no hospital investigado no estudo (cerca de 6%) estão de acordo com os da literatura internacional, que demonstram variação entre 3 e 14%, nos Estados Unidos. Já no Brasil, estudos afirmam que a prevalência em hospitais pode chegar a aproximadamente 20%.(44. Blanes L, Duarte IS, Calil JA, Ferreira LM. Avaliação clínica e epidemiológica das úlceras de pressão em pacientes internados no Hospital São Paulo. Rev Assoc Med Bras. 2001;50(2):182-7.,88. Rogenskin NM, Kurcgant P. Avaliação da concordância na aplicação da Escala de Braden interobservadores. Acta Paul Enferm. 2012;25(1):24-8.)

Além dos pacientes portadores de UP, durante o mesmo período, foi avaliado um grupo de pacientes em risco de desenvolvimento da lesão. Tal comparação exibiu não haver diferença estatística significativa quanto à idade, sexo, mobilidade e uso de fralda. Em relação à cor da pele, também não houve predomínio significativo entre os grupos (p=0,27), ao contrário de observações prévias sugerirem que a pele negra é mais resistente à agressão externa causada pela umidade e fricção, devido a alterações no estrato córneo − que, nos negros, é mais compacto.(44. Blanes L, Duarte IS, Calil JA, Ferreira LM. Avaliação clínica e epidemiológica das úlceras de pressão em pacientes internados no Hospital São Paulo. Rev Assoc Med Bras. 2001;50(2):182-7.) Adicionalmente, nossos dados não mostraram diferença estatisticamente significativa entre o índice de massa corporal (IMC) e o grau nutricional dos pacientes portadores e não portadores da lesão, ao contrário de achados prévios que demonstram uma relação direta entre IMC e a prevalência de úlcera, sendo que esta aumentava com a desnutrição, devido à perda do “efeito amortecedor” do tecido adiposo.(99. Campos SF, Chagas AC, Costa AB, França RE, Jansen AK. Fatores associados ao desenvolvimento de úlceras de pressão: o impacto da nutrição. Rev Nutr. 2010;23(5):703-14.) Tal discordância nos resultados pode se dever ao fato de que os dois grupos de pacientes investigados no presente estudo exibiram IMC próximos ao limite inferior da normalidade, sendo a maioria pacientes acamados por longo período em função de suas doenças de base. Além disso, outra possível explicação para a discordância entre os dados apresentados neste estudo e aqueles presentes na literatura pode ser o uso de métodos diferentes para avaliação do estado nutricional do paciente.(99. Campos SF, Chagas AC, Costa AB, França RE, Jansen AK. Fatores associados ao desenvolvimento de úlceras de pressão: o impacto da nutrição. Rev Nutr. 2010;23(5):703-14.)

Por outro lado, com relação aos dados bioquímicos e hematológicos analisados entre pacientes que desenvolveram úlceras por pressão e pacientes sem úlceras, observou-se significativa redução dos valores de hemoglobina (p=0,0002), hematócrito (p<0,0001) e hemácias (p=0,026) nos pacientes portadores da lesão. Sabe-se que diversas doenças podem estar associadas ao desenvolvimento de úlceras por pressão, como diabetes mellitus, hipertensão arterial, doenças neurológicas e infecções, porém apenas a anemia mostrou relação significativa em nosso estudo.(99. Campos SF, Chagas AC, Costa AB, França RE, Jansen AK. Fatores associados ao desenvolvimento de úlceras de pressão: o impacto da nutrição. Rev Nutr. 2010;23(5):703-14.) A deficiência na série vermelha é comum em pacientes com úlceras por pressão, não só devido ao estado nutricional deficiente, mas também pelos efeitos das citocinas inflamatórias, decorrentes da lesão, nas células progenitoras eritroides.(1010. Keast DH, Fraser C. Treatment of chronic skin ulcers in individuals with anemia of chronic disease using recombinant human erythropoietin (EPO): a review of four cases. Ostomy Wound Manage. 2004;50(10):64-70.) Essas condições são limitantes a mobilidade do paciente e prejudicam a irrigação sanguínea, reduzindo o transporte de oxigênio e de nutrientes à ferida.(99. Campos SF, Chagas AC, Costa AB, França RE, Jansen AK. Fatores associados ao desenvolvimento de úlceras de pressão: o impacto da nutrição. Rev Nutr. 2010;23(5):703-14.)

Em contrapartida, não foi observada associação estatisticamente significante entre os valores de leucócitos totais (p=0,2009) e o desenvolvimento de úlcera de por pressã, quando comparado os dois grupos observados, assim como o valor de neutrófilos (p=0,1008). De acordo com a literatura, o aumento de neutrófilos parece indicar um mau prognóstico das úlceras por pressão, devido a mediadores inflamatórios desencadeados pelas lesões, elevando também os leucócitos totais.(99. Campos SF, Chagas AC, Costa AB, França RE, Jansen AK. Fatores associados ao desenvolvimento de úlceras de pressão: o impacto da nutrição. Rev Nutr. 2010;23(5):703-14.) No entanto, no presente trabalho, essa relação não foi observada.

Ao se avaliarem os medicamentos em uso pelos pacientes internados, houve grande diversificação das classes, com predominância de psicotrópicos, seguidos por antianêmicos e anti-hipertensivos, não sendo apresentada diferença estatística significativa na utilização pelos pacientes nos grupos de portadores e não portadores da lesão (p=0,4791). Quanto aos medicamentos utilizados, sabe-se que principalmente aqueles de uso contínuo, embora necessários, podem contribuir para o desenvolvimento de úlcera, como os agentes hipotensores, que podem alterar o fluxo sanguíneo, reduzindo a perfusão dos tecidos e acarretando diminuição da tolerância cutânea à pressão.(44. Blanes L, Duarte IS, Calil JA, Ferreira LM. Avaliação clínica e epidemiológica das úlceras de pressão em pacientes internados no Hospital São Paulo. Rev Assoc Med Bras. 2001;50(2):182-7.)

Em relação à localização das úlceras por pressão, os dados encontrados conferem com a descrição da literatura, apresentando um predomínio de úlceras na região sacral, seguidas pelo calcâneo e região do trocânter.(44. Blanes L, Duarte IS, Calil JA, Ferreira LM. Avaliação clínica e epidemiológica das úlceras de pressão em pacientes internados no Hospital São Paulo. Rev Assoc Med Bras. 2001;50(2):182-7.,1111. Araújo CR, Lucena ST, Santos IB, Soares MJ. A enfermagem e a utilização da escala de Braden em úlcera de pressão. Rev Enferm. 2010;18(3):359-64.

12. Soares DA, Vendramin FS, Pereira LM, Proença PK, Marques MM. Análise da incidência de úlcera de pressão no Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência em Ananindeua; PA. Rev Bras Cir Plast. 2011;26(4):578-81.

13. Moro A, Maurici A, Valle JB, Zaclikevis VR, Kleinubing Junior H. Avaliação dos pacientes portadores de lesão por pressão internados em hospital geral. Rev Assoc Med Bras. 2007;53(4):300-4.

14. Rogenski NM, Santos VL. Estudo sobre a incidência de úlceras por pressão em um hospital universitário. Rev Latinoam Enferm. 2005;13(4):474-80.
-1515. Rogenskin NM, Kurcgant P. Avaliação da concordância na aplicação da Escala de Braden interobservadores. Acta Paul Enferm. 2012;25(1):24-8.) Tal fato se explica pelo posicionamento dorsal horizontal, que potencializa as forças de fricção e cisalhamento nos pacientes, os quais permanecem por muito tempo nessa mesma posição.(1111. Araújo CR, Lucena ST, Santos IB, Soares MJ. A enfermagem e a utilização da escala de Braden em úlcera de pressão. Rev Enferm. 2010;18(3):359-64.)

A comparação da área da ferida entre o início e o final do tempo de observação de 8 semanas demonstra não existir diferença significativa quanto à redução após ambos os tratamentos. No entanto, esses valores ficaram bem próximos ao limite estabelecido de p=0,05, sendo que, no tratamento com colagenase, essa comparação rendeu um valor de p=0,06 e, com sulfadiazina de prata, o valor de p foi de 0,07 (excluído dessa última análise um paciente que apresentou complicações clínicas em função de uma infecção urinária recorrente, o que, provavelmente, explica o crescimento da área da ferida sacral após tratamento). Além disso, a comparação entre os dois tratamentos farmacológicos não demonstrou diferença quanto à redução da área da ferida durante as 8 semanas de observação.

Apesar dos interessantes achados, o número reduzido de pacientes e o curto tempo de observação dos tratamentos farmacológicos (8 semanas) foram importantes limitações ao estudo.

CONCLUSÃO

A prevalência de úlcera por pressão no hospital de longa permanência de Juiz de Fora evidencia concordância com os dados nacionais e internacionais sobre o tema.

Adicionalmente, observou-se relação estatisticamente significativa entre desenvolvimento de úlcera por pressão e valores baixos de hemoglobina, hematócrito e hemácias, podendo tais parâmetros serem úteis na identificação dos pacientes em risco de desenvolver a lesão, além do monitoramento e tratamento de pacientes portadores dessa ferida. Nesse sentido, tais achados, somados às medidas já conhecidas para prevenção da úlcera por pressão, tornam-se informações de extrema relevância a serem amplamente divulgadas e incorporadas na rotina dos profissionais da saúde que trabalham com pacientes em risco de desenvolvimento da ferida.

Ao final das avaliações, a comparação entre os tratamentos das úlceras por pressão com colagenase e sulfadiazina de prata demonstrou não haver diferença estatística significativa na diminuição da área da ferida entre os tratamentos, embora tanto a colagenase como a sulfadiazina tenham evidenciado redução média da lesão.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora (SUPREMA), aos professores do curso de Farmácia, e aos pacientes e funcionários do hospital de longa permanência que acolheu os pesquisadores com carinho e respeito durante os meses de coleta de dados. Agradecemos a Raquel Tognon Ribeiro, pela cuidadosa revisão do manuscrito.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2013
  • Aceito
    19 Jun 2014
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