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Equilíbrio estático e dinâmico de crianças e adolescentes com perda auditiva sensório-neural

RESUMO

Objetivo

Avaliar o desempenho do equilíbrio estático e dinâmico de escolares ouvintes e com perda auditiva sensório-neural.

Métodos

Estudo de corte transversal que avaliou 96 escolares, sendo 48 ouvintes e 48 com perda auditiva sensório-neural, de ambos os sexos, na faixa etária entre 7 e 18 anos. Para a avaliação do equilíbrio estático, foram utilizados os testes de Romberg, Romberg-Barré e Fournier, e, para avaliar o equilíbrio dinâmico, foi usado o teste de Unterberger.

Resultados

Os escolares com perda auditiva apresentaram maior ocorrência de alterações no equilíbrio estático e dinâmico, comparados aos ouvintes, em todos os testes empregados (p<0,001). O mesmo foi observado quando os escolares foram agrupados pelos sexos. Para o sexo feminino, os valores de p para os testes de Romberg, Romberg-Barré, Fournier e Unterberger foram, respectivamente, p=0,004, p<0,001, p<0,001 e p=0,023; para o sexo masculino, foram p=0,009, p<0,001, p<0,001 e p=0,002. A mesma diferença foi observada quando os escolares foram estratificados pelas faixas etárias. Para aqueles de 7 a 10 anos, os valores de p foram, respectivamente, para os testes de Romberg, Romberg-Barré e Fournier p=0,007, p<0,001 e p=0,001; entre 11 e 14 anos, para os testes de Romberg, Romberg-Barré, Fournier e Unterberger, foram, respectivamente p=0,002, p<0,001, p<0,001, p=0,015; entre 15 e 18 anos, para os testes Romberg-Barré, Fournier e Unterberger foram, respectivamente, p=0,037, p<0,001 e p=0,037.

Conclusão

Os escolares com perda auditiva apresentaram maior ocorrência de alterações no desempenho do equilíbrio estático e dinâmico que os ouvintes, do mesmo sexo e faixa etária.

Comportamento infantil; Desempenho psicomotor; Destreza motora; Orelha interna; Surdez

ABSTRACT

Objective

To assess the static and dynamic balance performance of students with normal hearing and with sensorineural hearing loss.

Methods

A cross-sectional study assessing 96 students, 48 with normal hearing and 48 with sensorineural hearing loss of both sexes, aged 7 and 18 years. To evaluate static balance, Romberg, Romberg-Barré and Fournier tests were used; and for the dynamic balance, we applied the Unterberger test.

Results

Hearing loss students showed more changes in static and dynamic balance as compared to normal hearing, in all tests used (p<0.001). The same difference was found when subjects were grouped by sex. For females, Romberg, Romberg-Barré, Fournier and Unterberger test p values were, respectively, p=0.004, p<0.001, p<0.001 and p=0.023; for males, the p values were p=0.009, p<0.001, p<0.001 and p=0.002, respectively. The same difference was observed when students were classified by age. For 7 to 10 years old students, the p values for Romberg, Romberg-Barré and Fournier tests were, respectively, p=0.007, p<0.001 and p=0.001; for those aged 11 and 14 years, the p values for Romberg, Romberg-Barré, Fournier and Unterberger tests were p=0.002, p<0.001, p<0.001 and p=0.015, respectively; and for those aged 15 and 18 years, the p values for Romberg-Barré, Fournier and Unterberger tests were, respectively, p=0.037, p<0.001 and p=0.037.

Conclusion

Hearing-loss students showed more changes in static and dynamic balance comparing to normal hearing of same sex and age groups.

Child behavior; Psychomotor performance; Motor skills; Ear, inner; Deafness

INTRODUÇÃO

O equilíbrio corporal consiste na manutenção do centro de gravidade dentro da base de suporte dos pés e pode apresentar-se como estático ou dinâmico.(11. Wiener-Vacher SR. Vestibular disorders in children. Int J Audiol. 2008;47(9): 578-83.) No equilíbrio estático, a base de suporte dos pés, mantém-se fixa, enquanto o centro de gravidade movimenta-se. Neste caso, o senso de equilíbrio mantém o centro de gravidade dentro da base de suporte dos pés. Já no equilíbrio dinâmico, tanto o centro de gravidade, como a base de suporte dos pés estão em constante movimento, e o centro de gravidade jamais alinha-se à base de suporte dos pés durante a fase de apoio dos movimentos.(22. Woollacott MH, Tang PF. Balance control during walking in the older adult: research and its implications. Phys Ther. 1997;77(6):646-60. Review.)

Para manutenção do equilíbrio corporal humano, é necessária a integridade anatômica e funcional do sistema vestibular, o qual se situa na orelha interna.(33. Steindl R, Kunz K, Schrott-Fischer A, Scholtz AW. Effect of age and sex on maturation of sensory systems and balance control. Dev Med Child Neurol. 2006;48(6):477-82.) O sistema vestíbulo-coclear apresenta dupla função, sendo a cóclea responsável pelas funções auditivas e o sistema vestibular, pelo equilíbrio corporal.(44. Mangabeira Albernaz PL, Ganança MM, Caovilla HH, Ito YI, Novo NF, Juliano Y. Aspectos clínicos e terapêuticos das vertigens. Acta AWHO. 1986;5(2 Supl): 49-109.) No entanto, a capacidade de ouvir é, na verdade, uma característica secundária, visto que a responsabilidade primária do órgão auditivo é de manutenção do equilíbrio corporal.(55. Northern JL, Downs MP. Hearing in children. 3rd Audição na infância. 5ª ed. Baltimore: Williams e Wilkens; 2002.)

Entretanto, quando o sistema vestibular apresenta algum tipo de distúrbio, o equilíbrio corporal humano pode ser afetado, como é o caso de alguns indivíduos com perda auditiva sensório-neural.(66. Azevedo MG, Samelli AG. [Comparative study of balance on deaf and hearing children]. Rev CEFAC. 2009;11(Supl 1):85-91. Portuguese.) Uma vez que o sistema vestibular e a cóclea são órgãos anatomicamente muito próximos e que podem ser suscetíveis aos mesmos agentes nocivos, no caso de lesões na orelha interna, acredita-se que muitas crianças surdas possam apresentar problemas vestibulares concomitantes à perda auditiva sensório-neural.(77. Gheysen F, Loots G, Van Waelvelde H. Motor development of deaf children with and without cochlear implants. J Deaf Stud Deaf Educ. 2008;13(2):215-24.

8. Suarez H, Angeli S, Suarez A, Rosales B, Carrera X, Alonso R. Balance sensory organization in children with profound hearing loss and cochlear implants. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2007;71(4):629-37.
-99. Cushing SL, Papsin BC, Rutka JA, James AL, Gordon KA. Evidence of vestibular and balance dysfunction in children with profound sensorioneural hearing loss using cochlear implants. Laryngoscope. 2008;118(10):1814-23.) Além disto, vários estudos têm apontado que a disfunção vestibular tem sido um achado frequente em avaliações otoneurológicas em crianças com perda auditiva sensório-neural.(1010. Kaga K, Shinjo Y, Jin Y, Takegoshi H. Vestibular failure in children with congenital deafness. Int J Audiol. 2008;47(9):590-9.,1111. Angeli S. Value of vestibular testing in young children with sensorineural hearing loss. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2003;129(4):478-82. Review.)

Os distúrbios vestibulares na infância não são tão raros como se acredita e podem afetar a aquisição de habilidades neuromotoras, ou interferir principalmente na integração sensorial do sistema vestibular destas crianças. As crianças com distúrbios vestibulares podem referir sensação de desequilíbrio ou tontura, dificuldades na marcha e apresentar manifestações como quedas, tonturas, vertigens e esbarrões, dificultando, assim, as habilidades motoras típicas da idade, como andar de bicicleta, pular corda ou “amarelinha” e, até mesmo, utilizar os brinquedos do parque infantil.(1212. Formigoni FG. Avaliação vestibular na criança. In: Ganança MM, editor. Vertigem tem cura?: o que aprendemos nestes últimos 30 anos. São Paulo: Lemos; 1998. p.117-26.)

Diante do exposto, as crianças com perda auditiva sensório-neural parecem apresentar alterações nas informações sensoriais provenientes do sistema vestibular, possivelmente por conta lesão na orelha interna.(1313. Melo RS, Silva PW, Silva LV, Toscano CF. Postural evaluation of vertebral column in children and teenagers with hearing loss. Int Arch Otorhinolaryngol. 2011;15(2):195-202.) Tal condição pode favorecer a alterações no equilíbrio corporal desta população. Apesar destas evidências, são escassos os dados na literatura referentes ao equilíbrio de crianças com perda auditiva sensório-neural comparadas às ouvintes, sobretudo, relacionando o desempenho do equilíbrio dinâmico, justificando a realização do presente estudo.

OBJETIVO

Avaliar o desempenho do equilíbrio estático e dinâmico de escolares ouvintes e com perda auditiva sensório-neural.

MÉTODOS

Este é um estudo de corte transversal, no qual, para delimitar seu tamanho amostral, foi realizado um levantamento prévio junto da gestora de uma escola voltada ao ensino de crianças com necessidades especiais, para saber quantos escolares com perda auditiva sensório-neural encontravam-se matriculados na faixa etária observada pelo estudo e quais deles se enquadravam nos critérios de elegibilidade. Os escolares ouvintes foram recrutados de outra instituição de ensino. Ambas as escolas pertenciam à rede estadual de ensino, apresentavam perfis socioeconômicos semelhantes e se localizavam no município de Caruaru (PE).

Existia maior predominância do sexo feminino e de algumas faixas etárias, o que dificultava a ampliação da amostra do estudo. Observou-se que o pareamento, de acordo com sexo e faixa etária, seria possível em 48 escolares. Assim, participaram deste estudo 96 escolares, sendo que 48 formaram o Grupo Ouvintes (GO) e 48 o Grupo Perda Auditiva Sensório-Neural (GPAS), de ambos os sexos, com faixa etária entre 7 e 18 anos.

Os escolares foram recrutados a partir de uma amostra sequencial por conveniência, pareados por sexo, idade e selecionados por sorteios realizados por suas professoras, que não tinham conhecimento das características deste estudo. Os sorteios ocorreram na própria sala de aula, diante de todos os alunos e dos pesquisadores do estudo.

O GO foi composto por 48 escolares ouvintes, sendo 24 do sexo masculino e 24 do feminino, com dois representantes de ambos os sexos por cada idade. Os critérios de exclusão adotados para este grupo foram: presença de deficiência neurológica, física, visual ou mental, queixa auditiva e a discrepância em membros inferiores maior que 2cm, obtida por meio dos testes de medida real e medida aparente de membros inferiores.

O GPAS foi formado por 48 escolares com perda auditiva sensório-neural, com 24 escolares do sexo masculino e 24 do feminino, com dois representantes de ambos os sexos para cada idade. Os critérios de exclusão para este grupo foram: presença de deficiência neurológica, física, visual ou mental e valor maior que 2cm de discrepância em membros inferiores, durante os testes de medida real e medida aparente dos membros inferiores, realizados previamente pelos avaliadores em cada grupo. Também foram critérios de inclusão para o GPAS apresentar diagnóstico clínico de perda auditiva do tipo sensório-neural, emitido por meio de laudo médico, e dominar Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Este último critério foi utilizado para assegurar que os comandos referentes às demandas do método seriam realmente compreendidos por todos os escolares com perda auditiva. Todos os escolares tiveram acesso à aprendizagem da LIBRAS em sua instituição de ensino.

Os critérios de inclusão para ambos os grupos foram: estar regularmente matriculado em uma das escolas colaboradoras com a pesquisa e encontrar-se na faixa etária entre 7 e 18 anos.

Para aquisição dos dados dos critérios de elegibilidade deste estudo, foram consideradas as informações obtidas dos relatos dos pais dos escolares durante a entrevista com os pesquisadores; pelos dados obtidos na ficha escolar do aluno, que foi cedida aos pesquisadores pela gestora da escola; e pela avaliação física realizada anteriormente à avaliação do equilíbrio.

Os procedimentos que antecederam a avaliação do equilíbrio estático e dinâmico foram previamente explicados e demonstrados pelos pesquisadores aos escolares ouvintes, de forma oral, e aos escolares com perda auditiva, por meio da LIBRAS, por um dos pesquisadores que é intérprete desta linguagem.

Os escolares de ambos os grupos foram avaliados um a um, pelo mesmo fisioterapeuta em uma sala reservada da escola, utilizando-se quatro testes clínicos para detecção de alterações no equilíbrio estático e dinâmico. Para a avaliação do equilíbrio estático foram utilizados os testes de Romberg, Romberg-Barré e Fournier e, para avaliar o equilíbrio dinâmico, foi usado o teste de Unterberger.

Avaliação do equilíbrio estático

No teste de Romberg:(1414. Ganança MM, Caovilla HH, Munhoz MS, Silva ML, Frazza MM. As etapas da equilibriometria. In: Caovilla HH, Ganança MM, Munhoz MS, Silva ML. Equilibriometria clínica. São Paulo: Atheneu; 1999. p.41-97.) o voluntário permaneceu em ortostatismo, descalço, com os pés paralelos, juntos, sobre o solo, braços estendidos ao longo do corpo, com os olhos fechados, mantendo-se nesta posição por um minuto.

O teste de Romberg-Barré(1414. Ganança MM, Caovilla HH, Munhoz MS, Silva ML, Frazza MM. As etapas da equilibriometria. In: Caovilla HH, Ganança MM, Munhoz MS, Silva ML. Equilibriometria clínica. São Paulo: Atheneu; 1999. p.41-97.) foi realizado de forma semelhante ao teste de Romberg, porém os pés permaneceram um à frente do outro no solo, em linha reta.

A perda do equilíbrio com a saída da posição inicial do teste caracterizou a alteração no equilíbrio estático para teste de Romberg e teste de Romberg-Barré.

No teste de Fournier,(1414. Ganança MM, Caovilla HH, Munhoz MS, Silva ML, Frazza MM. As etapas da equilibriometria. In: Caovilla HH, Ganança MM, Munhoz MS, Silva ML. Equilibriometria clínica. São Paulo: Atheneu; 1999. p.41-97.) o voluntário permanecia em ortostatismo, descalço, com apoio unipodal, sobre o membro inferior dominante no solo, com olhos fechados, por 30 segundos. De acordo com o teste, aqueles que não conseguiam permanecer em apoio unipodal dentro do tempo estabelecido eram classificados com alteração no equilíbrio estático.

Avaliação do equilíbrio dinâmico

O teste de Unterberger(1414. Ganança MM, Caovilla HH, Munhoz MS, Silva ML, Frazza MM. As etapas da equilibriometria. In: Caovilla HH, Ganança MM, Munhoz MS, Silva ML. Equilibriometria clínica. São Paulo: Atheneu; 1999. p.41-97.) consistiu que os escolares marchassem de olhos fechados, sem se deslocarem, elevando os joelhos a, aproximadamente, 45° e o quadril a 90°, executando 50 passos (um por segundo) com os braços estendidos a sua frente a 90°. Os voluntários que apresentaram rotação para a direita ou esquerda igual ou superior a 45° foram classificados com alteração no equilíbrio dinâmico.

Os dados da avaliação do equilíbrio estático e dinâmico foram registrados em uma ficha padronizada, contendo a identificação do aluno, sua idade, série, escola, dominância lateral e seu desempenho em todos os testes realizados.

Os dados foram analisados pelos testes χ2 de Pearson ou teste exato de Fisher. O nível de significância estatística adotado foi de p<0,05 e, para realizar a análise estatística destes dados, utilizou-se o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 18.0.

Este estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital da Restauração, conforme o protocolo final de número CAAE: 1700.0.000.102-11, de acordo com a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

O presente estudo avaliou o equilíbrio estático e dinâmico de 48 escolares ouvintes e 48 com perda auditiva sensório-neural, com média de idade 12,5±3,5 anos em cada grupo, como mostra a tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da amostra

Os escolares com perda auditiva demonstraram maior ocorrência de alterações no equilíbrio estático e dinâmico que os ouvintes, apontando diferenças estatísticas em todos os testes empregados, de acordo com a tabela 2.

Tabela 2
Alterações no desempenho do equilíbrio estático e dinâmico de escolares ouvintes e com perda auditiva sensório-neural

A mesma diferença foi observada quando os escolares foram agrupados de acordo com os sexos (Tabela 3). O mesmo foi observado quando os escolares foram estratificados por sua faixa etária. Na avaliação do equilíbrio estático, os dados demonstraram diferenças entre todos os grupos etários nos testes de Romberg-Barré e Fournier; já na avaliação em que se utilizou o teste de Romberg, as diferenças foram observadas entre 7 e 14 anos. A avaliação do equilíbrio dinâmico demonstrou diferenças entre os escolares avaliados dos 11 a 18 anos, conforme tabela 4.

Tabela 3
Alterações no desempenho do equilíbrio estático e dinâmico de escolares ouvintes e com perda auditiva sensório-neural, de acordo com o sexo
Tabela 4
Alterações no desempenho do equilíbrio estático e dinâmico de escolares ouvintes e com perda auditiva sensório-neural, de acordo com faixa etária

DISCUSSÃO

No presente estudo, observaram-se diferenças entre o desempenho dos equilíbrios estático e dinâmico dos escolares avaliados, e o GPAS demonstrou maior ocorrência de alterações nesta habilidade motora que o GO.

Do mesmo modo, Jafari et al.,(1515. Jafari Z, Asad-Malayeri S. The effect of saccular function on static balance ability of profound hearing-impaired children. Int J Pediatr Otohrinolaryngol. 2011;75(7):919-24.) avaliaram o equilíbrio estático de 60 crianças, sendo 30 ouvintes e 30 com perda auditiva sensório-neural, na faixa etária entre 6 e 9 anos por meio de seis testes de equilíbrio do Bruininks-Oseretsky Test of Motor Proficiency, e encontraram diferenças entre o desempenho do equilíbrio estático dos grupos. As crianças com perda auditiva também apresentaram menor equilíbrio que as ouvintes.

An et al.,(1616. An MH, Yi CH, Jeon HS, Park SY. Age-related changes of single-limb standing balance in children with and without deafness. Int J Pediatr Otohrinolaryngol. 2009;73(11):1539-44.) analisaram o equilíbrio estático de 114 escolares, sendo 57 ouvintes e 57 com perda auditiva sensório-neural, na faixa etária entre 4 e 14 anos, por meio do teste de apoio unipodal, e concluíram que os escolares com perda auditiva apresentaram mais instabilidade no equilíbrio estático que os ouvintes, como também observou este estudo.

Além das alterações observadas no GPAS, relacionadas ao equilíbrio estático, neste estudo, também foram notadas alterações no desempenho do equilíbrio dinâmico. O GPAS apresentou mais alterações no equilíbrio dinâmico que os ouvintes, considerando o sexo e a faixa etária entre 11 e 18 anos.

Gayle et al.,(1717. Gayle GW, Pohlman RL. Comparative study of the dynamic, static, and rotary balance of deaf and hearing children. Percept Mot Skills. 1990;70(3 Pt 1): 883-8.) avaliaram o equilíbrio dinâmico de 40 crianças, sendo 20 ouvintes e 20 com perda auditiva sensório-neural, de ambos os sexos e com média de idade de 12,3±5,6 anos. Nesse estudo, as crianças com perda auditiva demonstraram o menor desempenho no equilíbrio dinâmico que as ouvintes, fato também observado pelo presente estudo.

A escassez de dados sobre o desempenho do equilíbrio dinâmico de crianças com perda auditiva sensório-neural dificultou a ampliação da discussão deste achado, mas resultados de outras pesquisas reforçam os resultados do presente estudo, com relação ao equilíbrio dinâmico de crianças e adolescentes com perda auditiva sensório-neural.

Melo et al.,(1818. Melo RS, Silva PW, Tassitano RM, Macky CF, Silva LV. Balance and gait evaluation: comparative study between deaf and hearing students. Rev Paul Pediatr. 2012;30(3):385-91.) compararam o equilíbrio corporal e a marcha de escolares ouvintes e com perda auditiva sensório-neural, de ambos os sexos, na faixa etária entre 7 e 17 anos. Os autores não encontraram diferenças entre o equilíbrio corporal dos escolares avaliados, divergindo dos achados deste estudo, mas foram observadas diferenças no desempenho da marcha, cujos testes apresentavam-se em situações dinâmicas. Os autores acreditam que as crianças com perda auditiva não conseguem criar estratégias posturais para burlar o teste quando realizado em situações dinâmicas, o que poderia justificar os achados deste estudo referentes às alterações no equilíbrio dinâmico.

Do mesmo modo, Atasavun Uysal et al.,(1919. Atasavun Uysal S, Erden Z, Akbayrak T, Demirtürk F. Comparison of balance and gait in visually or hearing impaired children. Percept Mot Skills. 2010; 111(1):71-80.) avaliaram a marcha de 20 crianças ouvintes com média de idade de 12,2±2,5 anos e 20 com perda auditiva e média de idade de 9,25±0,9 anos. A avaliação da marcha se deu por meio de pulverização dos pés das crianças; em seguida, elas precisavam andar sobre uma plataforma escura em linha reta e, pela demarcação dos seus passos na plataforma, foram avaliados o comprimento e a largura do passo, o ângulo dos pés, a quantidade de passos por minuto e a velocidade da marcha. Em todos estes desfechos, as crianças com perda auditiva demonstraram menor desempenho que as ouvintes, concordando com os achados deste estudo.

As alterações no equilíbrio estático e dinâmico encontradas nos escolares com perda auditiva deste estudo podem, se não tratadas, influenciar, de modo negativo, no desempenho de habilidades motoras que dependem de um equilíbrio corporal adequado, para serem executadas de modo satisfatório, como, por exemplo, a marcha, a corrida e o salto, podendo interferir na aptidão física, na prática recreativa e/ou esportiva.

Nesse contexto, Hartman et al.,(2020. Hartman E, Houwen S, Visscher C. Motor skill performance and sports participation in deaf elementary school children. Adapt Phys Activ Q. 2011; 28(2):132-45.) avaliaram a participação em práticas esportivas de 42 crianças com perda auditiva, e relataram que elas apresentaram maior limitação nas habilidades manuais (62%), que envolviam bola (52%) e de equilíbrio corporal (45%). Os autores acreditam que melhorar tais habilidades motoras, ainda na infância, poderia contribuir de maneira positiva no contexto escolar e nas práticas esportiva e social destas crianças.

Além dos dados entre os grupos, de modo isolado, algumas variáveis também foram analisadas neste estudo, e um dos achados mais relevantes foi observado na variável faixa etária. A utilização de uma extensa faixa etária se deu para identificar o desempenho do equilíbrio corporal na adolescência, tendo em vista a escassez destes dados na literatura. Houve um incremento do equilíbrio corporal, tendo em vista uma menor frequência de alterações no equilíbrio corporal nas faixas etárias maiores, embora ainda persistiram as diferenças entre os grupos. Isto sugere que intervenções nesta população devem ser realizadas não apenas na infância, mas também na adolescência, podendo ser incorporadas ainda no ambiente escolar.

Os grupos ainda apresentaram diferenças para ambos os sexos. Entretanto, os meninos apresentaram mais alterações no equilíbrio corporal que as meninas, corroborando aos achados de Dorneles et al.,(2121. Dorneles PP, Pranke GI, Mota CB. Comparison of postural balance between female and male adolescents. Fisioter Pesq. 2013;20(3):210-4.) que avaliaram e compararam o equilíbrio corporal de adolescentes saudáveis de acordo com sexo e observaram que o sexo feminino apresentou melhor estabilidade no equilíbrio corporal que o masculino. Além disto, as meninas deste estudo se mostravam mais concentradas na realização dos testes que os meninos, que, por sua vez, demonstravam mais ansiedade para realizar as provas, o que pode justificar os achados referentes à variável sexo deste estudo.

Diante do exposto, este estudo identificou alterações no equilíbrio estático e dinâmico dos escolares com perda auditiva sensório-neural em relação aos ouvintes do mesmo sexo e faixa etária. Sugerimos que tais alterações podem ocorrer em virtude de uma inadequada organização sensorial que tais crianças apresentam, devido ao possível acometimento do sistema vestibular, em virtude da lesão na orelha interna.

Dando suporte a esta hipótese, Guilder et al.,(2222. Guilder RP, Hopkins LA. Auditory function studies in an unselected group of pupils at the clarke school for the deaf. Laryngoscope. 1936;46(1):46-63.) relataram que as crianças com graus de perda auditiva severo e profundo apresentavam frequentemente a hipoatividade do sistema vestibular. Do mesmo modo, Lavinsky(2323. Lavinsky L. Vestibular function in children with severe hearing deficiency. Rev HCPA. 1990;10(1):14-26.) relatou que crianças com graus de perda auditiva profundo apresentaram elevada ocorrência de disfunção vestibular em seu estudo. Tais dados poderiam justificar os achados deste estudo, tendo em vista que 91,7% das crianças com perda auditiva deste estudo apresentavam graus severo e profundo. Outras pesquisas também relataram que a disfunção vestibular é um achado, frequente em avaliações otoneurológicas de crianças com perda auditiva sensório-neural.(2424. Lisboa TR, Jurkiewicz AL, Zeigelboim BS, Martins-Bassetto J, Klagenberg KF. Vestibular findings in children with hearing loss. Int Arch Otorhinolaryngol. 2005;9(4):271-9.

25. Schwab B, Kontorinis G. Influencing factors on the vestibular function of deaf children and adolescents - evaluation by means of dynamic posturography. Open Otorhinolaryngol J. 2011;5:1-9.
-2626. Jerome A, Kannan L, Lakhani H, Palekar TJ. Prevalence of vestibular dysfunction in hearing impaired children. Int J Pharm Sci Health Car. 2013;3(2):1-6.)

Vale ressaltar que não foi realizada a avaliação da função vestibular nos escolares com perda auditiva deste estudo, visto que a vectoeletronistagmografia computadorizada é um exame de alto custo e não disponível no sistema público de saúde da cidade onde o estudo foi realizado, além do fato de que este projeto não possuiu financiamento. Esta foi, então, uma limitação para qualquer conclusão sobre o acometimento vestibular das crianças e adolescentes com perda auditiva deste estudo.

No entanto, acredita-se que toda criança com diagnóstico clínico de perda auditiva do tipo sensório-neural deveria submeter-se a exames vestibulares, independentemente da idade e do sexo, e mesmo na ausência de vertigens ou tonturas.(2727. Ganança MM, Vieira RM, Caovilla HH. Princípios de otoneurologia. São Paulo: Atheneu; 1999.)

Diante da importância do exame da função vestibular, sugerimos que os estudos futuros possam fazer esta associação entre o desempenho do equilíbrio estático e dinâmico em crianças com perda auditiva com e sem disfunção vestibular associada, para identificar qual a real influência destes sistemas (auditivo e vestibular) isolados no equilíbrio desta população.

Uma das maiores contribuições deste estudo foi fornecer dados sobre o desempenho do equilíbrio dinâmico de crianças e, sobretudo, de adolescentes com perda auditiva em relação aos ouvintes, tendo em vista a escassez destes dados na literatura. Além disto, apresentou uma amostra homogênea, pareada e bem mais representativa que a de estudos presentes na literatura.

De acordo com os achados deste estudo, verificou-se que os escolares com perda auditiva sensório-neural apresentaram mais alterações no equilíbrio estático e dinâmico que os ouvintes, do mesmo sexo e faixa etária.

Tal condição pode ter relação com o acometimento do sistema vestibular em virtude da lesão na orelha interna. Estas alterações possivelmente surgem desde a primeira infância, remetendo a importância de se conscientizar os profissionais de saúde e, sobretudo, os especialistas em saúde auditiva e desenvolvimento neuromotor infantil, como otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos e pediatras, para que tais profissionais tenham um olhar mais generalizado sobre a criança com perda auditiva e troquem informações, focando não apenas no aspecto auditivo, mas também no desenvolvimento e desempenho neuromotor infantil, tendo em vista que as alterações aqui encontradas são, muitas vezes, desconhecidas por muitos destes profissionais.

Desta maneira, ressalta-se a necessidade de programas preventivos direcionados à saúde escolar, que reforcem a prática de exercícios físicos específicos, com avaliações neuromotoras, do equilíbrio corporal e de habilidades motoras, de maneira periódica, bem como intervenção precoce específica, se necessário.

Todas estas atuações são atribuições da fisioterapia, refletindo a importância do fisioterapeuta no ambiente escolar. Estas intervenções poderiam ser incorporadas no dia a dia de escolas, em instituições que atendem esta população e nas equipes multiprofissionais, buscando adequar e/ou aprimorar o equilíbrio corporal, o desempenho motor e a qualidade de vida de crianças e adolescentes com perda auditiva sensório-neural.

CONCLUSÃO

Os escolares com perda auditiva sensório-neural apresentaram maior ocorrência de alterações no equilíbrio estático e dinâmico que os ouvintes do mesmo sexo e faixa etária.

AGRADECIMENTOS

Ao ex-gestor da Gerência Regional de Educação do Agreste Centro-Norte – Caruaru, Antônio Fernando Santos Silva, pelo consentimento para realizar a pesquisa; às gestoras e às professoras do Centro de Reabilitação e Educação Especial Rotary e da Escola Duque de Caxias, pelo espaço cedido aos pesquisadores; aos pais, que concordaram que seus filhos participassem desta pesquisa; e aos escolares que participaram do estudo − sem vocês nenhuma página deste artigo poderia ser escrita.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Dez 2016
  • Aceito
    5 Jun 2017
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