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Fatores de risco para mortalidade em traqueobronquite associada à ventilação mecânica: estudo caso-controle

RESUMO

Objetivo

Descrever as características microbiológicas e avaliar os fatores de risco para mortalidade na traqueobronquite associada à ventilação mecânica em um estudo caso-controle de pacientes de terapia intensiva.

Métodos

Estudo realizado ao longo de 6 anos em uma unidade de terapia intensiva médico-cirúrgica de 40 leitos, em um hospital privado e de nível terciário em São Paulo, Brasil. O Grupo Caso foi identificado usando o banco de dados da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar. O Grupo Controle foi pareado na proporção de 1:8,8 entre janeiro de 2006 e dezembro de 2011.

Resultados

Quarenta episódios de traqueobronquites associadas à ventilação foram avaliados em 40 pacientes na unidade de terapia intensiva, e 354 pacientes não apresentaram traqueobronquite Grupo Controle. Foram identificados 42 microrganismos (dos quais 5% foram infecções polimicrobianas), sendo que 88,2% de todos os microrganismos eram bactérias Gram-negativas. Usando um modelo de regressão logística, encontramos os seguintes fatores de risco independentes para mortalidade em pacientes com traqueobronquites associadas à ventilação: pontuação da Acute Physiology and Chronic Health Evaluation I (odds ratio 1,18 por uma unidade de pontuação; IC95%: 1,05-1,38; p=0,01) e duração da ventilação mecânica (odds ratio 1,09 por dia de ventilação mecânica; IC95%: 1,03-1,17; p=0,004).

Conclusão

Nosso estudo forneceu informações sobre os fatores de risco para mortalidade e características microbiológicas da traqueobronquite associada à ventilação mecânica.

Bronquite/mortalidade; Respiração artificial; Fatores de risco; Microbiologia; Unidades de terapia intensiva

ABSTRACT

Objective

To describe the microbiological characteristics and to assess the risk factors for mortality of ventilator-associated tracheobronchitis in a case-control study of intensive care patients.

Methods

This case-control study was conducted over a 6-year period in a 40-bed medical-surgical intensive care unit in a tertiary care, private hospital in São Paulo, Brazil. Case patients were identified using the Nosocomial Infection Control Committee database. For the analysis of risk factors, matched control subjects were selected from the same institution at a 1:8.8 ratio, between January 2006 and December 2011.

Results

A total of 40 episodes of ventilator-associated tracheobronchitis were evaluated in 40 patients in the intensive care unit, and 354 intensive care patients who did not experience tracheobronchitis were included as the Control Group. During the 6-year study period, a total of 42 organisms were identified (polymicrobial infections were 5%) and 88.2% of all the microorganisms identified were Gram-negative. Using a logistic regression model, we found the following independent risk factors for mortality in ventilator-associated tracheobronchitis patients: Acute Physiology and Chronic Health Evaluation I score (odds ratio 1.18 per unit of score; 95%CI: 1.05-1.38; p=0.01), and duration of mechanical ventilation (odds ratio 1.09 per day of mechanical ventilation; 95%CI: 1.03-1.17; p=0.004).

Conclusion

Our study provided insight into the risk factors for mortality and microbiological characteristics of ventilator-associated tracheobronchitis.

Bronchitis/mortality; Respiration, artificial; Risk factors; Microbiology; Intensive care units

INTRODUÇÃO

As infecções do trato respiratório inferior são uma importante causa de morbidade e mortalidade em pacientes em cuidados intensivos. Embora a pneumonia associada à ventilação (PAV) tenha sido objeto de investigações científicas há vários anos, bem menos atenção tem sido dada à traqueobronquite associada à ventilação (TAV), especialmente no que se refere aos fatores de risco de mortalidade. Este fato pode ser atribuído à relutância de muitas autoridades em considerar a TAV uma entidade clínica independente.11. Simpson VS, Bailey A, Higgerson RA, Christie LM. Ventilator-associated tracheobronchitis in a mixed medical/surgical pediatric ICU. Chest. 2013; 144(1):32-8.,22. Craven DE, Hudcova J, Rashid J. Antibiotic therapy for ventilator-associated tracheobronchitis: a standard of care to reduce pneumonia, morbidity and costs? Curr Opin Pulm Med. 2015;21(3):250-9. Review.

OBJETIVO

Descrever as características microbiológicas e os fatores de risco para mortalidade de pacientes com traqueobronquite associada à ventilação em uma unidade de terapia intensiva.

MÉTODOS

Este estudo caso-controle foi realizado ao longo de um período de 6 anos em uma unidade de terapia intensiva (UTI) médico-cirúrgica de 40 leitos, com a mesma configuração espacial da UTI de um hospital privado terciário de São Paulo, Brasil. O estudo foi submetido à análise e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital, sob o número CAAE: 04355112.1.0000.0071.

Os pacientes foram identificados utilizando-se o banco de dados do Comitê de Controle de Infecção Hospitalar. Para a análise dos fatores de risco, selecionaram-se pacientes controle da mesma instituição pareados na razão de 1:8,8, entre janeiro de 2006 e dezembro de 2011. Os pacientes controle foram pareados para seis características: sexo, idade (diferença máxima de 10 anos), tempo de ventilação mecânica (diferença máxima de 20 dias), utilização de traqueostomia, utilização de dois níveis de pressão positiva nas vias respiratórias (BiPAP) e número de dias na unidade de terapia intensiva (diferença máxima de 20 dias). Foram analisados os prontuários médicos de todos os pacientes e controles.

A TAV mecânica foi classificada de acordo com as definições dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC).33. Horan TC, Andrus M, Dudeck MA. CDC/NHSN surveillance definition of health care-associated infection and criteria for specific types of infections in the acute care setting. Am J Infect Control. 2008;36(5):309-32. Erratum in: Am J Infect Control. 2008;36(9):655. Os microrganismos foram inicialmente identificados pelo Departamento de Microbiologia da instituição, por meio de cultura quantitativa do aspirado traqueal Unidade Formadora de Colônia (UFC) (≥1x106UFC/mL) ou espécimes de broncoscopia (≥1x104UFC/mL).

Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o R Project for Statistical Computing, versão 3.1.1. As variáveis categóricas foram analisadas pelo teste χ2. As variáveis contínuas foram comparadas pelo teste de Wilcoxon-Mann-Whitney. A análise univariada foi realizada para os potenciais fatores de risco de mortalidade TAV, e as variáveis com valor de p menor que 0,15 foram incluídas no modelo multivariado. Considerou-se estatisticamente significativo valor bicaudal de p igual ou inferior a 0,05.

RESULTADOS

Entre janeiro de 2006 e dezembro de 2011, foram avaliados 40 episódios de TAV em 40 pacientes da unidade de terapia intensiva, e 354 pacientes de cuidados intensivos que não apresentaram traqueobronquite foram incluídos como Grupo Controle. As características demográficas e clínicas dos Grupos Caso e Controle são apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Análise univariada das características clínicas e demográficas de 40 episódios de traqueobronquite associada à ventilação mecânica e 354 indivíduos pareados no Grupo Controle

Durante o período de estudo de 6 anos, 42 microrganismos foram identificados (5% foram infecções polimicrobianas), sendo que 88,2% de todos os microrganismos identificados eram Gram-negativos. A etiologia dos episódios TAV é mostrada na tabela 2.

Tabela 2
Etiologia dos 40 episódios de traqueobronquite associada à ventilação mecânica

Encontramos níveis muito altos de resistência a antibióticos: 78,8% dos isolados de Staphylococcus aureus eram resistentes à meticilina; 52,5% dos isolados de Pseudomonas aeruginosa e 48,7% dos isolados de Klebsiella pneumoniae eram resistentes ao carbapenem. A taxa de mortalidade por TAV foi de 42,5%. Usando um modelo de regressão logística condicional (Tabela 3), foram encontrados os seguintes fatores independentes de risco para mortalidade em pacientes com TAV: pontuação do escore Acute Physiology and Chronic Health Evaluation I (APACHE I) (odds ratio – OR: 1,18 por unidade de pontuação; intervalo de confiança de 95% − IC95%: 1,05-1,38; p=0,01) e duração da ventilação mecânica (OR: 1,09 por dia de ventilação mecânica; IC95%: 1,03-1,17; p=0,004).

Tabela 3
Análise univariada e multivariada dos fatores de risco para mortalidade em pacientes com traqueobronquite associada à ventilação mecânica

DISCUSSÃO

A TAV é reconhecida como uma complicação frequente da ventilação mecânica, com índices variando de 3,7 a 11,5%, de acordo com a literatura.44. Dallas J, Skrupky L, Abebe N, Boyle WA 3rd, Kollef MH. Ventilator-associated tracheobronchitis in a mixed surgical and medical ICU population. Chest. 2011;139(3):513-8.,55. Craven DE, Hjalmarson KI. Ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia: thinking outside the box. Clin Infect Dis. 2010;51 Suppl 1:S59-66. Review. Erratum in: Clin Infect Dis. 2010;51(9):1114. Além disto, dados mais recentes sugerem que o TAV pode contribuir para a necessidade de maior permanência na UTI e para a necessidade de um período mais longo de ventilação mecânica, tal como demonstrado no presente estudo. No entanto, há controvérsias na literatura em relação ao aumento da mortalidade estar ou não associado ao TAV.66. Agrafiotis M, Siempos II, Falagas ME. Frequency, prevention, outcome and treatment of ventilator-associated tracheobronchitis: systematic review and meta-analysis. Respir Med. 2010;104(3):325-36. Review.

A mortalidade bruta no Grupo Caso foi de 42,5%, semelhante à encontrada na literatura, a qual variou de 21 a 55%.66. Agrafiotis M, Siempos II, Falagas ME. Frequency, prevention, outcome and treatment of ventilator-associated tracheobronchitis: systematic review and meta-analysis. Respir Med. 2010;104(3):325-36. Review.,77. Nseir S, Di Pompeo C, Soubrier S, Lenci H, Delour P, Onimus T, et al. Effect of ventilator-associated tracheobronchitis on outcome in patients without chronic respiratory failure: a case-control study. Crit Care. 2005;9(3):R238-45. O escore APACHE I e a duração da ventilação mecânica foram fatores de risco independentes para mortalidade em nosso estudo, como já demonstrado em estudos sobre a PAV.88. Craven DE, Lei Y, Ruthazer R, Sarwar A, Hudcova J. Incidence and outcomes of ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia. Am J Med. 2013; 126(6):542-9. No tocante ao escore APACHE I, para cada aumento de uma unidade na pontuação, houve aumento de 18% no risco de morte. Quanto à duração da ventilação mecânica, para cada aumento de 1 dia na ventilação mecânica, houve aumento de 9% no risco de morte. Faltam informações sobre os fatores de risco para mortalidade na TAV, talvez porque os componentes subjetivos de definição e diagnóstico da TAV podem afetar a confiabilidade e a precisão da identificação do caso. Além disto, o fato de tanto a TAV quanto a PAV apresentarem os mesmos fatores de risco para mortalidade pode reforçar a hipótese de que a TAV seja um estágio intermediário entre a colonização das vias aéreas superiores e a PAV.99. Rodríguez A, Póvoa P, Nseir S, Salluh J, Curcio D, Martín-Loeches I; TAVeM group investigators. Incidence and diagnosis of ventilator-associated tracheobronchitis in the intensive care unit: an international online survey. Crit Care. 2014;18(1):R32.

Em relação aos agentes etiológicos da TAV, os patógenos Gram-negativos foram a causa mais comum em muitos estudos, representando mais de 60% dos microrganismos isolados, semelhante ao encontrado em nosso estudo (88,2%). Nos últimos 5 anos, tem aumentado a incidência de TAV por patógenos multirresistentes, como bacilos Gram-negativos resistentes ao carbapenem (por exemplo, P. aeruginosa, Acinetobacter baumannii e K. pneumoniae) e S. aureus resistente à meticilina.1010. Karvouniaris M, Makris D, Manoulakas E, Zygoulis P, Mantzarlis K, Triantaris A, et al. Ventilator-associated tracheobronchitis increases the length of intensive care unit stay. Infect Control Hosp Epidemiol. 2013;34(8):800-8.

Este estudo tem limitações dignas de nota. Em primeiro lugar, não podemos excluir com certeza a possibilidade de que alguns de nossos pacientes no Grupo Caso tenham sido classificados de forma incorreta, porque não realizamos rotineiramente exames de tomografia computadorizada de pulmão procurando infiltrados ocultos. Em segundo lugar, este é um estudo retrospectivo observacional, e outros fatores não mensurados podem ter ocorrido coincidentemente no período. Além disto, os dados provenientes de uma única unidade e o pequeno tamanho da amostra limitam a generalização dos achados.

CONCLUSÃO

Nosso estudo forneceu informações sobre os fatores de risco para mortalidade e as características microbiológicas da traqueobronquite associada à ventilação mecânica em um estudo durante 6 anos. Faz-se necessário um estudo mais aprofundado da traqueobronquite associada à ventilação mecânica, incluindo fatores de risco para mortalidade, a fim de definir as melhores práticas.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Laboratório do Hospital Israelita Albert Einstein pela assistência na obtenção de dados microbiológicos.

REFERENCES

  • 1
    Simpson VS, Bailey A, Higgerson RA, Christie LM. Ventilator-associated tracheobronchitis in a mixed medical/surgical pediatric ICU. Chest. 2013; 144(1):32-8.
  • 2
    Craven DE, Hudcova J, Rashid J. Antibiotic therapy for ventilator-associated tracheobronchitis: a standard of care to reduce pneumonia, morbidity and costs? Curr Opin Pulm Med. 2015;21(3):250-9. Review.
  • 3
    Horan TC, Andrus M, Dudeck MA. CDC/NHSN surveillance definition of health care-associated infection and criteria for specific types of infections in the acute care setting. Am J Infect Control. 2008;36(5):309-32. Erratum in: Am J Infect Control. 2008;36(9):655.
  • 4
    Dallas J, Skrupky L, Abebe N, Boyle WA 3rd, Kollef MH. Ventilator-associated tracheobronchitis in a mixed surgical and medical ICU population. Chest. 2011;139(3):513-8.
  • 5
    Craven DE, Hjalmarson KI. Ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia: thinking outside the box. Clin Infect Dis. 2010;51 Suppl 1:S59-66. Review. Erratum in: Clin Infect Dis. 2010;51(9):1114.
  • 6
    Agrafiotis M, Siempos II, Falagas ME. Frequency, prevention, outcome and treatment of ventilator-associated tracheobronchitis: systematic review and meta-analysis. Respir Med. 2010;104(3):325-36. Review.
  • 7
    Nseir S, Di Pompeo C, Soubrier S, Lenci H, Delour P, Onimus T, et al. Effect of ventilator-associated tracheobronchitis on outcome in patients without chronic respiratory failure: a case-control study. Crit Care. 2005;9(3):R238-45.
  • 8
    Craven DE, Lei Y, Ruthazer R, Sarwar A, Hudcova J. Incidence and outcomes of ventilator-associated tracheobronchitis and pneumonia. Am J Med. 2013; 126(6):542-9.
  • 9
    Rodríguez A, Póvoa P, Nseir S, Salluh J, Curcio D, Martín-Loeches I; TAVeM group investigators. Incidence and diagnosis of ventilator-associated tracheobronchitis in the intensive care unit: an international online survey. Crit Care. 2014;18(1):R32.
  • 10
    Karvouniaris M, Makris D, Manoulakas E, Zygoulis P, Mantzarlis K, Triantaris A, et al. Ventilator-associated tracheobronchitis increases the length of intensive care unit stay. Infect Control Hosp Epidemiol. 2013;34(8):800-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    9 Set 2016
  • Aceito
    10 Jan 2017
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